Casos
na Justiça Militar: corporativismo, conivência e impunidade.
O Centro
“Santo Dias” atua, desde sua fundação, no campo da violência
policial assistindo juridicamente as vítimas ou familiares destas
quando há violações aos direitos individuais praticadas por agentes
policiais, civis ou militares.
Atuamos, desde 1980, na
área da Justiça Militar Estadual, onde eram processados e julgados os
policiais militares (maior porcentagem da violência praticada
derivava-se da Polícia Militar).
Quando conhecemos a
Justiça Militar ocorria a decepção em relação à forma de julgar e
punir os acusados. A grande maioria de policiais julgados nessa Justiça
foram absolvidos. A lentidão proposital da Justiça Militar acarretava
prescrição dos crimes. Na prática, constatamos casos escabrosos e
hediondos de violência à pessoa,
e mesmo com abundância
de provas e até confissão dos militares, encontram como regra a ausência
absoluta de qualquer punição.
Com o advento da Lei n.
9.299/96 – crimes dolosos praticados por policiais militares contra
civis, resultando lesão ou morte – exatamente os casos acompanhados
pelo Centro, a situação se alterou, com grande satisfação para nós.
Os inúmeros casos ainda sem julgamento na Justiça Militar foram
enviados à Justiça Comum, para o julgamento mais célere e justo.
Os casos
enviados à OEA foram escolhidos exatamente por serem da competência
da Justiça Militar e que agora foram encaminhados para a Justiça
Comum. A denúncia desses casos junto à Comissão Interamericana de
Direitos Humanos da OEA destinava-se a cobrar do Governo Brasileiro
celeridade no julgamento dos policiais militares junto à Justiça
Castrense. Como o advento da nova lei, verificou-se que os casos ainda não
julgados pela Justiça Militar estão sendo reiniciados ou processados
na Justiça Comum, com maior possibilidade de punição efetiva dos
acusados. Estamos, desta forma, informando
à Comissão que os casos estão sendo agora acompanhados com maior
justiça e seriedade, sem a protelação que era comum à Justiça
Castrense.
1-
Oséias Antonio dos Santos
Foi o que fizemos no
caso do assassinato do operário metalúrgico Oséias Antonio dos
Santos, pai de quatro filhos menores, sem antecedentes criminais. Ele
foi executado dentro de sua residência, na frente da esposa e dos
filhos, na madrugada do dia 16 de março de 1983, por policiais
militares que, poucos dias depois, reconheceram ter cometido engano
quanto à pessoa e afirmaram que Oséias não era o assassino que
procuravam!
A pedido da família, o
Centro Santo Dias acompanhou todo o desenrolar do inquérito policial e
a lenta tramitação do processo nº 74.820/82, referente ao caso. Um
dos envolvidos, o capitão PM Comte Lopes, é atualmente deputado
estadual em São Paulo, o que lhe garante imunidade parlamentar.
Decorridos 17 anos, o
Poder Judiciário ainda aguarda manifestação da Assembléia
Legislativa do Estado de São Paulo, instância que deve autorizar o
prosseguimento do processo contra Comte Lopes. Com relação ao outro
policial implicado, a Justiça Militar, em julho de 1994, concluiu pela
absolvição do tenente PM
Celso Teixeira Lopes, prevalecendo a tese - absurda e infelizmente
corriqueira - de legítima defesa!
O Estado brasileiro não
fez justiça à família do operário assassinado. Diante de fato de tal
gravidade, praticado por agentes do Estado, autoridades e tribunais se
omitiram, ignorando a situação em que ficaram a viúva Amélia Gomes
de Oliveira Santos e os filhos. Favoreceu a impunidade dos assassinos do
chefe dessa família, que também perdeu a ação de pedido de indenização,
julgada improcedente.
2- Clarival Xavier
Cotrim
Doloroso e revoltante
é o caso do assassinato de Clarival Xavier Cotrim, jovem negro
executado em 20 de março de 1982, aos 22 anos, pelos policiais
militares, depois de ter sido detido arbitrariamente, sem qualquer
justificativa.
A vitima, totalmente
dominada e indefesa, foi transportada por uma viatura policial a um
local ermo, no bairro de São Mateus, na zona leste da cidade, onde foi
executado a tiros.
Apesar de a 3ª
Promotoria da Justiça Militar, já em 12 de
abril de 1983, ressaltar que “...a execução foi consumada em
situação que impossibilitou de todo a sua defesa, visto estar ela
totalmente dominada e a mercê de seus carrascos ...”, e que
“...para ocultar a prática do crime, inventaram os executores diretos
da morte um pretenso tiroteio com marginais ...”,
tudo de modo a grosseiramente escamotear a verdade, nem assim a Justiça
se fez mais rápida.
