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O trabalho de organizações não governamentais
na promoção e proteção dos direitos humanos por todo o mundo

 Nigel S. Rodlley

A publicação dessa edição do Boletim de Direitos Humanos evidencia a importância tradicionalmente relacionada pelas Nações Unidas ao trabalho de organizações não governamentais (ONGs) no campo de direitos humanos. Foi apropriado o seu aparecimento durante um período em que um grupo de trabalho da Comissão de Direitos Humanos está engajado em redigir uma declaração sobre os defensores dos direitos humanos. De fato, a declaração redigida resiste na perspectiva de oferecer uma legitimação solene das atividades. Depois de apresentar o trabalho das ONGs de direitos humanos e como elas cooperam com as Nações Unidas, eu devo concluir, portanto, com algumas idéias o possível conteúdo da eventual declaração. Esse artigo naturalmente reflete minha experiência como presidente do escritório oficial do Secretariado Internacional da Anistia Internacional 1974- 1990.

Existem milhares de organizações voluntárias por todo o mundo que podem ser consideradas interessadas no avanço dos direitos humanos a nível nacional ou internacional. Muitas das quais são grupos de interesse profissional, industrial, religioso, étnico ou político - em que o envolvimento é restrito, ou focalizado em algum sentido, nos direitos humanos de seus próprios membros. O artigo considera primeiramente um grupo muito menor de ONGs organizadas para lidar com direitos humanos em seus próprios interesses, trabalhando para defender os princípios de direitos humanos pela atuação na proteção de outras formas de violações dos direitos humanos. Desse grupo menor, são as ONGs internacionais de direitos humanos que serão o principal objeto de nossa atenção, porque foram elas que assumiram a responsabilidade de promover o respeito aos direitos humanos universalmente. Contudo, muito do que se segue se aplica tanto a ONGs nacionais de direitos humanos quanto a internacionais. Além disso, diversas ONGs internacionais de direitos humanos têm associações trabalhando pelos direitos humanos a nível nacional e local, por meio de seus membros. Nem podemos fazer vistas grossas ao trabalho de ONGs nacionais provendo informações preciosas e oportunas para as ONGs internacionais, geralmente com grande risco de dolorosa perseguição e repressão para os seus membros.

O propósito das ONGs de direitos humanos é acabar com as violações dos direitos humanos. Eu faço essa afirmação aparentemente óbvia, porque, muitas vezes, as ONGs são acusadas de cometerem todos os tipos de pecados, como serem anti-governamentais ou pró-oposição (mesmo que essa oposição seja legal ou ilegal, pacífica ou violenta), pró-minorias ou anti-maioria, revolucionária ou contra-revolucionária, insensível social ou politicamente ou ingênua, parte de conspirações contra uma classe governamental específica, e assim vai. Contudo, é o Governo ou até outras entidades exercendo poder como o do governo, que cometem violações aos direitos humanos, porque os direitos humanos são restrições precisas ao poder oficial e as violações dos direitos humanos são transgressões a esses limites. Se as ONGs são reconhecidas como incômodas ao Governo, é porque é esse seu papel. Esse também é um oportuno ponto a ser tratado. Algumas vezes, após um período de repressão em um determinado país, um novo Governo assumirá o poder e  reconhecerá as violações aos direitos humanos que as ONGs estavam denunciando, e que o Governo anterior estava negando enquanto agressivamente nivelava algumas das acusações típicas contra essas ONGs. O recente desenvolvimento na Europa Oriental oferece um exemplo contemporâneo regional.

Nas esferas de atividades econômicas ou de serviços públicos, muito do trabalho das ONGs pode ser geralmente conceituado sob título de organização, informação, o principal produto, e ação, a distribuição dos produtos. Esses títulos implicam um hipotético modelo cronológico. Como será apreciado, muitas das atividades em questão poderão ser relevantes para mais de um item, de forma que os títulos constituem uma ajuda à descrição, não noções absolutas.

Organização

Provavelmente existem tantas estruturas organizacionais quanto organizações de direitos humanos. No entanto, três modos gerais podem ser identificados: (a) um grupo de indivíduos formam e controlam a organização, com provisões para sua própria renovação; (b) um número de organizações se federalizam para combinar suas atividades; (c) uma estrutura ‘’democrática’’ centralizada é criada, na qual a constituinte reúne ambos, o controle da organização e a realização das atividades. A mistura nacional/ internacional pode variar. A maioria terá secretarias permanentes.  

