A CIDADANIA NO BRASIL PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988
Cláudia Mª Toledo Silveira
Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais
Pesquisadora do CNPq
Este artigo constitui-se em no segundo capítulo de monografia
de minha autoria, publicada pela Faculdade de Direito da Universidade
Federal de Minas Gerais. Este trabalho, resultado de 1 (um)
ano de pesquisa de iniciação científica, financiada pelo CNPq,
sob a orientação do Prof. Dr. José Luiz Quadros de Magalhães,
teve como objetivo maior o de se efetivar um estudo abrangente
à questão cidadania. Para tanto, buscou-se a demonstração de
uma trajetória deste conceito no decorrer do tempo (capítulo
transformado no artigo intitulado Cidadania); sua análise atual
e específica com a evidenciação de sua interrelação com os Direitos
Humanos e a decomposição e estudo particular de cada um destes
(capítulo consubstanciado no presente artigo); a exposição da
conexão entre o Direito Econômico e a cidadania (capítulo transformado
no a?u?E?L?rtigo intitulado Direito Econômico e Cidadania); e, principalmente,
a disposição dos instrumentos jurídicos viabilizadores da concretização
dos direitos constitucional e legalmente assegurados (capítulo
transformado no artigo intitulado Instrumentos de viabilização
do equilíbrio sócio-econômico-constitucional).
A CIDADANIA NO BRASIL
PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Conforme explicado no artigo, de minha autoria, intitulado "Cidadania",
ao se considerar a cidadania como a fruição e exercício dos
Direitos Fundamentais assegurados, os quais são indissociáveis
entre si, relevante se faz a análise atual desses direitos para
que se contextualize esse conceito à realidade brasileira.
1 - OS DIREITOS INDIVIDUAIS
Tais direitos têm como ponto marcante a liberdade, seja ela
tomada de uma maneira global ou especificada como 'liberdade
de associação, de reunião'. Compõem este quadro os direitos
à vida, propriedade, segurança, igualdade.
Os Direitos Individuais são caracterizados pela prestação negativa
por parte do Estado. Tal fato significa que este deve obedecer
a determinadas limitações face ao cidadão, o qual tem o direito
a não sofrer invasões, de se ver livre de atitudes arbitrárias.
Tais restrições são também impostas aos outros indivíduos, apesar
de especialmente voltadas para as atitudes das autoridades públicas.
Enfim "os Direitos Individuais são todos aq?u?E?L?ueles que constituem
a personalidade do homem, e cujo exercício lhe corresponde exclusivamente
sem outro limite que o do direito correspondente".
1 . 1 - INTERRELAÇÃO COM OS DEMAIS DIREITOS HUMANOS
A distinção entre os Direitos Individuais e Direitos Políticos
é bastante nítida. Os últimos asseguram a participação dos cidadãos
no governo. Eles requerem determinados requisitos para o seu
exercício, como no exemplo brasileiro, somente podendo deles
desfrutar, segundo a Constituição de 1988, aqueles maiores de
16 anos, que sejam brasileiros natos ou naturalizados, que possuam
capacidade civil, ainda que relativa, que não estejam sob efeito
de condenação criminal transitada em julgado, que não tenham
descumprido os termos do art. 5º, VIII e que não tenham praticado
nenhuma improbidade administrativa, segundo o art. 37, § 4º.
Os Direitos Individuais, no entanto, não sofrem nenhum tipo
de restrição, não se descriminando quem os pode exercer, uma
vez que todos os seres racionais são seus portadores, independentemente
de quaisquer condições. São titulares, portanto, capazes, incapazes,
brasileiros, estrangeiros, alfabetizados e iletrados.
A criação de um certo número de incapacidades em relação aos
Direitos Individuais não significa o estabelecimento de condições
para seu exercício, mas são devidas a dois fatores: ou estes
direitos constituem uma ação política, ou seja, uma participação
indireta no poder público, como a liberdade de imprens?u?E?L?a ou de
ensino, as quais são funções públicas delegadas, precisando
ser fiscalizadas em prol de um interesse maior, ou seja, coletivo;
ou se trata da tarefa do Estado de proteger o indivíduo contra
danos que ele próprio poderia se causar, como no caso da restrição
da escolha de trabalho para crianças.
Além disso, a liberdade política apresenta-se com um aspecto
coletivo, já que é a efetiva participação no governo da coletividade
nacional, ao passo em que as liberdades individuais, ao contrário,
possuem, em geral, fins particulares, pessoais, limitados ao
indivíduo.
Fato é que, talvez esta distinção se dificulte pelo motivo de
as conquistas dos Direitos Individuais terem andado juntamente
com os Diretos Políticos. Já na Magna Carta inglesa (1215),
na Declaração de Direitos do Estado da Virgínea (1776) ou na
Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789),
encontram-se liberdades individuais misturadas com as políticas
de participação no governo.
Conclui-se que ambas as liberdades se completam e garantem mutuamente.
As individuais consistem em um poder de decisão. As políticas,
em participação no poder de decidir que é próprio dos órgãos
governamentais. A participação política dos cidadãos, claro,
será sempre no sentido de preservar seus interesses, seus Direitos
Fundamentais e, conseqüentemente, Individuais. Ao mesmo tempo,
o exercício de liberdades individuais assegura uma participação
política indireta, como já?u?E?L? visto, funcionando, também, como
forma de se zelar pelos Direitos Políticos, quando se encontrem
sob ameaça.
Já em relação aos Direitos Sociais, ao tempo em que os Direitos
Individuais são de exercício exclusivo do indivíduo singular,
em um domínio no qual não pode o Estado adentrar, tendo-se como
único limite a fruição dos mesmos direitos pelos outros, os
Direitos Sociais têm como titular uma coletividade, caracterizados
pela prestação de serviços ou oferecimento de melhorias para
a sociedade como um todo por parte do Poder Público.
Deve-se, no entanto, ter claro que esta dicotomia não é absoluta,
concreta, mas sim uma convenção, com fins didáticos. Os Direitos
Humanos são um todo, formam um conjunto indivisível, visto que
dependem entre si para sua realização empírica. Assim sendo,
tais distinções assumem caráter meramente explicativo, para
que se esclareçam as peculiaridades de cada grupo que compõe
a unidade.
1 . 2 - CLASSIFICAÇÃO
O Prof. JOSÉ LUIZ QUADROS DE MAGALHÃES, assume a classificação
dos Direitos Individuais na atual Constituição da seguinte forma:
1. igualdade jurídica;
2. liberdades físicas;
2.1 - liberdade de locomoção;
2.2 - segurança individual;
2.3 - inviolabilidade de domicílio;
2.4 - liberdade de reunião;
2.5 - liberdade de associação;
3.?u?E?L? liberdade de expressão;
3.1 - liberdade de comunicação;
3.2 - liberdade de imprensa;
3.3 - liberdade artística;
3.4 - liberdade científica;
3.5 - liberdade de crença e culto;
3.6 - sigilo de correspondência de comunicações telefônica e
telegráficas;
4. liberdade de consciência;
4.1 - religiosa;
4.2 - filosófica;
4.3 - política;
4.4 - liberdade de não emitir o pensamento;
5. propriedade privada;
6. direitos de petição e de representação;
7. garantias processuais;
7.1 - habeas corpus;
7.2 - habeas data;
7.3 - mandado de segurança;
7.4 - mandado de injunção;
7.5 - ação popular;
7.6 - ação direta de inconstitucionalidade por ação e omissão;
7.7 - princípios fundamentais de direito processual;
7.7.1 - garantia da tutela jurisdicional;
7.7.2 - o devido processo legal;
7.7.3 - o juiz natural;
7.7.4 - a instrução contraditória;
7.7.5 - ampla defesa;
7.7.6 - acesso à justiça;
7.7.7 - publicidade;
7.7.8 - independência do juiz.
Cumpre fazer-se um destaque para alguns destes direitos, devido
à sua notável importância.
1 . 2 . 1 - IGUALDADE JURÍDICA
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Como foi exposto, a igualdade e a liberdade são Direitos Individuais
básicos do Liberalismo Clássico, cujo grande marco foi a Revolução
Francesa e a respectiva Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão. Esta, em seu artigo primeiro, enuncia que "os homens
permanecem livres e iguais em direitos."
Claro está que, apesar de fundamentos liberais, esses direitos
figuram nas ordens político-jurídicas sociais-democratas, em
conjunto com os demais Direitos Humanos e até mesmo nas constituições
socialistas, estando subordinados aos interesses da coletividade
e do Estado.
Igualdade jurídica significa que todos serão tratados da mesma
forma perante a lei. No entanto, cumpre-se alertar que, em adequação
ao entendimento atual, o tratamento dispensado será equivalente
para todos aqueles que se encontrem em idêntica situação. Deve-se,
portanto, pelo princípio da igualdade, tratar desigualmente
os desiguais.
Claro está que a igualdade jurídica não é bastante, por si só,
para assegurar o pleno exercício da cidadania, isto é, de todos
os Direitos Humanos. É um primeiro passo nesse sentido. Para
a concretização da democracia e plena fruição dos direitos garantidos,
requer-se a igualdade de oportunidades, como visto.
