Ministério
Público e Direitos Humanos
Emiliano José*
A noção moderna de direitos humanos remonta à Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e esta tinha dois
precedentes, os Bills of rights, das colônias americanas que se
rebelaram, de 1776, e o Bill of right inglês, de 1689. Revolução
Francesa, nascimento da nação americana, revolução inglesa,
tudo típico do momento revolucionário da burguesia, que
precisava desenvolver o discurso da liberdade do cidadão para
garantir espaço para sua chegada definitiva ao poder.
Nascia um importante discurso, que podia ser, e foi, apropriado
pelo que Marx chamava esfera pública plebéia. Os trabalhadores e
homens e mulheres das classes não-burguesas de modo geral
passaram a defender os direitos humanos para todos, e lutam até
hoje para que os direitos do cidadão sejam válidos, para que se
afirmem. Contemporaneamente, os chamados direitos humanos ganham
corpo no pós-Segunda Guerra. Não se pretende aqui fazer um histórico
dessa luta , mas situar a importância e a magnitude dela.
Na Bahia, particularmente, a luta pelos direitos humanos continua
mais do que atual pois o Estado se destaca pela violência
institucionalizada e pelo aumento crescente da exclusão social.
Os grupos de extermínio agem com desenvoltura, como se pode
atestar pela desova diária de cadáveres na periferia de
Salvador, particularmente no Centro Industrial de Aratu. A situação
das prisões é terrível, como se sabe, e a violência nas
delegacias é norma e não exceção. Por tudo isso creio que é
mais do que oportuna a realização do I Curso de Especialização
em Direitos Humanos, nascida da união entre a Universidade do
Estado da Bahia e a Escola Superior do Ministério Público.
Em andamento, o curso já trouxe a Salvador nomes como Dalmo
Dallari, que dispensa apresentação, Alexandre de Moraes, autor
de livros importantes sobre Direito Constitucional e Direitos
Fundamentais e promotor de Justiça de São Paulo, Flávia
Piovesan, procuradora do Estado de São Paulo, doutora e
professora de Direitos Humanos, também com vários livros
publicados. O curso ainda deve receber professores como Maria
Tereza Sadeck, mestre em Ciência Política e professora de Pós-Graduação
da USP, e Antônio Augusto Cançado Trindade, juiz-presidente da
Corte Interamericana dos Direitos Humanos, entre outros.
O curso, de caráter interdisciplinar e de pós-graduação lato
sensu, atraiu educadores da UNEB, integrantes de organizações não-governamentais,
juízes, promotores, advogados, delegados da polícia civil e da
Polícia Federal, oficiais da Polícia Militar e pelo menos um
padre e um jornalista. Pretende formar mediadores sociais para uma
atuação eficaz na promoção e garantia dos direitos humanos,
capacitar pessoal para a docência e fomentar a pesquisa na
exploração de áreas fronteiriças dos direitos fundamentais com
ciências afins.
O curso já pôde debruçar-se pelo menos sobre um caso concreto:
a repressão violenta contra índios, sem-terra, turistas,
populares e mediadores sociais de ong´s brasileiras e
internacionais presentes às "comemorações" dos 500
anos do Brasil, em Porto Seguro. Os alunos foram organizados em
grupos de acusação e defesa, sob a coordenação do professor de
Direito Constitucional Alexandre Moraes, e a conclusão só podia
ser uma: a ação correspondeu à configuração de um verdadeiro,
inconstitucional e ilegal estado de sítio não declarado.
Se nomes devem ser lembrados pela realização do curso, cabe
citar os do advogado Edinaldo César Santos Júnior, o da
procuradora de Justiça e diretora da Escola Superior do Ministério
Público, Nágila Maria Sales Brito, o de Nayde Baptista Costa,
professora da UNEB e particularmente o da promotora de Justiça Márcia
Regina Virgens, representante do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento
do Ministério Público do Estado da Bahia. Creio que assim o
Ministério Público pode vir a assumir, de modo cada vez mais
decidido, a defesa dos direitos do cidadão e dos direitos
fundamentais da pessoa humana, recusando qualquer papel de
advogado do rei, e só pode por conta do mérito dessa nova geração
de promotores baianos - promotores de justiça, promotores de
democracia.
Publicado
na Tribuna da Bahia em 24/5/2000, p. 4
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