Deste modo, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) e a Sociedade Anti-Escravismo entram na primeira categoria, em que seus membros chefes vêm de nacionais de um país - Suíça e Reino Unido, respectivamente. A Federação Internacional de Direitos Humanos entra na segunda categoria, porque é composta de associações nacionais trabalhando na defesa dos direitos humanos em vários países e elegendo um conselho administrativo internacional. A Anistia Internacional (AI) entra na terceira categoria, tendo seções nacionais que elegem um executivo internacional e trabalham contra as violações de direitos humanos em qualquer país que não seja o seu próprio. A Comissão Internacional de Juristas (CIJ) e a  Liga Internacional dos Direitos Humanos (LIDH) refletem uma diferente combinação dos modelos 1 e 2: a CIJ compreende distintos advogados de todo o mundo, mas reconhece seções nacionais e afiliadas que trabalham pelos direitos humanos em seu próprio país, mas não controlam a organização; a LIDH é governada por um executivo com base nos Estados Unidos, mas possui associações nacionais afiliadas trabalhando pelos direitos humanos ‘’em casa’’.  

O que todas essas organizações têm em comum é seu trabalho para defender os direitos humanos internacionalmente. Sua renda também irá geralmente refletir sua natureza não governamental, apesar de que algumas tomam substanciais somas do dinheiro do Estado, especialmente se, como o CICV, têm responsabilidades governamentais atribuídas, enquanto outras, como a AI, não aceitam doações governamentais.

As ONGs também devem determinar a área de especialização de que irão encarregar-se, porque o campo de direitos humanos abrange a busca de justiça em muitas maneiras e requer o estabelecimento de prioridades. A maioria das ONGs, incluindo todas as já mencionadas, são especializadas na área dos direitos civis e políticos. Elas devem se concentrar em um direito particular ou em um grupo de direitos (o artigo 19, por exemplo, funciona somente para proteger a liberdade de expressão, e mesmo assim em seu contexto sócio econômico ), ou pela natureza das vítimas atendidas (o CICV e a AI, por exemplo, são orientadoras de presos) ou para defender a integridade de um papel profissional na proteção dos direitos humanos (como o trabalho do CIJ para defender e promover o papel na linha de frente dos advogados e juízes).  

Essa orientação é passível de entendimento: é mais fácil identificar e prescrever um remédio para a violação dos direitos civis que de direitos econômicos. Apesar disso, a maior parte das organizações reconhece a inter-relação  de direitos político-civis e econômicos. Diversas ONGs, como o CIJ e a LIDH, estão cada vez mais acessando problemas sobre direitos sócios-econômicos, por meio de seminários, segmentos de relatório sobre países e assim por diante. Algumas vezes, a natureza da violação pode levar uma ONGs a passar de uma categoria para outra. Assim, a Sociedade Anti- Escravismo passou de atividades contra o trabalho escravo (a arquétipa violação de direitos civis e políticos) para trabalhar contra práticas de escravismo, como a escravidão por dívida, que é mais da esfera sócio-econômica. A AI e o CICV também dão uma contribuição prática, provendo assistência às vítimas libertadas e a suas famílias que entram em seu mandato. Uma nova organização, Direitos e Humanidade, lida com direitos sociais e econômicos como aspecto central de suas ações.

Na verdade, novas ONGs se formam e as antigas se modificam em resposta às necessidades da evolução. Por exemplo, a rápida expansão internacional de eleições multi-partidárias forçou as ONGs a se engajarem no monitoramento de tais eleições para garantir uma eleição justa, uma prática pioneira do Grupo Legislativo Internacional de Direitos Humanos.

Informação

De longe, o produto mais importante das ONGs de Direitos Humanos é a informação, especialmente informações sobre as violações dos direitos humanos, porque os Governos as tentam negar, ou, pelo menos, tentam esconder tal comportamento. Um dos aspectos cruciais do trabalho das ONGs é encontrar fatos. Mentiras e ofuscações do Governo não se justificam por negligência de fatos pelas ONGs. Sua credibilidade depende da sua reabilitação nas informações e sua credibilidade é seu patrimônio mais importante, em termos de sua habilidade em alcançar seus objetos - é seu título de ‘’bom comportamento’’.

