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Apostila para o Curso de Direitos humanos

 

Trechos do Parecer

Implantação de serviço de abastecimento de água e de coleta de esgoto em

Loteamento situado em Área de Proteção de Mananciais

 

Nelson Saule Júnior  e Evangelina Pinho

 

I. OBJETO DA CONSULTA

O objeto da consulta é sobre a viabilidade jurídica de implantação pela SABESP de serviço de abastecimento de água, e  coleta de esgoto  no loteamento  “Cidade Ipava” situado em área de preservação de manancial da Represa do Guarapiranga.

 

O loteamento Cidade Ipava  é um loteamento residencial que contém originariamente 1970 lotes, dos quais 940 encontram-se sem edificação ou outra caracterização e 1030 lotes ocupados.  O loteamento é de uso residencial considerando que 89.7% dos imóveis são esclusivamente residenciais e com a somatória dos imóveis de uso misto( residencial e outro uso conjugado) este percentual atinge 93.6% com base na tabela 5 do relatório da Diagonal de dezembro de 1997 sobre a situação do loteamento.

 

Considerando que a maioria dos lotes ocupados passaram a ser utilizados para fins residenciais desde o final da década de 80, o loteamento para fins residencias no aspecto urbanístico é caracterizado pela situaçao de fato, pois apresenta um adensamento e número de lotes maiores que o previsto no projeto inicial do loteamento, em razão dos desdobros efetuados.

 

Trata-se portanto de um assentamento humano que contém as características dos loteamentos juridicamente denominados  irregulares por não atender os padrões urbanísticos estabelecidos nas legislações de  uso e parcelamento do solo.

 

Face a  configuração do loteamento Cidade Ipava como um loteamento residencial e irregular, onde dezenas de famílias que residem nele,  tem a posse do imóvel há mais de 5( cinco) anos   para fins de moradia a pergunta chave que precisa ser respondida é se os cidadãos que vivem  neste assentamento tem direito aos serviços públicos essenciais ou não, entre os quais se inclui o  serviço de abastecimento de água e coleta de esgoto. Esta pegunta também pode ser feita da seguinte forma: Se o Poder Público tem o dever de prestar os serviços públicos essenciais para um grupo de cidadãos residentes  num loteamento irregular situado numa área de preservação ambiental,  com o a finalidade de suprir suas necessidades básicas como o abastecimento de água .

 

 

A conclusão positiva deste grupo de cidadãos ter o direito ao serviço de abastecimento de água e da SABESP estar autorizada a prestar este serviço e o de coleta de esgoto, em razão da responsabilidade do Poder Público é extraída dos fundamentos dos direitos da pessoa humana na ordem internacional e interna e das responsablidades e obrigações estabelecidas ao Estado Brasileiro a partir da Constituição de 1988.

 

 

OS FUNDAMENTOS NO SISTEMA BRASILEIRO DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS DA PESSOA HUMANA PARA A IMPLANTAÇAO  PELA SABESP DOS SERVIÇOS DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA E COLETA DE ESGOTO

 

Considerando que a obrigação primária para a proteção e implementação dos direitos da pessoa humana são dos Estados Nacionais, face a consulta formulada, o posicionamento adotado pela necessidade da implantação do serviço de abastecimento de água e coleta de esgoto pela SABESP no loteamento Cidade Ipava é consequência  do tratamento conferido pela Constituição brasileira e a legislação infra-constitucional pertinente sobre as políticas públicas referentes à  saúde, ao saneamento ,e ao meio ambiente que sera a nalisado a seguir.

 

Este posicionameto é baseado também  no disciplinamento legal sobre o uso da água como bem público de uso comum, e as políticas de saneamento , recursos hídricos , preservação de mananciais no Estado de São Paulo com base na Constituição Paulista  e  nas legislações estaduais voltadas a atender simultâneamente o direito à vida, à saúde, à moradia e o meio ambiente sadio.

