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Direitos Humanos
Direitos
Humanos
Direitos
Humanos em Moçambique
Josué
Bila
Parte
I – Artigos
Capítulo
I
Moçambique contemporâneo
e Direitos Humanos
Direito
de fixar residência: um panfleto
constitucional ilusório?34
Muitos
leitores deste artigo terão lido,
nalgum momento, a Constituição
da República de Moçambique,
ainda que diagonalmente. E, certamente,
terão se interessado pelo ponto
1º do artigo 55º que institui
o direito de os cidadãos fixarem
residência em qualquer parte do
território nacional.
Minha
intenção, aqui e agora,
é cogitar sobre a não efectividade
desse legado de fixar residência
no território moçambicano.
Entretanto, não entrarei em pormenores
jurídicos, sob pena de ser achado
ridículo e ignorante do que realmente
não duvido desconhecer. Porém,
a cidadania de expressão e de imprensa
impõe que interpele e indague o
porquê das macromazelas residenciais
em Moçambique.
Estado
social e o direito de fixar residência
Então, o que pressupõe o
direito de fixar residência em qualquer
parte do território nacional? O
que é uma residência? Haverá
infra-estruturas sociais, económicas,
culturais e políticas para a fixação
de residência? O que significa qualquer
ponto do território nacional? Se
os cidadãos têm o direito
de fixar residência, quem, então,
tem a obrigação de criar
condições sociais e políticas
públicas para materializar esse
direito?
Posso
começar por dizer que o direito
de as pessoas fixarem residência
em qualquer parte do território
nacional exprime pressupostos vários.
Apresento apenas dois. Primeiro, a existência
do Estado social em todo o território
moçambicano. Segundo, a existência
do Estado cumpridor do dever de criar
condições e políticas
públicas de residência urbana
ou rural.
O
Estado social se funda na base da multifacetada
instituição de direitos
de cidadania social, investindo o máximo
dos seus recursos e talentos, para responder
materialmente aos anseios dos direitos
dos seus nacionais. Na verdade, o Estado
social se desdobra não só
na satisfação dos direitos
de cidadania social; mas também
direitos ligados à cidadania económica,
política, cultural e espiritual.
Por assim dizer, o direito de fixar residência
clama pela garantia desses direitos das
pessoas.
Então,
o que clama o direito de fixar residência?
Simplesmente isto: políticas públicas
para residência digna em espaços
parcelados e urbanizados. A exequibilidade
dessas políticas públicas
para o cumprimento palpável do
direito de fixar residência poderá
concorrer para que lembremos que uma moradia
digna é acompanhada e rodeada de
arruamentos asfaltados, escolas, segurança
alimentar, unidades sanitárias,
creches, água canalizada, electricidade,
postos de trabalho, sistemas de transporte
e comunicação, casas bancário-creditícias
(aqui, cogito a necessidade imperiosa
de estabelecimentos de créditos
bonificados para habitação,
criados pelo sector habitacional do Estado),
lojas e mercados económicos, convivência
política, liberdade de expressão
e de imprensa, segurança, salas
de cinema e artísticas, livrarias,
jardins públicos, lazer, espaços
verdes, entre outros direitos de cidadania
política, económica, social,
cultural e espiritual. Não consigo
pensar e focalizar a fixação
de uma residência ou área
habitacional digna, sem estar rodeada
de completude de cidadania política,
económica, social, cultural e espiritual.
Na
inexistência básica de infra-estruturas
e direitos de cidadania já apontados,
o artigo constitucional será apenas
uma justificativa formal e um panfleto
jurídico-constitucional ilusório,
sem uma efectividade possibilitada por
acções concretas do Estado,
resumidas em planos exequíveis
de políticas públicas e
direitos humanos.
Simplesmente
o seguinte: Se como cidadãos temos
o direito de fixar residência em
qualquer parte do território nacional,
significa que os operadores (seniores)
da máquina estatal moçambicana
têm de ter colocado e facilitado
serviços públicos e privados
em qualquer parte do território
nacional condições sociais
e políticas públicas de
uma vida digna para os cidadãos
lá morarem ou aqueles que por circunstâncias
várias queiram viver nesse ponto.
Discutir “qualquer parte do território
nacional” torna-se meio enganoso,
tendo em conta os quase 900.000 Km2 da
extensão do nosso território.
Talvez a melhor colocação
fosse em partes escolhidas pelo Estado
e sociedade civil, desde que comunidades
rurais e tradicionais não saíssem
prejudicadas pela política habitacional;
pelo contrário tivessem benefícios
disso.
