Controle
social - Maioria de juizes
preocupa-se apenas com salário
André Luís Alves de Melo *
Na verdade restringir o conceito de justiça a Poder Judiciário e
Ministério Público é uma visão meramente cultural, mas equivocada. O
Legislativo faz justiça quando elabora boas leis; o Executivo também
faz justiça quando executa boas medidas; as Escolas fazem justiça
quando formam bons cidadãos, a imprensa faz justiça quando publica
boas reportagens e muitos outros segmentos também fazem justiça.
É comum na área jurídica reclamar do excesso de processos e da falta
de verba. Contudo, o que se faz necessário é mudar os paradigmas da
administração jurídica. Se continuar da forma que o corporativismo
jurídico vem conduzindo o Ministério Público e o Judiciário, será
necessário dividir o orçamento do Brasil entre os mesmos, não
sobrando mais nada para os demais setores, afinal sustentam que o
importante é fazer justiça de papel.
Enquanto a imprensa e a sociedade discutem a lentidão da justiça
brasileira, nas In u????o??stituições jurídicas são poucos os interessados em
debater o tema, pois são vistos como criadores de problema, a única
solução que interessa aos conservadores é criar cargos. A criação
de cargos é feita através da Lei Orgânica, sem discussão com a
sociedade e até mesmo com as bases das carreiras, e que participam
parentes dos futuros candidatos aos cargos e donos de cursinhos para
concurso. Alguns dirigentes jurídicos também acreditam que quanto mais
juízes e promotores nomearem em seus mandatos terão maior influência
sobre os mesmos. Há também pressão interna, pois a única forma de
alguém sair das comarcas pequenas e ir para as cidades maiores é criar
cargos nestas cidades.
Afinal criar solução para o povo é criar problema para a classe jurídica,
pois o cidadão tem que ser estimulado a jogar na loteria jurídica para
que os juristas possam lucrar com o caos. Em suma, espalham vírus da
lentidão processual e do litígio e vendem seus remédios. Ou seja,
tratar sempre, mas curar nunca.
Querem agilizar os processos? Basta alterar um único artigo do Código
de Processo Civil, o art. 447, transportando as audiências de conciliação
para antes da contestação e delegá-las para assessores. Isto
resolveria 60% dos processos em menos de sessenta dias. E ainda passar
para o Juizado Especial as causas de família remunerando os juízes
leigos, muito mais barato e rápido.
Reclamam do excesso de processos, mas não publicam a produtividade de
cada promotor e juiz na Internet para o povo ver quem não trabalha. Não
priorizam as ações coletivas (que resolvem milhares de problemas em
uma única ação, mas segmentos do Judiciário, com ciúme do Ministério
Público ficam discutindo questões processuais de legitimidade)
No ano de 2000 f u????o??oram 10.000 ações trabalhistas nos Estados Unidos,
enquanto no Brasil foram 4.000.000 (quatro milhões). É claro que
ocorreram conflitos de origem trabalhista no mundo norte americano, mas
buscam outras formas de solução extrajudicial e até mesmo a prevenção.
Na França existem apenas 9000 magistrados, destes 1500 promotores, além
de 900 juízes administrativos (similar aos federais). Na Alemanha
existem aproximadamente 160.000 juízes, mas quase 90% são juízes
leigos, de paz e arbitrais. Outro dado é que na Europa, em geral, juízes
e promotores são tratados como magistrados e formam na mesma escola,
aprovados em uma espécie de vestibular para serem alunos, escolhendo a
carreira após o término do curso de acordo com a classificação. Um
sistema muito mais profissional do que o do Brasil onde já se assume o
cargo após meras provas intelectuais, muitas vezes feitas de forma
amadora, sem critérios técnicos e transparentes.
Na Inglaterra, existem apenas 1800 juízes judiciais, e mais de 20.000
juízes leigos. Portanto, no resto do mundo são poucos juízes
judiciais. Quando se diz que na Alemanha existe um juiz para cada 5000
habitantes não é um juiz judicial. Seria um absurdo imaginar que uma
cidade brasileira de 15.000 habitantes tivesse que ter três juízes e
três promotores.
