I.
Introdução
A
Constituição de um país tem importância
fundamental em sua estruturação político-administrativa,
na organização do Poder Estatal, como também no
reconhecimento dos
direitos fundamentais do homem.
Devido
à grande relevância dos direitos humanos, este tema
não poderia deixar de constar nas diversas Constituições
brasileiras. Insere-se este trabalho, na tentativa de
visualizar a progressiva aceitação e incorporação
dos direitos humanos nas Constituições de nosso país,
desde a Constituição de 1824 até a nossa Constituição
atual, vigente a partir de 1988.
Seria
interessante também relatar o contexto histórico que
ensejou o surgimento das Constituições brasileiras,
a fim de que se torne mais fácil a compreensão de
mudanças e inovações que surgiram posteriormente.
Ressalta-se
novamente que este breve estudo deter-se-á apenas à
análise das Constituições sob o âmbito de interseção
com os direitos humanos, já que não
faz parte da matéria Direito Constitucional, não
englobando, assim, os demais aspectos
II.
Conceito de Constituição
Pode
se dizer que Constituição, lato sensu, é o ato de
constituir, o modo
pelo qual se constitui uma coisa, um ser vivo,
um grupo de pessoas; organização.
No sentido jurídico, porém, a constituição pode
ser definida como a lei fundamental e suprema do
Estado, produto do Poder Constituinte Originário, um
sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras,
que regula a forma do Estado, a forma de seu governo,
o modo de aquisição e exercício do poder, a
distribuição de competências, direitos, garantias e
deveres dos cidadãos.
Um
dos principais objetivos do constitucionalismo é,
indubitavelmente, a proteção dos direitos
fundamentais do ser humano. Isto, que já era verdade
no final do século XVII, quando se estabeleceram as
primeiras constituições escritas, continua válido
neste final do século XX, quando o arbítrio e o
autoritarismo ainda os ameaçam.
III.
A Constituição de 1824
III.A)
Antecedentes históricos
A
convocação de uma Assembléia Constituinte com a
finalidade de elaborar a primeira Constituição do
Brasil antecede à própria proclamação formal de
Independência do País, em 7 de Setembro de 1822. Dom
Pedro, devido à grande agitação política a favor
do fim da subordinação a Portugal, convocou a
Assembléia Constituinte, que se instalou em 3 de Maio
de 1823. Considerando o projeto Constitucional
ultraliberal e revolucionário, D. Pedro dissolve a
Constituinte, e o conselho de Estado se encarrega do
novo projeto, que é outorgado pelo imperador em 25 de
Março de 1824. A dissolução da Assembléia
Constituinte ensejou o surgimento de uma revolta, em
diversos Estados brasileiros, que ficou conhecida como
Confederação do Equador, com a importante participação
de Frei Caneca, em Pernambuco.
Seu
governo era monárquico, hereditário, constitucional
e representativo (art.3o). Havia quatro
poderes distintos: Judiciário, Executivo, Legislador
e Moderador. (art.10) Este era exercido exclusivamente
pelo Imperador e, devido às imensas faculdades que
lhe dava, sobrepunha-se ao demais poderes,
interferindo em suas atuações. Como dissera Itaboraí,
aqui o Rei reinava, governava e administrava,
contrariamente ao sistema inglês, em que o Rei reina,
mas não governa.
As autonomias regionais foram bastante sufocadas pelo
poder central.
Em
seu artigo 179, esta Constituição traz uma declaração
de direitos individuais e garantias que, nos seus
fundamentos, permaneceu nas constituições
posteriores.
III.B)Os
direitos Humanos e a Constituição Imperial.
As
primeiras Constituições brasileiras versaram,
basicamente, sobre os direitos de 1a geração
(Direitos civis e políticos), que são aqueles que
exigem uma atuação negativa por parte do Estado.
Pode-se
dizer que a Constituição imperial consagrou os
principais Direitos Humanos, como então eram
reconhecidos. Por um lado, foi uma Constituição
liberal, no reconhecimento de direitos; por outro, porém,
foi bastante autoritária, devido à concentração de
poderes nas mãos do Imperador, resultante do Poder
Moderador.
