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              Violência Urbana
              e o Acesso à Justiça
              Breves elucidações
              Luiz Tadeu Martins de Oliveira 
              professor de Direito Processual Civil II na Socigran 
              (Sociedade de Ensino Civil da Grande Dourados)
              Mesmo o problema da violência
              urbana a que se pretende compreender em face do acesso à justiça,
              não o podemos iniciar sem antes discorrer em poucas linhas sobre
              a vocação humana de "ser social".
               Na pré-história da evolução, os
              protótipos biológicos do atual fenótipo humano, uniam-se para
              defender-se das hostilidades ambientais (geológicas, climatológicas,
              fauna etc.) já que o estágio tecnológico nesta fase era
              incipiente, isto é, não se conseguia dominar a natureza como se
              faz hoje, por exemplo pela biotecnologia e engenharia genética.
              Diga-se de passagem que o "quantum" energético gasto
              pelo homem para suprir as necessidades diárias era bem menor do
              que na atualidade, pois as suas prioridades vitais eram básicas
              (busca de alimentos, defender-se do frio e dos animais ferozes).
              Sente-se por este pequeno opúsculo, que o sentimento de
              bem-estar, de procurar cada um o que lhe compete, mesmo que
              estivesse revestido de uma forma egoística, de JUSTIÇA,
              sempre esteve presente nas aspirações humanas.
               Já nos tempos mosaicos, ao homem
              sempre foi ofertado o princípio de que é um ser social, criado
              para viver em contato com o outro, relacionando-se diretamente com
              o semelhante no mecanismo e na dinâmica da vida coletiva. Os
              "Dez Mandamentos" codificados por Moisés, mostram- nos
              bem isso: "Não roubar"(do próximo); "Não
              matar" ( o próximo); "Não cometer adultério" (a
              esposa ou ao esposo). Logo, exalta-se que a figura do
              "outro", do "próximo" sempre há que estar
              envolvendo a vida humana em todas as suas matizes e, mais uma vez,
              o sentido de JUSTIÇA.
               Para não deixar de citar, para não
              sermos levianos e irresponsáveis, o próprio Jesus Cristo,
              recodificou os "Dez Mandamentos" em um só de caráter
              universal e intemporal: "Amar ao próximo como a si
              mesmo. Aí está toda a lei e os profetas".(Mateus,
              cap. XXII, vv. 34 a 40). De outra faceta, o Mestre quis nos dizer
              que devemos fazer aos outros o que gostaríamos que nos fizessem,
              isto é, cumprindo esta Lei estaremos contribuindo para a
              JUSTIÇA. De que forma? Quando trabalharmos, ( a sociedade civil e
              os poderes públicos) efetivamente para o fortalecimento da família,
              dando-lhe as condições de satisfazer os requisitos básicos de
              sua constituição, tais sejam: sistema de saúde eficiente, rede
              escolar atenta para a educação permanente das crianças e para a
              realidade em que estão inseridas, remuneração salarial efetiva
              e digna do trabalho dos pais, proteção da família e de
              "nossas crianças", disseminação da verdadeira
              democracia, isto é, a Democracia Social que tem como finalidade
              precípua proteção dos direitos humanos primordiais, em outras
              palavras, propiciar a todos os membros da coletividade acesso àqueles
              bens retrocitados que têm direito naturalmente, aí estaremos
              fazendo JUSTIÇA.
               Do ponto de vista "biológico"
              da vida social, podemos compará-la a um grande laboratório aonde
              estão se realizando experiências com o grau de agressividade dos
              animais. Enquanto os ratos do laboratório estiverem bem
              alimentados, protegidos e aquecidos, é muito improvável que darão
              guarida ao instinto animal de sobrevivência, isto é, lutar
              para satisfazer as necessidades básicas. Mas, quando a
              alimentação escasseia, quando o equilíbrio do pequeno
              ecossistema no qual estão inseridos começa ser ameaçado por
              falta de calor, comida, água, o que ocorrerá? Logicamente que o
              instinto de preservação, de luta do mais forte em detrimento dos
              mais fracos, será a base da "dinâmica vital" de nossos
              ratos, e só os mais fortes sobreviverão, surgindo assim o fenômeno
              da seleção natural das espécies.
               Por analogia, queremos crer que
              vivenciamos o mesmo fenômeno em nossa vida social. Qual o
              conjunto de valores sociais que temos à nossa frente? Modelo de
              consumo desenfreado, busca do bem-estar a todo custo, isto é,
              parece que o homo sapiens ainda não mudou sua filosofia de
              "vir a ter" em detrimento do "vir a ser".