No Brasil, o processo transforma o réu em vítima, como se o autor da ação
tivesse recorrido ao Judiciário para lazer. Na Itália os estudos
comprovaram que 85% das ações são procedentes, o que significa que a
grande vítima é o autor da ação, que teve o seu direito violado. O
que ocorre é que existe uma indevida reserva de mercado para bacharéis
em Direito, pois todo cidadão deveria ter o direito de fazer o concurso
para juiz ou promotor e se aprovado é porque tem conheci u????o??mento jurídico
e social.
Afinal para atuar em varas de família, de acidentes de trânsito e
avaliar questões constitucionais como intimidade, harmonia entre os
poderes, função social, não precisa ser formado em Direito.
E se realmente os profissionais jurídicos têm conhecimento, certamente
ocuparão todas as vagas do concurso. Mas o fato é que há 1.000.000
(um milhão) de bacharéis em Direito e destes aproximadamente 500.000 são
advogados, logo precisam gerar um mercado de trabalho. Somos o país que
proporcionalmente mais tem bacharéis em Direito, e temos a maior
desigualdade social. Isto corrobora o entendimento de que não é
fornecendo Diploma de Direito que se faz justiça.
Outro fator curioso é que na área jurídica o importante não é a
realização, mas o cargo. Se estudarmos o currículo de quase todas as
autoridades jurídicas veremos que poucos fizeram alguma coisa
relevante, a maioria apenas ocupou cargos. E apesar de ser comum dizerem
que são paladinos da justiça e sabedoria, veremos que na área jurídica
é difícil encontrar alguém que tenha um passado de lutas sociais e
destaque intelectual, em geral repetem conceitos criados por terceiros
sem análise crítica. A maioria quer o status e o poder sem controle
social, e usam a forma eufêmica de "fazer justiça".
As camadas sociais de outrora que compravam títulos de nobreza, hoje
adquirem diplomas de Direito que lhes assegura uma reserva de mercado
sem competição, pois menos de 7% da população tem acesso às
universidades. Exigir diploma para concurso público é atender aos
interesses das corporações, pois bastaria a seleção ser mais
completa e avaliar os reais conhecimentos. Entretanto, no tocante específico
ao Judiciário, é mais grave. Pois seria o u????o??mesmo que exigir diploma
superior de administrador público para ser chefe do Executivo.
A esmagadora parcela dos casos que tramitam no Judiciário são causas
repetitivas. Funciona assim: os advogados ou os promotores mais
estudiosos desenvolvem as teses e os outros ficam copiando. Em razão
disso não há interesse da classe jurídica em auxiliar o Legislativo
em fazer boas leis, pois quanto a maior lacuna na lei, mais importante
fica a função do intérprete.
Questões altamente complexas e técnicas como referente a computadores
não está a estrutura jurídica tradicional preparada para julgá-las,
inclusive é até comum encontrar juízes e promotores que nem sabem
ligar um computador.
Quer algo mais democrático e eficiente do que a possibilidade de as
partes escolherem o árbitro que decidirá o caso? Isto ocorre no juízo
arbitral. Mas como não precisa ser formado em Direito e nem ser
advogados, o sistema é boicotado pela classe jurídica. Ambos os
sistemas, arbitral e judicial, devem coexistir e o cidadão deve ter o
direito de escolher baseando sua decisão em critérios como confiança
e eficiência. Após pesquisas informais em dez universidades "jurídicas",
constatamos que os "estudantes" não sabiam o que era um juízo
arbitral.
A rigor, estudar Direito deveria ser desenvolver atividades para
identificar fatos e apresentar soluções, seja no Judiciário,
Legislativo e até no Executivo. Aliás, a maior parte dos direitos quem
cria é o Legislativo, pois somos um país codificado. Mas a nobre função
jurídica transformou em mero despachante judicial, vivendo da
burocracia processual.
O próprio Executivo tem feito várias tentativas de reduzir a sua
parcela de culpa pelo acúmulo de p u????o??rocessos, como criação dos juizados
especiais (discriminados pelos juristas conservadores e elitistas), que
dispensa o precatório e o recurso automático em valores pequenos,
implantação de súmulas administrativas para si e evitando recursos
desnecessários. Realmente o que inspira o Executivo são as exigências
externas como os estudos do Banco Mundial, mais pelo menos é inerte do
que a maioria dos setores jurídicos.