Depois
de longo trâmite processual, a 3ª Auditoria Militar somente designou a
audiência de julgamento para 2 de maio de 1991. As audiências foram
sucessivamente adiadas e remarcadas para 25 de fevereiro de 1992, 3 de
setembro de 1992 e 1º de setembro de 1994.
Transcorridos
treze anos do assassinato, o caso foi encerrado, com condenação sem
recurso do acusado em 23 de março de 1997. Com a condenação, a mãe
de Clarival, dona Sebastiana, abriu uma ação de indenização, em
primeira instância considerada improcedente e que hoje tramita no
Tribunal de Justiça.
Celso
Bonfim de Lima
Celso
Bonfim de Lima, jovem de 18 anos, era funcionário de um restaurante, na
cidade de São Paulo. No dia 26 fevereiro de 1983, tendo
terminado seu serviço por volta das 23 horas, foi autorizado pelos patrões
a pernoitar no estabelecimento.
De madrugada, foi
acordado aos gritos pelos policiais militares Aurino Tavares da Silva,
Sebastião Tozatti e Manoel Messias da Silva, que, através de uma
janela, ordenaram-lhe que pusesse as mãos sobre a cabeça, entregasse o
revolver do patrão que estava na gaveta da caixa registradora e abrisse
uma das portas de aço do restaurante. Quando o rapaz se encaminhava
para atender à última exigência, foi alvejado pelas costas, com um
tiro na nuca, que lhe provocou lesões corporais gravíssimas, com seqüelas
neurológicas de tetraplegia, perda de funções dos membros superiores
e inferiores, bem como incapacidade permanente para o trabalho (Celso
foi indenizado e recebe pensão mensal do Estado, apesar de ainda
aguardar o pagamento de pensões atrasadas).
O
“julgamento” ocorreu somente em junho de 1993, mais de 10 anos
depois. Mesmo constando da sentença que a vitima era um jovem honesto,
trabalhador e, na ocasião do crime, totalmente indefeso, e que os
policiais militares que o agrediram haviam comprovadamente faltado à
verdade em todos os depoimentos prestados às autoridades processantes,
apenas do PM Aurino Tavares da Silva foi condenado, à pena irrisória
de dois anos, com direito a “sursis”, o que lhe permitiu permanecer
em liberdade.
A farsa se completaria
um ano depois, quando o Tribunal de Justiça Militar negou provimento ao
recurso interposto contra a exígua condenação e declarou extinta a
punibilidade do policial agressor, por prescrição da pena em concreto.
Ou seja, mais uma vez o Estado brasileiro faltou ao seu dever, não
realizando a justiça e beneficiando o criminoso!
3 - Wanderley
Gallati
O Estado brasileiro
falhou também na apreciação do caso do assassinato de Wanderlei
Gallati, brutalmente espancado
até a morte pelo policial militar, depois de uma colisão de veículos.
Wanderley foi golpeado na cabeça, com a coronha do revólver por ele
portado, em plena via pública, na frente dos seus cinco acompanhantes,
que estavam no seu carro e foram impedidos de socorrê-lo, sob a mira do
revólver do mesmo policial.
Esse fato, ocorrido em
26 de agosto de 1983, não impediu que este policial fosse promovido a
oficial, o que serviu para retardar
ainda mais o “julgamento” na 1ª Auditoria Militar, realizado em 15
de outubro de 1991. O policial criminoso foi absolvido “por falta de
provas”, apesar da existência de pelo menos cinco testemunhas da
agressão!
Decorridos
quatro anos do julgamento, até agora ainda não foi assinada a sentença
pelos oficiais militares que compunham o Conselho Permanente de Justiça,
impossibilitando, desta maneira, pelo menos, que se tentasse reformar tão
injusta decisão, pela via de recurso legal.
O
processo desapareceu na 1ª Auditoria Militar. A sindicância aberta
pelo Ministério Público resultou apenas na demissão de um funcionário.
A ação de indenização foi julgada procedente e a família de
Wanderley ainda aguarda pagamento.
4
- Delton Gomes da Mota
A
justiça também não foi feita no caso do homicídio de Delton Gomes da
Mota. Jovem de 20 anos, ele foi covardemente executado por policiais
militares da ROTA Gilson Lopes da Silva e Mauricio Correa do Nascimento,
em uma rua no bairro do Jaçanã, zona norte de São Paulo, em
14 de março de 1985.
Delton
e seus três amigos não portavam armas, nem drogas e nem tinham
antecedentes criminais. Conversavam pacificamente em uma das esquinas do
bairro quando os policiais deles se aproximaram e, sem se identificarem,
passaram a efetuar disparos em direção ao grupo, que se dispersou.
Delton não teve a mesma sorte dos outro três amigos que sobreviveram.
Os
dois policiais envolvidos no crime foram absolvidos em julgamento pela
Justiça Militar. A Absolvição foi anulada pela
apelação e os réus serão submetidos a novo julgamento. Depois
do recurso do Ministério Público, o processo-crime foi enviado à
Justiça comum em 8 de
junho de 1998 está tramitando, a passos lentos, no Tribunal de Justiça.
