
Os
Novos Paradigmas da Universalidade,
Interdependência
e Indivisibilidade dos Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e
Ambientais
*Nilmário
Miranda
A
luta pelo reconhecimento e expansão do rol de direitos humanos no
Brasil e no mundo encontra-se em plena transição: depois de cinco décadas
dedicadas quase que exclusivamente aos direitos humanos civis e políticos,
começamos, finalmente, a priorizar a dimensão econômica, social e
cultural dos direitos humanos.
Entretanto,
este movimento pela consolidação da multidimencionalidade dos direitos
e garantias fundamentais da pessoa humana se dá, exatamente, durante a
aceleração do processo de globalização. Processo este de enfático
destaque para o aumento da produtividade e competitividade; além de
insofismável empenho do capital transnacional em flexibilizar suas
obrigações com a força produtiva do trabalho.
Ainda
assim, podemos verificar, em contrapartida a evolução de instrumentos
do direito, sobretudo internacionais. Esta referência ao direito
internacional se justifica pelo fato de os direitos humanos terem seus
princípios compartilhados por instituições e ativistas de todo o
mundo. Tais princípios constituem-se num importante parâmetro ao
processo civilizatório, dimensionado pela existência de uma opinião pública
mundial, de fundamental papel na repercussão planetária de denúncias
de grave violações aos direitos humanos proporcionada por estados
nacionais.
Em
outras palavras, os novos tempos começam a delinear a materialização
de mecanismos formais de proteção aos direitos humanos: universais e
inscritos em declarações, pactos e tratados internacionais.
Os
direitos civis e políticos, agrupados no Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e constituídos pelo direito à
igualdade perante a lei; pelos direitos dos presos; pela proibição da
tortura e da escravidão; pelo direito a um julgamento justo com a
presunção da inocência; pelo direito de ir e vir, pela liberdade de
opinião, pensamento e religião; pelo direito à vida privada e por
reunir-se pacificamente, associar-se e participar da vida política,
constituem a base estrutural dos direitos fundamentais. Tais princípios
foram sendo consagrados em convenções e pactos internacionais,
acompanhados de órgãos de monitoramento.
A
Anistia Internacional estruturou-se para fiscalizar a implementação da
Declaração Universal, ao lado de outras entidades civis que foram
sendo criadas em todo o mundo.
A
instalação do Tribunal Penal Internacional Permanente, aprovado em 17
de julho de 1998 pela Conferência Diplomática de Plenipotenciários
das Nações Unidas, vem coroar este processo de universalização dos
direitos humanos, constituindo-se em instrumento para garantir a
primazia, no Direito Internacional Público, dos direitos humanos sobre
o direito interno, quebrando a impunidade para os crimes de genocídio,
lesa-humanidade e agressão. O episódio do processo contra o general
Augusto Pinochet consolidou essa tendência à universalização.
Desde
a Conferência Internacional de Viena, em 1993, vem sendo reafirmada a
indissociabilidade dos direitos humanos e a recusa da prioridade dos
direitos civis e políticos como primeira etapa. O evento tornou-se um
marco mundial pelo delineamento do Pacto dos Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais como fundamento ético, base para denúncias e
combustível para a busca de caminhos alternativos para a humanidade
superar a iniqüidade e a injusta distribuição das riquezas, do poder
e do saber.
Ao
fracasso das ideologias que preconizaram o crescimento econômico
ilimitado como meio de superar a pobreza, quer pela via do socialismo
real, quer pelo neoliberalismo, sucedeu-se o reconhecimento da Declaração
Universal e dos pactos referentes à instauração de um sistema global
de segurança econômica, social e cultural, estendido aos pobres e às
gerações futuras.
Nas
últimas duas décadas, problemas de desigualdade se agravaram: o
desemprego estrutural, hoje estimado em 1,2 bilhão de pessoas no mundo,
a desintegração das sociedades africanas, o intolerável trabalho
infantil para 300 milhões de crianças, a super exploração de
recursos naturais, as dívidas externas impagáveis esmagando as nações
do Sul, a liberdade absoluta para o fluxo de capitais em detrimento de
interesses nacionais e grupos populacionais, entre outros problemas,
representam para nós um legado desse modelo falido, a ser substituído.