 

1.      Fundamentos e Objetivos Fundamentais do Estado Brasileiro Norteadores da Política de Saúde, Saneamento e Meio Ambiente

 

1.1 Os Valores do Estado Brasileiro como Estado Democrático de Direito

Os princípios constitucionais ao explicitar as valorações políticas da Constituinte, são normas que contem as decisões políticas fundamentais acolhidas no documento constitucional. O preâmbulo consiste na síntese dos valores e dos princípios que se tornam normas diretoras do desenvolvimento da sociedade e do Estado, enumerando as principais opções político-constitucionais.

 

A Constituição Brasileira pelo seu preâmbulo, institui o Estado brasileiro como um Estado Democrático, destinado a assegurar os valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias.

 

São considerados como valores supremos os direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça. Os valores de uma sociedade fraterna, pluralista e justa que devem ser observados num Estado Democrático, são, na verdade, os valores da democracia.

 

 Os valores liberdade, e igualdade reconhecem o direito do indivíduo como sujeito político de participação na construção política, social econômica e cultural de sociedade. Exercer a participação política é respeitar a liberdade e a igualdade, é exigir a não ocorrência de discriminação em qualquer nível (religiosa, sexual, racial, política etc.), e reconhecer que as pessoas são diferentes.

 

O desenvolvimento é legitimado desde que esteja voltado para promover o desenvolvimento sustentável que significa atender as necessidades das gerações presentes e futuras, proteger o meio ambiente sadio, promover o bem estar visando a harmonia social combatendo as desigualdades sociais.

 

A justiça como valor democrático visa garantir a realização dos direitos fundamentais do homem, tem como desafio permanente expressar o sentimento da sociedade contra as práticas arbitrárias, discriminatórias, que ocasionam a marginalização, a miséria, e o desrespeito à dignidade da pessoa humana. A garantia da convivência entre uma sociedade pluralista e solidária será decorrente do equilíbrio manifestado na aplicação da justiça como valor fundante de um regime democrático.

 

Em consonância com os seus valores, a Constituição proclama a existência do Estado Democrático de Direito que tem como fundamento a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político

 

1.2  Cidadania e Dignidade da Pessoa Humana

A cidadania e a dignidade da pessoa humana como fundamentos do Estado Brasileiro, nos termos do artigo 1º da Constituição( incisos II e III)[1], são preceitos constitucionais que devem nortear as política  públicas voltadas a concretizar os direitos da pessoa humana. São normas que devem ser atendidas, no estabelecimento das relações da Administração Pública com os cidadãos. Como normas dirigentes, são condicionantes perante as demais normas relacionadas com as política publicas, incluindo nessa ordem a política de saneamento e recursos hídricos e  a prestação de serviços de abastecimento de água e coleta de esgoto.

 

A noção de cidadania deve ser fixada com base na abrangência dos direitos de cada segmento social, não podendo ser estática, pois cada momento histórico terá um significado. Sem dúvida neste final de século o meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado é componente da cidadania, da mesma forma que a atendimento as necessidades básicas das presentes e futuras gerações é componente do meio ambiente. 

 

A cidadania deve ser compreendida quanto a sua dimensão política na efetiva participação, e intervenção dos sujeitos na definição das ações e políticas que interfiram em suas vidas, na garantia do exercício dos direitos fundamentais (individuais, sociais, culturais, meio ambiente ecologicamente equilibrado), como condição de respeito a dignidade da pessoa humana.

 

Segundo José Alfredo de Oliveira Baracho “A Administração está sujeita aos “Princípios do Estatuto Jurídico dos Cidadãos”, sendo que a expressão cidadão e cidadania vem ocupando espaços, substituindo o “administrado”. Vem daí a relevância que os direitos fundamentais da pessoas, garantidos e impostos pela constituição, tem perante a Administração Pública”.[2]

 

A cidadania e a dignidade da pessoa humana, como normas dirigentes para a promoção das políticas públicas, devem ser compreendidas quanto a sua efetivação, em conjunto com os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro. A Constituição afirma como objetivos fundamentais constituir uma sociedade livre, justa e soberana, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (Artigo 3º ).