A família foi vitoriosa na ação de indenização, que declarou
o Estado culpado pela morte de Delton.
5
- Aluisio Cavalcanti Júnior
A
história do assassinato de Aluísio Cavalcanti Júnior, jovem de 18
anos, em 4 de março de 1987, só veio à luz porque sobreviveu a outra
vítima da execução planejada, Cláudio Aparecido de Moraes, que os
policiais acreditaram que também tivesse falecido, em decorrência dos
tiros. Neste caso estão envolvidos pelo menos oito policiais: o cabo PM
José de Carvalho, os soldados Luiz Fernando Gonçalves, Rubens Antonio
Baldasso, Roberto Gomes de Assis, Francisco Gomes Inocêncio e Dirceu
Bortoloto, o segundo tenente Robson Bianchi e o terceiro sargento João
Simplício Filho.
Depois
que Cláudio e o corpo de Aluísio foram abandonados pelos policiais
militares em um matagal no Jardim Camargo Velho, Cláudio, mesmo ferido,
conseguiu se locomover e ser socorrido em um hospital.
Todos
os oito policiais envolvidos foram denunciados perante a Justiça
Militar. Apesar de o julgamento ter sido designado inicialmente para o
dia 21 de outubro de 1993, ele não se realizou. Os responsáveis até
hoje não foram punidos. A justiça falha, mais uma vez. O Processo foi
enviado à justiça comum e está sendo
reiniciado.
6
- Marcos de Assis Ruben
A
justiça brasileira está em falta, também, com a família do jovem
Marcos de Assis Ruben, jovem trabalhador de 23 anos, sumariamente
executado em um local ermo, na zona leste da cidade, por três policiais
que o haviam detido momentos antes, em companhia da namorada, sem
qualquer motivo, em março de 1988.
Na
denúncia oferecida pela Promotoria foi possível saber que os mesmos
policiais já estavam sendo denunciado por outros oito assassinatos,
cometidos em situações semelhantes. Apesar dessa agravante, os dois
conhecidos policiais matadores continuaram impunes, mesmo decorridos
mais de dez anos do assassinato de Marcos. O processo-crime corre
na Justiça comum. A Ação
de Indenização foi julgada procedente e os pais aguardam o pagamento.
7 - Carlos Eduardo
Gomes Ribeiro
Também
permanecem impunes os quatro policiais militares que agrediram
fisicamente ao jovem Carlos Eduardo Gomes Ribeiro, de 19 anos, casado,
bem como aos três amigos que com ele conversavam. O fato aconteceu em
3 de maio de 1989. Depois de brutalmente violentados, conduzidos
ao 32º Distrito Policial, foi-lhes recomendados que jamais ousassem
denunciar à Justiça as agressões sofridas.
Carlos Eduardo,
no entanto, resolveu recorrer à Justiça. Os policiais infratores foram
denunciados pela 2ª Promotoria da Justiça Militar.
A morosidade
intencional da Justiça Militar, já habitual nesses casos, mais uma vez
impediu a punição dos culpados: decorridos mais de cinco anos, após a
agressão, o juiz auditor lavrou a sentença reconhecendo a prescrição
e declarando a extinção da punibilidade dos policiais agressores. A ação
de indenização, julgada procedente, tramita no Tribunal de Justiça.
8 - Marcos Almeida
Ferreira
Da mesma forma, a Justiça
Militar tem sido displicente para julgar o policial militar que, no dia
31 de agosto de 1989, criminosamente atingiu, com um disparo de arma de
fogo, pelas costas, ao jovem Marcos Almeida Ferreira, de apenas 18 anos,
causando-lhe “paraplegia por lesão da medula espinhal e conseqüente
perda da função locomotora”, conforme consta do laudo de exame de
corpo de delito.
Quando foi atingido, o
jovem não portava arma alguma e dirigia-se, calmamente, para a padaria
da esquina, provavelmente para fazer um lanche, já que eram 10 horas da
manhã!
Mas os dissabores do
rapaz não pararam aí. Para justificar seu crime, o policial forjou uma
situação absolutamente falsa, de tal modo que de vitima, Marcos passou
à condição de réu, tendo sido processado por crime de resistência
à autoridade. Felizmente, a evidência dos fatos prevaleceu e a Justiça
comum reconheceu que Marcos não cometera crime algum e que, ao contrário
fora ... “vítima do disparo e do espírito homicida do policial, esse
sim verdadeiramente criminoso”
Apesar de tudo isso,
porém, a Justiça Militar continuou no seu ritmo habitual, como se nada
tivesse acontecido, retardando a realização do julgamento e criando
todas as condições para que também neste caso ocorresse a prescrição,
decretando a extinção da punibilidade do policial militar em 4 de março
de 1999. O caso foi arquivado em 7 de abril do mesmo ano.
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