
Os
"novos" direitos:
seus mecanismos jurídicos de proteção
Na virada do milênio, vive-se uma
crise dos paradigmas de fundamentação num cenário composto por
novos sujeitos sociais, novas demandas, conflitos e necessidades
emergenciais. Nesse contexto, o paradigma tradicional da ciência
jurídica, da teoria do Direito (na esfera pública e privada) e do
Direito processual convencional vem sendo desafiado a cada dia em
seus conceitos, institutos e procedimentos. Diante das profundas e
aceleradas transformações por que passam as formas de vida e suas
modalidades complexas de saber (genética, biotecnologia,
biodiversidade, realidade virtual etc.), o Direito não consegue
oferecer soluções corretas e compatíveis aos fenômenos novos.
É necessário, portanto, transpor o modelo jurídico
individualista, formal e dogmático, adequando seus conceitos,
institutos e instrumentos processuais no sentido de contemplar,
garantir e materializar os &quo?????š?t;novos" direitos. Importa,
conseqüentemente, "uma ines-perada mudança no conceito de
alguns institutos jurídicos, como processo, dano, propriedade,
vida, e uma reordenação do sistema jurídico (...)" que
permita priorizar "outros bens como objeto de proteção",
direcionando o modelo para uma concepção solidária do Direito.(1)
Não há como negar certo avanço dos tribunais superiores no
reconhecimento da legitimidade de se propor ação civil pública em
defesa dos direitos difusos, particularmente aqueles
"novos" direitos referentes ao meio ambiente e aos
consumidores. Houve de fato uma superação do processo civil clássico
ligado essencialmente aos interesses intersubjetivos, para uma
adaptação à solução de conflitos de massa, com vistas a esta
adaptação decorreu a necessidade da remodelação de antigos
dogmas da processualística tradicional, principalmente os atinentes
à coisa julgada, à legitimação e poder do juiz".(2)
Por esta razão, começaram a surgir no ordenamento jurídico
nacional novas figuras e novos instrumentos objetivando defender a
coletividade, instaurando a tutela de interesses meta-individuais
específicos, como são os casos da Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação
Civil Pública), Lei nº 7.853/89 (Proteção às Pessoas Portadoras
de Deficiência), Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do
Adolescente), Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) e
novos dispositivos sobre os direitos da personalidade introduzidos
pela Constituição Brasileira de 1988 (Título II, capítulo I,
art. 5º, incisos 5, 9, 10, 14, 25, 27 e 28).(3)
Reconhecida a importância desses mecanismos legais já consagrados,
faz-se necessário avançar ainda?????š? mais. Diante da insuficiência do
modelo jurídico liberal-individualista, abre-se a perspectiva de
procedimentos estratégicos pluralistas, ou seja, a produção
legislativa e a resolução de conflitos no interior do Direito
oficial (Poder Judiciário) e no espaço do Direito não-oficial
(instâncias comunitárias descentralizadas).(4)
Primeiramente, cabe explorar as possibilidades do Direito positivo
nacional que, inovadoramente, em sua dogmática constitucional
enuncia e propõe que, além dos direitos e garantias fundamentais
claramente expressos no texto (art. 5º, § 2º), não se excluem
outros direitos "decorrentes do regime e dos princípios por
ela adotados ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte". Tal reconhecimento do
legislador permite compreender a relevância da existência de uma múltipla
gama de direitos emergenciais.(5)
Na busca de instrumentos efetivos para a tutela dos direitos
"novos'", os doutrinadores ou operadores jurídicos ficam
sempre no senso comum de encontrar uma saída dentro do próprio
Direito Processual, frisando a necessidade de seja "mais avançado".
Paulo de T. Brandão diz, contudo, ser caso de usar as chamadas ações
constitucionais, que integram hoje o ordenamento jurídico nacional
no que, doutrinariamente, se designaria como Direito Constitucional
Processual.(6) Portanto, o "no-vo" direito de ação que
informa e justifica tanto a tutela de "novos" direitos
quanto as ações constitucionais, "em nada se confunde com o
direito de ação a que se refere o Direito Processual
Civil".(7)
Outrossim, ao transpor os obstáculos para um acesso mais efet?????š?ivo à
Justiça por parte dos novos sujeitos individuais, coletivos e
transindividuais, é forçosa a exigência de uma gama de alterações
profundas e inovações radicais que transcendam as esferas
tradicionais de jurisdição, alcançando formas menos rígidas e
plurais de procedimentos processuais.(8) Tais implicações vão
desde as modalidades de gerar a produção de "novos"
direitos até a sua apreciação jurisdicional por tribunais
descentralizados, democráticos e com maior participação comunitária.
Destaca-se, dessa forma, no interior do Direito positivo estatal, a
utilização não só de um Judiciário redefinido, mas a relevância
de outras instâncias reguladoras dos conflitos que envolvem
"novos" direitos, como a mediação, a conciliação, a
arbitragem e os juizados especiais (cíveis e criminais). Assim, no
âmbito das práticas extrajudiciais e na pluralidade da legalidade
não-oficial, a resolução de conflitos gerados por
"novos" direitos passa por "novas modalidades não-institucionais
de negociação e mediação, juízos arbitrais e Júri popular;
formas ampliadas e socializadas de juizados especiais; extensão e
fragmentação de comitês ou conselhos populares de Justiça; criação
de tribunais de bairros e de vizinhança; Justiça distrital,
Juizados e Juntas itinerantes".(9)
Em síntese, há de se reconhecer que hoje toda e qualquer discussão
referente à formulação de uma teoria geral sobre o fenômeno dos
chamados "novos" direitos passa, obrigatoriamente, por
alguns pontos como sua natureza, sua fundamentação e sua
instrumentalização processual (um "novo" direito de ação).
Bibliografia
(1) BORGES, Roxana Cardoso. In:
VARELLA, Marcelo D.; BORGES, Roxana C. (orgs.). O Novo em Direito
Ambiental, Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 160.
(2) LEITE, José R. Morato. "Interesses Meta-Individuais:
Conceitos - Fundamentações e Possibilidade de Tutela", in:
Cidadania Coletiva, op. cit., pp. 28-29.
(3) BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade, 3 ª ed.,
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, pp. 56-57.
(4) WOLKER,
Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico - Fundamentos de Uma
Nova Cultura no Direito, 3ª ed., São Paulo: Alfa-Omega, 2001, pp.
286 e segs.
(5) A discussão e a natureza da temática envolvendo os chamados
"direitos fundamentais atípicos" são, rica e densamente,
tratadas por Jorge Bacelar Gouveia, em sua Obra: Os Direitos
Fundamentais Atípicos, Lisboa: Aequi-tas/Editorial Notícias, 1995.
(6) BRANDÃO, Paulo de T. A Tutela Judicial dos "Novos"
Direitos: Em Busca de Uma Efetividade para os Direitos Típicos da
Cidadania, Florianópolis: CPGD, 2000, pp. 121-122. (Tese de
doutorado em Direito), pp. 177, 190 e 194.
(7) BRANDÃO, Paulo de T. Ação Civil Pública, Florianópolis:
Obra Jurídica, 1996, p. 105.
(8) Cf.
WOLKMER, Antonio C., op. cit., 2001, p. 308.
(9) WOLKMER, Antonio C., op. cit., 2001, p. 309.
Antonio Carlos Wolkmer
Doutor em direito, professor titular de
História das Instituições Jurídicas na UFSC, pesquisador do CNPq
e consultor da CAPES
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