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1.3 Princípio da Igualdade

 A partir do reconhecimento pela Constituição da existência das desigualdades sociais, com a  fixação ao Estado Brasileiro de reduzir tais desigualdades como objetivo fundamental, o significado desse mandamento constitucional é da adoção de políticas públicas que possam conferir um tratamento diferenciado em razão da situação social de um grupo de cidadãos, isto é, em razão do interesse social.

 

Essa  compreensão é fruto do próprio significado do princípio da igualdade disposto no artigo  5º da Constituição ao afirmar que “ todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”,  e de garantir o direito à igualdade. Por este princípio toda pessoa humana deve ter o mesmo tratamento , o que significa igual proteção da lei sem discriminação de qualquer natureza por motivo de sexo, cor, raça, cor, religião, língua, situação econômica, origem nacional ou social.

 

 Celso Antônio Bandeira de Mello, ao analisar o conteúdo jurídico do princípio da igualdade entende que: “A  lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente  todos os cidadãos. Este é o conteúdo político ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo modo assimilado pelos sistemas normativos vigentes”.[3]

 

Se a meta da igualdade deve ser buscada na própria lei, no ordenamento jurídico e em seus princípios, esta meta deve ser atingida na promoção das políticas públicas  e por sua vez na prestação dos serviços públicos. Com base no princípio da igualdade toda pessoa não pode sofrer qualquer tipo de discriminação seja por lei, ou pela ação do Estado, que acarrete restrições ou o próprio impedimento da satisfação de suas necessidades básicas, pois estaria também contrariando um dos fundamentos do Estado Brasileiro que é a dignidade da pessoa humana.

 

 

Se cidadãos que cometem crimes e são devidamente condenados a cumprir penas de detenção, tem o seu direito de sobrevivência assegurados no sentido de suas necessidades básicas serem supridas pelo Estado, como alimentação, vestuário e saúde, incluindo o saneamento básico, este mesmo direito de sobrevivência que é parte essencial da dignidade de qualquer pessoa humana e do direito à vida, deve ser assegurado a qualquer grupo de  cidadãos que por motivo de boa fé ou por necessidade social estejam residindo num loteamento considerado  irregular. A negação por parte do Poder Público de fornecer água  e coletar o esgoto pela situação de irregularidade do loteamento configura uma discriminação que não atende o princípio da igualdade.

 

O princípio da igualdade como comando constitucional, é  fundamento para as políticas  públicas   conterem planos e programas voltados a  combater situações de desigualdades sociais. Portanto um plano de intervenção as SABESP na área de mananciais de modo a melhorar as condições ambientais mediante a implantação de serviço de abastecimento de água potável e coleta de esgoto , bem como o estabelecimento de  distinções  de tarifas de serviços públicos em razão das condições sócio-econômica das famílias, como as tarifas sociais  de água aos grupos sociais e comunidades carentes que vivem em assentamentos precários como favelas e cortiços, são exemplos de medidas que atendem  o mandamento constitucional de reduzir as desigualdades sociais.

 

1.4  Princípio da Função Social da Propriedade

O princípio constitucional da função social da propriedade deve ser observado na promoção da política urbana e ambiental no qual se inclui a política de saúde e saneamento. O direito de propriedade é garantido desde que atenda a sua função social, de acordo com o artigo 5º incisos XXII e XXIII. A propriedade privada como um dos princípios gerais da ordem econômica, para atender a sua função social deve estar vinculada as finalidades de ordem econômica de assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social. A função social da propriedade em consonância com os demais princípios constitucionais, é o mandamento principal do regime da propriedade urbana que deve ser disciplinado pelas normas do direito público.

