A
Vida
Procura Caminhos
Análise
dos homicídios do ano de 1997 no Rio Grande do Norte:
enfoque especial aos jovens.
É crescente a preocupação, nos diversos
segmentos da sociedade civil e do Estado, com o problema
da violência em nosso país. Casos como o da “blitz
policial” de Diadema - SP e do Vigário Geral no Rio
de Janeiro (ambos envolvendo a violência policial)
abundantemente divulgados pela imprensa nacional durante
um certo período, vieram suscitar, ainda mais, angústias,
medos e insegurança na população. Trata-se, nesses
casos, da violência institucional, aquela que diz
respeito direto às ações do próprio Estado. As violências
como a chacina de El Dourado dos Carajás - PA, de
Carandiru - SP, da Candelária - RJ, de Mãe Luíza -
Natal, entre outras, estão para atestar a reiterada
violência institucional.
Tais fatos somados à idéia de um
recrudescimento da violência urbana, característica
das últimas décadas, no mundo todo,
tem levado a uma publicização do debate sobre a
violência e a segurança na sociedade civil brasileira,
fato esse que vem se acentuando desde 1995
, e levado a alguns estados brasileiros a se orientarem
para um projeto de reforma
na Segurança Pública.
A violência é parte do cotidiano da vida do
brasileiro, contudo a cada nova tragédia tornada pública
(porque sabemos que tantas outras estão ocorrendo em
todo o território nacional sem que elas caiam no domínio
público e midiático), provoca perplexidades. Tal não
foi o envolvimento dos jovens da classe média de Brasília
no assassinato do índio pataxó Gaudino? Espanto porque
a vítima não era um usual
mendigo, e os atores da violência não eram os usuais
arruaceiros jovens delinqüentes
dos bairros periféricos das metrópoles brasileiras?
Diariamente, os espectadores e leitores são
assediados por imagens da violência e, de um modo
geral, a violência
sensacionalizada
encontra-se focada sobre as populações de baixa
renda, propagando-se uma certa idéia da violência
estar, quase sempre e indubitavelmente, circunscrita
nesses espaços e
posições sociais. Tal propalação midiática
contribui para que a violência se torne um dado hiper-realista
que termina por auto-teorizar-se
por si só, onde os responsáveis pela desordem e pelo
caos são certeiramente e de antemão conhecidos - os pobres,
os marginalizados,
os negros,...
Que preocupações existem, na sociedade, em
questionar a (in)verdade
de tais imagens e idéias? Na maior parte das vezes, as
pessoas procuram se desfazer do imperativo de pensar
sobre a responsabilidade da violência contida na própria
sociedade.
Apesar da violência estar inevitavelmente
presente em todas as relações sociais, a
responsabilidade da violência é sempre rejeitada por
todos. A sociedade civil delega o poder de controle da
violência ao Estado
pretendendo, simultaneamente, se desfazer de qualquer vínculo
de responsabilidade com esta realidade (TAKEUTI, 1995).
A violência está sempre no outro,
em lugares bem circunscritos, tais como entre os pobres,
os negros, os deformados, os delinqüentes,
os migrantes...
Esse tipo de representação, que atribui sempre a
determinados "outros", o terror, a crueldade e a violência, conduz a
uma visão parcial do homem e da sociedade: de um lado,
os "bons", e por outro, os "maus".
Dessa visão parcial, decorre a idéia de que só uma
maior repressão policial pode assegurar a ordem social.
Dá-se ao Estado a procuração
para utilizar legitimamente
a violência, para poder controlá-la e para extirpar os
males, inclusive os "maus". Com isso,
justifica-se, até mesmo, as ações destrutivas dos
agentes policiais!
A nível do imaginário, o conceito de violência
não sofre distinções quanto aos aspectos, dimensões
e instâncias envolvidos no complexo fenômeno da violência,
tendendo unicamente a ativar sentimentos e emoções
que, não raras vezes, engendram preconceitos, segregações
e intolerâncias em relação ao outro.