Seguindo
os passos da Declaração dos direitos do Homem e do
Cidadão, decretada pela Assembléia Nacional Francesa
em 1789, a Constituição imperial brasileira afirmou
que a inviolabilidade dos direitos civis e políticos
tinha por base a liberdade, a segurança individual e
a propriedade (art.179). Omitiu, contudo o quarto
direito natural e imprescritível, proclamado, ao lado
desses três, pelo artigo segundo da Declaração
francesa: o direito de resistência à opressão.
Do
Constitucionalismo inglês herdou a vedação da
destituição de magistrados pelo rei (Act of
Settlement, 1701), o direito de petição, as
imunidades parlamentares, a proibição de penas cruéis
(Bill of rights, 1689) e o direito do homem a
julgamento legal (Magna Carta, 1215).
Diferindo
um pouco dos documentos norte-americanos, coerente com
a opção pela forma monárquica de Governo, a
Constituição de 1924 evitou mencionar a idéia de
estrita vinculação de todo governo ao consentimento
dos governados Baseando-se na ideologia de Locke, a
propriedade e a renda mostram-se como condições
fundamentais para o exercício do poder político,
nesta Constituição.
As
principais conquistas asseguradas pela Constituição
de 1824 foram as seguintes: liberdade de expressão do
pensamento, inclusive pela imprensa, independente de
censura; liberdade de convicção religiosa e de culto
privado, contanto que fosse respeitado a religião do
Estado; igualdade de todos perante a lei; abolição
dos açoites, tortura, marca de ferro quente e todas
as demais penas cruéis; exigência de lei anterior e
autoridade competente, para sentenciar alguém;
direito de prioridade; liberdade de trabalho; instrução
primária gratuita; direito de petição e de queixa,
inclusive o de promover a responsabilidade dos
infratores da Constituição.
IV.
Constituição de 1891
IV.A)
Antecedentes Históricos
Assumindo
o poder, os republicanos, civis e militares, cuidaram
da transformação do regime. Proclamado a República
em 15 de Novembro de 1889, o Governo Provisório, por
meio de Decreto no 510, de 22 de Junho de
1890, convocou eleições para a formação do
Congresso Nacional e deu publicidade a projeto de
texto constitucional elaborado por uma comissão
composta por cinco lideranças do movimento
republicano: Saldanha Marinho, Rangel Pestana, Antônio
Luiz dos Santos Weeneck, Américo Brasiliense de
Almeida Mello e José Antônio Pedreira de Magalhães
Castro - e revisado por Rui Barbosa, Ministro da
Fazenda Coube ao Congresso apreciar e votar o texto
definitivo da Constituição da república dos Estados
Unidos do Brasil, promulgada em 24 de Fevereiro de
1891.
Conforme
afirma Pinto Ferreira, a Constituição de 1891 foi
moldada segundo o estilo da Constituição
norte-americana, com as idéias diretoras do
presidencialismo, do federalismo, da triparticipação
do poder , do liberalismo político, e da democracia
burguesa.
José
Afonso da Silva, assinalando que ‘’o sistema
constitucional implantado enfraquecera o poder central
e reacendera os poderes regionais e locais,
adormecidos sob o guante do mecanismo unitário e
centralizador do Império’’, ressalta a emergência
do federalismo, não só como derivação da estrutura
formal de organização do Estado, mas muito mais como
resultante de um quadro real de relações políticas,
econômicas e sociais caracterizadas pela prevalência
dos interesses do poder oligárquico, fenômeno
conhecido como coronelismo.
IV.B)
Os Direitos Humanos e a 1a Constituição
Republicana
Uma inovação da Constituição Republicana
foi a instituição do sufrágio direto para a eleição
dos deputados, senadores, presidentes e
vice-presidente da República. Estendeu,
implicitamente, esse preceito aos cargos eletivos
estaduais.
A partir
dela, o poder político poderia ser exercido
independentemente do poder financeiro do indivíduos.
Seriam eleitores os cidadãos maiores de 21 anos,
excluindo desse alistamento os mendigos, os
analfabetos, as praças de pré, os religiosos
sujeitos a voto de obediência e as mulheres. O voto
continuava, porém, a ser aberto e os fortes
economicamente continuavam detendo a política local.