 

A existência de favelas, assentamentos urbanos carentes decorrentes do processo informal de ocupações coletivas (que se diferencia da grilagem pelo qual se constituíram os grandes latifúndios brasileiros), cortiços, conjuntos habitacionais abandonados, ocupados, loteamentos periféricos sem equipamentos e infra-estrutura urbana, a degradação ambiental com a poluição dos rios, lagos, represas e das mares, a destruição das áreas verdes, a deterioração da qualidade de vida na cidade consolida o princípio da função social como  paradigma para o regime de propriedade e para o desenvolvimento da política urbana e ambiental nas cidades brasileiras..

 

De acordo com José Afonso da Silva[4] "com as normas dos artigos 182 e 183, a Constituição fundamenta a doutrina segundo a qual a propriedade urbana é formada e condicionada pelo direito urbanístico a fim de cumprir sua função social específica: realizar as chamadas funções urbanísticas, de propiciar habitação (moradia), condições adequadas de trabalho, recreação e de circulação humana."

 

Em  situações como a do loteamento Cidade Ipava, o equilíbrio entre  o direito ao meio ambiente e o direito à moradia deve ser alcançado com a aplicação do princípio da função social da propriedade. Para aferir o seu cumprimento ou não deve ser verificacada a relação lógica entre o uso da propriedade e os interesses da coletividade e o interesse social, quer dizer se a forma de utilização de uma propriedade urbana é compatível com as atividades que atendem os interesses da coletividade.

 

Com relação ao caso do loteamento Cidade Ipava ,o que significa o respeito ao princípio da função social da propriedade? Deixar  de implantar o serviço de saneamento básico em razão das irregularidades urbanísticas e jurídicas pela forma de ocupação do loteamento, o que significa  a continuidade da degradação ambiental, ou implantar o serviço de saneamento básico, em conjunto com um plano de urbanização e regularização urbanística e jurídica que melhore as condições ambientais da área de manancial degradada, e melhore as condições habitacionais das famílias residentes no loteamento?

 

 A opção pela implantação do serviço de saneamento no loteamento Cidade Ipava para atender o princípio da função da propriedade é extraída dos próprios preceitos constitucionais sobre a política urbana. De acordo com o artigo 182 da constituição Brasileira a propriedade urbana está condicionada  a política urbana, executada pelo Poder Público Municipal, que tem  por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes. O exercício do direito de propriedade para ser garantido também está subordinado ao direito ao meio ambiente nos termos do artigo 225.

 

O pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade significa a obrigação do Poder Público  promover a defesa dos interesses difusos da comunidade. As funções sociais da cidade, como interesses difusos deve compreender o acesso de todos os que vivem na cidade à moradia,  aos equipamentos e serviços urbanos como transporte coletivo, saneamento básico, direito à saúde, à educação, cultura, enfim os direitos urbanos que são aqueles inerentes às condições de vida digna na cidade.

 

Para as funções sociais da cidade, como interesses difusos serem plenamente desenvolvidas é necessário medidas que assegurem um meio ambiente sadio e condições dignas de vida. As funções sociais da cidade estarão sendo desenvolvidas de forma plena quando houver redução das desigualdades sociais, promoção da justiça social e melhoria da qualidade de vida urbana. Esse preceito constitucional serve como referência para impedir medidas e ações dos agentes públicos e privados que gerem situações de segregação e exclusão de grupos de cidadão e classes sociais em razão da condição sócio-econômica. Enquanto essa população não tiver acesso à moradia, transporte público, saneamento, cultura, lazer, segurança, educação, saúde não haverá como postular a defesa de que a cidade esteja atendendo à sua função social.

 

Portanto a implantação do serviço de abastecimento de água e coleta de esgoto como meio de melhorar as condições ambientais e habitacionais da área do loteamento Cidade Ipava, é uma medida voltada a garantir o desenvolvimento das funções sociais da cidade de modo a assegurar aos cidadão residentes neste loteamento o acesso aos direitos inerentes às condições de vida digna na cidade, isto é o direito à cidade, o que significa também o total respeito ao princípio da função social da propriedade, tendo em vista que o respeito a estes estes dois princípios  são essenciais para a promoção da política urbana e ambiental.

