Cartilha
de Direitos Humanos
Ricardo Balestreri
Por
que, no Brasil, a defesa dos Direitos
Humanos é rejeitada, por muitos,
como “defesa de bandidos”?
Basicamente, por duas razões:
Em
primeiro lugar, por ignorância.
Diante
de assustador crescimento da violência
e da insegurança pública,
muitos segmentos sociais passam a acreditar
em simplificações como,
por exemplo, a eliminação
do crime através da eliminação
dos criminosos.
A
“lógica da eliminação”
aponta para falsas soluções
que, tentadas através dos tempos,
praticamente nada realizaram em termos
de efetiva Segurança Pública:
penalização, banalização
do aprisionamento, construção
descriteriosa de presídios, enfrentamentos
de “guerra”, matanças,
tortura, pena de morte em alguns países,
apesar de práticas “corriqueiras”,
não foram medidas redutoras da
violência e da criminalidade. Ao
contrário, os cidadãos se
encontram cada vez mais encurralados e
atemorizados.
Se
continuarmos apostando na mesma direção,
vamos continuar obtendo os mesmos resultados.
A
longo prazo, somente políticas
públicas sociais e educacionais,
de inclusão, poderão reduzir
a criminalidade. Mas, dizer isso pode
tornar-se um lugar comum irritante, que
não oferece saídas mais
imediatas para a população.
A curto e médio prazos também
precisamos agir com boas políticas
objetivas de segurança. Contudo,
não é a eliminação
e a truculência que resolvem. O
que resolve é a inteligência
na prevenção e na repressão,
na presença ostensiva dos operadores
policiais e na correta produção
da prova. O que resolve é uma intervenção
fundada na razão, na informação,
na técnica, na ciência, na
comunicação, na estratégia.
O
crime organizado é, hoje, seguramente,
a “indústria” mais
lucrativa do planeta. Está fundamentado
em processos sofisticados, racionais e
globalizados. Nele se sustenta toda a
cultura de violência planetária
(mesmo aquela aparentemente não
formalmente vinculada). Tal potência,
que não é um mito, não
se afeta pela “lógica da
eliminação individual”.
Os que caem são imediatamente substituídos
e a “indústria” continua
intacta.
É
obvio que precisamos punir, dentro da
lei e da ética, em nome de um bem
maior, as condutas individuais sociopáticas.
Isso, contudo , é paliativo e não
afeta a raiz do problema. É simplista.
Além
tudo, se, ao punir os criminosos, o Estado
e seus agentes se portam como se também
criminosos fossem, rebaixando-se à
práticas que significam perda de
dignidade, dá-se um mau exemplo
à sociedade, cria-se consfusão
moral e caos, sugere-se que os “fins
justificam os meios” (com todas
as consequências práticas
que esse tipo de cultura traz ao dia-a-dia)
e aumenta-se, ainda mais, a ciranda da
violência.
É
preciso rigor e firmeza, sim. Mas isso
jamais pode confundir-se com emocionalismo
barato, amadorismo, truculência,
psicopatia auto-justificada. Não
se pode combater condutas destituídas
de senso moral à partir da abdicação
do senso moral. A repressão à
práticas socialmente lesivas precisa
ser enérgica mas sem perda da própria
identidade de valores do sistema democrático
e de seus operadores.
Obviamente,
grande parte da sociedade, não
por má fé mas por ignorância,
desconhece isso, acreditando que a violência
no combate à violência é
que vai assegurar a paz social. Nesse
contexto, não por má fé
mas por ignorância, a militância
por direitos humanos passa a ser vista
como “um estorvo”, um “impedimento
ao trabalho da polícia”,
um “estímulo à impunidade”,
uma “defesa de bandidos”.
A
segunda razão está afeta
ao período da ditadura militar
e à herança que dele carregamos.
Na
fase da ditadura, compreensivelmente,
as Organizações de Direitos
Humanos e a Polícia estavam em
confronto.
A
ditadura acabou, felizmente, e ingressamos
- ainda que recentemente, em termos históricos
– na normalidade democrática.
Em períodos assim é possível,
por herança cultural, que, equivocadamente,
parte das organizações continuem
vendo a polícia como inimiga e
vice-versa.
Ao
contrário, precisamos perceber
que as políticas públicas
de segurança e seus operadores
diretos são sustentáculos
indispensáveis da democracia, que
têm como missão resguardar
e promover os direitos humanos.
A
população, especialmente
a mais humilde e indefesa, sofre, cotidianamente,
os efeitos perversos do crime e da insegurança.
O crime gera pobreza e dependência,
uma vez que impede a liderança
popular autônoma, o livre empreendedorismo,
a livre organização e a
possibilidade de um ensino desamarrado
de controle local e censura (fechamento
de escolas, ameaças a diretores
e professores, cerceamento da atividade
de grupos religiosos, etc.).
Assim,
se atacarmos a polícia como instituição,
estaremos atacando a próprio povo
que a permissionou e que dela necessita.
A
confusão entre polícia e
más práticas policiais (estas,
sim, merecendo ser denunciadas e combatidas)
pode incrementar uma rejeição
popular à nossa causa civilizatória
dos Direitos Humanos e dar a falsa impressão
de que não nos importamos com o
combate à criminalidade.
Felizmente,
cresce a cada dia o número de Organizações
que percebem a importância desse
cuidado no trato, estando em curso uma
nova forma de abordagem, mais adequada
aos tempos democráticos, mais precisa
e mais prudente.
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