Em nossa atual Constituição, a igualdade jurídica constitui
um dos objetivos fundamentais do país, conforme disposto em
seu artigo 3º. Apesar de ser tipicamente um Direito Individual,
?u?E?L? a igualdade também dá apoio a vários dos Direitos Sociais, como
disposto no artigo 7º , XXX, XXXI, XXXIII, com a proibição de
diversas discriminações por motivo de sexo, idade, cor, deficiência
física etc..
1 . 2 . 2 -LIBERDADES FÍSICAS
Consideram-se liberdades individuais stricto sensu a liberdade
de locomoção e a segurança individual ou pessoal, pois protegem
o indivíduo contra atentados a sua integridade física e moral.
A liberdade de locomoção é aquela que se opõe a qualquer privação
da liberdade de ir e vir, impedindo a prisão de qualquer pessoa,
exceto nas possibilidades estabelecidas constitucional ou legalmente.
A segurança individual, por sua vez, é aquela que se opõe a
qualquer forma de atentado à integridade física, mental ou moral,
isto é, qualquer agressão à pessoa humana.
A liberdade de reunião (art. 5º, XVI) constitui-se na primeira
e mais simples liberdade corporativa, estando logo após a liberdade
de locomoção. Trata-se da garantia à liberdade que tem a pessoa
de decidir se vai ou não participar de uma reunião pública,
pacífica, sem armas e exercer sua liberdade de pensamento e
expressão. Por reunião deve-se entender o "agrupamento temporário
e voluntário de várias pessoas em determinado lugar, segundo
acordo preventivo e com um fim preestabelecido".
A liberdade de associação (art. 5º , XVI a XXI) é distinta daquela
acima exposta por significar a liberdade de várias p?u?E?L?essoas de
organizarem com um vínculo recíproco e duradouro para alcançar
um fim comum (idem, 544). Trata-se, por exemplo, dos sindicatos.*
As associações de base, por se tratarem de importante forma
de se obter uma sociedade civil organizada, funcionam como instrumentos
sociais de eficácia dos Direitos Fundamentais, atuando perante
os poderes constituídos em busca da concretização dos interesses
de determinado grupo.
A liberdade de expressão (art. 5º, IV, V, IX, XII; art. 220
§§ 1º e 6º; art. 221, I a IV) constitui-se das diversas formas
de expressão do pensamento. Nela se incluem a liberdade de palavra
e de prestar informações; liberdade de imprensa; liberdade de
ciência; liberdade de expressão artística; liberdade de culto;
liberdade de ensino; sigilo de correspondência, de comunicações
telegráficas e telefônicas.
A liberdade de imprensa, analogamente às associações, constituem
relevante mecanismo de garantia da eficácia e implementação
dos Direitos Fundamentais, por seu poder de crítica, formação
de opiniões e expressão destas.
A liberdade de consciência (art. 5º, VI, VII e VIII; art. 220,
§ 5º) está intimamente ligada à liberdade de expressão, visto
que apenas através do acesso à informação, idéias, ciência,
artes é que se faz possível a formação de uma consciência. Dessa
maneira, ao se assegurar esse direito ao indivíduo, há de se
impor uma barreira à atuação do Estado para que não se limite
?u?E?L? a liberdade de expressão e, conseqüentemente, de consciência.
A segurança individual é composta, dentre outros preceitos,
pela garantia de inviolabilidade de domicílio, propriedade do
indivíduo; pelo sigilo de correspondência; pela segurança jurídica
de ser presumido inocente enquanto não julgado culpado e de
somente se ser punido em virtude de lei vigente à época do ato
ilícito praticado.
A inviolabilidade de domicílio (art. 5º , XI da CF/88) assegura
a proibição de entrada na casa do morador sem o seu consentimento,
salvo as hipóteses previstas, como flagrante delito; desastre;
para acudir vítimas; sob mandado judicial. A atual Constituição
abordou essa questão com maior rigidez do que as prévias constituições
brasileiras, discriminando exatamente em quais situações é permitida
a invasão domiciliar, não apenas fixando parâmetros vagos.
1 . 2 . 3 - PROPRIEDADE PRIVADA
No período medieval, sempre se denunciou a preocupação excessiva
do homem com bens materiais. Resultado dessa repressão à ganância
material humana estava na proibição pela Igreja da usura. No
entanto, sabe-se que esta mesma instituição punidora era, indubitavelmente,
a maior possuidora de terras naquela época.
Conforme visto, no século XVIII, quando das Revoluções Americana
e Francesa, a concepção era de que a propriedade privada constituiria
um dos Direitos Individuais Fundamentais consagrados.
Sur?u?E?L?giram, nesta fase da história, duas correntes de pensamento
divergentes. Em uma, a qual adotava a ideologia liberal pura,
a propriedade privada era tida como o fundamento da liberdade,
sem a qual ela não se realiza (LOCKE). Na outra, com uma idéia
mais democrática, a base da liberdade seria a igualdade jurídica,
ou seja, só poderiam ser realmente livres aqueles que fossem
tratados desigualmente se estivessem em condições desiguais,
pois somente assim se poderia criar uma isonomia na sociedade,
possibilitando a todos exercerem suas várias liberdades. Esta
última corrente foi afirmada por ROBESPIERRE, na Revolução Francesa,
e derrotada pelo pensamento liberal.
Assim, segundo o conceito liberal, a propriedade privada é tida
como intocável, constituindo-se um direito fundamental absoluto.
"Sua essência há de esgotar-se numa missão de inteiro alheamento
e ausência de iniciativa social".
Sabido é que tal Liberalismo Utópico faliu, uma vez que graves
problemas sociais a partir dele ocorreram, não tendo sido a
política do laissez-faire, laissez-passer capaz de solucioná-los.
Tal fato gerou a insustentável situação de extrema miséria,
desemprego, fome que fez eclodir a Revolução Socialista em 1917,
ao mesmo tempo em que o capitalismo procurava alternativas que
não o deixassem ruir totalmente.
Foi quando se passou a desenvolver o constitucionalismo social,
com as Constituições Mexicana, de 1917, e a de Weimar, de 1919.
Após a Primeira Guerra, conforme est?u?E?L?udado, não mais o Estado
se preocuparia apenas com a definição de sua estrutura política
em suas cartas constitucionais, mas, também, com o estabelecimento
de seus direitos e deveres em relação ao cidadão, visando a
lhe garantir condições mais dignas de vida. Além dessas providências
tomadas, estipularam-se limites aos Direitos Individuais, antes
tidos como absolutos.
No Direito Constitucional Brasileiro, a desapropriação com fins
de atender a interesses sociais somente veio a surgir, tardiamente,
com a Constituição Federal de 1946. Em nosso atual texto, o
assunto encontra-se disposto no art. 5º , XXII a XXV, XXVII,
a e b, XXVIII e XXIX; art. 170, II; art. 182 § 2º; art. 184
ao art. 186. Os últimos artigos encontram-se dispostos no Título
VII, referente à ordem econômica, deixando patente a interrelação
entre o Direito Econômico e os Direitos Humanos.
1 . 2 . 4 - DIREITO À VIDA
O direito à vida aqui compreendido não é o direito à sobrevivência.
Não é se possuir o bastante para comer.
Trata-se do direito às liberdades, sejam de expressão, de informação,
de locomoção, de consciência, de culto. Inclui-se o direito
à propriedade, para que se possa ter a disposição dos bens adquiridos.
Soma-se o direito à igualdade jurídica e, necessariamente, igualdade
de oportunidades oferecidas. Isto é, aos Direitos Individuais
acrescem-se os Sociais.
Para que se forneçam os Direitos Sociais como ed?u?E?L?ucação, saúde,
transporte, lazer, habitação, imprescindível se torna uma política
econômica que os viabilize. Aqui entram, também, os Direitos
Econômicos.
Por fim, necessária se faz a fruição dos Direitos Políticos
de votar, ser votado, participar de plebiscitos, referendos
para que não apenas se possua o domínio de sua própria vida
particular, mas também se participe do Poder Público e de suas
decisões.
Portanto somente com o oferecimento de todos os Direitos Humanos
se torna possível o exercício do Direito à Vida, mas a uma vida
com dignidade. Este direito se expressa como a síntese daqueles,
pois eles foram criados nada mais do que para assegurar uma
existência harmônica, livre e justa.
1 . 3 - OS DIREITOS INDIVIDUAIS NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
A Constituição de 1891 mostrava-se totalmente encaixada nos
moldes da ideologia da época, expressando princípios puramente
liberais.
Nossa Constituição de 1934, após a assunção do poder por Vargas,
foi inspirada naquela social-democrata de Weimar, abandonando-se
o Liberalismo Puro do séc. XIX.
A Constituição de 1937 marca o início da ditadura do Estado
Novo Getulista, sendo altamente autoritária. Restringiram-se
os Direitos Individuais e Sociais previamente garantidos, chegando-se,
até mesmo, a prever a pena de morte, no art.122, item 13, alíneas
a, b, c, d, f. Apesar da disposição ?u?E?L?legal, não houve nenhuma
execução.
A Constituição de 1946 combina os princípios liberais do texto
de 1891 com a social democracia do texto de 1934.
A Constituição de 1988 revela-se notoriamente moderna e com
grande preocupação social, marcando a redemocratização do país
e opondo-se a qualquer forma de autoritarismo. Privilegia os
Direitos Humanos, totalmente desrespeitados no período da ditadura
militar, no qual, através do art. 150, § 11 do Ato Institucional
nº 14, chegou-se mesmo a legalizar a pena de morte em variadas
circunstâncias, como em caso de 'guerra revolucionária ou subversiva'.