 

Em situações  semelhantes de assentamentos urbanos ao loteamento Cidade Ipava, como são as favelas,  os princípios da função social da propriedade e das funções sociais da cidade foram aplicados , no sentido de terem sido implantados os serviços de abastecimento de água e esgoto pela SABESP.

 

As favelas também se caracterizam como  um assentamento urbano  irregular nos aspecto urbanístico e jurídico  (majoritariamente situadas em áreas públicas municipais). No caso da cidade de São Paulo existem mais de 1 milhão de pessoas vivendo em aproximadamente 1.400 favelas. Apesar da favela ser um assentamento irregular, devido a necessidade de garantir os cidadão que residem nestes assentamentos o melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico, possibilitando o acesso aos equipamentos e serviços urbanos, os Municípios mediante anuência das Administrações Municipais tem assegurado a prestação dos serviços de fornecimento de água e coleta de esgoto, pela  própria SABESP por ser a empresa concessionária destes serviços no Estado de São Paulo.

 

No  Município de São Paulo onde esta situado o loteamento Cidade Ipava, a Prefeitura desde o final de década de 70  tem autorizado a SABESP a implantar e prestar  o serviço de fornecimento de água e coleta de esgoto para as famílias moradoras das favelas situadas em áreas públicas municipais, com fundamento  nos preceitos constitucionais e da Lei Orgânica do Município. Por sua vez o serviço de coleta de esgoto tem sido prestado em decorrência dos projetos municipais executados de urbanização das favelas.

 

 

A implantação de equipamentos públicos nas favelas do Município de São Paulo caracteriza a consolidação destas áreas urbanas para fins de moradia, conforme demonstra o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo numa ação reivindicatória de um terreno transformado em favela ( TJSP - 8ª Câm.  – Ap. Cível 212.726-1-8-São Paulo; Rel. Des. José Osório; J. 16.12.1994; v.u.), que retrata a área da seguinte maneira:

 

“.......Trata-se de favela consolidada, com ocupação iniciada há cerca de 20( vinte) anos. Está dotada pelo Poder Público de pelo menos três equipamentos urbanos: água, iluminação pública e luz domiciliar. As fotos de fls. 10/13 mostram algumas obras de alvenaria, os postes de iluminação, um pobre ateliê de costureira, etc.., tudo a revelar uma vida urbana estável, no seu desconforto..........”

 

Este acórdão com base no princípio constitucional da função social da propriedade julgou improcedente a ação reivindicatória , contendo a seguinte ementa:

 

AÇÃO REINVINDICATÓRIA – Lotes de terreno transformados em favela dotada de equipamentos urbanos – Função Social da Propriedade – Direito de Indenização dos Proprietários – Lotes de Terrenos Urbanos tragados por uma favela deixam de existir e não podem ser recuperados. Fazendo assim , desaparecer o direito de reivindicá-los. O abandono dos lotes urbanos caracteriza uso anti-social da propriedade, afastado que se apresenta do princípio constitucional da função social da propriedade. Permanece, todavia, o direito dos proprietários pleitear a indenização contra quem  de direito. 

 

 

O significado do  princípio da função social da propriedade nas situações de assentamentos urbanos irregulares no aspecto urbanístico e jurídico , porém consolidados devido ao tempo e a forma de utilização  para fins de moradia como é o caso retratado no  acórdão acima, e do loteamento Cidade Ipava, é  de balizar medidas voltadas para integrar esses territórios ao  campo da legalidade, e de assegurar o acesso aos direitos inerentes as condições dignas de vida na cidade do qual se incluem o direito ao abastecimento de água e coleta de esgoto , que se inter-relaciona com o direito à vida, á saúde, ao meio ambiente e  à moradia.

