Livros
Direitos Humanos
Direitos
Humanos
Direitos
Humanos em Moçambique
Josué
Bila
Parte
I – Artigos
Capítulo
I
Moçambique contemporâneo
e Direitos Humanos
DUDH
e direito humano à vida: o caso
moçambicano10
A
humanidade celebra, no próximo
dia 10 de Dezembro de 2008, o 60º
aniversário da Declaração
Universal dos Direitos Humanos (DUDH),
aprovada pela Organização
das Nações Unidas. A DUDH
é um documento contemporâneo
sobre direitos humanos, cujos articulados
expressam, irrefutavelmente, o respeito
à dignidade humana e o direito
à vida – e é disso
que este texto irá tratar, tendo
Moçambique como alvo. O artigo
3º da DUDH é a isso referente:
“Toda pessoa tem direito à
vida...”.
Posto
isto, será que os moçambicanos
gozam do direito humano à vida?
A resposta pode depender do olhar, conhecimento
e experiências de cada um. Dando
um parecer ingénuo, respondo que
os moçambicanos gozam, sim, do
direito humano à vida. Porém,
o meu sim é bastante condicionado.
Por isso, poderei revolver o meu sim bastante
condicionado, ao longo do texto.
Começo,
antes, por dispor do conteúdo do
artigo 40º da Constituição
da República de Moçambique
(CRM), referente ao direito humano à
vida: (1) “Todo o cidadão
tem direito à vida e à integridade
física e moral e não pode
ser sujeito à tortura ou tratamentos
cruéis ou desumanos” e (2)
“Na República de Moçambique
não há pena de morte”.
Ora,
em Moçambique, a idéia que
salta à mente das pessoas, quando
se fala do direito humano à vida,
é aquela estritamente ligada (1)
às máximas religioso-morais:
não matarás; (2) aos milhares
de moçambicanos que perdeu a vida
durante a guerra de desestabilização
dos 16 anos (1977-1992); (3) à
memória colectiva dos efeitos morais,
emocionais e sociais de fuzilamentos instituídos
pelo partido-Estado, até ao ano
de 1990, consagrados no ordenamento jurídico
de então; (4) à luta contra
a cultura de brutalização,
desumanização e baleamentos
mortais dos cidadãos por agentes
policiais, sob direcção
da Polícia da República
de Moçambique, aliada à
impunidade, depois de 1990 a esta parte;
e (5) ao aborto, por causa dos polémicos
debates em torno do mesmo, uns a favor,
outros contra e aqueloutros neutros. Em
nosso meio, estas idéias têm,
certamente, enquadramento quando se fala
ou se defende o direito humano à
vida. E têm, também, significado
na luta pela dignidade das pessoas, como
seres éticos, independentemente
de suas particularidades.
Contudo,
no actual estágio de Moçambique
é imperioso desdobrarmos outros
significados do direito humano à
vida, para preencher algum vazio que o
debate dos cinco pontos do parágrafo
anterior traz. O direito humano à
vida não só tem, a título
exclusivo, como fronteira e delimitação
a cultura de brutalização,
desumanização e baleamentos
mortais protagonizados por polícias
e outros agentes estatais ou não-estatais;
mas, também, se estende ao conjunto
de políticas públicas capazes
de manter, em qualidade e em dignidade,
a vida dos moçambicanos. Por exemplo,
a educação, saúde,
família, habitação,
alimentação, trabalho, segurança
e tranquilidade públicas, segurança
social e outros direitos – sociais,
culturais, económicos, ambientais,
sexuais, civis e políticos. Outrossim,
um simples respeito pelas regras de trânsito
por transeuntes, condutores e motoristas
e respectiva colocação de
lombas e mais semáforos nas estradas
e ruas pelas autoridades municipais e
estatais, com participação
activa de cidadãos, com o objectivo
de evitar atropelamentos ou sustos que
podem causar desmaios às pessoas;
não poluir o ambiente, por meio
de emissão descontrolada de gazes
pelas indústrias e viaturas, queimadas
de lixo nos meios urbanos, suburbanos
e rurais; campanhas anti-indústria
de fabrico de armas de brinquedo, bem
como a sua respectiva venda e compra;
comunicação social pró-ética
da vida; e educação sobre
direitos reprodutivos e saúde materno-infantil
são dos pouquíssimos exemplos-propostas
que podem contribuir o bastante para a
dignificação do direito
humano à vida.
