Livros
Direitos Humanos
Direitos
Humanos
Direitos
Humanos em Moçambique
Josué
Bila
Parte
I – Artigos
Capítulo
III
Jornalismo moçambicano:
Avanços e Desafios
Mesmice
famosa na Imprensa1
“Liberdade
de Imprensa não pode significar
monopólio do microfone ou da orelha
dos outros...
é garantir que exista espaço
na mídia
para que possamos ouvir e ver opiniões
e visões de mundo distintas das
nossas”
- Fórum Nacional para a Democratização
da Comunicação(Brasil)
“Já
ouviste o suficiente. Agora é a
tua vez de imprimires o ritmo e de te
fazeres ouvir”
- Seamus Heaney
O debate de idéias nos órgãos
de informação jornalística
moçambicana é condicionado
pela divinização exclusiva
de determinadas pessoas para falarem de
vida nacional e internacional, particularmente
nos espaços nobres e/ou semi-nobres.
A esse comportamento, diário e
semanal, posso chamar de mesmice famosa
na Imprensa.
Antes
de discorrer sobre o micro debate que
pretendo levantar, aqui, permitam-me pensar
o que é mesmice famosa na Imprensa.
Mesmice famosa na Imprensa é convidar
e entrevistar, fanática e acriticamente,
os mesmos cidadãos, publicamente
conhecidos, para falarem, opinarem, descortinarem
e debaterem sobre temas e acontecimentos
da sociedade. Assim, ignoram-se, propositada
ou preconceituosamente, outras vozes humanas
e sociais, cuja cidadania ou qualidade
intelectual é, sem espaço
para reservas, robusta, sofisticada, visionária
e cosmopolita.
Para
evitar mal-entendidos, próprios
de sociedades provincianas e emergentes
na compreensão ético-intelectual
de assuntos em debate, deixo claro, desde
já, que a minha aversão
não se acasala à exclusão
e a perseguição odiosa de
cidadãos publicamente conhecidos
para os debates na Imprensa; mas, sim,
ao privilégio que gozam –
minha crítica é contra a
divinização opinativa, cidadã,
intelectual e midiática de um grupo,
contável a dedo, violando-se o
direito à fala, a opinião
e a expressão, pertencente a cerca
de 20 milhões de liberdades moçambicanas,
cujos direitos e liberdades se encontram
cravados no direito nacional, regional
e internacional de direitos humanos, designadamente
Lei de Imprensa e Constituição
da República de Moçambique,
Carta Africana dos Direitos Humanos e
dos Povos, Declaração Universal
dos Direitos Humanos, Pacto Internacional
dos Direitos Civis e Políticos,
Convenção da Criança,
Convenção da Mulher e demais
instrumentos.
O
ambiente de mesmice famosa na Imprensa
está a denunciar que a Imprensa,
o Estado e as instituições
sociais moçambicanas se fundam
e se organizam (ou se deixam fundar e
se organizar) na base de privilégios,
alimentando-se e fertilizando-se violações
de direitos humanos da maioria. A condição
humana da maioria não está,
em sim, a servir de um quilate primordial
para se beneficiarem e serem titulares
de direitos e liberdades à expressão
na Imprensa. O contrário, sim:
pertença a uma classe-minoria monopolizadora,
exploradora e sanguessugueadora, desprezando-se
que os direitos humanos são de
todos e não de um grupo-elite pós-colonial,
como acontece em Moçambique –
nossa pátria amada, que, dia-a-dia,
juramos que nenhum tirano nos irá
escravizar. Será que ouvir e ver,
na Imprensa, apenas um grupo-elite não
é mediocridade, praticada por tiranos
mediáticos e seu pessoal serventuário?
Posto
isto, a mesmice famosa na Imprensa é
uma religião professada por e em
toda a paisagem de nossos órgãos
de informação jornalística,
cujas fontes e abordagens são as
mesmas, ritualizadas preguiçosamente
por alguns editores, jornalistas, apresentadores
e moderadores sarrafaçais e pré-construtores
de consenso. Isso dá uma larga
vaga de azo à afirmação
do professor Lourenço do Rosário
(2004), em entrevista à revista
Democracia e Direitos Humanos,2
em 2004, segundo o qual o jornalismo moçambicano
é o hino à preguiça,
citando o escritor Mia Couto, em alusão
à fraquíssima investigação
e a dúbios conteúdos jornalísticos
e informacionais. E, acrescenta-se, à
fraquíssima diversidade de fontes
e opiniões de qualidade em temas
publicados e entrevistados, quer na rádio,
quer na televisão, quer nos jornais,
quer na internet. Isto tudo exorciza a
colocação que permeia todo
este texto: as fontes dos órgãos
de informação jornalística
são, regra geral, as mesmas em
quase todos os órgãos, particularmente
os espaços nobres e/ou semi-nobres,
salvo raras e honrosas excepções.