 

A prestação do serviço de abastecimento de água e coleta de esgoto aos cidadão moradores do loteamento Cidade Ipava , de modo que possam usufruir de água potável como um dos elementos essenciais para a satisfação das suas necessidades básicas, tem o seu principal fundamento nos princípios e preceitos constitucionais acima expostos de modo que a cidadania e a dignidade da pessoa humana sejam respeitados, e o princípio da igualdade seja atendido.

 

1.5 Direitos da Criança, do Adolescente e dos Idosos

A garantia dos direitos da criança e do adolescente também é um preceito constitucional que fundamenta a implantação do serviço de abastecimento de água e coleta de esgoto pela SABESP, no loteamento Cidade Ipava , considerando  a existência de aproximadamente duas mil crianças que vivem na área do loteamento, estudando na Escola Municipal  de Primeiro Grau “Teresa Margarida da Silva e Orta, que não tem abastecimento adequado de água e de coleta de esgoto.

 

De acordo com o artigo 227 da Constituição, é dever da família , da sociedade e do Estado assegurar os direitos da criança e do adolescente com absoluta prioridade, dentre os quais se inclui o direito  à vida, à saúde,  à alimentação, à educação.

 

Pelo artigo 4º parágrafo único(a , b) do Estatuto da Criança e do Adolescente, a garantia da prioridade  compreende  precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública e preferência na formulação e execução das políticas sociais.

 

Isto significa que o direito à saúde das crianças que vivem no loteamento Cidade Ipava , está sendo violado devido a ausência dos serviços de abastecimento de água e  coleta de esgoto nas suas moradias e na Escola Municipal, uma vez que esta situação configura risco à saúde destas crianças.

 

Desta forma de forma prioritária para assegurar o direito à saúde e o atendimento as necessidades básicas das crianças do loteamento Cidade Ipava, a SABESP, tem o dever de implantar o serviço de saneamento básico.

 

Este argumento também é válido para a proteção dos direitos dos idosos, com base no artigo 230 da Constituição brasileira,  que estabelece o dever da família , da sociedade e do Estado de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade., defendendo sua dignidade e  bem estar, garantindo-lhes o direito à vida.



[1] Artigo 1º A República do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem coo fundamentos:

I – a soberania

II – a cidadania

III – a dignidade da pessoa humana

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa

V – o pluralismo político.

 

[2] José Alfredo de Oliveira Baracho, Teoria Geral dos Procedimentos de Exercício da Cidadania perante a Administração Pública, Revista Brasileira de Estudos Políticos, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, número 85, julho de 1997, pág. 17.

[3] Celso Antônio Bandeira de Mello, Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, Malheiros Editores, 3ª edição, 1993, pág. 10.

[4]              José Afonso da Silva - Curso de Direito Constitucional Positivo - Ed. Revista dos Tribunais, 6ª edição, 1990,  pág. 686.

 

2. Integração da Política de Saneamento, Saúde e Meio Ambiente

A Constituição estabelece responsabilidades constitucionais as entidades federativas, que  segundo Gomes Canotilho, implica como correlato da liberdade de atuação na obrigatoriedade da observância de certos deveres jurídicos constitucionais e da prossecução de certas tarefas; a responsabilidade de articular-se com a existência de sanções jurídicas (penais, disciplinares, civis) ou político jurídicas (censura, destituição, exoneração), no caso do não cumprimento ou cumprimento julgado defeituoso dos deveres ou das tarefas de que estão incumbidos os órgãos e agentes constitucionais.[1]

 

A Constituição define um conjunto de políticas públicas necessárias para assegurar que os direitos econômicos, sociais e culturais  sejam respeitados. De acordo com Eros Grau, “o Estado Social legitima-se, antes de tudo, pela realização de  políticas, isto é programas de ação; assim o government by policies substitui o government by law........... Essas políticas, contudo, não se reduzem à categoria de políticas econômicas, englobam de forma mais ampla, todo o conjunto de atuações estatais no campo social(políticas sociais). A Expressão políticas públicas designa todas as atuações do Estado, cobrindo todas as formas de intervenção do poder público na vida social. E de tal forma isso se institucionaliza que o próprio direito, neste quadro, passa a manifestar-se como uma política pública – o direito é ele próprio, uma política pública”.[2]