Encontrar os fatos é um jogo de gato e rato: as ONGs procuram trazer à tona o que o Governo luta para esconder. Ainda assim, as técnicas para descobrir os fatos devem, apesar de tudo, evitar até parecer recorrer à clandestinidade. Embora muitos Governos abusem das doutrinas dos segredos oficiais, as ONGs não devem ser vistas como engajadas em prejudicar a legitimidade destes. Geralmente, portanto, elas recorrem ao mesmo nível de técnicas que respeitáveis jornalistas investigativos usam. Quando possível, as fontes mais específicas de informações serão descobertas: por um lado, as supostas vítimas, seus advogados e suas famílias; no outro, oficiais importantes do governo e documentos públicos oficiais. Quanto mais o Governo coloca obstáculos para atingir essas fontes, mais se torna necessário investigar as fontes mais remotas dos fatos em questão: organizações locais de direitos humanos, grupos religiosos ou estudantis, jornalistas, sindicalistas, refugiados e quaisquer pessoas que possam causar informações que atravessem as fronteiras. A maior parte da mídia de comunicação, se usada propriamente, também pode informar; paradoxalmente, quanto mais a mídia do país em questão é controlada pelo Estado, mais confiáveis as evidências serão. Claro, quanto mais a fonte for do acesso direto à informação, ou quanto mais ela possa ser favorável a um lado ou a outro, tanto maior é o ceptismo necessário para avaliá-la.

Visitas ou missões para o país sob exame são normalmente úteis como um meio de desenvolvimento de novas informações, confirmações ou ampliações das informações já existentes e desmistificação da alegação de que as ONGs ‘’estrangeiras’’ não conhecem a realidade local ou estão relacionadas com ‘’boatos’’. Essas visitas podem não estar sempre relacionadas com a produção de informações em primeira-mão, o que é geralmente esperado delas. Isso pode até ocorrer, por exemplos, em casos nos quais a população local esteja, ou acredita que esteja, sob ameaça de represália por causa do contato com visita, especialmente quando a visita é, se não orquestrada, então constantemente escoltada, monitorada ou seguida pela polícia local. Apesar disso, mesmo nos casos em que a visita tenha sido oferecida por um Governo, e possa estar sujeita às restrições acima mencionadas, seria apropriado aceitar, já que informações úteis do setor oficial podem ser obtidas, apesar do risco da propaganda (para o Governo a visita pode ser uma demonstração de que não tem nada para esconder; para a oposição, a visita pode ser vista como parte de uma ‘’mão de cal’’ no problema).

Claro, a descoberta de fatos também pode ser uma questão de influência. Uma carta ao Governo pedindo informações a sua disposição é também um sinal de inquietação por uma possível violação dos direitos humanos; uma missão de informação de provas significa que os procedimentos em questão serão externamente avaliados obedecendo às normas nacionais e internacionais; uma visita normal a um país pode resultar em um relatório sobre o nível das violações de direitos humanos. Cada uma dessas iniciativas pode obrigar as autoridades a revisar as suas atividades que estão sendo sujeitas à investigação.

Para serem úteis, as informações não devem ser apenas confiáveis, elas devem ser aceitas como confiáveis. Somando-se a consistência interna da documentação produzida e o passado de confiabilidade da ONG em questão, é geralmente importante que a ONG seja vista como imparcial, por  defender os princípios de direitos humanos, o que é melhor que um grupo particular de pessoas. Deve também, claro, estar preparada para documentar as violações de direitos humanos por qualquer Governo, não apenas tipos particulares de governos (regionais, ideológicos, de alguma crença religiosa).  

Ação

A maioria das ações da ONG é voltada para a disseminação de informações e é determinada por estratégias seguidas pela ONG particular, que pode ser geral ou específica de um país. Por exemplo, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha opera sob um princípio de confidencialidade. Suas observações, geralmente resultado de visitas a prisioneiros dentro da sua área de ação, são endereçadas ao Governo em questão, não ao público. O Governo tem a liberdade de publicar essas observações, mas se ele o faz seletivamente, o ICRC cancela o direito de publicá-las, totalmente. Mesmo as ONGs que tendem à publicação com um procedimento normal devem primeiro enviar o texto que pretendem publicar à autoridade competente. Isso lhes dá a chance de corrigir a informação, dar seu próprio ponto de vista, ou agir para mudar os fatos relatados no texto. É também o costume de algumas ONGs dar essa oportunidade aos Governos com relação aos textos que resultaram da visita ao país.