              Estamos imersos em um "laboratório", aonde há a
              manipulação na divulgação de informação, aonde as instituições
              oficiais faliram, pois não conseguirem promover o
              "feedback" dos problemas sociais, aonde há o etnocídio
              cultural com a perseguição e discriminação das minorias
              marginalizadas, sem deixar de salientar a forma seletiva e
              racional do sistema vigente como um todo, incentivando a pobreza
              material/moral, e o que é mais trágico, a pobreza psíquica,
              aonde o dito "cidadão" assume a posição de
              inferioridade, de incapacidade intelectiva, de eterno dependente
              do poder público e das entidades filantrópicas. Mesmo nessa
              paisagem acima colocada, temos que inserir a busca pela JUSTIÇA,
              pois não devemos esquecer que também nos momentos de transição
              histórica, de caos social, surgem as grandes idéias e os
              movimentos revolucionários, como a Revolução Francesa, buscando
              a IGUALDADE, LIBERDADE, FRATERNIDADE.
               Chegamos no ponto de iniciarmos a
              análise, se bem que superficialmente, das causas da Violência
              Urbana, ou melhor, busca da satisfação das necessidades a
              qualquer preço.
               Teria causas puramente biológicas?
              Em fatores sócio-econômicos? Como deixa de ser "energia
              potencial" para tornar-se em "energia explosiva",
              desencadeando a instabilidade e o medo? É possível combatê-la
              sem utilizar de seu próprio expediente?
               "Na verdade, os distúrbios
              urbanos conjugam forças distintas: a revolta das minorias pelas
              desigualdades raciais e a revolta dos pobres contra a miséria e a
              deterioração de suas condições de vida; para expressarem a sua
              revolta, esses grupos sociais utilizam o único meio de que dispõem
              (veremos mais adiante porque é o único), perturbar a ordem pública
              pela ação direta e violenta. Além disso, suas reivindicações
              são as mesmas de todos os desfavorecidos: pedem trabalho, escolas
              dignas, moradia decente a preços acessíveis, acesso aos serviços
              públicos.
               "É fácil interpretar essa violência
              coletiva que vem de baixo como o sintoma de uma crise de
              valores morais e dos males patológicos das classes mais
              desfavorecidas, ou como sendo um anúncio de um grave perigo a
              ordem estabelecida, isto é, na realidade é uma reação
              sociológica, e sobretudo lógica, à violência
              institucionalizada infligida aos desfavorecidos por um
              conjunto de transformações econômicas e políticas que se
              fortalecem umas às outras. Essas transformações criaram um
              verdadeiro abismo entre as classes, com o estímulo das discriminações
              raciais e étnicas, produzindo uma ruptura entre os pobres e os
              ricos, excluindo os primeiros totalmente da economia e da
              sociedade"( Loic J. D. Wacquant, sociólogo francês que
              trabalha na Universidade de Harvard, pesquisou a desigualdade
              racial nos EUA e fez estudos sobre a pobreza humana).
               A violência imposta do alto
              manifesta-se essencialmente de três maneiras: aumento do
              desemprego (como corolário, misérias materiais e morais); exílio
              nos bairros lúgubres, afastados (ficando a mercê, principalmente
              as crianças, sob o jugo de toda forma de criminalidade, como por
              exemplo, das gangues de adolescentes que assolam todos os núcleos
              urbanos do mundo); discurso cada vez mais hostil aos marginais (
              pela mídia, fortalece-se o crime organizado, pois cada vez que é
              enfatizado nos meios de comunicação, na realidade está-se
              disseminando a prática de atos atentadores à moral e ao
              ordenamento jurídico).
               Há que se frisar a causa mais
              aterradora da violência urbana vinda do alto, é aquela que se
              explica pelo ENFRAQUECIMENTO DOS CANAIS TRADICIONAIS DA
              CONTESTAÇÃO POLÍTICA DO PODER PELOS MAIS POBRES. Como já
              mencionamos anteriormente, e fica a nível de reflexão ao leitor:
              Se cada um, tivéssemos vivenciado um clima de hostilidade
              material (frio; fome; pés descalços; solidão e humilhação; na
              infância, dor no coração nas festas natalinas pela ausência de
              uma mesa básica de víveres), miséria moral (carência de
              valores elevados e espiritualizantes), se tivéssemos batido nas
              portas pedindo um prato de comida ao irmãozinho mais novo e,
              recebido como resposta um não; e, convivendo com notícias de
              corrupção de bilhões de dólares do erário, aonde os
              infratores de colarinho branco ainda possuem os princípios do
              devido processo legal, do contraditório e da legalidade a seu
              favor, pois são princípios processuais de ordem constitucional!