 

 

A competência para cuidar da saúde, proteger o meio ambiente e melhorar as condições de habitacionais e do saneamento básico é considerada comum entre a União, Estados e Municípios nos termos do  artigo 23 ( II,VI, IX ) da Constituição. O dever das entidades federativas promoverem de forma integrada a política de saneamento com as políticas de saúde e do meio ambiente, deriva também dos preceitos constitucionais inerentes ao direito à saúde e ao meio ambiente.

 

O artigo 200( IV) da Constituição delimita como uma das competências do sistema único de saúde: participar da formulação da política da execução de ações de saneamento básico. Por sua vez, ao tratar do meio ambiente pelo artigo 225, dispõe que todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida impondo-se ao Poder Público e à coletividade, o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

 

Ao preconizar que o meio ambiente é essencial a sadia qualidade de vida, e o dever do Poder público e da coletividade  de defendê-lo e preservá-lo, podemos identificar que este direito é de todos, portanto não é limitado a uma maioria ou minoria de indivíduos.

 

A necessidade de preservação ambiental das áreas de manancial tem sempre suscitado uma intensa litigiosidade, onde  estão presentes os interesses das comunidades que estão  na posse de áreas  consideradas de proteção ambiental, utilizando-as para fins de moradia, e o interesse de toda coletividade de manter a preservação das áreas de mananciais com o objetivo de assegurar o abastecimento e a qualidade da água.

 

Seria muito simples dizer que o interesse que prevalece é o interesse difuso  de toda coletividade de preservar o manancial, em detrimento de um interesse coletivo das comunidades residentes nesta área de terem suas necessidades básicas atendidas como moradia e saneamento básico. As pessoas humanas que vivem nas áreas de mananciais em razão de boa fé ou de necessidade social não podem ser privadas de suas necessidades básicas, pois essa privação passa a ser um desrespeito ao direito à vida que fundamenta o direito o meio ambiente.

 

A forma de eliminar esse suposto conflito de interesses é  através da conjunção das ações do Poder Público em parceria com a  coletividade no campo de sua atuação para assegurar o direito à vida, por consequência  satisfazer as necessidades básicas de todo cidadão sem nenhuma espécie de discriminação que acarrete situações de degradação humana e a própria perda das condições mínimas de sobrevivência de sua vida como alimentação, água, moradia e saúde.

 

A conjunção destas ações tem como pressuposto o desenvolvimento das políticas públicas referentes ao saneamento, saúde e meio ambiente de forma integrada, no qual o atendimento das necessidades básicas de qualquer cidadão ou grupo de cidadão é a  meta vital  que deve ser atingida. Isto significa que o fornecimento do serviço de abastecimento de água e coleta de esgoto para os cidadãos residentes do loteamento Cidade Ipava, de modo algum contraria os preceitos constitucionais de proteção á vida e ao meio ambiente, por ser uma medida que atende os princípios da igualdade, da função social da propriedade, das funções sociais da cidade. 

 

A implantação do serviço de abastecimento de água e coleta de esgoto no loteamento Cidade Ipava pela SABESP, significa atender os preceitos constitucionais sobre o meio ambiente , uma vez que esta intervenção esta voltada a melhorar as condições ambientais da área do   loteamento  evitando a poluição e a degradação do manancial, e a tender as necessidades básicas dos cidadãos residentes no local para que possam ter condições mínimas de vida digna.

 

 

Os fundamentos para a implantação do serviço de abastecimento de água e coleta de esgoto estão presentes também nas legislações federais e estaduais que disciplinam as políticas de saneamento, saúde e meio ambiente.