A atual Constituição, por sua vez, proíbe a supressão de qualquer
direito individual e sua garantia, bem como a pena de morte,
através do estabelecido no art. 5º , não sendo tais disposições
modificáveis mesmo por emendas.
2 - DIREITOS SOCIAIS
Ao passo em que os Direitos Individuais exigem uma conduta negativa
do Estado, ou seja, que ele respeite a individualidade de cada
cidadão, não adentrando em sua vida privada, os Direitos Sociais
demandam uma prestação positiva daquele, no sentido de garantir
o pleno uso destes direitos pela população.
Dessa maneira, torna-se obrigatória ao Estado a proteção dos
interesses da coletividade, com a satisfação dos direitos à
educação, previdência e assistência social, lazer, trabalho,
segurança e transporte.
?u?E?L?
Conforme visto, os Direitos Sociais surgiram posteriormente
aos Direitos Individuais. Isso porque estes se mostraram insuficientes
para garantir liberdade, igualdade e propriedade para todos,
mas apenas para aqueles economicamente mais fortes.
Destarte as limitações impostas pelos Direitos Sociais aos Direitos
Individuais funcionam não como um obstáculo a estes, mas o constituem
ou fortalecem, visto que a liberdade sem limites destrói a si
mesma. É como a lei do mais forte. Apenas não se trata de força
física, mas poder econômico, capaz de estragos e desigualdades
incrivelmente maiores. O importante é que não se tenham as limitações
como fim em si mesmas, mas como instrumento de consecução dos
objetivos supremos do homem: bem estar, vida digna, exercício
de sua liberdade de autodeterminação.
Assim, os Direitos Sociais aparecem como o 'meio' através do
qual faz-se possível a fruição e exercício dos Direitos Individuais
pela coletividade, mesmo pelos carentes materialmente. Essa
situação de se ter um grupo de direitos funcionando como instrumentos
para a realização de outros explica-se pelo fato de que, sem
o oferecimento de um sistema educacional, de saúde, habitacional,
de transporte, de lazer, de trabalho, inviabiliza-se o exercício
pleno e concreto da liberdade de expressão, de informação, de
consciência, de locomoção, a igualdade de condições para a competição
no mercado de trabalho, o acesso à aquisição e exploração da
propriedade privada.
?u?E?L?
Pode-se, segundo do Prof. JOSÉ LUIZ QUADROS DE MAGALHÃES , elaborar
um quadro comparativo dessa relação de interdependência entre
alguns dos Direitos Individuais e Direitos Sociais da seguinte
forma:
DIREITOS INDIVIDUAIS
DIREITOS SOCIAIS
Vida
Saúde, Trabalho, Lazer
Liberdade de Expressão
Educação
Liberdade de Consciência
Educação
Liberdade de Locomoção
Transporte
Propriedade Privada
Trabalho e habitação
Sem os Direitos Sociais, cria-se ocorrência de uma 'hipocrisia
legal' , pela qual se apresenta uma série de direitos a indivíduos
que, no entanto, nunca poderão deles, de fato, desfrutar. Traduz-se
essa situação no fato de se assegurar a liberdade de expressão
a um analfabeto ou o direito à propriedade privada a um indigente.
As principais responsáveis pelo surgimento dos Direitos Sociais
foram as classes trabalhadoras do final do século XIX e início
do século XX. Elas lutavam por melhores condições de trabalho;
maiores garantias trabalhistas para que se precavessem contra
a despedida arbitrária e acidentes de trabalho; oferecimento
de maior segurança econômica e justiça social pelos serviços
públicos e leis, através de proteção contra a miséria, enfermidade
e incapacidade de trabalho devido à idade.
Notava-se, neste período, ?u?E?L?que a política abstencionista do Estado,
em que este atuava apenas no sentido de oferecer a segurança
pública e afastar-se do campo dos Direitos Individuais, não
surtira os efeitos desejados. A 'mão invisível do mercado' não
se mostrara capaz que abolir os desníveis e carências da sociedade,
a má distribuição de renda, a injustiça social, pelo contrário,
só servira para a acirrar. Tomava-se o mercado como algo superior
e externo ao homem, como se ele não fosse regido pelas atitudes
e decisões dos indivíduos, como se tivesse a aptidão de gerir,
sem a influência humana, toda uma estrutura social.
Dessa forma surgiu o Estado Social, em oposição ao Estado Polícia
anterior, com a intervenção ativa do Estado não apenas no campo
assitencial ou social, mas mesmo naquele próprio 'mercado',
tomado quase como divino e intocável.
O Estado do Bem-Estar Social visa a harmonizar os Direitos Individuais
com os Direitos Sociais, impondo restrições a ambos, de forma
a conciliá-los, o que é uma tarefa difícil. Trata-se do que
se faz, por exemplo, em relação à garantia da propriedade privada
(Direito Individual), contanto que desempenhe sua função social
(Direito Social).
As limitações ao exercício dos Direitos Individuais em benefício
de uma coletividade foram o único caminho encontrado para o
alcance de maior eqüidade social. Como ressalta BOBBIO, "as
sociedades reais, que temos diante de nós, são mais livres na
medida em que menos justas e mais justas na medida ?u?E?L?em que menos
livres".
Nossa atual Constituição, em seu art 6º , discrimina os Direitos
Sociais em educação, trabalho, lazer, segurança, previdência
social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos
desamparados.
2 . 1 - CLASSIFICAÇÃO
Classificam-se os Direitos Sociais dispostos na Constituição
Federal de 1988, segundo o Prof. JOSÉ LUIZ QUADROS DE MAGALHÃES,
da seguinte maneira:
1. direitos do trabalho;
2. seguridade social;
2.1 - previdência social;
2.2 - saúde;
2.3 - assistência social;
3. educação;
4. cultura;
5. lazer;
6. segurança;
7. transporte;
8. habitação.
2 . 1 . 1 - DIREITO DO TRABALHO
Referências a esse direito já foram feitas antes mesmo do constitucionalismo
social se materializar na Constituição Social Mexicana de 1917.
Alusões foram feitas na Constituição Francesa de 1848 e na Constituição
Suíça de 1874, que, apesar de liberais, faziam menção a determinados
direitos trabalhistas. Tal fato não fazia com que se tornassem
constituições sociais porque, no seu todo, majoritariamente,
abordavam as questões referentes ao mercado ou sociedade com
enfoque liberal.
No Brasil, tem-se a Constitu?u?E?L?ição Getulista de 1934 como marco
na história de nosso constitucionalismo social, visto que foi
a partir dela que este se desenvolveu. Nela se resguardaram,
pela primeira vez, direitos trabalhistas como o salário-mínimo;
trabalho diário não excedente a 8 horas; proibição do trabalho
de menores de 14 anos, do trabalho noturno a menores de 16 e
de menores de 18 anos e mulheres em indústrias insalubres; repouso
semanal; férias remuneradas; dentre outros.
A disposição dos direitos trabalhistas nas constituições brasileiras,
de modo geral, apresentou constante progresso, com exceção da
Constituição autoritária de 1937, que proibiu a greve e o lock-out
.
A atual constituição prevê direitos anteriormente assegurados
como o direito de greve; de participação dos trabalhadores nos
lucros da empresa (o qual, desde a Constituição de 1946, existe,
mas nunca foi regulamentado); ao salário-família; à higiene
e segurança no trabalho; previdência social; co-gestão.
No entanto, somente agora se igualaram os direitos dos trabalhadores
urbanos e rurais, estabelecendo que as prerrogativas ali dispostas
seriam garantias mínimas, nada impedindo que leis, convenções,
acordos coletivos, contratos individuais ou sentenças normativas
viessem a lhe acrescentar.
O presente Direito do Trabalho superou as 'idéias clássicas
do contratualismo', surgindo como um ramo no qual se tem dado
ênfase ao direito coletivo, ou seja, naquele que visa a resg?u?E?L?uardar
os interesses de grupos específicos, categorias e não apenas
individuais. Com a possibilidade de formação dos sindicatos,
de coalização (união em defesa de interesse do grupo), de convenções
coletivas (nas quais, através de negociações entre empregados
e empregadores, criam-se normas de trabalho), de dissídios coletivos
(decisões judiciais sobre controvérsias trabalhistas), ou seja,
dos direitos coletivos, o trabalhador pode atuar diretamente
em benefício de suas causas, sem ter que ficar na dependência
do legislador.
2 . 1 . 2 - SEGURIDADE SOCIAL
A seguridade social engloba a previdência social, a saúde e
a assistência social. Além de estar disposta no art. 6º, juntamente
com os outros direitos sociais garantidos, encontra-se mais
profundamente disciplinada no Capítulo II do Título VIII, o
qual trata da ordem social. O art. 194 explicita o conceito
de seguridade social como o conjunto integrado de ações de iniciativa
dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar
os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência
social. Conforme foi explicitado, a seguridade social evoluiu
juntamente com o Estado, isto é, quando do Estado Liberal, pouco
ou nada se fazia a esse respeito e os indivíduos e famílias
ficavam sujeitos a todo tido de infortúnios como mortes, doenças,
prisões, desempregos involuntários, maternidade, sem qualquer
amparo ou medida social de contorno daquelas situações. Somente
com o Estado Social estas, formalmente, sur?u?E?L?girão.