                        Muitas ONGs vêem a publicação de seus documentos com o principal sentido de colocar um fim às violações dos direitos humanos descritas. A forma da publicação será determinada por dois fatores básicos: um, a natureza do material, e dois, a eficácia do entendimento nos modos viáveis de publicação. Para situações de urgência, a liberação de uma notícia ou a impressão de uma conferência podem ser usadas. Para grupos de estudo específicos de países, um livro ou uma publicação em forma de monografia podem ser apropriados, algumas vezes acompanhadas por notícias alertando a mídia para o problema. Publicações específicas periódicas, boletins ou críticas podem cobrir um nível de problemas, pertinentes ao período de coberta, de diferentes países. Algumas ONGs distribuem relatórios anuais que permitem rever em uma lacuna geográfica e substantiva seus contínuos esforços durante o ano.

            Muito trabalho é feito distribuindo documentos curtos de casos individuais. Algumas ONGs se utilizam de seus próprios membros e a rede de outras ONGs para fazer apelos urgentes em nome das pessoas sujeitas a circunstâncias em que sua vidas ou integridade física ou mental possam estar em perigo. Atividades análogas podem ser úteis em casos mais estáveis e de maior duração, quando um membro da ONG ou aquele de outra ONG possui documentos que servem de base para a sustentação de Campanhas de ação em nome dos prisioneiros de consciência, advogados e juízes perseguidos, ou oponentes políticos procurando escapar ou retornar ao seu país. A informação deve, nesse caso, ser comunicada por correspondência com importantes oficiais do Governo em questão, os quais não estão necessariamente cientes dos fatos dos textos. Pode também ser entregue à mídia de comunicação do país onde a violação alegada está se dando, especialmente se essa mídia for livre para a publicação de tal material; e, finalmente, pode ser genericamente distribuído por meio de qualquer canal internacional formador de opinião pública.

            Nem todas as atividades serão necessariamente direcionadas para as autoridades executivas, mesmo que estas sejam normalmente as mais envolvidos nas violações de direitos humanos. Algumas vezes, pode ser apropriado enviá-las ao Judiciário, ainda que seja importante evitar de trazer influências estranhas para sustentar uma Corte específica considerando um caso específico (isso afirma que o Judiciário é independente, geralmente suposição política necessária, no entanto pode ser distante da realidade). Em particular, o sistema legal pode algumas vezes permitir que as pessoas de fora, exercendo um papel formal, por exemplo, dando entrada em ações de Habeas Corpus em alguns países latino-americanos ou apresentando um breve amicus curiae em alguns países de justiça comum

            Algumas atividades podem também ser direcionadas para o Poder Legislativo, particularmente onde a legislação parece diretamente responsável por uma categoria específica de violações de direitos humanos. Assim, com uma visão para encorajar o que o Comitê de Direitos Humanos chama ‘’progresso no desfrutar do direito à vida’’, as ONGs têm se aproximado de parlamentares para insistir na abolição da pena de morte, baseando suas atenções em estudos, incluindo os das Nações Unidas, indicando a ausência de qualquer prova aconselhando, especialmente, esse extremo castigo.

            Cada vez mais, as ONGs estão se tornando interessadas em período curto  e longo  de trabalho preventivo. No entanto, elas devem procurar evitar mandar pessoas de um país para outro; há o risco de violações dos direitos humanos acontecerem no país de chegada. Elas devem também promover educação em direitos humanos para a população em geral, em educação formal, ou em educação em setores profissionais específicos, como advogados, juízes, a polícia e as forças armadas.