Não
obstante essa realidade, que restringia o poder a
camadas privilegiadas, a primeira Constituição
republicana ampliou os Direitos Humanos, além de
manter as franquias já reconhecidas no Império:
separou-se a Igreja do Estado e estabeleceu-se a plena
liberdade religiosa; consagrou-se a liberdade de
associação sem armas; assegurou-se aos acusados a
mais ampla defesa; aboliram-se as penas de galés,
banimento judicial e morte; criou-se o habeas corpus
com a amplitude de remediar qualquer violência ou coação
por ilegalidade ou abuso de poder (depois restringe-se
o uso deste remédio processual a casos relacionados
à liberdade de locomoção); instituíram-se as
garantias da magistratura (vitaliciedade,
inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos)
mas, expressamente, só em favor dos juizes federais.
V.
A Constituição de 1934
V.A)
Antecedentes históricos
O
texto constitucional de 1934 emana do processo de
transformações vivido pelo país, que tem como marco
a Revolução de 30, cuja causa imediata foi o
processo eleitoral para a escolha do sucessor do
presidente Washington Luiz, que deu a vitória para Júlio
Prestes. Mas o movimento revolucionário decorreu, em
instância mais ampla, da corrosão do sistema político
vigente na primeira República com a explicitação de
conflitos econômicos, sociais e políticos. Subindo
Getúlio Vargas ao poder, como líder civil da Revolução,
inclina-se para a questão social.
O
modelo do novo texto é a Constituição alemã de
Weimar,’’ catalogando-se o nosso regime’’, no
entender de Pinto Ferreira,’’ não mais como uma
democracia liberal, e sim como uma democracia social,
com a poderosa aplicação do campo do governo no
campo econômico; (...) as grandes bases da democracia
social foram instituídas, guardando-se, em certas
variantes, no mais, o modelo constitucional de 1891.
Comentando as
disposições dos textos constitucional, Josapha
Marinho enumera elementos que evidenciam seu sentido
inovador: ‘’Regular melhor o mecanismo
presidencialista, limitando o poder pessoal do chefe
de Governo por várias fórmulas adotadas. (...)
Fortaleceu o regime representativo. (...) reforçou a
estrutura Federativa.(...) Reconhecendo os direitos
sociais, revestiu de proteção maior os principais
direitos do trabalhador.(...) Criou o mandado de
segurança. (...) Instituiu as primeiras normas
conducentes ao regime de planificação (...) garantiu
a liberdade econômica dentro dos limites em que
fossem observados os princípios da justiça e as
necessidades da vida nacional (...)”.
V.B)
A Constituição de 1934 e os Direitos Humanos
A
partir de 1934, verifica-se uma maior inserção dos
direitos sociais (direitos de 2a geração)
nas Constituições brasileiras. Eles exigem do Estado
uma maior participação para que possam ser
implementados, ou seja, há a necessidade de uma atuação
Estatal positiva.
Os
autores Paulo Bonavides e Paes de Andrade pensam que
esta Constituição guiava o pensamento da sociedade e
a ação do Governo para um programa de leis cujo
valor maior recaía no bem comum.
Instituiu
a Justiça Eleitoral (art. 82 e seguintes) e o voto
secreto (art.52,1o), abrindo os horizontes
do constitucionalismo brasileiro para os direitos econômicos,
sociais e culturais (art.115 e seguintes, art. 148 e
seguintes).
A
Constituição de 1934, inovando no Direito
Brasileiro, estatuiu normas de proteção ao
trabalhador. Pode-se citar alguns dos princípios
aceitos: salário mínimo capaz de satisfazer às
necessidades normais do trabalhador; repouso semanal e
férias anuais remuneradas; proibição de diferença
de salário para um mesmo trabalho, por motivo de
idade, sexo, nacionalidade ou estado civil; criação
da Justiça do Trabalho, vinculada ao Poder Executivo.
Esta
Constituição também cuidou dos direitos culturais,
aceitando os seguintes princípios, dentre outros:
direito de todos à educação, obrigatoriedade e
gratuidade do ensino primário, inclusive para os
adultos, e tendência à gratuidade do ensino ulterior
ao primário.
Além
disso, a Constituição de 1934, entre outras coisas:
explicitou o princípio da igualdade perante a lei,
estatuindo que não haveria privilégios, nem distinções,
por motivo de nascimento, sexo, raça, profissão própria
ou dos país, riqueza, classe social, crença
religiosa ou idéias políticas; manteve o
habeas-corpus, para proteção da liberdade pessoal, e
instituiu o mandado da segurança, para defesa do
direito, certo e incontestável, ameaçado ou violado
por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de
qualquer autoridade; vedou a pena de caráter perpétuo;
proibiu a prisão por dívidas, multas ou custas;
criou a assistência judiciária para os necessitados.