Permitir à justiça agir sem limites e sem controle social é
possibilitar a criação de regras personalizadas. E se a lei não pode
retroagir para prejudicar o réu, não seria crível imaginar que a
sentença poderia retroagir sem limites, pois isto traz a insegurança
social. Como diz Nobberto Bobbio, é melhor um governo impessoal de leis
do que um governo pessoal de homens (sentença).
No Brasil, não se discute o direito material, a quase totalidade das
questões que chegam aos tribunais é sobre processo. E os tribunais
brasileiros escolhem entre as teses desenvolvidas pelas partes, mas não
colocam como se assim o fosse, nem as citam. De forma diferente dos
tribunais americanos, que fazem referência às partes e suas teses.
Respeitando posições contrárias, mas ser contra a súmula vinculante
é o mesmo que ser a favor de que cada Deputado Federal faça um código
civil, ou seja, teríamos 513 Códigos Civis e instalaríamos o caos,
como ocorreu na área judicial. O problema é estudar meios de trocar a
cúpula periodicamente para oxigenar os entendimentos, um mecanismo que
existe até nas Forças Armadas mediante a reforma do militar, mas no
meio jurídico é somente aos 70 anos de idade.
O rodízio na cúpula já existe na área eleitoral e dos juizados
especiais e funcionam muito bem. Isto significa horizontalizar o sistema
u????o?? jurídico, em vez de ser vertical, o qual não permite que as mazelas
sejam expurgadas, pois os substitutos serão escolhidos pelos substituídos,
em um continuísmo coronelista.
Também precisamos rever a questão do direito adquirido e adequá-lo à
nova ordem social, que não pode permitir que o direito individual
sobreponha ao interesse coletivo e à moralidade. Pois a classe excluída
não tem direito adquirido, nem direito a ser exercido. É claro que
isto soa como um atentado aos dogmas defendidos por setores ortodoxos da
área jurídica, pois lotearam os serviços estatais e sociais e excluíram
mais da metade da população brasileira, a qual não tem direito algum,
a não ser o de lutar pela sobrevivência em condições sub-humanas.
Enquanto a sociedade quer resultados, os juristas ortodoxos estão
preocupados com a margem das peças, se há citação de doutrinas e
outras coisas formais. Palavras como produtividade, complexidade,
quantidade soam como palavrões para uma classe que parou no latim em
pleno mundo plugado na Internet. É preciso criar um sistema de avaliação
que meça os resultados, seria o QQC (qualidade, quantidade e
complexidade) e não o primário critério de citar número de processos
parados, pois isto não é excesso de serviço, e sim falta de
produtividade.
Pagar altos salários a um juiz ou promotor para ficar batendo carimbos
em ações de divórcio amigável, inventários sem conflito, furtos
simples, chega a ser desumano em país que falta escola, hospital e
segurança pública. O juiz no Brasil passa mais tempo despachando do
que sentenciando, o que é um desvio de função, pois despachos podem
ser feitos por assessores.
Alguns setores judiciais aumentaram a despesa em até mais de 6 vezes
desde 1988, sem ap u????o??resentar um resultado eficiente, portanto não basta
apenas aumentar a disposição de recursos. Se estados como São Paulo têm
mais processos também têm maior orçamento, e o quociente de 6% é
suficiente. O erro da escolha da administração ao fazer escolha por
trabalhar artesanalmente não pode ser pago pelo povo e pelo dinheiro público.
O orçamento para estas Instituições é extremamente suficiente basta
implantar o gerenciamento e internet, no primeiro seriam criados cargos
de assessores concursados para fazer atividades menos complexas e no
segundo acabariam as ilhas administrativas com a interligação. O
problema não é falta de dinheiro, mas falta de acabar com a forma
artesanal de trabalhar. A questão que dificulta é a vaidade pessoal
destes profissionais que criaram feudos com base em uma crença que são
a representação divina na terra e para não terem tempo de fazer o
trabalho mais complexo, acumulam em si atividades mecânicas como
despachos ordinatórios (ao, ao, ao, ... ao autor, ao réu, ao
promotor).
O trabalho que atualmente é feito consumindo 45.000 reais mensais pode
ser feito custando apenas 15.000 reais mensais e produzindo cinco vezes
mais. Isto sem avaliar o custo indireto onde economistas projetam que o
custo social pela lentidão na solução de conflitos chega a 20% do
PIB.