Com
o fim da polarização entre Leste e Oeste e a emergência dos efeitos
perversos da globalização econômica, principalmente nos países periféricos,
ficou mais evidente que, se não vingarem os direitos humanos econômicos,
sociais e culturais, os próprios avanços nos direitos civis e políticos
ficarão comprometidos, com o crescimento da violência, da xenofobia,
do racismo, da intolerância e do autoritarismo. Por outro lado, o
crescimento da demanda por recursos naturais e o dever humano para com
nossos descendentes impulsionaram a consciência ambiental e
disseminaram o conceito de desenvolvimento sustentável, enriquecendo o
conceito de direitos humanos econômicos.
Nos
próximos anos questões como perdão das dívidas dos países pobres,
proposta pelas Igrejas no chamado Jubileu da Dívida; a taxação em
cerca de 0,1% dos recursos das transações financeiras internacionais
para aplicação no combate à miséria, conhecida como Taxa Tobin;
outras idéias de constituição de fundos mundiais para erradicar a
fome, combater o desemprego, o trabalho infantil e outras mazelas
decorrentes das desigualdades em escala global, passam a integrar a
agenda da comunidade internacional. Essa conjuntura demanda a imediata
reorganização da Organização das Nações Unidas (ONU) e dos demais
organismos multilaterais. Não há hoje no mundo mecanismos objetivos
para combater a marginalização dos grupos e populações vulneráveis
e para garantir os direitos das futuras gerações.
A
referência para o desafio que se coloca, pois, são os direitos humanos
integrados no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais, o qual estabelece um nível essencial para a dignidade da
pessoa humana como responsabilidade dos Estados, da comunidade dos
Estados e das autoridades públicas internacionais.
Constituem
os Direitos Econômicos o direito à alimentação, de estar livre da
fome, o direito a um padrão de vida mínimo, com vestuário e moradia,
o direito ao trabalho e aos direitos trabalhistas. São Direitos Sociais
no Pacto o direito à seguridade social das famílias, mães, crianças,
idosos, os serviços de saúde física e mental. Por direitos culturais
entende-se o direito à educação, de participar da vida cultural e de
beneficiar-se do progresso científico, assim como o direito das
minorias étnicas e raciais, de gênero, orientação sexual etc.
Institucionalização
dos Direitos
A
ratificação pelo Brasil dos dois pactos – de Direitos Civis e Políticos
e o de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – ambos de 1966 e
decorrentes da Declaração Universal dos Direitos Humanos, foi tardia.
Só em 1992, sete anos após o fim do regime militar, os dois foram
ratificados. Antes, porém, a Constituição Federal de 1988 incorpora
todos os princípios da Declaração Universal. A nova Constituição
ostenta hoje os fundamentos de nossa política para os direitos humanos.
Podemos afirmar, portanto, que os princípios da defesa dos direitos
humanos em vigor no nosso ordenamento jurídico são de elaboração
recente, incorporados num momento de retomada da ordem democrática. O
problema é que a Constituição condicionou a implementação dos
direitos a leis regulamentadoras. Daí a lenta implementação.
A
institucionalização dos direitos humanos no nosso país teve outros
reveses. Por duas vezes, em 1987 e 1991, a Mesa da Câmara dos Deputados
arquivou projetos de resolução para criar uma Comissão Permanente de
Direitos Humanos, revelando o desprezo reinante entre as elites sobre o
tema. O Poder Executivo, por sua vez, não dispunha de organismos específicos
com a função de defender e difundir os direitos humanos.
A
legislatura 1991-95 do Congresso Nacional abrigou importantes
iniciativas relacionadas aos direitos humanos, tais como a Comissão
Externa dos Desaparecidos Políticos, as CPIs do Extermínio de Crianças,
do Sistema Penitenciário, da Pistolagem, da Violência contra a Mulher,
da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Elas resultaram da
maior sensibilização e organização da sociedade civil para a temática
dos direitos humanos, compelindo o Parlamento a discuti-la e a buscar o
equacionamento dos fenômenos que investigaram. Foi intensa a participação
de grupos e organizações não-governamentais de direitos humanos nesse
processo.
Mas
o Poder Legislativo Federal não dispunha, nessa ocasião, de foro específico
e habilitado para receber e encaminhar denúncias de violações,
promover o debate e atuar de modo articulado com as instituições públicas
e a sociedade civil nessa área. O tratamento, dessa forma, era
fragmentado e disperso, impossibilitando o acúmulo de matéria crítica
que resultasse em propostas com ampla legitimidade, capazes de
transformar anseios em conquistas.