Em nossa Constituição atual, , a seguridade social é financiada
pela sociedade, através de recursos dos orçamentos da União,
Estados, Distrito Federal e Municípios; de contribuições dos
empregadores, incidentes sobre a folha de salários, faturamento
e lucro; de contribuições dos empregados e sobre receitas de
concursos de prognósticos, segundo o art. 195.
2 . 1 . 3 - PREVIDÊNCIA SOCIAL
A previdência, isoladamente, consiste na captação de meios e
adoção de métodos para enfrentar certos riscos - invalidez,
velhice, acidente, dentre outros - a que qualquer pessoa se
encontra suscetível.
Pela designação presente no próprio nome de Previdência Social,
não há que se falar em obtenção de lucros a partir dela. Dessa
maneira, é uma atividade eminentemente estatal, haja vista que
nenhum particular se arriscaria a investir em um negócio que
não lhe fosse proporcionar algum retorno. Por esse raciocínio,
tende-se à conclusão de que, neste setor, não haveria que se
falar em sistemas de previdência privada.
Analogamente, por ter caráter social e ser baseada no custeio
tríplice - Estado, empregador e empregado -, a parte mais frágil
e para a qual foi criado o sistema, isto é, o empregado haveria
de, progressivamente, ter encargos cada vez menores.
Assim como ocorreu em relação ao Direito do Trabalho, também
com a previdência social somente veio a ser consti?u?E?L?tucionalmente
disciplinada no Brasil em 1934, uma vez que as constituições
anteriores traziam apenas textos puramente políticos em que
dispunha acerca da estrutura do Estado e não de seus direitos
e deveres em relação à sociedade.
A Constituição de 1937, de caráter fascista, confunde previdência
social como um dos direitos trabalhistas, concepção ultrapassada,
que veio a ser corrigida na constituição seguinte, de 1946,
que lhe confere autonomia.
Os arts. 201 e 202 da Constitução Federal de 1988 especificam
com maiores detalhes o instituto da previdência, prevendo seus
beneficiários, o valor das contribuições e benefícios, o reajustamento
desses e aqueles particularmente referentes à aposentadoria,
também do trabalhador rural.
2 . 1 . 4 - SAÚDE
No tocante à saúde, particularmente, o que se estabelece como
direito do indivíduo e dever do Estado, no art. 196, não é,
exclusivamente a medicina curativa, com o oferecimento de hospitais,
médicos, enfermeiros, equipamentos modernos e medicamentos,
mas também a medicina preventiva. Trata-se de se elaborarem
campanhas educativas a respeito; de se
apresentarem programas para a consecução de uma alimentação,
pelo menos, satisfatória; de se criarem instalações habitacionais
com um mínimo de infra-estrutura que proporcione um ambiente
higiênico e salubre.
Nota-se, portanto, uma interrelação entre vários direitos sociais
?u?E?L?
para que se exercite o direito à saúde, como os Direitos Sociais
de educação, meio ambiente, lazer, habitação e os Direitos Econômicos
de realização de uma política econômica voltada para a materialização
desta finalidade social.
Evidencia-se, dessa forma, que não se pode exercer o Direito
Individual à vida sem o Direito Social à saúde, o qual, por
sua vez, não existe se não se fizer uso do Direito Econômico,
o qual cuida da viabilização de políticas econômicas, que visem
a cumprir aquilo que foi consagrado pela ideologia constitucional,
qual seja, o bem-estar social e a dignidade humana.
Criou-se com a Constituição Federal de 1988 o Sistema Único
de Saúde (SUS), o qual se apresenta como uma rede regionalizada
e hierarquizada, sendo, assim, descentralizada e com direção
única em cada esfera de governo. Visa ao atendimento integral,
com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo
dos serviços assistenciais, conforme o art. 198. É financiado
com recursos do orçamento da seguridade social referidos anteriormente,
dentre outros.
Suas atribuições encontram-se previstas no art. 200, sendo,
dentre outras, executar ações de vigilância sanitária e epidemiológica;
fiscalizar e inspecionar alimentos; colaborar na proteção do
meio ambiente.
2 . 1 . 5 - ASSISTÊNCIA SOCIAL
A assistência social, ao contrário da previdência que só ampara
aqueles que efetivamente tiv?u?E?L?erem contribuído, é prestada a qualquer
pessoa, independentemente de qualquer pagamento.
Ela visa à proteção à família, maternidade, infância, adolescência,
velhice, àqueles carentes, à promoção no mercado de trabalho,
à habilitação e reabilitação de portadores de deficiência física,
ao oferecimento de um salário mínimo mensal para aqueles que
não podem suprir suas próprias necessidades ou de sua família,
como idosos e deficientes, segundo o art. 203 da CF/88.
Obtêm-se recursos para o seu financiamento da mesma maneira
que a saúde, isto é, através do orçamento da seguridade social,
previsto no art.195, além de outras fontes não explicitadas
no texto constitucional.
Caracteriza-se pela descentralização político-administrativa,
cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal, sendo
a coordenação e execução dos programas de competência estadual,
municipal, de entidades beneficentes e de assistência social
(art. 204). Busca-se, também, o fomento da participação ativa
da população na formulação das políticas e no controle das ações
em todos os níveis.
A assistência social nada mais é do que uma das tentativas,
como todos os Direitos Humanos o são, de se concretizarem os
objetivos fundamentais do Estado, estabelecidos no art. 3º da
Constituição Federal, quais sejam, os de construir uma sociedade
justa e solidária; de garantir o desenvolvimento nacional -
o que não ocorre com um povo sem as mínimas condiçõe?u?E?L?s de vida
-; de erradicar a pobreza e a marginalização; de reduzir as
desigualdades sociais e regionais; de promover o bem de todos.
2 . 1 . 6 - EDUCAÇÃO
O direito à educação, resguardado constitucionalmente, é aquele
que visa ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para
o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Dessa maneira, não se trata do mero direito à informação, mesmo
porque este se constitui um Direito Individual já conquistado.
A educação consiste na passagem de informações, no ensino de
comportamento, na conscientização a partir do incentivo ao levantamento
de dúvidas e questionamentos, no auxílio à formação de um caráter
e uma personalidade, visto que ela é dever da família e do Estado,
o qual complementa a educação recebida em casa pelas pessoas.
Somente assim se pode formar um cidadão, crítico e civilizado,
o que não ocorreria se lhe fossem apenas repassados dados que
tivesse que irrestritamente acatar, sem discussão, por respeito
a alguma 'superioridade' ou medo de repreensão.
O dever do Estado de oferecer educação à população engloba um
conjunto de medidas que variam desde a garantia de acesso e
permanência de todos nas escolas e universidades, com sua construção
ou implementação, assegurando-se verbas para a
pesquisa e extensão, até o pagamento de salários compatíveis
aos profissionais do ensino.
Percebe-se que, sem uma política econôm?u?E?L?ica voltada prioritariamente
para a educação, isto é, sem a influência do Direito Econômico
regulamentando essa atividades do Estado, não se concretiza
esse direito. Mais uma vez se denota a intrínseca relação entre
os Direitos Individuais, Sociais e o Direito Econômico.
A educação funciona como instrumental para o exercício de diversos
outros direitos, como à saúde, que para se concretizar é necessário
que se adquiram conhecimentos de como se portar para a sua preservação.
O direito de liberdade de informação, consciência, expressão
tornam-se inócuos sem uma bagagem educacional que permita o
seu exercício, ou seja, a instrução pessoal, a formação de uma
consciência crítica ou uma ideologia e sua conseqüente expressão,
da maneira que se julgar adequada, sem atentar, é claro, contra
os direitos alheios. Até mesmo o conhecimento desses limites
torna-se improvável e inexigível sem um certo nível educacional
que permita o alcance de um discernimento razoável da realidade
e do mundo dos direitos e deveres.
Assim sendo, o monopólio do saber, detido apenas por aqueles
que possuíram as condições necessárias para a adquição de razoável
nível educacional, quais sejam, adequada alimentação, problemas
de saúde solucionados, suficiente renda familiar que permitisse
ao indivíduo tempo disponível para o estudo, acaba por gerar
a situação de formação de opinião popular única ou assustadoramente
majoritária. Isto é, os detentores do conhecimento divulgam
suas id?u?E?L?éias valendo-se de todas as estratégias relacionadas
com os meios de comunicação, repassando-as aos diversos segmentos
da população, os quais passam a assumi-las como se fossem suas
ou de seu próprio interesse.
Nota-se, portanto, que o problema educativo apresenta-se em
íntima conexão com a estrutura econômica da sociedade: a um
sistema concentrador de renda, sócio- economicamente hierarquizado,
corresponde uma limitação do acesso à cultura para a camada
popular, em maior número, acabando por somente se conferir às
classes menos favorecidas o nível de formação necessário para
sua própria existência. Isto é, o sistema educativo torna-se,
igualmente, hierarquizado de forma a se manter o status quo,
com a exploração da força produtiva, da mão de obra desqualificada
e, conseqüentemente, barata.