Nos
órgãos de informação,
a mesmice famosa na Imprensa está
a criar um culto de personalidade, fechamento
mental e pré-construção
de consenso nos jornalistas e nos frequentemente
entrevistados e convidados ao debate,
porque, como são analistas todo-terreno,
não têm tido tempo de pausa
para (re)vigorar e (re)ler os conteúdos
geopolíticos, sócio-políticos,
económicos, jurídicos, culturais,
filosofia (sociologia e antropologia)
de direito, direitos humanos e outros,
para melhor peneirá-los, problematizando-os
com a devida vénia, humildade e
ética intelectuais, em obediência
aos decretos de cidadania nacional e cosmopolita.
Como alguns farão isso, padecendo
do que o professor Carlos Serra (2006)
chama de Doutorice?3
Alguma vez a Doutorice negou uma entrevista
ou ir ao debate, mesmo não sabendo
o que vai falar ou vai discutir? Em casos
como estes, o preconceito antecede o conceito.
Nalgumas vezes, penso, sem medo de tropeçar,
que a diferença entre analistas
todo-terreno e analistas-doutorice é
igual, porque o que mais anseiam é
um protagonismo caduco e vaidoso e uma
fama estomacal, respondendo, assim, a
esta hipótese: se não for
desta vez, é para nunca. À
semelhança de reptéis em
sua vida vegetativa às árvores
e ao chão, rastejar-se e acotovelar-se,
na luta pela fama estomacal e erguidamente
profano-ignóbil, nos palcos de
órgãos de informação
jornalística, é um exercício-indústria
de gente provinciana – não
pela sua proveniência-nascença;
mas, sim, pela autopequenez ética
e irresponsabilidade cidadã. Há
que se aprender a observar longe, para
desbaratar provincianices e atitudes redondas,
que caracterizam Moçambique e alguns
moçambicanos actuais.
As
consequências dessa atitude fanática,
preconceituosa e discriminatória
da nossa Imprensa, por (super)visibilizar
as mesmas figuras, são infelizes
e desvirtuam a democracia de opinião,
enquanto um bem de cidadania. Os debates
começam a ser apáticos,
mecânicos, quiça cansativos,
em meio aos vícios de fragmentação
e provincialização temáticas,
exorcizados pelos órgãos
de informação jornalística
e os seus familiares directos, digo, analistas
todo-terreno ou analistas-doutorice.
Porém,
devo ressalvar que tem havido algum esforço,
embora contável e incipiente, de
convidar pessoas bem anónimas,
de fala inteligente e intelectualmente
sofisticada, na Imprensa para opinar e
debater idéias. Devo ainda confessar
que figuras sobejamente conhecidas há,
cujas idéias permanecem sempre
frescas e pedagógicas, para o consumo
público, diferentemente de algumas
falas apáticas, mecânicas,
cansativas e conspiratórias. Abro
parênteses: momentos há em
que a gravata, fato-de-luxo e a maquilhagem
de alguns convidados falam mais que as
suas palavras e idéias, revelando,
talvez, que, temos, entre nós,
intelectuais e académicos!? que
têm mais gravatas e fatos-de-luxo
(cultura material) que livros e conhecimentos
sólidos e sistemáticos (cultura
espiritual). Na minha pequenez racional,
duvido que alguém com muito mais
gravatas e fatos-de-luxo e quase nenhum
livro (que tem lido) possa ser chamado
de intelectual e académico, pura
e simplesmente, por ter passado por uma
instituição do ensino superior.
Pessoas há, entre nós, que
sempre que viajam para o exterior regressam
apenas com gravatas, fatos-de-luxo, saias,
blusas, coisas e objectos, sem um livro
sequer para ler (se, por alguma eventualdade,
lê, o objectivo é atacar
pessoas determinadas, revelando seu senso
preconceituoso – nisso não
há discussão de idéias).
E enchem a boca, autobajulando-se de intelectuais
e académicos: são estes
que se apresentam, frequentemente, com
falas apáticas, mecânicas,
cansativas e conspiratórias. Este
é um exemplo do que chamo de analistas
todo-terreno e analistas-doutorice. Fecho
parênteses, antes de, igualmente,
ser apático, mecânico, cansativo
e conspiratório, o que pode ser
contra-producente.
Proposta
para erradicação da mesmice
famosa na Imprensa
1. Os jornalistas devem ler e
diversificar as fontes no seu órgão
de informação
Os jornalistas devem (continuar a) ler.