Em
1995 foi afinal criada a Comissão de Direitos Humanos na Câmara dos
Deputados. Num primeiro momento, ela atuou em sintonia com o então
ministro da Justiça Nelson Jobim, oferecendo ao Parlamento uma gama de
proposições legislativas. Paulatinamente, foram sendo aprovadas a Lei
de reparação às famílias dos mortos e desaparecidos políticos; a
que instituiu o rito sumário na reforma agrária; a que tipificou o
crime contra a tortura, a que transferiu da Justiça Militar para a
Justiça comum a competência sobre os crimes dolosos perpetrados por
policiais militares, além da ratificação de diversos tratados
internacionais relevantes para os direitos humanos. Para se ter uma idéia
da rapidez com que foram institucionalizados os direitos humanos no
Poder Legislativo nos últimos cinco anos, em 1995, quando foi criada a
Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, só havia esses
colegiados em cinco Assembléias Legislativas. Em 1999 já são 25, além
de centenas de comissões criadas em Câmaras Municipais de todo o país.
A
Comissão de Direitos Humanos tornou-se o desaguadouro das inúmeras denúncias
trazidas pela sociedade ao Parlamento, permitindo uma resposta imediata
diante de violações que, de outra forma, ficariam algumas sujeitas à
incerta criação de CPIs e outras – a maioria – ignoradas nos
escaninhos burocráticos. O Congresso Nacional dotou-se, então, de um
instrumento capaz de exercer sua função fiscalizadora com a agilidade
e amplitude que essa área exige. O poder que tem a Comissão de
Direitos Humanos de cobrar providências e soluções é um poder político,
pois não dispõe do poder coercitivo. Cabe mencionar também sua influência
na tramitação de projetos relacionados aos direitos humanos, que tem
sido importante no sentido de agregar informações e apoio de segmentos
da sociedade civil.
No
âmbito do Poder Executivo, foi criada em 1995, a Secretaria Nacional de
Direitos Humanos, sendo o advogado ligado aos direitos humanos José
Gregori designado para ocupar o cargo. Em 1999 o órgão foi fortalecido
com sua transformação em Secretaria de Estado. Em maio de 1996 foi lançado
pelo presidente da República o Programa Nacional de Direitos Humanos,
com predomínio para os direitos civis e políticos, para orientar as ações
do Estado. Em 99 foi aprovada lei instituindo o Programa Nacional de
Proteção de Vítimas e Testemunhas, e o Governo Federal reconheceu a
jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Brasil. O
Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa, do Ministério da Justiça,
passou a ser mais atuante, tendo participado das investigações sobre
grupos de extermínio no Acre, Espírito Santo, Rio Grande do Norte e
Amazonas.
Hoje
há Ouvidorias de Polícia em seis estados. Há Conselhos Estaduais de
Direitos Humanos instituídos por leis com a participação de organizações
não-governamentais em vários estados. Todos criados recentemente. O
Brasil passou a admitir a inspeção por comissões internacionais de
verificação do cumprimento dos compromissos internacionais e fez o
relatório à ONU em 1996 sobre o cumprimento do Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos.
Em
todo esse processo, alianças políticas incomuns se estabeleceram,
movidas pelo compromisso com os direitos humanos e não por alianças
político-eleitorais. Os organismos e gestores do Estado vinculados às
políticas públicas encontraram, no Congresso Nacional, uma parceria crítica
mais eficaz com setores da oposição ao próprio governo. A maioria da
base do governo federal não tem demonstrado interesse ou compromisso
com o avanço dos direitos humanos, ao contrário da oposição de
esquerda, com uma tradição de atuação nessa área. Essa
singularidade também evidencia a natureza universalizante dos direitos
humanos para além de fronteiras não só territoriais, como políticas
e, até certo ponto, ideológicas.
Embora
inegáveis os avanços na luta pelos direitos humanos no Brasil, é
evidente a enorme distância entre os avanços institucionais e a prática
real. Por exemplo: apenas dois policiais foram condenados por tortura
nestes dois anos de vigência da lei que tipificou essa prática ignóbil.
Ninguém é condenado por racismo. Não conseguimos produzir alterações
de vulto nas estruturas da segurança pública. Como se sabe, as polícias
civil e militar, bem como o sistema penitenciário, são da alçada da
autoridade estadual, o que significa que avanços e retrocessos estão
ao sabor dos esforços de cada governo e da capacidade da sociedade
civil local em apresentar as demandas nesse setor.
