Projeto DHnet
Ponto de Cultura
Podcasts
 
 Direitos Humanos
 Desejos Humanos
 Educação EDH
 Cibercidadania
 Memória Histórica
 Arte e Cultura
 Central de Denúncias
 Banco de Dados
 MNDH Brasil
 ONGs Direitos Humanos
 ABC Militantes DH
 Rede Mercosul
 Rede Brasil DH
 Redes Estaduais
 Rede Estadual RN
 Mundo Comissões
 Brasil Nunca Mais
 Brasil Comissões
 Estados Comissões
 Comitês Verdade BR
 Comitê Verdade RN
 Rede Lusófona
 Rede Cabo Verde
 Rede Guiné-Bissau
 Rede Moçambique


A Vida  Procura Caminhos

Análise dos homicídios do ano de 1997 no Rio Grande do Norte: enfoque especial aos jovens.

 INTRODUÇÃO

A (des)informação sobre violência

É crescente a preocupação, nos diversos segmentos da sociedade civil e do Estado, com o problema da violência em nosso país. Casos como o da “blitz policial” de Diadema - SP e do Vigário Geral no Rio de Janeiro (ambos envolvendo a violência policial) abundantemente divulgados pela imprensa nacional durante um certo período, vieram suscitar, ainda mais, angústias, medos e insegurança na população. Trata-se, nesses casos, da violência institucional, aquela que diz respeito direto às ações do próprio Estado. As violências como a chacina de El Dourado dos Carajás - PA, de Carandiru - SP, da Candelária - RJ, de Mãe Luíza - Natal, entre outras, estão para atestar a reiterada violência institucional.

Tais fatos somados à idéia de um recrudescimento da violência urbana, característica das últimas décadas, no mundo todo[2],  tem levado a uma publicização do debate sobre a violência e a segurança na sociedade civil brasileira, fato esse que vem se acentuando desde 1995[3] , e levado a alguns estados brasileiros a se orientarem para um projeto de reforma  na Segurança Pública.

A violência é parte do cotidiano da vida do brasileiro, contudo a cada nova tragédia tornada pública (porque sabemos que tantas outras estão ocorrendo em todo o território nacional sem que elas caiam no domínio público e midiático), provoca perplexidades. Tal não foi o envolvimento dos jovens da classe média de Brasília no assassinato do índio pataxó Gaudino? Espanto porque a vítima não era um usual mendigo, e os atores da violência não eram os usuais arruaceiros jovens delinqüentes dos bairros periféricos das metrópoles brasileiras?

Diariamente, os espectadores e leitores são assediados por imagens da violência e, de um modo geral, a violência sensacionalizada  encontra-se focada sobre as populações de baixa renda, propagando-se uma certa idéia da violência estar, quase sempre e indubitavelmente, circunscrita nesses espaços e posições sociais. Tal propalação midiática contribui para que a violência se torne um dado hiper-realista que termina por auto-teorizar-se[4] por si só, onde os responsáveis pela desordem e pelo caos são certeiramente e de antemão conhecidos - os pobres, os marginalizados, os negros,...

Que preocupações existem, na sociedade, em questionar a (in)verdade de tais imagens e idéias? Na maior parte das vezes, as pessoas procuram se desfazer do imperativo de pensar sobre a responsabilidade da violência contida na própria sociedade.

Apesar da violência estar inevitavelmente presente em todas as relações sociais, a responsabilidade da violência é sempre rejeitada por todos. A sociedade civil delega o poder de controle da violência ao Estado[5] pretendendo, simultaneamente, se desfazer de qualquer vínculo de responsabilidade com esta realidade (TAKEUTI, 1995). A violência está sempre no outro, em lugares bem circunscritos, tais como entre os pobres, os negros, os deformados, os delinqüentes, os migrantes... Esse tipo de representação, que atribui sempre a determinados "outros", o terror, a crueldade e a violência, conduz a uma visão parcial do homem e da sociedade: de um lado, os "bons", e por outro, os "maus". Dessa visão parcial, decorre a idéia de que só uma maior repressão policial pode assegurar a ordem social. Dá-se ao Estado a procuração para utilizar legitimamente a violência, para poder controlá-la e para extirpar os males, inclusive os "maus". Com isso, justifica-se, até mesmo, as ações destrutivas dos agentes policiais!