E, na leitura, certamente, encontrarão
vários horizontes e abordagens
de autores diferentes. Por exemplo, o
livro Moçambique: 10 Anos de Paz
(2002), coordenado por prof. Brazão
Mazula, tem autores vários, tal
como o Conflito e Transformação
Social: Uma paisagem das justiças
em Moçambique (2003), organizado
por prof. Boaventura de Sousa Santos (português)
e Juiz-Conselheiro do Tribunal Supremo,
João Carlos Trindade (moçambicano).
Estas duas obras têm co-autores:
uns mais conhecidos e outros desconhecidos
publicamente. Nisso, encontro duas possibilidades.
Primeira: os jornalistas e os seus órgãos
de informação, ao ler, encontrarão
vários autores desconhecidos, cuja
pujança ético-intelectual
é sofistica. E, assim, podem convidá-los,
para enriquecer as notícias, reportagens,
debates e opiniões, porque o país
não pode ficar refém de
opiniões de mesmas figuras públicas,
largamente conhecidas (mesmice famosa
na Imprensa). Segunda: os jornalistas
podem pedir aos publicamente conhecidos
para que lhes dêem uma lista de
5 a 10 cidadãos que (muito) sabem
falar sobre um determinado assunto (um
conhecedor ou especialista conhece os
igualmente profissionais, obviamente),
para desmantelar a mesmice famosa na Imprensa.
Penso ainda que esta proposta ajudaria
a que os jornalistas e órgãos
de informação jornalística
tenham mais nomes em função
de áreas ou temas para debate,
diminuindo a unissonância de abordagens,
o que constitui um grave pecado cometido
contra a democratização
das vozes e a liberdade de expressão,
de imprensa, de pensamento, pertencente
a cerca de 20 milhões de liberdades
moçambicanas. Agora, desço
à segunda proposta para erradicar
a mesmice famosa na Imprensa.
2.
Humildade dos convidados
Apresento uma proposta para os religiosos
e fanáticos da mesmice famosa na
Imprensa: Já que os jornalistas
estão sempre lhe convidando para
o debate ou para responder algumas perguntas,
antes de aceitar, pensa se está
em condições intelectuais
e éticas para o fazer. Caso sim,
responda. Mas, sempre que possível,
já que a mediatização
de sua fala não é novidade,
pode dizer ao repórter/jornalista
para que convide outras pessoas, de modo
a que também se expressem sobre
assuntos de vida nacional ou internacional,
a não ser que tais perguntas devam
tão-somente ser respondidas e esclarecidas
por si, tais como um prémio que
ganhou, acusação sobre si
ou questões que só o posto
que ocupa no Estado, Governo, Universidade,
Empresa e Organização Não-Governamental.
Por mais génio e brilhante seja
intelectualmente, evite dar opinião
sempre, como se Moçambique e o
Mundo, desde que existem, esperassem somente
de suas opiniões e visões.
Vou à terceira proposta.
3.
Erradicar o preconceito e a discriminação,
elevando a inclusão
A mesmice famosa na Imprensa é
o corolário do preconceito e da
discriminação dos Outros.
O preconceito, exorcizado e exacerbado
pelos órgãos de informação,
brota do sentimento e crença de
que determinadas pessoas e grupos não
têm qualidade e estatuto suficiente
para discutirem idéias, por mais
que sejam coerentes e lúcidos.
Nestes termos, quando um órgão
de informação e/ou jornalista
exclui determinadas pessoas e grupos do
inegociável exercício do
direito humano à fala e a expressão
está, pela lógica das circunstâncias,
a discriminá-los. E a discriminação
visa anular, excluir e restringir a dignidade
do Outro.
Assim, a proposta prende-se com a inclusão
de demais cidadãos no exercício
de fala e de transmissão de suas
idéias e visões na Imprensa.
Para que se caminhe para a inclusão,
necessário é que os órgãos
de informação jornalística
reconheçam que têm operacionalizado
discriminação dos Outros,
favorecendo um grupo contável a
dedo. Do reconhecimento moral, pode passar-se
para a fase de operacionalização
de inclusão de pessoas e grupos
discriminados para colocarem suas visões
e opiniões, dentro de princípios
de (inter)nacionais de direitos humanos,
em respeito à sua dignidade humana.
^
Subir
Notas:
1
- Moçambique – Maputo. Jornal
ZAMBEZE, 22 de Maio de 2008, pag 27, nr.296,
Ano VI
2
- A revista Democracia e Direitos Humanos
pertence à Liga Moçambicana
de Direitos Humanos – a maior e
mais corajosa ONG de direitos humanos.
3 - Tomei de empréstimo
este termo do catedrático e sociólogo
moçambicano, Carlos Serra. Na Obra
Diário de um sociólogo (2006),
editado pela Imprensa Universitária,
encontra-se melhor desenvolvido.
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