Nesta Constituição, as mulheres foram brindadas com
uma grande e merecida conquista: o direito ao voto.
VI. A
constituição de 1937
VI.A)
Antecedentes históricos
Eleito
Presidente da República em 1934, pela Assembléia
Constituinte, Getúlio Vargas impôs em 1937, por meio
de golpe de Estado, uma ordem ditatorial, denominada
Estado Novo, dissolvendo o Congresso Nacional,
revogando a Constituição e promulgando em substituição,
uma nova Carta Constitucional.
Assim se
implantou a nova ordem denominada Estado Novo. Fruto
do Impacto das ondas ideológicas que varriam o
planeta no período imediatamente anterior à Segunda
Guerra Mundial, mas ajustando às condições históricas
nacionais, o Estado Novo configurou-se no plano jurídico
e político como um regime forte e centralizado,
‘’ que se propunha a conciliar os interesses do
trabalhismo incipiente com as tendências
conservadoras do capitalismo", como observa Pinto
Ferreira.
A Constituição
de 1937, inspirada na Constituição polonesa de 1935,
teve por objeto fundamental o fortalecimento do
Poder Executivo federal na sua relação com os
Poderes Legislativo e Judiciário e com as outras
esferas do governo.
Na
prática, no entanto, ela não teve aplicação
regular, já que o Presidente da República concentrou todas as atribuições do
Executivo e do Legislativo, ignorou a autonomia dos
entes da federação, legislou por via de decretos-
leis e até mesmo emendou a Constituição por meio de
leis constitucionais. O plebiscito para a aprovação
da Carta nunca chegou a ser realizado.
VI.B)
A Constituição de 1937 e os Direitos Humanos
Durante
o Estado Novo, não estiveram de pé os Direitos
Humanos.
A
magistratura perdeu suas garantias (art.177). Um
tribunal de exceção, o Tribunal de Segurança
Nacional, passou a ter competência para julgar os
crimes contra a segurança do Estado e a estrutura das
instituições (art.172). Leis eventualmente
declaradas contrárias à própria Constituição
autoritária, ainda
assim podiam ser validadas pelo Presidente.
A
Constituição declarou o país em Estado de emergência
(art.186), com suspensão da liberdade de ir e vir,
censura da correspondência e de todas as comunicações
orais e escritas, suspensão da liberdade de reunião,
permissão de busca e apreensão em domicílio
(art.168).
Enfim,
muitas garantias individuais, até mesmo aquelas que não
representavam risco algum ao regime vigente, perderam
sua efetividade.
VII.
A Constituição de 1946
VII.A)
Antecedentes históricos
O
fim da Segurança Guerra Mundial, com a vitória dos
aliados sobre as forças do eixo, promoveu a ampliação
dos movimentos que objetivavam a redemocratização do
Brasil. A pressão social fez com que o próprio
Presidente da República iniciasse, com a expedição
da Lei Constitucional n. 9, de 28 de Fevereiro de
1945, os procedimentos para a recomposição do quadro
institucional brasileiro. Posteriormente, foram
convocadas eleições para Presidente e para Deputados
Federais, a se realizarem em dezembro daquele ano. O
processo de mudanças políticas se acelerou ainda
mais e, antes mesmo das eleições, em 29 de Outubro,
Getúlio Vargas foi deposto, assumindo o Ministro José
Linhares, Presidente do Supremo Tribunal Federal, o
governo do país. Conforme o calendário previsto, o
General Eurico Gaspar Dutra foi vitorioso nas urnas,
assumindo a Presidência em 2 de Fevereiro de 1946 e
foi instalada a Assembléia Constituinte integrada
pelos deputados eleitos.
Promulgada
em 18 de Setembro de 1946, inspirou-se, em grande
parte, nos textos de 1891 e 1934 e teve como eixos básicos
a consolidação de um sistema político fundado na
democracia representativa, a institucionalização da
federação e da autonomia municipal e a progressão
no tratamento constitucional dos direitos e garantias
fundamentais e de matéria econômica e social.
VII.B)
1946 e a volta do Estado de Direito: recuperação da
idéia de Direitos Humanos.