A nível do imaginário, o conceito de violência não sofre distinções quanto aos aspectos, dimensões e instâncias envolvidos no complexo fenômeno da violência, tendendo unicamente a ativar sentimentos e emoções que, não raras vezes, engendram preconceitos, segregações e intolerâncias em relação ao outro.

Tal visão enviesada do fenômeno da violência não tem conseqüência no plano dos  sujeitos, aqueles sobre os quais recai a identidade social virtual de violento, no plano da ação institucional, tanto do Estado quanto de organizações da sociedade civil, provocando assim, uma elaboração de políticas e estratégias de ação equivocadas por parte das instituições envolvidas no tratamento do problema da violência.

Tendo em vista as desastrosas conseqüências de uma visão emotiva,  parcial e de(sin)formada sobre a questão da violência, pensamos ser necessário encarar frontalmente os dados sobre essa problemática, procurando:

  • - mapear os diversos aspectos da violência  redundando em homicídios, (quanto, porque, quando, onde, como e quem);

  • - analisar as relações existentes entre as diversas variáveis;

  • - desvelar o imaginário da violência comumente associada às práticas das “classes subalternas”;

  • - envolver ativamente a própria sociedade civil, neste processo de reflexão, de modo a estimular a sua participação na reformulação e gestão da política pública de justiça e segurança.

Considerações metodológicas

O Banco de Dados sobre Violência do Movimento Nacional de Direitos Humanos (BDV-MNDH) começou a ser implantado no Rio Grande do Norte a partir do segundo semestre de 1992. A construção do BDV-MNDH justifica-se pela falta de um sistema oficial de estatísticas sobre a criminalidade no Brasil. Um de seus objetivos é estimular o estado a criar um tal sistema. Como afirma Silva (1996):

"...não existirá formulação de políticas públicas consistentes, sem o embasamento concreto em indicadores estatísticos que revelem com clareza o problema da violência no Brasil."

A fonte dos dados do BDV-MNDH  é a mídia escrita. No Rio Grande do Norte são dois os jornais consultados: Diário de Natal e Tribuna do Norte. Todas as notícias sobre homicídios que são divulgadas em um ou em ambos os jornais são cuidadosa e detalhadamente registradas por pesquisadores do BDV-MNDH, num banco de dados informatizado. A categoria de crimes homicídios foi escolhida desde o início como objeto  desse programa.

O BDV-MNDH  está estruturado em cinco blocos de dados. Os blocos 2 e 5 são destinados ao registro dos dados da fonte de informações e da forma como a ocorrência foi noticiada pelo órgão de imprensa. Para este trabalho utilizaremos apenas algumas das variáveis dos blocos 1, 3 e 4:

  • o primeiro desses é destinado ao registro das características gerais da ocorrência: turno do crime, dia, local, arma, número de vítimas e número de acusados;

  • o segundo registra as características pessoais da vítima que estão divulgadas no jornal: sexo, cor, ocupação, idade, função e menção sobre o uso ou não de drogas, bem como envolvimento ou não em atividades ilícitas;

  • o último bloco registra as características pessoais do acusado.

Para construir um perfil dos homicídios no Rio Grande do Norte destacamos seis tópicos a serem explorados neste trabalho:

1- No primeiro tópico obtemos uma visão geral quanto ao número de homicídios no Rio Grande do Norte entre 1993 e 1997[6]. Utilizamos o número de vítimas como indicador do número de homicídios e não o número de ocorrências.

2- O segundo tópico enfatizado são os motivos e circunstâncias dos crimes. Face ao grande número de motivos apontados pelas fontes de informação, classificamos os mesmos em 9 tipos: conflito interpessoal, ação de marginais ou quadrilhas, reação a crimes, crimes de mando, ação de galeras (gangs), linchamento, ação policial, homicídios acidentais e outros.

3- No tópico sobre dias da semana e horários dos crimes reunimos duas variáveis que tratam sobre o período de ocorrência dos crimes: os dias em que ocorreram os crimes e o turno em que ocorreram (manhã, tarde, noite, madrugada)[7].

4- O estudo dos locais onde são praticados os crimes exige o mesmo procedimento do tópico "motivos". Sob a variedade de locais registrados, classificamos 5 categorias: meio urbano (reunindo os homicídios cometidos nos diferentes locais da cidade), meio rural (seguindo critério semelhante ao anterior), residência (categoria destacada amplamente nos jornais em relação aos demais locais), estabelecimento prisional (outro destaque nos jornais) e outros. Também há um elevado nível de ocorrências em que não consta  o local das mesmas no jornal.