            Contudo, a arma executiva do governo permanecerá como o principal alvo das atividades das ONGs, porque é a banca executiva do governo a mais envolvida na violação dos direitos humanos e a mais sensível à opinião pública. E a opinião pública, nacional e internacional, é o principal fórum em que as violações dos direitos humanos podem ser julgados. Teoricamente, a opinião pública não tem nenhum poder, ou mesmo reputação, para chamar o governo ao julgamento. Nós testemunhamos recentemente evidências completas que mesmo o mais poderoso dos Governos não pode ir sempre contra o corrosivo, desmoralizado impacto de uma reputação por ser injusto com seu povo. A maioria dos Governos sabe, mesmo admitindo ou não, que sua reputação internacional é um fator para sua longa legitimidade. Onde de outra forma eles não recorreriam a lacunas para ocultar aquelas atividades que poderiam ocasionar a censura pública. Uma razão para a importância que o Governo dá para sua reputação é que isso pode também afetar seu relacionamento com outros governos. Cada vez mais, Governos que fazem negócios com outros governos, não se importando se esse último respeita os direitos humanos, estão se tornando cientes de que sua própria reputação pode estar adversamente afetada, tanto nos termos domésticos quanto internacionais. Da mesma maneira, as ONGs devem focalizar sua informação em um Governo em relação a outro Governo. ONGs internacionais estão particularmente bem posicionadas nesse sentido: suas afiliadas nacionais são um modo de comunicação com seu próprio Governo; geralmente, o fato de que eles representam parte do círculo político pode obrigar o Governo a levar em conta as informações em questão. Isso não significa que as ONGs necessariamente advogam ‘’sanções‘’ contra Governos acusados de violação  dos direitos humanos: algumas o fazem, geralmente seletivamente; outras, não. Contudo, quanto mais excessivamente escondido um Governo mantiver as violações de direitos, mais difícil se torna para outros Governos manterem a ‘’atmosfera’’ necessária para negócios, como de costume.

  ONGs e as NU

Organizações intergovernamentais (OIGs), especialmente as Nações Unidas, têm grande conhecimento da contribuição que as ONGs podem dar para seus próprios programas. As ONGs, em retorno, não têm hesitado em cooperar, vendo as OIGs como parceiros importantes na luta para acabar com as violações atuais dos direitos humanos e no trabalho preventivo. Talvez seja na última área que as Nações Unidas têm sido mais produtiva. O estabelecimento de critérios foi a primeira área em que as Nações Unidas trabalharam, quando iniciaram a elaboração da Declaração Universal dos Direitos do Homem. A publicação das Nações Unidas Direitos Humanos - A Compilação de Instrumentos Internacionais revela qual a extensão do processo de estabelecer critérios, em termos de como os instrumentos, como tratados, articulam obrigações legais específicas, somando-se a isso a existência de  instrumentos mais fortes recomendando regras pelas quais os Estados podem mais efetivamente garantir o respeito à ampliação das normas de direitos humanos.

As ONGs são capazes de estar ativamente envolvidas nesse exercício de criações de normas. Na verdade, algumas vezes foram suas ações públicas que demostraram a necessidade das Nações Unidas iniciarem suas ações. Como eu documentei em outro trabalho, isso foi manifestado no caso em relação ao problema da tortura, em que as Nações Unidas primeiro tiveram contato com um documento em reação a uma campanha de uma ONG em 1973, lutando pela abolição dessa prática. Além disso, seu status consultivo tem permitido a participação das ONGs, sem poder de voto, nas discussões de redação. Elas podem propor idéias para inclusões e podem explicar, com base em suas experiências, porque essas idéias devem ser incorporadas ao texto. Elas podem também aproximar as edições do Governo a um nível nacional com uma visão para influenciar as instruções dadas para seus representantes no corpo de pessoas que redigirão as declarações. Recentes proeminentes exemplos de tais participações de ONGs são a Anistia Internacional, a Comissão Internacional de Juristas e a Associação Internacional de Leis Penais no esboço da Convenção contra Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, e o do grupo de ONGs orientadas pela Defensoria Internacional da Criança no esboço da Convenção dos Direitos da Criança.