É justamente para quebrar este ciclo que o direito à educação,
necessariamente, há de estar disciplinado na Constituição, não
sob a forma de um direito social suscetível de atitudes paternalistas
governamentais, mas como prerrogativa conquistada pelo indivíduo
e da qual possui disposição imediata.
Soma-se o fato de que, conforme o pensamento do Prof. JOAQUIM
CARLOS SALGADO, "a sociedade que não cuida da educação dos seus
membros compromete o seu futuro e destina-se a ser dominada
pelas mais desenvolvidas".
Para que se forneça educação a todos, o Estado se imputa o dever
de garantir um ensino fundamental, obrigatório e gratuito?u?E?L?; atendimento
educacional especializado aos portadores de deficiência; oferta
de ensino noturno regular, dentre demais medidas expostas no
art. 209 e seus incisos.
Portanto, dentre as primeiras premissas para a reformulação
e implementação de um sistema de ensino, de forma a corresponder
às atuais exigências de qualidade da sociedade, está o fato
de não se tratar da questão 'educação' como mercadoria, como
produto que se possa pôr à venda, somente dele podendo usufruir
aqueles que paguem o suficiente para tanto. Necessário é que
se atente para o ponto de que a iniciativa privada neste setor
atende a interesses básicos, essenciais da população, sendo
seu serviço exercido sob forma de autorização do Poder Público.
Destarte, há de se ater, em primeiro lugar, ao bem comum, princípio
maior da Administração Pública, e não aos benefícios próprios
dos proprietários das instituições particulares, além de, obrigatoriamente,
ter que manter qualidade compatível às avaliações governamentais
(art. 209, II, CF/88).
Dessa forma, o governo não apenas deve fiscalizar o ensino privado
no momento da liberação de autorização para sua constituição,
como também posteriormente, quando de seu exercício. Caso sejam
demonstrados comportamentos ou atitudes contrárias ao interesse
social, o Poder Público é totalmente livre para revogar a autorização.
Ensino de baixa qualidade e mensalidades a preços extorsivos,
por exemplo, constituem motivos bastantes para tal atitude governamental.
Ur?u?E?L?ge que se ponham em prática as prerrogativas inerentes à Administração
Pública, amparadas constitucional e legalmente, cumprindo-se
sua razão de ser, ou seja, o atendimento às necessidades da
coletividade e não a interesses escusos, particulares, decorrentes
de uma política clientelista arraigada na mentalidade brasileira.
Importante salientar que o não oferecimento do ensino obrigatório
pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade
da autoridade competente, de acordo com o art. 209, § 2º . O
crime de responsabilidade, como sabido, é julgado pelo Poder
Legislativo e seu resultado é a deposição do chefe do Poder
Executivo que tenha sido omisso em suas atribuições constitucionais.
Além de se prever um conteúdo mínimo para o ensino fundamental
, de maneira a se assegurar uma formação básica comum e dispor
sobre a organização do sistema de ensino nacional, nos arts.
210 e 211, a Constituição prevê a aplicação de, pelo menos,
dezoito por cento da verba federal para a educação e vinte e
cinco por cento para os Estados, Distrito Federal e Municípios.
O programa de atuação do governo no âmbito educacional será
disciplinado no plano nacional de educação, de duração plurianual,
como prevê o art. 214.
2 . 1 . 7 - CULTURA
O direito à cultura vem a complementar o direito à educação,
com ele não se confundindo. Nota-se nele a preocupação em se
garantir o acesso às fontes culturais e em se a?u?E?L?poiar e incentivar
a valorização e difusão das manifestações culturais como forma
de concretização desse direito (art. 215 da CF/88).
Dá-se atenção especial para a manutenção e incentivo às culturas
indígenas e afro-brasileiras, por terem sido os grupos participantes
do processo civilizatório nacional de maior grandeza, através
do art. 215, §1º .
Não apenas a cultura, mas também os direitos dos índios vêm
disciplinados no Capítulo VIII do Título VIII. Tal fato não
ocorre em relação aos negros, exceto quando, no art. 216, §
5º, faz-se referência ao tombamento de documentos e áreas de
antigos quilombos, notando-se determinada discriminação no tratamento
entre ambos, pois estes não sofrem menos preconceito do que
aqueles.
No art. 216, encontram-se dispostos os bens componentes do patrimônio
cultural brasileiro por se referirem à identidade, ação, memória
dos diferentes grupos formadores da nossa sociedade. Dentre
eles se encontram as criações artísticas, científicas; as obras,
objetos, espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,
ecológico.
A forma de atuação do Poder Público para a promoção e proteção
do nosso patrimônio cultural se dá através da realização de
inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação,
dentre outras, conforme o art. 216, § 2º.
No art. 220, quando se ?u?E?L?trata da 'comunicação social' e seus
meios, veda-se o cerceamento à liberdade de expressão artística
por meio da censura.
Também, no art. 221, estipula-se que a produção e programação
dos meios de comunicação devem seguir o princípio de fomentar
a cultura, seja dando-se preferência a finalidades educativas,
culturais, seja com a promoção da cultura nacional e regional,
seja com a regionalização da produção cultural, artística.
2 . 1 . 8 - LAZER
Apesar de o direito ao lazer estar discriminado claramente entre
os Direitos Sociais no art. 6º , não é feita nenhuma especificação
maior deste tema. O que existe é uma nova referência a este
direito no art. 227, quando é colocado em meio a outros direitos
individuais e sociais, estipulando-se que se trata de dever
do Estado.
Nova alusão é realizada quando se refere, na seção III do Capítulo
III do Título VIII da Constituição Federal, ao desporto, que
pode ser classificado como direito à educação, cultura e lazer.
Prevê-se, por fim, o dever do Poder Público em incentivar o
lazer, como forma de promoção social, no art. 217, § 3º .
2 . 1 . 9 - TRANSPORTE
O direito ao transporte compõe o rol dos Direitos Sociais, apesar
de não se encontrar expresso no art. 6º , como a maioria daqueles.
Por seu caráter essencial para que se viabilize o direito de
locomoção e por suas características de prestação positiva do
?u?E?L? Estado, enquadra-se nesta classificação.
A Constituição faz referência indireta a essencialidade deste
direito quando, no art. 7º, VI, trata do salário-mínimo e sua
capacidade de atendimento às necessidades vitais básicas do
trabalhador e sua família, dispondo, dentre elas o transporte.
Outra alusão está no art. 230, § 2º , no qual se estabelece
o transporte coletivo gratuito aos idosos com mais de sessenta
e cinco anos.
2 . 1 . 10 - HABITAÇÃO
Analogamente à questão do transporte, o direito à habitação
é tido como Direito Social, embora não explicitamente disposto
no art. 6º .
Da mesma forma, a moradia encontra-se expressa dentre as necessidades
vitais a serem atendidas pelo salário-mínimo, no art. 7º, VI.
O art. 23, XI determina a competência comum da União, Estados,
Distrito Federal e Municípios para a promoção de programas de
construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais
e do saneamento básico.
Portanto, em se tratando desta matéria, nenhum dos entes políticos
do Estado pode esquivar-se do cumprimento deste dever constitucional,
pois todos têm competência e, dessa forma, responsabilidade
de o fazerem.
Somente a partir da década de 40, notou-se uma maior preocupação
com esta questão, com algumas medidas de intervenção do governo
nesse sentido. Esta?u?E?L?s, no entanto, assumiram caráter muito mais
paliativo do que solucionador do problema, uma vez que o Estado
buscou apenas a compatibilização das necessidades da população
com os interesses da classe dominante, especialmente do setor
mobiliário. O resultado é óbvio. Prefere-se a satisfação destas,
detentoras do poder econômico, o que faz girar o capitalismo,
do que o suprimento das carências daquela, carência essas que
o sistema próprio gerou.
Muito mais lucrativa se mostra ao setor imobiliário a construção
de prédios de alto nível, em regiões nobres das cidades, do
que o levantamento de conjuntos habitacionais populares em periferias
menos abastadas. Uma unidade vendida em um edifício daqueles
corresponde ao preço de todos os apartamentos de um prédio de
classe baixa, sendo que, nestes, no total, gastou-se muito mais
material. Trata-se da mesma situação dos carros populares, que
se mostraram menos rentáveis para as empresas fabricantes e
montadoras do que aqueles de alto luxo.
2 . 1 . 11 - SEGURANÇA PÚBLICA
A segurança pública a que faz referência o art. 6º da Constituição
Federal como Direito Social, assume hoje caráter completamente
diverso daquele tomado no período da ditadura que o país viveu.
Não se trata de uma justificativa para atitudes arbitrárias,
autoritárias e covardes, mas de proteção oferecida pelo Estado
à integridade física e moral do indivíduo, independentemente
de sua classe social.
?u?E?L?
Constitui um Direito Individual de impedir que o Estado ou outrem
atentem contra o patrimônio do indivíduo e sua integridade física,
moral e mental, sendo, também, um Direito Social, na medida
em que assegura patrocínio daquela mesma integridade, só que,
aqui, de toda a coletividade, da sociedade, com uma visão global.
Assim, Segurança Pública, em sentido estrito, é assumida como
"a garantia e a defesa dos Direitos Individuais, de que o cidadão
pode usar, dispor, fruir e gozar dentro da ordem e da paz".
Em sentido amplo, possui o caráter de generalidade, de direito
da sociedade como um todo.