Tal visão enviesada
do fenômeno da violência não tem conseqüência no
plano dos sujeitos, aqueles sobre os quais recai a identidade social
virtual de violento, no plano da ação institucional,
tanto do Estado quanto de organizações da sociedade
civil, provocando assim, uma elaboração de políticas
e estratégias de ação equivocadas por parte das
instituições envolvidas no tratamento do problema da
violência.
Tendo em vista as desastrosas conseqüências
de uma visão emotiva,
parcial e de(sin)formada sobre a questão da violência,
pensamos ser necessário encarar frontalmente os dados
sobre essa problemática, procurando:
-
- mapear os diversos aspectos da violência redundando em homicídios, (quanto, porque, quando, onde,
como e quem);
-
- analisar as relações existentes entre as
diversas variáveis;
-
- desvelar o imaginário da violência
comumente associada às práticas das “classes
subalternas”;
-
- envolver ativamente a própria sociedade
civil, neste processo de reflexão, de modo a estimular
a sua participação na reformulação e gestão da política
pública de justiça e segurança.
O Banco de Dados sobre Violência do Movimento Nacional de Direitos
Humanos (BDV-MNDH) começou a ser implantado no
Rio Grande do Norte a partir do segundo semestre de
1992. A construção do BDV-MNDH justifica-se pela falta
de um sistema oficial de estatísticas sobre a
criminalidade no Brasil. Um de seus objetivos é
estimular o estado a criar um tal sistema. Como afirma
Silva (1996):
"...não
existirá formulação de políticas públicas
consistentes, sem o embasamento concreto em indicadores
estatísticos que revelem com clareza o problema da violência
no Brasil."
A fonte dos dados do BDV-MNDH
é a mídia escrita. No Rio Grande do Norte são
dois os jornais consultados: Diário
de Natal e Tribuna do Norte. Todas as notícias sobre homicídios que são
divulgadas em um ou em ambos os jornais são cuidadosa e
detalhadamente registradas por pesquisadores do BDV-MNDH,
num banco de dados informatizado. A categoria de crimes homicídios
foi escolhida desde o início como objeto
desse programa.
O BDV-MNDH
está estruturado em cinco blocos de dados. Os
blocos 2 e 5 são destinados ao registro dos dados da
fonte de informações e da forma como a ocorrência foi
noticiada pelo órgão de imprensa. Para este trabalho
utilizaremos apenas algumas das variáveis dos blocos 1,
3 e 4:
-
o primeiro desses é destinado ao registro das
características gerais da ocorrência: turno do crime,
dia, local, arma, número de vítimas e número de
acusados;
-
o segundo registra as características pessoais
da vítima que estão divulgadas no jornal: sexo, cor,
ocupação, idade, função e menção sobre o uso ou não
de drogas, bem como envolvimento ou não em atividades
ilícitas;
-
o último bloco registra as características
pessoais do acusado.
Para construir um perfil dos homicídios no
Rio Grande do Norte destacamos seis tópicos a serem
explorados neste trabalho:
1- No primeiro tópico obtemos uma visão
geral quanto ao número de homicídios no Rio Grande do
Norte entre 1993 e 1997.
Utilizamos o número de vítimas como indicador do número
de homicídios e não o número de ocorrências.
2- O segundo tópico enfatizado são os
motivos e circunstâncias dos crimes. Face ao grande número
de motivos apontados pelas fontes de informação,
classificamos os mesmos em 9 tipos: conflito
interpessoal, ação de marginais ou quadrilhas, reação
a crimes, crimes de mando, ação de galeras (gangs),
linchamento, ação policial, homicídios acidentais e
outros.
3- No tópico sobre dias da semana e horários
dos crimes reunimos duas variáveis que tratam sobre o
período de ocorrência dos crimes: os dias em que
ocorreram os crimes e o turno em que ocorreram (manhã,
tarde, noite, madrugada).