A
Constituição de 1946, nas palavras de João Baptista
Herkenhoff, restaurou os direitos e garantias
individuais, que foram mais uma vez, ampliados, em
comparação com o texto constitucional de 1934.
Criou-se
através do artigo 141, 4o, o princípio da
ubiqüidade da justiça, nestes termos: ‘’ A lei não
poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário
qualquer lesão de direito individual ‘’. Segundo
Pontes de Miranda, foi a mais prestante criação do
constituinte de 1946.
Foi
estabelecida a soberania dos veredictos do júri e a
individualização da pena.
Aqui,
os direitos sociais foram ampliados, sendo estatuídos: salário mínimo capaz de atender às necessidades do
trabalhador e de sua família; participação obrigatória
e direta do trabalhador nos lucros da empresa; proibição
de trabalho noturno a menores de 18 anos; assistência
aos desempregados; obrigatoriedade da instituição,
pelo empregador, do seguro contra acidentes de
trabalho; direito de greve; liberdade de associação
profissional ou sindical; criação da Justiça do
Trabalho como ramo do Poder Judiciário.
Mantiveram-se
os direitos de salário superior do trabalhador
noturno em relação ao do trabalhador diurno e de repouso nos feriados civis e religiosos, inovações
trazidas pela Carta de 1937.
Referindo-se
aos direitos sociais, estes ampliaram-se, sendo
acrescidos de: gratuidade do ensino oficial ulterior
ao primário para os que provassem falta ou insuficiência
de recursos; obrigatoriedade de manterem as empresas,
em que trabalhassem mais de 100 pessoas ensino primário
para os servidores e respectivos filhos;
obrigatoriedade de ministrarem as empresas, em cooperação,
aprendizagem aos seus trabalhadores menores; instituição
de assistência educacional, em favor dos alunos
necessitados, para lhes assegurar condições de eficiência
escolar.
A
partir do golpe de 1964, a Constituição de 1946
sofreu múltiplas emendas e suspensão da vigência de
muitos de seus artigos. Isso aconteceu por força dos
Atos Institucionais de 9 de Abril de 1964
(posteriormente considerados como o de no
1) e 27 de Outubro de 1965 (Ato Institucional de no
2 ou AI - 2)
VIII.
Constituição de 1967
VIII.A)
Antecedentes históricos
João
Goulart cai no dia 1o de Abril de 1964, com
o Movimento Militar instaurado no dia anterior.
Com o golpe
de Estado de 1964, iniciou-se um período
caracterizado por um regime de força, dirigido por
governos militares. Os diversos Atos Institucionais restringiram as liberdades públicas e
outros direitos assegurados na Constituição de 1946,
mantendo-se, todavia, naquele momento, a vigência da
Carta naquilo que não fosse conflitante com aquelas
medidas de exceção. Em 7 de Dezembro de 1966, por
meio de Ato Institucional n.4, o Congresso Nacional é
convocado extraordinariamente para discutir, votar e
promulgar uma nova Constituição, com base em projeto
apresentado pelo Presidente da República. Em 24 de
Janeiro do ano seguinte é promulgada a Constituição
do Brasil, que entra em vigor em 15 de Março de 1967.
O texto
constitucional ‘’ sofreu poderosa influência da
Carta Política de 1937, cujas características básicas
assimilou’’, segundo avalia José Afonso da Silva,
que constata, na nova Constituição, preocupação
fundamental com a segurança nacional, aumento dos
poderes concernentes à União e ao Presidente da República,
redução da autonomia individual, com a permissão da
suspensão de direitos e garantias constitucionais, e
reformulação dos sistemas tributário e orçamentário.
VIII.B)
Os Direitos Humanos e a Constituição de 1967
Comparada
com a Constituição de 1946, a Constituição de 1967
apresenta graves retrocessos:
-
suprimiu a liberdade de publicação de livros e periódicos
ao afirmar que não seriam tolerados os que fossem
considerados (a juízo do Governo) como de propaganda
de subversão da ordem.