Apesar de se estabelecer essa prerrogativa em nosso texto maior,
o próprio Estado se apresenta como grande infrator das regras
que ele mesmo criou. Grande exemplo são os grupos de extermínio
formados por policiais - basta a lembrança da Chacina da Candelária,
no Rio de Janeiro -; as arbitrariedades e execuções em presídios,
como aquelas ocorridas no Presídio do Carandiru, em São Paulo;
as torturas cometidas nas delegacias e prisões, como nas várias
FEBEMs; agressões policiais a indigentes e meninos de rua; dentre
inúmeros outros atentados ao direito à segurança pública e,
conseqüentemente, aos Direitos Humanos, que se cometem todos
os dias e de que, muitas vezes, não se têm notícias.
3 - DIREITOS ECONÔMICOS
Os Direitos Econômicos são aqueles direitos que estão contidos
em normas de conteúdo econômico e qu?u?E?L?e viabilizarão uma política
econômica. Contêm normas protetoras de interesses individuais,
coletivos e difusos.
Somente através de uma política econômica, estabelecida a partir
de normas de conteúdo econômico - dentre elas, os Direitos Econômicos
-, com o objetivo de concretização dos Direitos Humanos, é que
se faz possível a real efetivação dos mesmos.
Sem esta política, elaboradora de um planejamento, no qual se
fixem metas e seu financiamento, impensável é, por exemplo,
a consecução do pleno emprego (direito econômico), para o oferecimento
de um salário-mínimo (direito social) suficiente, de forma a
se suprirem as necessidades humanas e conferir ao indivíduo
uma vida digna (direito individual).
Visam os Direitos Econômicos, assim, a proporcionar a realização
dos Direitos Sociais, da mesma forma que estes objetivam concretizar
os Direitos Individuais. Dessa maneira, os Direitos Econômicos
servem de instrumento, constituindo-se meio de auxílio dos demais
Direitos Humanos.
3 . 1 - CLASSIFICAÇÃO
De modo semelhante aos Direitos Fundamentais como um todo, também
no caso específico dos Direitos Econômicos Fundamentais, a classificação
não é pacífica, não sendo mesmo rara sua desconsideração como
componentes daqueles. Não sendo este o ponto de vista que se
adota neste trabalho, segue-se à divisão realizada pelo Prof.
JOSÉ LUIZ QUADROS DE
MAGALHÃES:
?u?E?L?
I . direito ao meio ambiente;
II . direito do consumidor;
III . função social da propriedade rural e urbana;
IV . transporte (como meio de circulação de mercadorias);
V . pleno emprego (direito ao trabalho);
VI . outras normas concretizadoras de direitos sociais, individuais
e políticos.
3 . 1 . 1 - MEIO AMBIENTE
O direito a um meio ambiente saudável, o qual ofereça boas condições
de vida ao homem, além de se caracterizar como um Direito Econômico,
é, também, um direito difuso.
O interesse jurídico, em sentido substancial, corresponde ao
núcleo ou conteúdo de um direito subjetivo. Sendo assim, o direito
subjetivo nada mais é do que o interesse juridicamente protegido.
Se o direito é difuso, o interesse jurídico também o é, tendo
todo ser humano o interesse de agir na defesa daquele.
O direito difuso tem como características:
. indeterminação de seu sujeito, haja vista se referir a um
número indiscriminado de pessoas, não se podendo individualizá-las
já que estão dispersas em uma coletividade;
. indivisibilidade, uma vez que não pode ser atribuído exclusivamente
a um único titular, sendo, ao mesmo tempo, de todos e de
cada um;
. indisponibilidade, a qual guarda intrínseca relação com a
indeterminação do sujeito, v?u?E?L?isto que, se não há discriminação
de um titular específico, a um sujeito não identificável é impossível
a disposição de seus direitos.
É tomado como um dos Direitos Econômicos devido ao conteúdo
político-econômico intervencionista das normas que regem esta
matéria, bem como aquelas dos direitos dos consumidores, os
quais serão ainda estudados.
Meio ambiente se refere a todas as questões que envolvem a vida
na Terra, de forma a se manter uma existência saudável física
e mentalmente para os seres humanos.
Nossa Carta Magna dispõe, em seu art. 225, parágrafo 1º, as
formas pelas quais o Poder Público deve assegurar a efetividade
do direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Obriga a recuperação de áreas exploradas por atividades mineiradoras
(art. 225, § 2º), bem como prevê sanções penais, administrativas,
independentemente da obrigação de reparar perdas e danos àqueles
que lesarem o meio ambiente (art. 225, § 3º).
Não disciplinavam, logicamente, as Constituições Liberais dos
séculos XVIII e XIX este direito, por não incluírem, ainda,
os Direitos Econômicos em seus textos.
Nem mesmo as primeiras Constituições Sociais do começo do século
XX, como a do México (1917), da Alemanha (1919), do Brasil (1934)
continham referências a esse tema. Apenas no constitucionalismo
mais recente se encontra essa abordagem, como as atuais Constituições
Espanho?u?E?L?la, Portuguesa, Cubana e Brasileira.
3 . 1 . 2 - DIREITO DO CONSUMIDOR
O direito do consumidor envolve a interferência do Estado em
problemas ligados à qualidade do produto, à relação de consumo,
ao preço, aos contratos de fornecimento de produtos e serviços,
à publicidade, dentre outras questões.
Os direitos dos consumidores podem ser difusos, coletivos ou
individuais (art. 81, I a III do Código de Defesa do Consumidor).
Caracterizam-se como direitos coletivos aqueles que pertencem
não apenas a um indivíduo, mas a uma coletividade determinada
e específica, como uma categoria profissional, um grupo delimitado
ou uma classe distinta de pessoas.
Ao contrário dos direitos difusos, há a determinação do sujeito
(grupo, classe ou categoria), a divisibilidade do direito, pois
se pode discernir que é ou não titular do mesmo, e a conseqüente
disponibilidade do direito por parte de seus detentores.
Tendo mesmo os direitos individuais dos consumidores dependência
direta da intervenção do Estado, são classificados dentre os
Direitos Econômicos e não Individuais Fundamentais. Destarte
errônea é a colocação do direito do consumidor no art. 5º, XXXII,
pois o que se cobra é uma prestação positiva do Estado.
Grande parte dos conflitos entre consumidores e fabricante,
fornecedor de produtos, prestador de serviços, empresário tem
sido solucionada nos Pro?u?E?L?gramas de Proteção ao Consumidor - PROCONs
-, os quais vêm, progressivamente, difundindo-se pelos estados,
a partir de suas capitais.
No entanto, como é um sistema insipiente, mesmo porque o direito
do consumidor, no Brasil, ainda está solidificando sua estrutura
de aplicação de sanções.
Conforme disposto no art. 56, parágrafo único da Lei 8078/90
- o Código de Defesa do Consumidor -, as sanções administrativas
serão aplicadas pela autoridade administrativa. O que se nota
majoritariamente nos PROCONs, porém, é o fato de não possuírem
uma infra-estrutura capaz de instituir tais punições.
Indubitavelmente, constituem-se importantes veículos de informação,
conscientização e prevenção da população contra atividades nocivas
empresariais ou produtos e serviços de baixa qualidade, conseguindo,
várias vezes, a resolução de questões controversas.
Entretanto, em inúmeras ocasiões, os problemas restam intactos,
haja vista que os órgãos não possuem poder de polícia, não podendo,
portanto, coagir o empresário, nem mesmo, a comparecer às audiências,
que dirá a cumprir qualquer determinação.
Quanto às sanções penais, poderá intervir como assistente do
PROCON o Ministério Público. Contudo, de forma geral, este se
mostra ainda não ou mal articulado para agir em defesa desse
direito em juízo.
Todavia a Lei 8078/90 dispõe que não apenas os PROCONs estão
legitimados p?u?E?L?ara moverem ações judiciais em defesa dos interesses
difusos e direitos dos consumidores e das vítimas em caráter
coletivo (art. 81), mas também o Ministério Público, a União,
os Estados, os Municípios, as associações que incluam entre
seus fins a proteção desses direitos, concorrentemente. (art.
82, I, II, IV).
3 . 1 . 3 - DIREITO AO TRANSPORTE
O direito ao transporte é considerado como um dos integrantes
dos direitos econômicos quando analisado a partir de dois enfoques,
conforme salienta o Prof. JOSÉ LUIZ QUADROS DE MAGALHÃES:
. quando funciona como meio essencial para a atividade econômica,
como a construção de estradas vicinais, ligando o campo produtor
às cidades consumidoras, as áreas de reforma agrária ou colonização
aos centros urbanos, de forma a viabilizar o desenvolvimento
destas regiões e a comercialização de seus produtos;
. quando é objeto de exploração econômica com fins lucrativos,
o que ocorre nas concessões e permissões do serviço de transporte
coletivo, realizadas pelos municípios a particulares (art. 175,
CF/88). O preço deve ser módico por se tratar de atividade de
caráter essencial, além da obrigação de se manter o serviço
adequado ao pleno atendimento dos usuários.
3 . 1 . 4 - PLENO EMPREGO (DIREITO AO TRABALHO)
Apenas através do trabalho (Direito Social), com justa remuneração,
jornada máxima, férias, dentre outros correlatos, é que se viabili?u?E?L?za
o exercício do Direito Individual à liberdade. Sem os meios
não se atingem os fins.