4- O estudo dos locais onde são praticados os
crimes exige o mesmo procedimento do tópico
"motivos". Sob a variedade de locais
registrados, classificamos 5 categorias: meio urbano
(reunindo os homicídios cometidos nos diferentes locais
da cidade), meio rural (seguindo critério semelhante ao
anterior), residência (categoria destacada amplamente
nos jornais em relação aos demais locais),
estabelecimento prisional (outro destaque nos jornais) e
outros. Também há um elevado nível de ocorrências em
que não consta o
local das mesmas no jornal.
5- As armas utilizadas nos crimes são
reunidas em 5 tipos: arma de fogo, arma branca, objeto
contundente, objeto asfixiante e outros.
6- Os dados sobre vítimas e acusados dos
crimes foram reunidos no mesmo tópico por apresentarem
um maior interesse quando vistos de forma comparativa.
Estudamos três variáveis quanto às características
dos envolvidos em crimes: a idade, o sexo e a ocupação.
Quanto à ocupação de vítimas e acusados, mais uma
vez tivemos de recorrer a uma classificação que
agrupasse os dados e mantivemos em separado somente as
ocupações que apresentaram um índice especialmente
elevado em relação às outras.
Neste trabalho tivemos o objetivo especial de
destacar as características do envolvimento da
juventude com o crime de homicídio no estado. Para
tanto, a variável idade teve uma atenção especial
neste trabalho. Assim, ao lado dos dados gerais de cada
variável, incluímos os dados específicos sobre a
juventude. Para efeito de análise, classificamos como
jovens pessoas com até 24 anos de idade.
Há duas questões a serem tratadas
inicialmente:
-
a primeira delas é que sempre que nos referirmos
ao número de homicídios nesta sessão, estamos
tratando especificamente do número de vítimas de homicídios,
conforme é convencionado fazer e não ao número de
ocorrências;
-
a segunda questão específica deste capítulo é
que os dados apresentam uma diferença quanto às fontes
entre os períodos 1994-95 e 1996-97.
No primeiro período, a coleta de dados
baseava-se em dois jornais do interior do estado além
dos da capital: "O Mossoroense" e "Gazeta
do Oeste". Nos anos subsequentes (1996 e 97), a
coleta de dados restringiu-se aos dois jornais da
capital: "Diário de Natal" e "Tribuna do
Norte" .
O ano de 1996 (234 homicídios) registra um
pequeno decréscimo no número de homicídios em relação
à 1995 (239 homicídios). Já o ano de 1997 (155 homicídios)
apresenta uma queda aguda relativamente aos últimos
quatro anos. Conforme observa RATTON (1996: 42), o Rio
Grande do Norte acompanha a tendência de algumas das
capitais do nordeste em estabilizar gradualmente os índices
de homicídios em níveis mais baixos. Note-se que
apesar de apresentarem variações nos índices, há uma
gradual diminuição na média dos homicídios. Embora não
tenhamos ainda dados de um período razoavelmente amplo,
para afirmar com segurança, parece confirmar-se a hipótese
de RATTON:
"Se
confrontarmos este dado com o fato de que houve uma
elevação substancial de tais taxas durante a década
de 80, podemos concluir que nos anos 90 estaria
ocorrendo uma estabilização em torno dos patamares
alcançados na década
anterior”.
Um outro dado que nos chama a atenção é a
proporção de homicídios sofridos por jovens (até 24
anos) a qual acompanha essa possível tendência. O índice
alcança o seu pico nos anos de 1994 (38%) e 1996 (38%),
apresentando um pequeno declínio em 1995 (34%). Já no
ano de 1997 (28%) a proporção de homicídios de jovens
é menor que em 1993 (31%).
Fonte: BD-CDHMP/MNDH – 1993-1997
O número de homicídios na faixa etária de
0-24 anos situa-se abaixo de 100 (cem) de 1993 a 1997,
com acentuado decréscimo no último ano. Se observarmos
uma outra fonte de dados de homicídios – SIM –
Sistema de Informações sobre Mortalidade – relativamente ao RN,
constatamos que em 1993 o número de mortalidade por
homicídios nesta faixa etária referida é de 72, em
1994 de 80 e 1995 de 77. Os anos de 1996 e 1997 não
foram analisados em virtude de uma alteração no
sistema de classificação do SIM.