5- As armas utilizadas nos crimes são reunidas em 5 tipos: arma de fogo, arma branca, objeto contundente, objeto asfixiante e outros.

6- Os dados sobre vítimas e acusados dos crimes foram reunidos no mesmo tópico por apresentarem um maior interesse quando vistos de forma comparativa.  Estudamos três variáveis quanto às características dos envolvidos em crimes: a idade, o sexo e a ocupação. Quanto à ocupação de vítimas e acusados, mais uma vez tivemos de recorrer a uma classificação que agrupasse os dados e mantivemos em separado somente as ocupações que apresentaram um índice especialmente elevado em relação às outras.

Neste trabalho tivemos o objetivo especial de destacar as características do envolvimento da juventude com o crime de homicídio no estado. Para tanto, a variável idade teve uma atenção especial neste trabalho. Assim, ao lado dos dados gerais de cada variável, incluímos os dados específicos sobre a juventude. Para efeito de análise, classificamos como jovens pessoas com até 24 anos de idade.

O PERFIL DOS HOMICÍDIOS NO RIO GRANDE DO NORTE

Homicídios no RN: 1993 a 1997
Fonte: BD-CDHMP/MNDH- 1993-1997

Há duas questões a serem tratadas inicialmente:

  • a primeira delas é que sempre que nos referirmos ao número de homicídios nesta sessão, estamos tratando especificamente do número de vítimas de homicídios, conforme é convencionado fazer e não ao número de ocorrências;

  • a segunda questão específica deste capítulo é que os dados apresentam uma diferença quanto às fontes entre os períodos 1994-95 e 1996-97.

No primeiro período, a coleta de dados baseava-se em dois jornais do interior do estado além dos da capital: "O Mossoroense" e "Gazeta do Oeste". Nos anos subsequentes (1996 e 97), a coleta de dados restringiu-se aos dois jornais da capital: "Diário de Natal" e "Tribuna do Norte" [8].

O ano de 1996 (234 homicídios) registra um pequeno decréscimo no número de homicídios em relação à 1995 (239 homicídios). Já o ano de 1997 (155 homicídios) apresenta uma queda aguda relativamente aos últimos quatro anos. Conforme observa RATTON (1996: 42), o Rio Grande do Norte acompanha a tendência de algumas das capitais do nordeste em estabilizar gradualmente os índices de homicídios em níveis mais baixos. Note-se que apesar de apresentarem variações nos índices, há uma gradual diminuição na média dos homicídios. Embora não tenhamos ainda dados de um período razoavelmente amplo, para afirmar com segurança, parece confirmar-se a hipótese de RATTON:

"Se confrontarmos este dado com o fato de que houve uma elevação substancial de tais taxas durante a década de 80, podemos concluir que nos anos 90 estaria ocorrendo uma estabilização em torno dos patamares alcançados na década anterior”.

Um outro dado que nos chama a atenção é a proporção de homicídios sofridos por jovens (até 24 anos) a qual acompanha essa possível tendência. O índice alcança o seu pico nos anos de 1994 (38%) e 1996 (38%), apresentando um pequeno declínio em 1995 (34%). Já no ano de 1997 (28%) a proporção de homicídios de jovens é menor que em 1993 (31%).


 

 

Fonte: BD-CDHMP/MNDH – 1993-1997

O número de homicídios na faixa etária de 0-24 anos situa-se abaixo de 100 (cem) de 1993 a 1997, com acentuado decréscimo no último ano. Se observarmos uma outra fonte de dados de homicídios – SIM – Sistema de Informações sobre Mortalidade[9] – relativamente ao RN, constatamos que em 1993 o número de mortalidade por homicídios nesta faixa etária referida é de 72, em 1994 de 80 e 1995 de 77. Os anos de 1996 e 1997 não foram analisados em virtude de uma alteração no sistema de classificação do SIM.

É sempre válido lembrar que, devido a natureza do Banco de Dados sobre a Violência, o mesmo está sujeito às variações da mídia. Podem, assim, haver distorções entre o dado noticiado e o ocorrido no que diz respeito às circunstâncias da ocorrência.