Reparem
que o legislador moçambicano, ao
colocar o referido artigo sem exigir dos
operadores da máquina estatal a
materialização do direito
de fixar residência em qualquer
parte do território nacional, está
simplesmente a ser cúmplice da
negligência no cumprimento das obrigações
do Poder Executivo.
O
Fundo de Fomento à Habitação
é o exemplo mais revelador de quão
cúmplice é o nosso Parlamento,
por aprovar orçamentos e leis sobre
serviços e direitos habitacionais
sem, contudo, exigir a prestação
de contas de andamento daquela instituição
do Estado. Qual é o resultado disso?
O FFH está ao serviço da
arrogância e corrupção
feudal dos operadores seniores e juvenis
da máquina estatal. Assim, o FFH
desvirtualizou os seus objectivos de se
constituir em uma alternativa social viável
para habitação infraestruturada
de baixo e médio custo, tendo em
conta o bolso dos beneficiários.
Aliás, bem recentemente, lendo
a Imprensa moçambicana, percebi
que o FFH acaba de ser extinto, pela sua
magna inoperacionalidade. Quem foi e será
responsabilizado pela negligência
e inoperacionalidade do mesmo?
O
exemplo de habitação em
Maputo
O território urbano e suburbano
de Maputo faz fronteira com o de Matola
e Marracuene. Matola e Marracuene têm
vindo a conhecer um crescimento populacional
acelerado dado à fixação
de residências por pessoas que maioritariamente
moravam em Maputo-cidade. Ora, os novos
bairros destinados para residência
na Matola e Marracuene não têm
o mínimo de condições
de transporte e comunicações,
unidades sanitárias, postos de
trabalho, água canalizada, energia
eléctrica, creches, escolas de
nível secundário, técnico-profissional
até ao superior, bibliotecas, centros
artísticos e culturais e mais,
salvo raras e honrosas excepções.
Nestas condições, tem sido
muito difícil que os cidadãos
se fixem nestes bairros. Fixando-se ou
não, o direito de fixar residência
é violado quando no lugar em que
moramos não haja condições
mínimas de residência cidadã.
Residência cidadã é
rodeada de cidadania social, cultural,
económica, política e espiritual.
Reparem que, em todo território
nacional, os governos de Moçambique,
desde 1975, ainda não se guindaram
pela política pública à
habitação ou direito humano
à fixação de residência
cidadã massificada, o que, em si,
é contraproducente aos seus objectivos,
plasmados na Constituição.
Pessoalmente,
conheço o Município da Matola
e o distrito de Marracuene. Há
dezenas de bairros isolados. Isolados
porque não há estradas asfaltadas
que liguem uns bairros de outros; não
há transporte colectivo digno,
circulando carrinhas de caixa aberta;
não há postos de trabalho;
desestruturação económica
e social e a miséria e a exclusão
social são os cartões de
visita; educação escolar
de baixa qualidade; postos de saúde
distando 30 km um do outro; sem energia
eléctrica, água canalizada,
centros infantários, segurança
e mais. Com todos estes marasmos, por
que o artigo constitucional continua?
Actualmente,
Moçambique vive o fenómeno
família urbana alargada um pouco
por todas cidades do país. Milhares
de jovens, já com idade para casamento
ou já casados, continuam a viver
em residências de pais ou nos quartos
arrendados, por causa de factores arrolados
supra e infra-mencionados.
Pontapé
de saída
Já estamos com 19 anos da Constituição
(1990-2009), que inaugura o Estado de
Direito Democrático, e não
vemos nenhuma política pública
para a fixação de residência
incrustada em direitos humanos, mas sim
uma elitização tanto do
recentemente extinto Fundo de Fomento
à Habitação, bem
como de bairros da classe alta e média
moçambicana. Em Maputo, o murro
de separação entre os bairros
de classe média e alta (Sommerschield),
de um lado, e das camadas desfavorecidas
(Polana Caniço), de outro, são
uma grande demonstração
de quão socialmente desiguais são
as zonas residenciais, denunciando o quão
falacioso e enganador é o projecto
socialista e de justiça social,
advogado durante os 34 anos de Independência
Nacional.
Por
tudo isto, o ponto 1º do artigo 55º
é, neste momento, um panfleto constitucional
ilusório, sem dúvidas. Lamentável.
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Nota:
34
- São Paulo, 9 de junho de 2009
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