Dados do IBGE indicam que menos de 30% da população brasileira tem
acesso ao Judiciário, logo é uma estrutura elitista. Precisamos
inclusive rever a questão dos cartórios previstos pelo art 236 da CF,
que sobrevivem de um monopólio e da burocracia. Os registros de imóveis
e de pessoas naturais e jurídicas devem ficar com o Estado, em nível
estadual ou federal, por ser questão de segurança pública.
Os Estados Unidos consumindo u????o??menos do seu PIB (Produto Interno Bruto) do
que gastamos no Brasil com sistema jurídico, em relação ao nosso PIB,
consegue ter um serviço muito melhor do que o brasileiro, .
O processo gira em torno do magistrado com atividades burocráticas, sem
caráter decisório, em vez de ser gerenciado e ter como centro de
gravidade as partes.
Se a classe jurídica não sabe administrar, a solução será a que foi
adotada nos Estados Unidos e na Espanha, onde administradores jurídicos
com formação específica universitária exercem esta função.
De forma demagoga alguns juristas colocam a Constituição Federal como
intocável. Mas onde está o cumprimento do princípio da eficiência no
Ministério Público e Poder Judiciário? Quais teriam coragem para
permitir uma auditoria externa e independente? Até hoje não se
implantaram as escolas de promoção prevista no art. 39, parágrafo 2º,
da Constituição. Especializam as varas e promotorias, mas não se
exige cursos próprios!! Bastaria fazer provas para as promoções para
acabar com o "mendigamento" interno de votos. Curioso ver juízes
e promotores se auto-proclamarem independentes, mas concordarem com
reuniões secretas da cúpula, votos secretos e sem fundamentação.
Até acho que como os cargos são públicos deveriam passar por avaliação
social de tempos em tempos e inclusive por novas provas. Se o importante
é a imparcialidade, esta advém mais da permanência por um tempo
previamente definido do que pela vitaliciedade. Pois em razão disto,
alguns acham que são donos do Poder Judiciário e do Ministério Público
em uma espécie moderna de coronelismo, condenando os que ousam
discordar, usando-se de um falso processo formal, mas tendencioso,
iniciado e julgado por uma classe jurídica que tem interesse em coibir
os u????o?? questionamentos. Uma forma de silenciar mais sutil do que a da
ditadura militar. Afinal durante a inquisição também existia o
processo para "defesa". A censura pode ser feita de várias
formas.
Como pode o Judiciário julgar a si mesmo? Ser réu e julgador ao mesmo
tempo? Precisamos criar urgentemente o Conselho Constitucional nos
moldes do modelo europeu, composto por mandato certo e com integrantes
de todos os poderes sociais e estatais, para evitar os conflitos entre
os poderes através de decisões colegiadas.
É preferível que dependam do povo, que prestem contas da
produtividade, que façam consultas públicas sobre sugestões
administrativas, audiências públicas para discutir a administração e
fazer avaliação dos magistrados e promotores, não precisa ser eleição,
pois hoje já existem outros meios de participação popular.
O importante é acabar com a caixa-preta e com concursos sem critérios
objetivos, os quais como são feitos e fiscalizados pelos mesmos que
julgarão os seus atos, seria necessário terceirizar a execução deste
processo para evitar a parcialidade.
O controle social do Poder Judiciário e do Ministério Público é algo
extremamente necessário. Mas a maioria dos juízes e promotores acha
que faz um favor para a sociedade e preocupa-se apenas com os seus salários
e promoções na carreira.
Felizmente, há grupos que diferem deste comportamento egoístico dentre
os quais os membros do "Movimento Juízes para a Democracia" e
"Ministério Público Democrático". Não basta exigir que o
povo nos ouça e obedeçam as decisões jurídicas, é preciso ouvir as
pretensões sociais, senão implantamos a ditadura da toga. Mais
importante do que democracia na escolha dos dirigen u????o??tes é a democracia
na condução das instituições. Ainda há esperança.
Revista Consultor Jurídico, 6 de março de 2002.
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André Luís Alves de Melo é promotor de Justiça em Estrela do Sul
(MG), mestrando em Direito Público e especialista em Processo Civil
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