A
comunidade internacional reconheceu os avanços nos direitos humanos no
Brasil, mas condena as dificuldades de implementação dos seus princípios
na prática. A ONU premiou o secretário de Direitos Humanos José
Gregori por ocasião do Cinqüentenário da Declaração Universal dos
Direitos Humanos. Em contrapartida, na mesma oportunidade o Governo da
França atribuiu seu prestigioso prêmio à professora e sindicalista
Luzia Canuto, herdeira da luta de seu pai, João Canuto, assassinado em
1985 em Rio Maria-PA, um crime até hoje impune.
Convivemos
com a tortura nas delegacias, a superlotação das cadeias e presídios,
a crescente violência nos centros urbanos, a violência no campo (com
destaque para o Sul do Pará, o Paraná e Pernambuco), a violência
policial, a extrema precariedade e insuficiência das instituições
para internação de adolescentes infratores, entre outras violações
de direitos civis. No entanto, no tocante aos direitos mais diretamente
ligados ao Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais o atraso
é ainda maior. Se o Brasil até hoje não fez o relatório à ONU sobre
o cumprimento do Pacto é porque o atual governo não tem um programa de
implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais.
Embora
detentor de um PIB de US$ 800 bilhões, nosso país possui 85 milhões
de pessoas situadas abaixo da linha de pobreza, percebendo menos de R$
132 mensais, o que provocará um retrocesso nas próprias conquistas de
direitos civis e políticos se nada fizermos. Os piores índices de violência
estão relacionados à miséria e ao desemprego. A taxa de homicídios
é elevadíssima comparada a outros países, é de 25/100 mil
habitantes. Vejamos agora alguns índices de regiões metropolitanas: na
grande São Paulo, a taxa é de 140/100 mil em Diadema, 97,3/100 mil no
Embu, 88,5/100 mil em Itapecerica da Serra. No Grande Rio, os municípios
de Duque de Caxias, Itaboraí, Belford Roxo, São João de Meriti e Nilópolis
detêm taxas 3 vezes maiores que a média nacional.
O
Estado brasileiro destina pouco de seus serviços e subsídios aos
pobres. A rede de proteção social existente gasta pouco e mal os
escassos recursos orçamentários, freqüentemente contingenciados pela
conveniência dos ajustes ditados pelo FMI. A obediência cega aos padrões
de ajuste fiscal monetarista obscurece a sensibilidade para o essencial.
Em agosto de 1999, enquanto vários centros de internação de
adolescentes infratores eram cenários de rebeliões, fugas com reféns
e incêndios, em protesto contra a superlotação e os maus-tratos, as
autoridades econômicas de Brasília ordenavam o contingenciamento dos
parcos R$ 18 milhões previstos no Orçamento Geral da União para o
setor.
Contudo,
reverter a miséria não é apenas uma utopia. É, sim, possível, obter
resultados concretos e em pouco tempo, se houver vontade política e
mobilização social nessa direção. Estudo do IPEA demonstra que, com
R$ 37 ao mês por pessoa, o patamar de R$ 132 é alcançado por todos os
brasileiros. Projetos de renda mínima e bolsa-escola, no bojo de uma
reforma tributária capaz de reduzir as desigualdades sociais, pode
produzir resultados concretos em pouco tempo.
A
emergência dos direitos econômicos, sociais e culturais como direitos
humanos está sendo absorvida pelas ONGs e instituições públicas da
área no Brasil. A Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos
Deputados elegeu, como lema de 1999, "Sem direitos sociais não há
direitos humanos". A IV Conferência Nacional de Direitos Humanos,
realizada em maio de 1999 com 300 entidades de todo o país, decidiu
priorizar a dimensão econômica, social e cultural dos direitos
humanos, inclusive produzindo um relatório da sociedade civil, um
"contra-relatório", a ser entregue à ONU, como meio de pressão
ao Governo Federal, para que ele saia afinal de sua condição de
inadimplente e apresente o seu relatório, com a análise da situação
atual e suas metas.
Essa
prioridade alçou o movimento pelos direitos humanos para o centro da
agenda política do país. Enfrentar a gravíssima crise social é, sem
dúvida, o principal desafio político do movimento. Mesmo para os que têm
demonstrado desprezo ou desinteresse pela questão. Tanto que o forte
declínio da popularidade do presidente da República já inspirou até
políticos conservadores a propor políticas sociais para erradicar a
pobreza. Eis, portanto, o traço mais marcante da conjuntura dos
direitos humanos: os direitos econômicos, sociais e culturais passam ao
primeiro plano.
...............................................................