É sempre válido lembrar que, devido a
natureza do Banco de Dados sobre a Violência, o mesmo está sujeito às variações
da mídia. Podem, assim, haver distorções entre o dado
noticiado e o ocorrido no que diz respeito às circunstâncias
da ocorrência.
O sentimento generalizado de que estaria
havendo um aumento nos índices de violência do estado,
portanto, não parece corresponder à realidade, ao
menos no tocante às taxas de homicídios. A realidade
do sentimento de insegurança pode claramente ser
observada, entre a população de Natal, através dos
resultados da pesquisa realizada pela UFRN para o
"Seminário sobre Cidadania, Violência e Segurança"
(out./97), conforme observa TAKEUTI (1997):
"A
partir dos dados da pesquisa de opinião, podemos
afirmar que o sentimento de insegurança e de medo se
alastrou... Na pesquisa em Natal, 72,75% da população
afirmam que a idéia de violência não modificou seus hábitos
de consumo e lazer. Isso nos parece indicar um quadro
menos alarmante que em outras capitais do país e do
mundo, embora os natalenses comecem a se ocupar cada vez
mais da segurança residencial (85,6%), haja visto que
é essa a mesma proporção populacional que se
manifesta sobre o grau de violência em Natal como
"muito violenta" (45,69%) e "ficando
violenta" (42,75%) = 88%."
Isto não significa que os números não sejam
altos. O número de vítimas de homicídio em países
como a França é de 5 por 100 mil habitantes/ano, nos
Estados Unidos 11 por 100 mil habitantes/ano (OLIVEIRA,
1995). No RN, em 1995, foram 16,2 homicídiospor 100 mil habitantes.
Os
motivos
e
circunstâncias dos
crimes
Norma Takeuti, doutora
em sociologia, coordenadora
da base de pesquisa
de Sociologia Clínica
do
Departamento
de Ciências Sociais/UFRN.
Takeuti, 1997: “...
o sentimento de insegurança e medo é algo que não
se limita a Natal e ao Brasil". Citando
Lipovetsky (A era do vazio-1993:190), a autora observa
que tal fato é um fenômeno mundial: “...em
todos os países desenvolvidos, o sentimento de
insegurança aumenta: na França, 80% da população
sente agudamente um acréscimo de violência. (...) Na
Europa como nos EUA, a luta contra a criminalidade
ocupa o primeiro lugar entre as preocupações e
prioridades do público".
Em 1997, diversos fóruns
de debates públicos foram instalados dentro de uma ótica
multidisciplinar, envolvendo múltiplos atores
sociais, tais como: O Seminário “Pernambuco, Paz e
Violência” (Recife, nov/97) e o Seminário
“Cidadania, Violência e Segurança”
(Natal, out/97), bem como em outros estados
como Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo, etc.
Referimo-nos ao que o
autor Boaventura de Souza Santos (1995) observa a
respeito da realidade contemporânea nas suas rápidas
mutações, profundas e imprevisíveis, na
contemporaneidade que faz com que a realidade se torne
hiper-real e parece teorizar-se a si mesma.
Que peca ou por omissão
ou por excesso de ação violenta sobre a violência.
O ano de 1992 não foi
incluído por dispormos apenas de dados do segundo
semestre.
Quando os jornais não
identificam o turno do acontecimento do crime
classificamos em "não consta".
Embora a participação dos jornais do interior não
represente uma grande diferença nos números gerais (a
maioria dos homicídios registrados pelos jornais do
interior são também relatados pelos da capital), é
necessário estarmos advertidos para este fator na
avaliação dos dados.
Para a obtenção dessas informações, contamos com o
apoio do Grupo de Estudos Demográficos do DEST/CCE/UFRN
e da Subcoordenadoria de Informações e Estudos
Epidemiológicos da Secretaria de Saúde/RN.
Dados Sistema de Informações
sobre Mortalidade do Ministério da Saúde, 1995.
Os dados desta sessão
encontram-se relacionados diretamente com os dados da
ocorrência.
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