 Outra faceta do trabalho preventivo das Nações Unidas é seu programa de serviços consultivos e assistência técnica, que em anos recentes suportou uma maior expansão, especialmente desde o estabelecimento de um fundo voluntário para financiá-lo. O fundo pode, dentre outras coisas, ajudar o Governo para alcançar o treinamento necessário e recursos para efetivar-se o respeito aos direitos humanos. Isso pode ser útil para ONGs, que são geralmente convidadas para tal assistência, ou pelo menos consultadas para a obter. No mesmo momento, as ONGs indicaram a necessidade de garantir que os programas de consultoria e de assistência não serão explorados pelo Governo engajado em extensas violações dos direitos humanos. Existe espaço para maiores cooperações entre as Nações Unidas e as ONGs nesse campo. Por exemplo, serviços de consultoria podem ser oferecidos para ONGs nacionais de direitos humanos. Também, ONGs nacionais e internacionais poderiam estar mais proximamente associadas pela divisão e execução de serviços providos para o Governo e para as ONGs.

As ONGs, há muito tempo, estão conscientes da necessidade da promoção da divulgação pública dos direitos humanos. Seu trabalho na documentação pública das violações dos direitos humanos é a maior contribuição para tal, mas elas também estão engajadas na disseminação de material mais geral, como normas de direitos humanos internacionais e informações sobre mecanismos de implementação. A Campanha Mundial pelos Direitos Humanos das Nações Unidas é uma promessa de novos progressos na área, especialmente se podem atrelar as forças de outras partes do sistema das Nações Unidas, como sua rede do centro de informações. O ativo envolvimento da agências especializadas das Nações Unidas, notavelmente a UNESCO, podem também aumentar o impacto das campanhas. É claro que existe espaço suficiente aqui para colaboração com as ONGs, no desenvolvimento do material relevante e em repartir as redes de distribuição.

A área de atividades de direitos humanos  das Nações Unidas de maior interesse para as ONGs vem a ser a de proteção e implementação. Até cerca de 20 anos atrás, tais atividades eram virtualmente não existentes. As Nações Unidas não cuidavam de casos individuais, ignoravam a maior parte das violações de direitos humanos, no entanto seriamente, e nem mesmo permitiam que ONGs, nas reuniões das Nações Unidas, documentassem violações dos direitos humanos, nem oralmente nem por escrito. Esse não é o lugar para atribuir a argumentação revolucionária do desenvolvimento recente nos procedimentos e processos das Nações Unidas, mas pode ser notado que existem agora procedimentos confidenciais e públicos ao considerar situações sérias (apesar de uma lamentável ausência de vontade política para assegurar que todas essas situações atraem o mesmo nível de segurança). Existem também procedimentos temáticos para atenções anuais em tipos graves de violações dos direitos humanos, como desaparecimentos forçados ou involuntários, execuções sumárias e arbitrárias, e tortura, assim como a intervenção em casos individuais em que tais violências são tratadas. Em adição, as ONGs são agora capazes de desenhar a atenção pública para as violações dos direitos humanos em reuniões da Comissão de Direitos Humanos e suas Sub-Comissões na Prevenção de Discriminação e Proteção de Minorias.

Líderes sucessivos do Centro de Direitos Humanos (e sua Divisão precedente) têm conhecimento do papel preponderante das ONGs em fornecer as informações sobre as violações dos direitos humanos, que constituem o assunto básico dos vários procedimentos. Uma leitura casual dos relatórios da Comissão e da Sub-Comissão e dos vários grupos de trabalho, relatórios e similares confirmam que esse é o caso. Isso não é surpreendente. Relembrando o objetivo principal das ONGs, que é a abolição de violações aos direitos humanos, fica claro que as ONGs acreditam que a credibilidade necessária para que as Nações Unidas fossem o órgão articulador de normas internacionais de direitos humanos as faz um órgão apropriado a monitorar o cumprimento das normas por elas estabelecidas. Na verdade, as ONGs têm exercido um papel notável na promoção do estabelecimento da maquinaria e do aumento de seu próprio papel com isso. Deve ser esperado delas que continuem lutando para manter o momento.