-
restringiu o direito de reunião facultando à polícia
o poder de designar o local para ela. Usando desse
poder como artifício, a polícia poderia facilmente
impossibilitar a reunião
-
criou a pena de suspensão dos direitos políticos,
declarada pelo Supremo Tribunal Federal, para aquele
que abrisasse dos direitos de manifestação do
pensamento, exercício de trabalho ou profissão,
reunião e associação, para atentar contra a ordem
democrática ou praticar a corrupção (art.151)
-
manteve todas as punições, exclusões e marginalizações
políticas decretadas sob a égide dos Atos
Institucionais
Em
contraste com essas determinações restritivas , a
Constituição de 1967 determinou que era imprescindível
o respeito à integridade física e moral do detento e
do presidiário, preceito que não existia,
explicitamente, nas Constituições anteriores. Ao
mesmo tempo, a eficácia desse artigo não saiu,
entretanto, da teoria, em vista do clima geral de redução
de liberdade e a conseqüente impossibilidade de denúncia
dos abusos que ocorressem.
No
que diz respeito aos direitos sociais, a Constituição
de 1967 inovou em alguns pontos.
Houve
algumas inovações contrárias ao trabalhador, tais
como: a redução para 12 anos da idade mínima de
permissão do trabalho; a supressão da estabilidade,
como garantia constitucional, e o estabelecimento do
regime de fundo de garantia, como alternativa; as
restrições ao direito de greve; a supressão da
proibição de diferença de salários, por motivo de
idade e nacionalidade, a que se refira a Constituição
anterior.
Nesta
Constituição, verificam-se também algumas vantagens
relacionadas aos trabalhadores, podendo citar as
seguintes: inclusão, como garantia constitucional, do
direito ao salário família, em favor dos dependentes
do trabalhador; proibição de diferença de salários
também por motivo de cor, circunstância a que não
se referia a Constituição de 1946; participação do
trabalhador, eventualmente, na gestão da empresa;
aposentadoria da mulher, aos trinta anos de trabalho,
com salário integral.
A
Constituição de 1967 representou um esforço de redução
do arbítrio contido nos Atos Institucionais que se
seguiram à Revolução de 1964. Tentou não se
distanciar em demasia do texto constitucional de 1946.
Seu autoritarismo não se compara com o panorama de
completo arbítrio criado pelo Ato Institucional no
5, que caiu sobre o Brasil, em 13 de dezembro de 1968.
Entretanto,
mesmo com todas essas ressalvas, a Constituição de
1967 não se harmonizou com a doutrina dos Direitos
Humanos, pelas seguintes razões: restringiu a
liberdade de opinião e expressão; deixou o direito
de reunião a descoberto de garantias plenas; fez
recuo no campo dos direitos sociais; manteve as punições,
exclusões e marginalizações políticas decretadas
sob a égide dos Atos Institucionais.
Segundo
João Baptista Herkenhoff, a Constituição de 1967
ruiu sob o AI-5, de Dezembro de 1968.
IX.
A Constituição de 1988
IX.A)
Antecedentes históricos
A
carta de 1988 demarca, no âmbito jurídico, o
processo de democratização do Estado brasileiro, ao
consolidar a ruptura com o regime autoritário
militar, instalado em 1964. Esse processo iniciou-se
dentro do próprio regime autoritário, devido às
dificuldades em solucionar problemas internos e, em
decorrência disso, as forças de oposição da
sociedade civil se beneficiaram do processo de
abertura, fortalecendo-se mediante formas de organização,
mobilização e articulação, que permitiram
importantes conquistas sociais e políticas.
A
Constituição de 1988 difere das constituições
anteriores. Compreende nove títulos, que cuidam: (1)
dos princípios fundamentais; (2) dos direitos e
garantias fundamentais, segundo uma perspectiva
moderna e abrangente dos direitos individuais e
coletivos, dos direitos sociais dos trabalhadores, da
nacionalidade, dos direitos políticos e dos partidos
políticos; (3) da organização do Estado, em que
estrutura a federação com seus componentes; (4) da
organização dos poderes: Poder Legislativo, Poder
Executivo e Poder Judiciário, com a manutenção do
sistema presidencialista, derrotado o parlamentarismo,
seguindo-se capítulo sobre as funções essenciais à
Justiça, com ministério
público, advocacia pública (da União e dos
Estados), advocacia privada e defensoria pública, (5)
da defesa do Estado e das instituições democráticas,
com mecanismos do estado de defesa, do estado de sítio
e da segurança pública; (6) da tributação e do orçamento;
(7) da ordem econômica e financeira; (8) da ordem
social; (9) das disposições gerais. Finalmente, vem
o Ato das Disposições Transitórias. Esse conteúdo
distribui-se por 245 artigos na parte permanente e
mais 73 artigos na parte transitória, reunidos em capítulos,
seções e subseções.