*
Nilmário Miranda é Deputado Federal (PT/MG), Secretário Nacional de
Direitos Humanos do Partido dos Trabalhadores, Secretário-Geral de
Direitos Humanos do Parlamento Latino Americano (Parlatino) e
Coordenador da Sub-Comissão de Combate à Tortura da Câmara Federal.
A
EVOLUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
* Egídia Maria de Almeida
Aiexe
"Direitos
Humanos são um conjunto integrado e indivisível de direitos de caráter
histórico, que possuem como núcleo a questão da dignidade da pessoa
humana, dependem de um ator social que os afirme e busque sua efetivação,
e constituem uma crítica a uma forma de organização econômica,
social e política, ao mesmo tempo em que delineiam/propõem uma nova
utopia, mais humana e mais justa, segundo os critérios do grupo ou da
sociedade que os proclamou."
"Direitos
Humanos são as ressalvas e restrições ao poder político ou as imposições a este, expressas em declarações, dispositivos
legais e mecanismos privados e públicos, destinados a fazer respeitar e
concretizar as condições de vida que possibilitem a todo ser
humano manter e desenvolver suas qualidades peculiares de inteligência,
dignidade e consciência, e permitir a satisfação de suas necessidades
materiais e espirituais."
(Prof.
Fernando Barcellos de Almeida, in Teoria
Geral dos Direitos Humanos, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris
Editor, 1996, pág. 24).
A
CONSTRUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
·
A
questão da palavra "direitos humanos" e seu significado -
apropriados por setores conservadores para desqualificar ou desvirtuar
os valores e princípios que estão por trás desta causa - a importância
de refletirmos sobre alguns pontos para enfrentarmos os embates e o
compromisso que a nossa realidade tem nos exigido, desmistificando o
discurso que se propõe a combater e impedir o processo de criação de
uma nova cultura de respeito à dignidade do homem (reconstrução do
valor da pessoa humana).
·
Compreensão
da palavra - definição - conceito - é comum, ao tentarmos definir,
ouvirmos expressões genéricas ou vagas, que trazem em si algumas
dificuldades.
Conceito
Prof. Fernando Barcellos de Almeida, ponto de partida.
·
Histórico
- classificação em gerações - trajetória.
·
1ª
geração - lema da liberdade - afirmação do indivíduo em face do
poder - direitos individuais/civis/políticos: dir. opinião e expressão,
honra e imagem, integridade física e moral, intimidade e privacidade,
liberdade de locomoção, propriedade, direito de votar e ser votado,
participação e organização. - doutrina contratualista, demarcação
Estado e indivíduo - modelo: Estado liberal - ação negativa. Do ponto
de vista político, avanço; no plano econômico, ausência do
Estado da regulação das relações. Ator social: burguesia.
Marco histórico: revolução francesa. Antecedentes: Código de Hamurábi
- autolimitação do poder.
·
2ª
geração - lema igualdade - direito de crédito - DESC - doutrinas
marxista e anarquista - modelo: Estado social ou do Bem-Estar Social. Do
ponto de vista econômico social, avanço, conquistas (ação positiva);
no plano político, o Estado colocado acima dos indivíduos - avanço do
fascismo, nacional socialismo (na vertente capitalista) e do stalinismo
(na vertente socialista). Ator social: operariado. Marco histórico:
revolução industrial.
·
3ª
geração - lema da solidariedade - direitos difusos - debate
desarmamentista e ecológico - direito dos povos - direito à paz, ao
desenvolvimento, ao meio ambiente equilibrado, às práticas democráticas,
combate à escravidão, ao genocídio e à tortura como crimes de
lesa-humanidade. Ator social: comunidade internacional. Marco histórico:
pós-guerras. Plano político: DICP + DESC.
Modelo
Estado Democrático de Direito, pressupõe a participação (fiscalização/elaboração/parceria/efetivação).
·
4ª
geração - efetividade e ética - Ator social: comunidades, agentes políticos.
·
5ª
geração - felicidade - qualidade de vida - a realização plena da
pessoa.
·
Formulando
um esboço de conceito: Traços essenciais: históricos - dependem de um
ato social - núcleo: dignidade da pessoa humana - construção - crítica
e utopia.
"
São um conjunto integrado e indivisível de direitos de caráter histórico,
que possuem como núcleo a questão da dignidade da pessoa humana,
dependem de um ator social que os afirme e busque sua efetivação, e
constituem uma crítica a uma forma de organização econômica, social
e política, ao mesmo tempo em que delineiam/propõem uma nova utopia,
mais humana e mais justa, segundo os critérios do grupo ou da sociedade
que os proclamou."