Mau
grado, em Moçambique, quase que
não existem políticas públicas
desenhadas e implementadas sistematicamente
para o exercício de cidadania e
respeito à dignidade humana, o
que é, em si, contraproducente.
As autoridades estatais, não raras
vezes, se esquivam em assumir um compromisso
político consequente para a implementação
de direitos humanos, o que afectaria,
deste modo, o direito humano à
vida. A tentativa de se falar de direitos
humanos resvala sempre em falas deslocadas
do real problema, por se elevar demagogias
ocasionais, ideologias improdutivas, visões
e promessas eleitoralistas, em meio ao
conhecimento algo romântico e fragmentado
do direito humano à vida.
Assim,
recorrendo ao Plano de Acção
para a Redução da Pobreza
Absoluta - PARPA II e ao pensamento do
parágrafo anterior, é confirmado
o meu sim bastante condicionado sobre
a efectivação do direito
humano à vida em Moçambique.
Os dados do PARPA II apresentam que, dos
20 milhões de moçambicanos,
“10 milhões vivem ainda em
pobreza absoluta”, ou seja, abaixo
de um dólar por dia, como aludem
as agências das Nações
Unidas. Uma parte extremamente considerável
dos restantes 10 milhões, que não
vive em pobreza absoluta, também
enfrenta privações sociais,
razão pela qual a esperança
de vida dos moçambicanos não
vai além de 40 anos de idade, por
o acesso a alimentos, saúde, educação,
habitação, emprego, ambiente
equilibrado e outros direitos, em quantidade
e qualidade, constituir uma utopia, a
avaliar pelo quase incomprometimento das
autoridades estatais locais em implementar
direitos humanos.
Mais:
Dados do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento sobre os
Objectivos de Desenvolvimento do Milénio,
relatados pelo governo, indicam que a
taxa de mortalidade infantil ronda entre
125, por 1000 recém-nascidos; a
taxa de mortalidade de menores de cinco
anos situa-se entre 200, em cada 1000
nascimentos. Estes são apenas alguns
indicadores que precarizam e descartabilizam
o direito humano à vida em Moçambique,
dando azo ao meu supramencionado sim bastante
condicionado.
Artigo
25º da DUDH
Baseando-se nos dados do PARPA II e das
agências das Nações
Unidas, é inegável que,
em Moçambique, hajam e perfilam
violações contra o direito
humano à vida, que ferem o conteúdo
do artigo 25º da DUDH, que assinala
que: (1)“Toda a pessoa tem direito
a um padrão de vida capaz de assegurar
a si e a sua família saúde
e bem-estar, inclusive alimentação,
vestuário, habitação,
cuidados médicos e os serviços
sociais indispensáveis, o direito
à segurança, em caso de
desemprego, doença, invalidez,
viuvez, velhice ou outros casos de perda
de meios de subsistência em circunstâncias
fora de seu controle” e (2)“
a maternidade e a infância têm
direito a cuidados e assistência
especiais. Todas as crianças, nascidas
dentro ou fora do matrimónio, gozarão
da mesma protecção social”.
Artigo
11º da CRM
Pode-se dizer ainda que as violações
contra o direito humano à vida,
em Moçambique, contrariam os objectivos
do Estado moçambicano, dispostos
no artigo 11 da Constituição
da República de Moçambique:
(c) a edificação de uma
sociedade de justiça social e a
criação do bem-estar material,
espiritual e de qualidade de vida dos
cidadãos; (e) a defesa e a promoção
dos direitos humanos e da igualdade dos
cidadãos perante a lei; (f) o reforço
da democracia, da liberdade, da estabilidade
social e da harmonia social e individual.
Caso este artigo seja obedecido, por consequência,
os objectivos do artigo 40º serão
alcançados e vice-versa. E por
que não do direito humano à
vida.
Em
fim, os direitos humanos devem ser respeitados
e implementados pelo (1) Estado e (1a)
Governo, como políticas públicas
eficazes e eficientes, entrosados no espírito
atitudinal e comportamental de (2) cidadãos,
a título individual e colectivo,
para que se assista à elevação
do direito humano à vida em Moçambique.
Vale lembrar que, (3) a assistência
e cooperação internacionais
são chamadas a intervir, rumo à
satisfação do direito humano
à vida. A missão é
de todos nós, certamente!
^
Subir
Notas:
10
- Publicado originalmente no Jornal ZAMBEZE.
15/Maio/2008, pag. 10, nr.295, Ano VI
<
Voltar