Redação da Declaração dos Defensores de Direitos Humanos

            Por muitos anos, as Nações Unidas se envolveram em redigir uma declaração no que chama ‘’os direitos e responsabilidades dos indivíduos, grupos e organismos de sociedade para promover e proteger direitos humanos e liberdades fundamentais universalmente reconhecidos’’. Está claro nos textos sob discussão no grupo de trabalho da Comissão que o que está envolvido é a definição de aplicações específicas das chamadas liberdades fundamentais: associação, reunião e expressão. Essas, na verdade, são liberdades no coração das atividades das ONGs. Para promover direitos humanos,  precisa-se de direitos humanos: como temos visto, você deve ser capaz de formar um grupo, encontrar e lutar e divulgar as informações, tudo isso dentro e fora das fronteiras nacionais. Novamente, isso pode parecer óbvio, mas até o recente progresso em expressar essas coisas em termos simples e não ambíguos foi um exercício controverso e demorado. Isso se dá porque, apesar do serviço marginal legado aos direitos básicos e suas importância para as ONGs - assim como a importância das ONGs - alguns governos estão longe de se entusiasmarem em permitir uma vida associativa livre em geral entre os cidadãos e residentes; e outros simplesmente querem evitar problemas que as ONGs de direitos humanos, em particular, podem trazer. Na última seção dos grupos de trabalho (janeiro de 1998), mais progressos foram feitos, não menos porque as transformações na Europa Oriental confirmaram a orientação de representantes dessa região nos ranques de grupos não entusiasmados.

            Ainda hoje, algumas formulações de acordos provisórios, enquanto louvavelmente não ambíguas em termos legais, estão repletas em linguagem que o significado não será sempre óbvio para o leitor leigo. Parece que enquanto alguns Governos estão preparados para aceitar a realidade, ativistas de uma proteção normativa aos direitos humanos, eles não estão preparados para terem um documento positivo das Nações Unidas os encorajando. Outra provisão para deixar espaço para ambigüidade, e alguns documentos importantes ainda possuem fugas para os acordos. Pelo engajamento até hoje, no entanto, são declarações firmes garantindo o direito de formar, de se unir e de participar de uma ONG de direitos humanos, nacionalmente ou internacionalmente, denunciar violações dos direitos humanos ao público, se comunicar com ONGs internacionais (está implícito a comunicação de violações dos direitos do homem), assim como OIGs, e para efetivar os remédios legais.

            Algumas ambigüidades se mantêm em publicações para o encontro de fatos cruciais. Assim, enquanto que todos concordam que todos (indivíduos e ONGs ) são aptos para lutarem, obterem, receberem e reterem informações sobre direitos humanos, ainda não é aceito que isso inclui acesso à informação ‘’o que significa que (os direitos) estão dando efeitos’’. Similarmente, enquanto há acordo no direito de acessar provas e processos semelhantes, não está absolutamente claro que isso inclui observações internacionais - mas todas, exceto uma delegação, concordaram  que inclui.

            Um documento importante que ainda se mantém controverso, e então sob acordo, é a questão de solicitação de fundos das ONGs, especialmente internacionalmente. Obviamente, fundos são necessários para que qualquer organização efetivamente funcione, e os produtos das ONGs de direitos humanos não são considerados economicamente rentáveis - mesmo em países onde existe acesso livre para o mercado. Levantamento de fundos é, portanto, essencial e já que pode ser particularmente difícil em países pobres, geralmente deve ser feito transnacionalmente - por exemplo, as ONGs internacionais geralmente podem oferecer ajuda a qualquer de suas afiliadas de nível nacional. O levantamento de fundos transnacionalmente pode, no entanto, ser impedido pelo Governo, que bloqueia financiamento externo no sentido de impedir ou cancelar as atividades das ONGs.

É, portanto, importante que o eventual texto da declaração deva resolver tais assuntos. Em edição ao que realmente foi alcançado no texto redigido, o encontro de fatos nacionalmente e internacionalmente (incluindo a observação de provas por ONGs) deveria ser especificamente protegido pelo texto, assim como o acesso pelas ONGs a meios financeiros para seu funcionamento. Também será necessário ser vigilante para que, quando houver discussões de artigos propostos no papel do Governo e responsabilidades dos indivíduos, os resultados reflitam a necessidade de aumentar e não diminuir as provisões já acertadas em favor das atividades de indivíduos e ONGs para a promoção e proteção mundial dos direitos humanos. Uma vez adotada, a declaração pode talvez servir como o mandato para um grupo de trabalho ou representante designado para monitorar o cumprimento desses termos.  

Tradução - O trabalho das ONGs na promoção e proteção
dos direitos humanos (Ana Carolina Figueiró Longo)

 
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