É
a Constituição Cidadã, na expressão de Ulisses
Guimarães, Presidente da Assembléia Nacional
Constituinte que a produziu, porque teve ampla
participação popular em sua elaboração e
especialmente porque se volta decididamente para a
plena realização da cidadania.
IX.B)
A Constituição de 1988 e os Direitos Humanos
Como
afirma Flávia Piovesan, a Carta de 1988
institucionaliza a instauração de um regime político
democrático no Brasil, introduzindo indiscutivelmente
avanço na consolidação legislativa das garantias e
direitos fundamentais e na proteção de setores
vulneráveis da sociedade brasileira.
A partir dela, os direitos humanos ganham relevo
extraordinário, considerando-se a Carta de 1988 como
o documento mais abrangente
sobre os direitos humanos, jamais adotado no
Brasil.
Tamanha
a vontade constitucional de priorizar os direitos e as
garantias fundamentais que a Constituição, em seu
artigo 60, parágrafo 4o, os declara cláusulas
pétreas, compondo, assim, o seu núcleo intocável.
Os
direitos sociais, nesta Constituição, estão
inseridos no título dedicado aos direitos e
garantias, diferentemente do que ocorria nas Cartas
anteriores, em que estes encontravam-se dispersos no
âmbito da ordem econômica e social.
Ainda
segundo Flávia Piovesan, no intuito de reforçar
imperatividade das normas que traduzem direitos e
garantias fundamentais, as Constituição de 1988
institui o princípio da aplicabilidade imediata
dessas normas, nos termos do artigo 5o, parágrafo
1o.
A
intenção que o ditou é compreensível e louvável:
evitar que essas normas fiquem letra morta por falta
de regulamentação. Mas o constituinte não se
apercebeu que as normas têm aplicabilidade imediata
quando são completas na sua hipótese e no seu
dispositivo. Ou seja, quando a condição de seu
mandamento não possui lacuna, e quando esse
mandamento é claro e determinado. Do contrário ela
é não executável pela natureza das coisas.
O
artigo 5o, x
2o da Constituição enuncia que os
direitos e garantias nela expressos não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte. Conforme atesta
Manoel Gonçalves Ferreira Filho, isto gera um
problema teórico, pois quando se ratifica um tratado
internacional, este passa a apresentar-se
hierarquicamente como lei ordinária. Daí, decorreria
que os direitos fundamentais poderiam mostrar-se sob
dois níveis distintos: ora como normas
constitucionais, ora como normas ordinárias.
Pode-se
dizer que a Constituição atual, no capítulo dos
direitos e garantias individuais avançou bastante,
incorporando diversos anseios da sociedades.
Tratemos
de algumas inovações trazidas pela Carta de 1988.
O
artigo 5o, inciso IX diz que é livre a
expressão da atividade intelectual, artística, científica
e de comunicação, independente de censura ou licença.
Nas palavras de Benedito de Campos, a censura,
principalmente às manifestações artísticas ou
culturais, se constitui numa volta à Idade Média.
Já
o inciso XIII aponta o racismo como crime inafiançável
e imprescritível, sujeito à pena de reclusão nos
termos da lei. Isso foi uma verdadeira vitória na
tentativa de amenizar a triste realidade social
brasileira, repleta de casos discriminatórios.
Ainda
no artigo 5o, o inciso X refere-se a proteção
à vida privada, à intimidade, à honra e à imagem
das pessoas. Trata-se de uma conquista e de uma inovação.
Na vida moderna, com o aumento da atividade dos meios
de comunicação, é fundamental que a intimidade dos
indivíduos seja amparada por lei.
O
inciso III do artigo 5o prioriza que ninguém
será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou
degradante. A tortura, como diz José Afonso da Silva,
não é só um crime contra o direito à vida, mas
sim, uma crueldade que atinge todas suas dimensões, e
a humanidade como um todo.
Outra
inovação relevante na atual Constituição é
tratada no artigo 5o, inciso XXIII, que
dispõe que a propriedade atenderá a sua função
social. Este dispositivo teve grande importância, ao
permitir que maior quantidade de pessoas tenha acesso
a terra, já que número maior de imóveis estará
sujeito a desapropriação para fins de reforma agrária.