O sentimento generalizado de que estaria havendo um aumento nos índices de violência do estado, portanto, não parece corresponder à realidade, ao menos no tocante às taxas de homicídios. A realidade do sentimento de insegurança pode claramente ser observada, entre a população de Natal, através dos resultados da pesquisa realizada pela UFRN para o "Seminário sobre Cidadania, Violência e Segurança" (out./97), conforme observa TAKEUTI (1997):

"A partir dos dados da pesquisa de opinião, podemos afirmar que o sentimento de insegurança e de medo se alastrou... Na pesquisa em Natal, 72,75% da população afirmam que a idéia de violência não modificou seus hábitos de consumo e lazer. Isso nos parece indicar um quadro menos alarmante que em outras capitais do país e do mundo, embora os natalenses comecem a se ocupar cada vez mais da segurança residencial (85,6%), haja visto que é essa a mesma proporção populacional que se manifesta sobre o grau de violência em Natal como "muito violenta" (45,69%) e "ficando violenta" (42,75%) = 88%."

Isto não significa que os números não sejam altos. O número de vítimas de homicídio em países como a França é de 5 por 100 mil habitantes/ano, nos Estados Unidos 11 por 100 mil habitantes/ano (OLIVEIRA, 1995). No RN, em 1995, foram 16,2 homicídios por 100 mil habitantes[10].

Os motivos e circunstâncias dos crimes[11] 

[1] Norma Takeuti, doutora em sociologia, coordenadora da base de pesquisa de Sociologia Clínica do  Departamento de Ciências Sociais/UFRN.

[2] Takeuti, 1997: “... o sentimento de insegurança e medo é algo que não se limita a Natal e ao Brasil". Citando Lipovetsky (A era do vazio-1993:190), a autora observa que tal fato é um fenômeno mundial: “...em todos os países desenvolvidos, o sentimento de insegurança aumenta: na França, 80% da população sente agudamente um acréscimo de violência. (...) Na Europa como nos EUA, a luta contra a criminalidade ocupa o primeiro lugar entre as preocupações e prioridades do público".

[3] Em 1997, diversos fóruns de debates públicos foram instalados dentro de uma ótica multidisciplinar, envolvendo múltiplos atores sociais, tais como: O Seminário “Pernambuco, Paz e Violência” (Recife, nov/97) e o Seminário “Cidadania, Violência e Segurança”  (Natal, out/97), bem como em outros estados como Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo, etc.

[4] Referimo-nos ao que o autor Boaventura de Souza Santos (1995) observa a respeito da realidade contemporânea nas suas rápidas mutações, profundas e imprevisíveis, na contemporaneidade que faz com que a realidade se torne hiper-real e parece teorizar-se a si mesma.

[5] Que peca ou por omissão ou por excesso de ação violenta sobre a violência.

[6] O ano de 1992 não foi incluído por dispormos apenas de dados do segundo semestre.

[7] Quando os jornais não identificam o turno do acontecimento do crime classificamos em "não consta".

[8] Embora a participação dos jornais do interior não represente uma grande diferença nos números gerais (a maioria dos homicídios registrados pelos jornais do interior são também relatados pelos da capital), é necessário estarmos advertidos para este fator na avaliação dos dados.

[9] Para a obtenção dessas informações, contamos com o apoio do Grupo de Estudos Demográficos do DEST/CCE/UFRN e da Subcoordenadoria de Informações e Estudos Epidemiológicos da Secretaria de Saúde/RN.

[10] Dados Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde, 1995.

[11] Os dados desta sessão encontram-se relacionados diretamente com os dados da ocorrência.

 

 
Desde 1995 © www.dhnet.org.br Copyleft - Telefones: 055 84 3211.5428 e 9977.8702 WhatsApp
Skype:direitoshumanos Email: enviardados@gmail.com Facebook: DHnetDh
Busca DHnet Google
Notícias de Direitos Humanos
Loja DHnet
DHnet 18 anos - 1995-2013
Linha do Tempo
Sistemas Internacionais de Direitos Humanos
Sistema Nacional de Direitos Humanos
Sistemas Estaduais de Direitos Humanos
Sistemas Municipais de Direitos Humanos
História dos Direitos Humanos no Brasil - Projeto DHnet
MNDH
Militantes Brasileiros de Direitos Humanos
Projeto Brasil Nunca Mais
Direito a Memória e a Verdade
Banco de Dados  Base de Dados Direitos Humanos
Tecido Cultural Ponto de Cultura Rio Grande do Norte
1935 Multimídia Memória Histórica Potiguar