              E os elencados nos artigos 1º, 3º da Constituição Federal também
              não o são? (cidadania, dignidade da pessoa humana, valores
              sociais do trabalho, construção de uma sociedade justa, livre e
              solidária , erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
              desigualdades sociais e regionais, são letra morta? Será que
              estaríamos na posição que ocupamos se tivéssemos passado por
              algumas das experiências acima? Cabe a cada um responder com
              sinceridade e com coragem...
               Agora, leitor paciencioso, vamos
              meditar sobre o elo existente entre violência urbana e o
              acesso a justiça. A primeira denota um rol de iniquidades,
              injustiças, desrespeito à pessoa humana. Na segunda está a
              proteção aos princípios seguradores individuais e coletivos (
              vide Constituição Federal, artigos 1º e 3º). Pois muito bem,
              é sobejamente sabido que temos duas Constituições vigentes no
              País. Uma escrita pelos "melhores representantes do
              povo", e a outra, consuetudinária refletindo o estado caótico
              vigente.
               Bem, mas para termos o direito de
              pedir JUSTIÇA em face da violência urbana, é necessário
              em primeira mão contribuir para uma estrutura social básica e sólida,
              na qual o sentimento histórico, natural, instintivo de "querer
              o que nos compete" se faça presente. Não estamos aqui
              proclamando, por vias demagógicas, que os cidadãos tenham posições
              hipócritas e além de suas capacidades psíquicas de
              relacionamento com o "outro", tal como gostaríamos que
              assumissem perante nós mesmos.
               Queremos é enfatizar o repensar o
              sistema como um todo, isto é, o papel que estamos representando
              está contribuindo (pequenamente pelo menos) para a paz social? Nós,
              sociedade civil, fazemos a nossa cota de doação humanitária a
              que nos afeta pelas leis da vida? ... Constantemente, em nossas
              vidas íntimas precisamos de muletas psíquicas (um amigo, um
              conselho, conscientização de novos valores etc.) para galgarmos
              os ideais superiores dentro do dinamismo da energética mental.
              Por analogia, também precisamos criar as alavancas detonadoras de
              utopias (gérmens de realidades futuras), de uma sociedade melhor,
              mais "respirável" para todos os que a integram, tais
              sejam: a) procura do auto-conhecimento — basicamente,
              conhecimento do dinamismo interno das emoções, fobias, estrutura
              da mente, fortificação da vontade, em suma, racionalização das
              emoções e ideais; b) valorização do instituto familiar
              — ter-se como parâmetro social a própria família, pois o
              exercício da paz e justiça começam dentro do lar, isto é, como
              desejarmos a paz mundial se não a cultivamos dentro de quatro
              paredes com meia dúzia de pessoas? Como querer combater o tráfico
              de drogas e entorpecentes, se costumeiramente os pais são os
              primeiros traficantes dos filhos desde a mais tenra idade,
              colocando a "espuminha" da cerveja na boca da criança?
              E como não dizer do fumo? Como entender nossos filhos se os
              deixamos no "diálogo" com a televisão? c) procura
              do equilíbrio na vida de relação — como lutarmos pela
              JUSTIÇA se não respeitamos os companheiros no trânsito,
              denotando agressividade? Nas filas dos supermercados e instituições
              financeiras, transmitindo impaciência? d) fortalecimento da
              distribuição dos bens da vida primordiais — não deixando
              doentes morrerem a mingua nas portas dos hospitais, amparo a
              velhice com uma aposentadoria digna e assistência médica,
              escolas eficientes com professores dignificados pelo seu trabalho;
              d) combate à corrupção — que é o cancro da sociedade,
              o que mina os poderes constitucionalmente instalados deixando os
              cidadãos ao desamparo e ao desalento, formando grupos de minorias
              marginalizadas, aumentado o ônus e o peso ao poder público; e) celeridade
              da tutela jurisdicional do Estado — para não termos uma
              prestação estatal inócua e vazia, não respondendo
              tempestivamente ao adágio: "cumpre ao Estado-Juiz dizer a
              lei ao caso concreto."
               Amigos leitores, enquanto não
              lutarmos individualmente e coletivamente para fincarmos as bases
              de uma nova Sociedade, JUSTIÇA, FRATERNIDADE, LIBERDADE,
              SOLIDARIEDADE servirão somente para divagações filosóficas
              nas academias...
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