
A
Luta pelos Direitos Humanos
durante a Ditadura de 1964
O golpe de 1964 não
significou, apenas, a interrupção, pela força, de um processo sócio-político
de emergência das massas, com vistas à construção de uma hegemonia
baseada na ótica das maiorias. Representou a implantação de um regime
baseado numa ideologia, da “doutrina de segurança nacional”,
frontalmente contrária aos princípios da autêntica democracia e dos
direitos humanos. Como assinala Joseph Comblin, “o fato que mais
conhecemos sobre os sistemas militares latino-americanos é sua
permanente prática da violação, quase institucionalizada, dos
Direitos do Homem, levando ao desaparecimento das liberdades democráticas
e dos direitos individuais. Diversas associações internacionais,
confessionais ou não, organizações governamentais ou não,
preocupam-se com essa situação de fato...A Doutrina da Segurança
Nacional é uma extraordinária simplificação do homem e dos problemas
humanos. Em sua concepção, a guerra e a estratégia tornam-se a única
realidade e a resposta a tudo. Por causa disso, a Doutrina da Segurança
Nacional escraviza os espíritos e os corpos”.
Nesse período,
citado, mais recentemente, como dos “anos de chumbo”, a luta pelos
direitos humanos baseia-se, essencialmente, num duplo movimento: de um
lado, a reação ao sistema repressivo; de outro, o aproveitamento de
todas as brechas possíveis para a abertura de espaços de redemocratização.
Esse movimento envolveu vontades políticas em todos os setores da
sociedade.
As Igrejas, de forma
diversa, envolveram-se progressivamente nessa luta. Muitas delas
sentiram na pele a ação arbitrária do Estado policial e passaram por
um processo de conversão. Leigos e leigas, padres, pastores e pastoras,
religiosos e religiosas foram duramente atingidos pela repressão.
Um dos principais
marcos dessa tomada de posição das Igrejas Cristãs em favor dos
direitos humanos e, conseqüentemente, contra a ditadura militar, foi o
lançamento, em 1973, pela Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE),
do livreto de capa azul com a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, da ONU. Com uma tiragem aproximada de 2 milhões de exemplares,
o livreto foi amplamente distribuído, junto às comunidades cristãs e
movimentos sociais de todo o país, colaborando para o fortalecimento de
uma luta profundamente difícil contra o Leviatã da época.
Na Igreja Católica
Romana, em particular, sete documentos episcopais sintetizaram a posição
eclesial contra os desmandos cometidos pela ditadura:
1. Uma Igreja da
Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social,
de 10 de outubro de 1971, publicado pelo bispo de São Félix do
Araguaia (MT), d. Pedro Casaldáliga;
2. Testemunho de Paz.
Declaração conjunta do episcopado paulista. Brodósqui (SP). 8
de junho de 1972;
3. Ouvi os clamores
do meu povo. Documento de bispos e superiores religiosos do
Nordeste. 6 de maio de 1973;
4. Marginalização
de um Povo. Declaração dos bispos do Regional Centro-Oeste. Goiânia.
6 de maio de 1973;
5.
Y-Juca-Pirama. O Índio,
Aquele que Deve Morrer. Documento publicado por bispos
e missionários da Amazônia. 25 de dezembro de 1973;
Um outro dado
fundamental a ser assinalado, nesse período, é o de que a luta pelos
direitos humanos integra, cada vez mais, esforços voltados para a
redemocratização, como objetivo maior; contra o predomínio do Estado
sobre o cidadão e também contra os efeitos de um modelo econômico
que, embora traduzindo-se em crescimento, em determinado momento (como
na fase do chamado “milagre brasileiro”, de 1969 a 1973),
representou, efetivamente, um empobrecimento ainda maior das classes
excluídas.
Toda essa
mobilização traduziu-se na organização e no trabalho de ONGs, por
todo o país. Simbolicamente, podem ser citadas três, cada uma delas em
um nível específico de atuação pelos direitos humanos, durante a
ditadura: o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), que
contribuiu para analisar e desmontar os mecanismos sociais, econômicos
e políticos do regime de exceção; o Comitê Latino-Americano pelos
Direitos Humanos no Cone Sul (CLAMOR), que seria extinto na fase de
transição e que exerceu um papel destacado em defesa dos direitos
humanos da diáspora latino-americana, atingida pela repressão no
Brasil e nos outros países do continente submetidos à camisa de força
da “Doutrina de Segurança Nacional” e a Comissão Justiça e Paz da
Arquidiocese de São Paulo. Esta Comissão, seguindo a linha do cardeal
Arns, conseguiu integrar competentemente, durante a ditadura, a defesa
dos direitos humanos com a denúncia da injustiça estrutural sócio-econômica.
Como resultado disto, foram produzidas, em parceria, importantes
pesquisas sociológicas, como foi o caso de “São Paulo: Crescimento e
Pobreza”, coordenada pelo sociólogo Lúcio Kowarick.
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