Analogamente, não havendo uma política econômica com a materialização
de normas que objetivem alcançar ou propiciar o pleno emprego
(direito ao trabalho - um dos Direitos Econômicos), dificilmente
se poderá oferecer o Direito Social do Trabalho ao homem. Conseqüentemente,
inviável se tornará a concretização da liberdade, Direito Individual,
formalmente assegurada.
Com uma visão mais ampla, pode-se afirmar que sem o pleno emprego,
a justa remuneração, a justa distribuição de rendas, isto é,
sem uma democracia econômica, a faculdade de tomar decisões
se restringe a um minoritário grupo social, a elite econômica.
Esta detém, também, o monopólio do conhecimento e, em última
instância, a concentração dos instrumentos militares, capazes
de abafar qualquer tentativa de real participação democrática.
Além, portanto, de se atentarem contra os Direitos Sociais do
trabalho, da educação, aniquila-se, também, o mais essencial
dos direitos, a liberdade.
4 -DIREITOS POLÍTICOS
São direitos através dos quais confere-se o acesso da população
à participação no Poder do Estado.
São a expressão maior dos direitos à igualdade e liberdade,
pois caracterizam a própria autodeterminação do indivíduo e
do povo.
Compõem os Direitos Políticos, na Constituição de 1988, os ?u?E?L?direitos
de votar e ser votado, do referendo, plebiscito e iniciativa
popular das leis.
Além desses, o direito de destituição é também incluído por
alguns estudiosos, ocorrendo quando o governo de um representante
não corresponda aos interesses sociais ou sua conduta seja incompatível
com a confiança que lhes foi depositada por parte dos eleitores,
por meio da execução de atos de infidelidade aos compromissos
assumidos. Trata-se do conhecido impeachment, o qual, apesar
de não votado diretamente pelo povo, sofre a influência decisiva
deste, haja vista estarem os parlamentares julgadores em exercício,
justamente, para representar a vontade popular.
Alguns autores colocam dentre os Direitos Políticos o direito
de resistência. Este seria utilizado como último recurso em
caso de atentado à ordem jurídica vigente. Distingue-se da desobediência
civil por se tratar esta de descumprimento de norma positiva
válida.
Outros doutrinadores preferem classificar o Direito Individual
da liberdade de associação como direito político, devido às
suas relevantes influências no Poder Público, decorrente de
sua grande força de participação e mobilização, sobretudo a
dos sindicatos. Em razão destes, vários Direitos Sociais foram
conquistados e ampliados, ao longo deste século. Conforme dito,
estes direitos estão intimamente ligados aos direitos trabalhistas,
pois foram os trabalhadores o motor de todas estas conquistas
sociais. E a partir da consecu?u?E?L?ção do direito de associação,
seu poder de voz foi, em muito, ampliado.
O direito à oposição ou à divergência, o qual, neste trabalho
se preferiu incluir na própria liberdade de pensamento como
Direito Individual, é, por alguns, encarado como Direito Político,
tendo no pluripartidarismo sua instituição maior. O sistema
partidário representa, teoricamente, o meio pelo qual a oposição
se torna possível em um regime democrático.
Outras formas de expressão diversas da representação partidária,
mas capazes de manifestar a discordância da população com determinado
sistema, são os votos nulos e brancos. Demonstram patente insatisfação
popular com o governo, sua conduta, a organização social como
um todo. Esta foi a forma de oposição utilizada pelos eleitores
quando das eleições brasileiras de 1970 e 1974, período de ditadura
militar ostensiva e altamente atentatória à liberdade de expressão
e pensamento, bem como a todos os demais Direitos Humanos, fase
em que se houve a dissolução da estrutura partidária.
Aliam-se a essas formas de oposição alternativas as manifestações
populares a nível de passeatas ou encontros em locais públicos,
de maneira a exporem-se opiniões pública e abertamente, como
nos exemplos brasileiros da campanha Direitas Já e impeachment
do ex-presidente Fernando Collor de Melo.
O exercício deste direito de oposição, contudo, pelo verificado
em pesquisas, parece estar associado ao processo de urbanização
?u?E?L? e industrialização, de forma que aqueles residentes em regiões
mais desenvolvidas, os grandes centros, tendem a adquirir maior
consciência crítica e política do que os demais. A população
interiorana, cuja pobreza, em geral, é global, acaba por se
submeter a práticas de venda de voto, mesmo que discordem da
conduta ou ideologia política do candidato. Isso porque os presentes
recebidos como pagamento acabam por auxiliar as famílias na
luta pela sobrevivência. Soma-se o fato de que em comunidades
restritas, os chamados voto de curral, voto de cabresto ou coronelismo
ainda se fazem decisivamente presentes. O controle da autoridade
local, geralmente detentora do poder político e econômico, da
qual os subordinados dependem, é possível de ser realizado de
maneira mais incisiva do que nas metrópoles, onde há relativa
distância entre patrões e subalternos.
A conquista do sufrágio universal, como forma de investidura
popular dos governantes ou de sua derrubada, bem como a constitucionalização
da oposição, a qual torna lícita a formação de um poder alternativo,
ainda que ambas no limite das regras do jogo, representam institutos
democráticos oferecedores de importantes garantias contra as
várias formas de usurpação do poder legítimo. Os institutos
liberais que visavam ao mesmo fim já haviam sido alcançados
desde o século XVIII, quais sejam, a separação dos poderes e
a subordinação de todo o poder estatal ao direito. Esta última
recebeu o nome de constitucionalismo, tendo por fruto a criação
do conhecido Estado de Dir?u?E?L?eito, isto é, aquele no qual todo
poder é exercido no âmbito de regras jurídicas delimitadoras
de competências e orientadoras de decisões.
A doutrina estabelece uma distinção entre Direito Político e
Direitos Políticos. Apesar de não pacífico, o primeiro pode
ser classificado como a união de um setor jurídico (Direito
Constitucional) e outro científico-político (Ciência Política)
em uma mesma disciplina. Trata-se do estudo do exercício do
poder no quadro de um dado Estado, isto é, seu regime político,
resultante de forças políticas.
Já os Direitos Políticos são entendidos como "direitos de participação
do povo no poder do Estado, envolvendo a abordagem dos regimes
políticos, dos partidos políticos e formas de participação popular
no Poder do Estado. Eles amparam os demais, Direitos Individuais,
Sociais e Econômicos na medida em que, quando desaparece a democracia,
por constatação histórica, desaparecem imediatamente as liberdades
fundamentais. Em nenhum momento da história, em nenhum país
do mundo, houve ofensa à democracia, sem que a imediata conseqüência
fosse a violação dos Direitos Individuais e das liberdades básicas
como a liberdade de expressão e de consciência."
Isso porque a democracia deve ser entendida como forma de governo
na qual o poder é exercido senão por todos os indivíduos, por
seu maior número ou por muitos. Claro é que se os indivíduos
detêm o poder, direcionam-no no sentido de realização de seus
interesses próprios, valoriza?u?E?L?ndo os direitos de que são titulares,
dentre eles os Direitos Humanos. Isto é, possuem maior liberdade
política, sendo as leis feitas por aqueles a quem são destinadas.
Ofende-se a democracia quando se tira ou se tenta tirar o controle
do poder popular, ou seja, sua liberdade política, como no caso
de um regime autoritário, o qual o concentra no domínio de por
um ou de poucos. Estando o poder centralizado e não repartido
como em uma democracia, a tendência a arbitrariedades, intransigências
e totalitarismo se faz sensivelmente marcante, atuando-se em
prol do benefício próprio dos dirigentes e/ou da parcela populacional
diminuta que representam. Aqueles que fazem as leis são diversos
daqueles para quem elas se destinam. Assim sendo, democracia
e autoritarismo são, inevitavelmente, excludentes entre si.
"A democracia é a sociedade dos cidadãos e os súditos se tornam
cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais."
A democracia é o poder emanado de todos os indivíduos, tomados
um a um, os quais possuem o direito de participar livremente
na tomada das decisões coletivas, isto é, que obrigam toda a
coletividade. A soberania repousa nos cidadãos e não no 'povo',
abstração amorfa, freqüentemente utilizada para encobrir realidades
diversas.
Pode-se dizer que, se não desaparecem os Direitos Humanos durante
períodos ditatoriais, sua limitação pode chegar a ponto tão
extremo que são apenas formalmente oferecidos.
?u?E?L?
Exemplo claro é o que ocorre em relação ao Direito Social à
educação sob um regime totalitário, no qual fica restrito apenas
àquilo aprovado pela censura, somente se lecionando e aprendendo
dados oficialmente autorizados. A liberdade de consciência,
dedutivamente, é tolhida e difícil é se compreender a idéia
de que se está livre para tomar conhecimento de algumas informações
e impedido para outras. Nesta hipótese, não se admitem meios
termos, caso contrário, seria acatar-se uma situação fictícia
e hipócrita.