 

Com relação a promoção, proteção e recuperação da saúde nos termos da Lei federal nº 8.080/90( dispõe sobre a política de saúde) o fundamento para a implantação do serviço começa com o artigo 2º, que define a saúde como um direito fundamental do ser humanos, devendo o Estado prover as condições indispensáveis as seu pleno exercício. De acordo com o seu parágrafo 1º, o dever do Estado de garantir a saúde por este dispositivo consiste na “formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e outros agravos, e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”.

 

De acordo com o artigo 3º, o saneamento básico é considerado como um dos fatores determinantes e condicionantes da saúde, da mesma forma que a moradia, o meio ambiente  e o acesso aos bens e serviços essenciais. De acordo com o seu parágrafo único dizem respeito também as ações que, por força do disposto no artigo anterior , se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem estar físico, mental e social.

 

O dever do Estado  prover as  condições indispensáveis para o exercício do direito à saúde, mediante a execução de políticas sociais que assegure acesso universal e igualitário aos serviços que protejam e promovam este direito, e a previsão do saneamento básico como um fator determinante e condicionante da saúde,  demonstra  que o direito à saúde dos cidadãos residentes do loteamento Cidade Ipava é dever do Estado assegurar o acesso universal e igualitário do saneamento básico mediante a prestação do serviço de abastecimento de água e coleta de esgoto.  A ação da SABESP para a implantação dos serviços aludidos  tem o seu  embasamento nestes comandos normativos.

 

A integração entre a saúde, o saneamento e o meio ambiente como fator determinante  e condicionante para a proteção e promoção do direito à saúde está prevista em vários dispositivos da lei 8.080/90. De acordo com o artigo 6º ( II, V. VIII), fazem parte do campo de atuação do sistema único de saúde: a participação na formulação da política e na execução de ações de saneamento básico; a colaboração na proteção do meio ambiente; a fiscalização e inspeção de ...água.....para consumo humano.     

 

Pelo artigo 7º, inciso X, a integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico  é considerado como um dos princípios das ações e serviços públicos de saúde. O artigo 15, inciso VII, estabelece como atribuição da União, Estados e  os  Municípios , em seu âmbito administrativo, a participação na formulação da política e da execução de ações de saneamento básico e colaboração na proteção e recuperação do meio ambiente.

 

Nos termos do artigo 17( V, VI), na esfera estadual compete a direção estadual do sistema único de saúde participar, junto com os órgãos afins, do controle dos agravos do meio ambiente que tenham repercussão na saúde humana; participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico.

 

No campo da legislação ambiental os princípios que devem nortear a ação da SABESP para a implantação do serviço de abastecimento de água e coleta de esgoto são os estabelecidos na lei sobre a política nacional do meio ambiente( lei nº 6.938/81). De acordo com o artigo 2º desta lei “a política nacional do meio ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida visando assegurar.......à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os princípio:

 VIII – recuperação de áreas degradadas;

 IX – proteção de áreas ameaçadas de degradação”.

 

Por esta norma fica evidente como o nosso ordenamento jurídico incorpora a  associação da melhoria e recuperação da qualidade ambiental  com a proteção da dignidade da vida humana. Esta associação como princípio do meio ambiente  é  um mandamento para as ações do Poder Público na área do saneamento básico, o que implica a sua observância pela SABESP nas ações de sua responsabilidade sobre os serviços de saneamento básico.

 

Isto significa que a implantação do serviço de abastecimento de água e coleta de esgoto no loteamento Cidade Ipava  atende os princípios norteadores da política nacional do meio ambiente, pois com a implantação do serviço estarão sendo respeitados os princípios da proteção da dignidade da vida humana e a melhoria e recuperação da qualidade ambiental.

 



[1] José J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Almedina Coimbra, 1989 pág 521.

[2] Eros Roberto Grau, O Direito Posto e o Direito Pressuposto, Malheiros Editora, 1996, pág. 22.

 

 
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