ESTADO,
ORGANIZAÇÃO POLÍTICA E DIREITOS HUMANOS
I
- ESTADO LIBERAL (ESTADO DE DIREITO)
·
Contexto
histórico: Revoluções Norte-americana e Francesa.
·
Princípios
políticos: Liberalismo político - Democracia liberal: correlação
liberdade e propriedade (privada).
·
Estado
ordem: poder de polícia - Soberania: Forças Armadas. Limita o Estado
à legalidade, prevê a atuação de um Estado mínimo, restrito ao
policiamento para assegurar a manutenção da ordem e garantir o livre
jogo da vontade dos atores sociais individualizados. Veda a organização
corporativo-coletiva.
·
Ideologia
Liberal: individualista, baseada na busca de interesses individuais.
·
Princípios
econômicos: Liberalismo econômico - liberdade de agir = liberdade de
comércio, livre iniciativa, livre concorrência Estado ausente da vida
econômica.
·
Direitos
Fundamentais na perspectiva do Estado Liberal:
Consagra um ordenamento jurídico de regras gerais e abstratas,
essencialmente negativas, que consagram os direitos individuais ou de 1ª
geração, uma ordem jurídica liberal clássica. DICP = direito de
propriedade, direito de empresa (com/ind.), direito de crença, opinião
e expressão, liberdade de locomoção, inviolabilidade do domicílio,
reunião, associação, igualdade perante a lei (formal).
II
- ESTADO SOCIAL/ ESTADO DO BEM-ESTAR SOCIAL
·
Contexto
histórico: pós 1ª Guerra Mundial - Constituição de Weimar (1919),
Mexicana (1917) e Soviética (1917).
·
Princípio
político: democracia social. Preocupação não apenas com estrutura
política do Estado, mas também com novos direitos.
·
Princípios
econômicos: materialização dos direitos formais. Estado interventor,
planejador = ação positiva.
·
Liberdade
de agir = liberdade comercial - livre iniciativa -
concorrência reguladas por um Estado que normatiza, por meio de
leis sociais e coletivas, reconhecendo as diferenças materiais e dando
tratamento privilegiado ao lado social ou economicamente mais fraco da
relação - igualdade não
mais apenas formal, mas tendencialmente material (Menelick de Carvalho
Neto).
·
Estado
ordem: poder de polícia - Soberania: Forças Armadas.
·
Ideologia
social = Doutrinas marxista e fascista = os DESC (Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais) como condições de existência DICP (Direitos
Individuais, Civis e Políticos). ** Cidadão = cliente.
·
Democracia
Social = correlação liberdade e propriedade condiciona esta última ao
cumprimento de sua função social. Os direitos fundamentais submetem
sua condição ao cumprimento da função social.
·
Direitos
Fundamentais na perspectiva do Estado Social:
acrescenta os DESC (Direitos Econômicos, Sociais e Culturais) no
panorama jurídico = direito ao trabalho, salário, habitação, lazer,
educação, saúde, condições mínimas de vida.
III
- ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
·
Contexto
histórico: final da 2ª Guerra Mundial - década de 40.
·
Princípio
político: democracia participativa.
·
Princípios
econômicos: Estado deve conjugar ação negativa (abster-se de violar
liberdades do indivíduo) c/ ação positiva (promoção de direitos do
cidadão).
·
Liberdade
de agir = liberdade e igualdade vão exigir responsabilidade/Livre
iniciativa e concorrência.
·
Estado
administrativo: o Estado, quando não diretamente responsável pelo
dano, foi negligente no seu dever de fiscalização ou de atuação,
criando uma situação de risco para a sociedade. Estado ordem: poder de
polícia - Soberania: Forças Armadas, mas com exigência e canais de
participação da sociedade.
·
Ideologia
social: ** Cidadão = partícipe. Os DESC (Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais) como condições de existência dos DICP (Direitos
Individuais, Civis e Políticos). Os direitos de 1ª e 2ª geração
ganham novo significado. Os de 1ª são retomados como direitos de
participação no debate público que informa e conforma a soberania
democrática do novo paradigma constitucional. Direito participativo,
pluralista e aberto.
·
Direitos
Fundamentais na perspectiva do Estado Democrático de Direito:
direitos difusos, titulares não determinados (direitos ambientais, do
consumidor, da criança).
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*
Egídia Maria de Almeida Aiexe é
professora de Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais (PUC/MG) e integrante da ONG Movimento Direito e Cidadania
(MDC).
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