Como foi mencionado anteriormente, a inexistência de uma democracia
econômica inviabiliza o pleno exercício dos Direitos Econômicos,
Sociais e Individuais. Cumpre assinalar que também se incluem
nestes os Direitos Políticos. Dificilmente um candidato sem
grande poder econômico conseguirá se eleger devido ao alto custo
de uma campanha eleitoral. Por sua vez, um eleitor de baixa
renda, com base, justamente, naquilo explicitado, em geral,
não possui esclarecimento suficiente que lhe proporcione um
razoável discernimento da realidade, haja vista seu pequeno
grau de escolaridade, dentre outras carências, de forma a votar
naquele que de fato represente seus próprios interesses.
O princípio adotado para a caracterização de um regime como
democrático ou não reside na igualdade. Não a igualdade jurídica,
pois esta se faz presente desde o início do Liberalismo, ocorrendo
mesmo em Estados não democráticos, mas sim a igualdade social
e econômi?u?E?L?ca - ao menos em parte.
Importante salientar o crucial papel desempenhado pelos meios
de comunicação, os quais, através dos programas apresentados
e das propagandas veiculadas conseguem, facilmente, controlar
a opinião pública de forma até mesmo despercebida a grande parte
da população, exatamente aquela excluída, de maneira geral.
Tal fato propicia uma manipulação de massas, com a condução
de sua própria vontade e poder de escolha. Inquestionavelmente,
esta situação atenta contra a democracia política, instaurando
uma nova forma de perpetuação no poder de uma elite econômica.
Com relação, especificamente, aos Direitos Políticos, o desenvolvimento
da democracia do início do século passado até hoje coincide
com sua ampliação progressiva, isto é, o direito de participar,
ao menos com a eleição de representantes, da formação da vontade
coletiva.
O Estado representativo, originário da Inglaterra, difundido
ao longo do séc. XIX pela Europa e hoje presente em grande parte
dos países do mundo, inclusive no Brasil, conhece um processo
de democratização em dois sentidos: em relação ao alargamento
do direito de voto até o sufrágio universal masculino e feminino,
e no tocante ao desenvolvimento do associacionismo político
até a formação dos partidos de massa e o reconhecimento de sua
função pública.
Os partidos políticos são definidos como união de diversas pessoas
que têm interesses e idéias em comum contra outra opinião c?u?E?L?ontrária.
Há aqueles provenientes do parlamento, advindos de uma ligação
entre grupos parlamentares e comitês eleitorais. Há outros de
origem exterior ao Parlamento, formados por grupos sociais situados
fora do sistema político propriamente dito, como as associações
camponesas, sindicais etc., além daqueles nascidos da cisão
ou fusão de outros partidos.
"A doutrina política constitui o elemento primordial de um partido
político".
No Brasil, o estabelecimento de partidos políticos data do Império,
com a adoção do modelo europeu dos Partidos Conservador e Liberal.
Apenas ulteriormente surge o Partido Republicano, o qual viria
a modificar o regime do país para república. Somente com o Estado
Novo de Vargas (1937-1945) é que outros partidos serão criados,
a partir de autorização concedida para tanto. Nasceriam vários
então, dos quais os de maior relevância e perpetuidade foram
a União Democrática Nacional (UDN), o Partido Social Democrático
(PSD) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).
Já o regime político é o "conjunto de elementos que, de fato
ou de direito, concorrem para a tomada das decisões coletivas
essenciais, isto é, são elementos que condicionam o exercício
do poder".
Portanto, a partir da análise do regime político vigente, faz-se
possível a identificação do nível de democratização social existente,
através dos mecanismos diretos ou indiretos de participação
popular no poder e nas dec?u?E?L?isões do Estado.
O sistema político caracteriza-se por ser "uma linguagem ideológica
de um certo tipo de regime jurídico, feita à base de justificações
e explicações. Investiga-se o sistema quando são feitos levantamentos
em termos de princípio da soberania nacional e popular".
Assim, enquanto o Regime Político trata das vias concretas dentro
do Estado de participação popular, o Sistema Político dá um
enfoque mais global, constituindo a própria ideologia reinante
e determinadora dos atos materiais, não apenas do ponto de vista
da participação no Estado, mas também na própria sociedade.
Nossa atual Constituição trata dos Direitos Políticos em seu
Capítulo IV do Título II, referentes aos direitos e garantias
fundamentais.
O art. 14 dispõe sobre as formas de exercício da soberania popular,
quais sejam:
. sufrágio universal;
. voto direto e secreto com igual valor para todos;
. plebiscito;
. referendo;
. iniciativa popular.
A soberania se divide entre interna e externa.
A soberania interna significa poder supremo, ou seja, o Estado,
dentro de suas fronteiras exerce o poder maior, não lhe havendo
nenhum paralelo ou superior. A soberania externa é sinônimo
de independência, isto é, o Estado, em suas relações com os
demais, não se encontra em posição?u?E?L? de subordinação, submissão,
não admitindo nenhum tipo de intromissão em seus assuntos internos
ou internacionais.
Nota-se, portanto, que a soberania não é inerente ao poder do
Estado, mas sim uma qualidade do mesmo, podendo ou não ocorrer.
O direito de sufrágio é aquele pelo qual o cidadão, mediante
voto, escolhe seu representante.
No Brasil, o sufrágio é universal. Diz-se 'universal' do ponto
de vista do candidato e não do eleitor , o que significa que
o eleito não é submetido a nenhum tipo de restrição por motivo
de sua situação financeira, classe social ou título de qualquer
natureza, tendo, no entanto, que ser alfabetizado (art. 14,
§ 4º).
Por isso se pode dizer que, apesar de as mulheres terem sido
até pouco tempo impossibilitadas de exercerem seu direito de
voto - o mínimo que se pode oferecer a um cidadão -, o sufrágio
era tão universal quanto o é hoje.
O tipo de eleição adotada é direta, ou seja, a escolha dos representantes
ocorre em um só grau. Ao contrário, o voto indireto se processa
em dois graus: primeiramente os eleitores escolhem colégios
para, posteriormente, estes selecionarem os candidatos para
os cargos. Este é o sistema vigente, por exemplo, nos Estados
Unidos da América.
Além disso, o voto é secreto, somente conhecendo a escolha feita
o próprio eleitor que a realiza.
Quando a Con?u?E?L?stituição se refere a igual valor dos votos, mostra-se
avessa a quaisquer resquícios de oligarquia, elitismo ou aristocracia,
conferindo o mesmo peso político a todos os cidadãos.
O referendo, conforme PINTO FERREIRA, é um mecanismo posto à
disposição do cidadão que, de acordo com sua convicção, pode
sancionar ou vetar determinada medida legislativa realizada
por seu representante. Divide-se em:
. referendo constitucional, utilizado para a aprovação de uma
Constituição;
. referendo legislativo, para a aprovação de leis ordinárias;
. referendo compulsório, aplicado obrigatoriamente à ratificação
de novas Constituições e emendas constitucionais;
. referendo facultativo, empregado a critério da legislação
em matérias controvertidas.
Percebe-se que se trata de importante instrumento de participação
popular diretamente no processo legislativo, complementando-se
a tarefa do legislador.
Ao passo em que o referendo é processo de submissão ao eleitorado
de medida legislativa, o plebiscito é a aprovação ou desaprovação
de ato executivo pelo povo, tratando-se este de assunto de relevante
interesse e questão controversa. Além disso, o primeiro é realizado
posteriormente à decisão, enquanto o último, anteriormente.
Nota-se que a complexidade exigida para o referendo, a análise
de textos legais, é maior do que aquela requerida pelo plebiscito,
a qual?u?E?L? se trata meramente de resposta a determinada questão
polêmica no país - sim ou não ao parlamentarismo, por exemplo.
Tanto plebiscito, quanto referendo têm destacado papel como
garantia da eficácia dos Direitos Humanos, na medida em que
cada vez mais atos governamentais devem ser submetidos à análise
popular por meio destes dois mecanismos. Deve-se almejar tais
instrumentos jurídicos como indispensáveis para a concretização
de atos como emendas constitucionais, lei orçamentária, remuneração
dos representantes.
A iniciativa popular de leis é, por sua vez, processo pelo qual
determinados percentuais do eleitorado podem propor a iniciativa
de mudanças constitucionais ou legislativas ou mesmo procedimento
de produção de nova lei, mediante a assinatura de petições formais
que sejam autorizadas pelo Poder Legislativo ou por todo o eleitorado.
Nossa Constituição de 1988 dispôs, em seu art. 61, II, § 2º,
que a iniciativa popular se dará através da apresentação à Câmara
dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um
por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por
cinco
estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores
de cada um deles.
Como se pôde notar, a presente Constituição Federal se valeu
não apenas do sufrágio universal como forma de democratização
do poder, mas também do plebiscito, referendo, iniciativa popular
de leis. É justamente esta ampliação de participação popula?u?E?L?r
que denota o desenvolvimento democrático de um país. Isto é,
não se deve mais considerar o número de pessoas que vota atualmente,
visto que tal direito é estendido a homens e mulheres, bem como
adolescentes, em grande parte dos Estados, mas sim o número
de instâncias diversas daquelas tradicionalmente políticas nas
quais se exerce o direito de voto.
O objetivo pelo qual se deve lutar agora é uma ampla democratização,
com generalizada atuação e contribuição dos indivíduos, como
nos orçamentos do Poder Executivo em seus vários níveis - o
atualmente denominado 'orçamento participativo' -, dentro de
empresas, sejam do setor público ou privado, dentro das escolas
e universidades etc. |