Além
disso, em seu artigo 225, a Carta de 1988 enuncia que
todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público
e a coletividade o dever defendê-lo e preservá-lo
para as presentes e futuras gerações. Assim, é a
primeira, dentre as Constituições brasileiras, que
insere em seu texto um direito conhecido como de 3a
geração, ou seja, direito de solidariedade.
Vê-se,
nesta sucinta análise, que a filosofia dos Direitos
Humanos está bastante presente na Constituição
adotada por nosso país.
X.
Conclusão
Todas
as Constituições brasileiras apresentaram Declarações
de Direitos. As duas primeiras contentaram-se com as
liberdades públicas, objetivando limitações ao
Poder. As demais, a partir de 1934, acrescentavam a
estas, na Ordem Econômica, os direitos sociais. A
atual já prevê ao menos um dos direitos de
solidariedade.
Pelo
exposto, pode-se notar que houve, no Brasil, a
progressiva conscientização social no sentido a
importância da incorporação dos direitos humanos
nas diversas Constituições nacionais.
Essa
incorporação deu-se de maneira crescente, de modo a
atender cada vez mais os anseios da população, que
exigia uma maior garantia para a efetivação de seus
direitos.
Passou-se a
crer que esta seria a única forma para que houvesse,
realmente, a implementação dos direitos humanos a
todos os indivíduos, e estes pudessem exercer de fato
sua cidadania.
XI.
Bibliografia
-CAMPOS,
Benedito de Constituição de 1988: uma análise
Marxista São Paulo: Editora Alfa - o mega, 1990.
-
DALLARI, Pedro. Constituição e relações
exteriores. São Paulo: Saraiva, 1994
-PIOVESAN,
Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional
Internacional 3.ed. São Paulo: Max Limonad, 1997.
-
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positivo 9 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1993
-
HERKENHOFF, José Baptista. Curso de Direitos Humanos
Vol1. Gênese dos Direitos Humanos. São Paulo:
Editora Acadêmica. p.83)
-
FERREIRA, Manoel Gonçalves Filho. Direitos Humanos
Fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1996
-
Constituição Federal Brasileira de 1988.
Definição retirada do Dicionário Aurélio.
Para estudo mais detalhado sobre os antecedentes
históricos das Constituições brasileiras, vide
Curso de direito constitucional positivo, de José
Afonso da Silva e Constituição e relações
exteriores, de Pedro Dallari.
José Afonso da Silva. Curso de direito
constitucional positivo. 9 ed. p.70.
Luiz Pinto Ferreira. Princípios Gerais do Direito
Constitucional Moderno. p. 75, in Pedro Dallari,
Constituição e relações exteriores.
José Afonso da Silva. Curso de direito
constitucional positivo. 9 ed. p. 73.
Luiz Pinto Ferreira. Princípios Gerais do Direito
Constitucional Moderno. p. 76-7, in Pedro Dallari,
Constituição e relações exteriores.
Josaphat Marinho. A Constituição de 1934, in
Constituições do Brasil. p. 44-5, in Pedro
Dallari, Constituição e relações exteriores.
Paulo Bonavides e Paes de Andrade. História
Constitucional do Brasil. p. 9, in João Baptista
Herkenhoff, Curso de Direitos Humanos, Vol. 1.
José Afonso da Silva. Curso de direito
constitucional positivo. 9 ed. p. 73.
Luiz Pinto Ferreira. Princípios Gerais do Direito
Constitucional Moderno. P. 77-8, in Pedro Dallari,
Constituição e relações exteriores.
João Baptista Herkenhoff. Curso de Direitos
Humanos. Vol. 1. p. 78.
João Baptista Herkenhoff. Curso de Direitos
Humanos. Vol. 1. p. 78.
Pontes de Miranda. Comentários à Constituição
de 1946, in João Baptista Herkenhoff. Curso de
Direitos Humanos. Vol. 1.
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José Afonso da Silva.
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91.
Flávia Piovesan.
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Ferreira Filho. Direitos Humanos Fundamentais. p.
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Benedicto de Campos.
Constituição de 1988: uma análise Marxista. p.
68.
José Afonso da Silva.
Curso de direito constitucional positivo. p. 181.