Governo e Sociedade
POLÍTICA MUNICIPAL
DE DIREITOS HUMANOS
(Publicado originalmente
como DICAS nº 102 em 1998)
As prefeituras têm
um papel fundamental na garantia dos direitos humanos, promovendo
ações que envolvam a comunidade local e o Legislativo.
A Declaração
Universal dos Direitos Humanos, assinada em 1948, é o marco
histórico para a compreensão dos direitos humanos deste final de
século. Os direitos declarados neste documento têm sido a fonte
universal de defesa de toda pessoa humana. Nas ultimas décadas,
houve uma valorização dos direitos humanos como referência
mundial, o que se pode constatar pela adesão da maioria dos países,
entre os quais o Brasil, ao sistema internacional de proteção
dos direitos humanos.
A comunidade
internacional tem reconhecido e ressaltado cada vez mais, num
processo de globalização, o papel do poder local como sendo
estratégico para o desenvolvimento de ações que resultem num
efetivo respeito aos direitos da pessoa humana. No caso
brasileiro, o Município, em razão de suas atribuições como
membro da Federação Brasileira, tem a obrigação de implementar
uma política municipal de direitos humanos.
EDUCAÇÃO
O Município pode
desenvolver programas de formação de agentes e monitores em
direitos humanos envolvendo servidores, professores, profissionais
de nível superior, categorias de trabalhadores da região,
lideranças comunitárias, visando capacitá-los como monitores e
agentes formadores de novos agentes nas comunidades. Estes
programas podem ser desenvolvidos em parceria com as Universidades
e Faculdades da região do Município.
Além disso, pode
introduzir noções de direitos humanos no currículo escolar do
ensino de primeiro grau, abordando temas transversais como
cidadania, cultura, meio ambiente, política, família. E promover
cursos de capacitação para os professores da rede de ensino
municipal, para ministrar disciplinas ou desenvolver programas
interdisciplinares na área de direitos humanos, junto com
organizações não-governamentais.
COMUNICAÇÃO
A utilização dos
meios de comunicação é essencial para que a população fique
informada sobre os seus direitos. O Município, com base na lei
federal 8.977/95 que disciplina o uso de TV a Cabo, pode criar uma
TV Comunitária, ou uma TV Pública (#ver Dicas nº 64), para
estimular a comunidade a desenvolver cursos, seminários, debates,
fóruns, concursos, eventos culturais (teatro, música, dança)
voltados para a educação em direitos humanos.
Outro instrumento
fundamental é o radio. Cabe ao Poder Publico incentivar a
constituição de rádios comunitárias e públicas, e utilizar
horários das rádios particulares (cuja concessão é pública)
para programas educativos sobre os direitos da pessoa humana.
Também a informática
pode ser aproveitada para programas e projetos de divulgação
para a população sobre seus direitos. A destinação de
computadores para uso da comunidade é o primeiro passo. Pode-se,
por exemplo, utilizando-se a rede de computadores que está sendo
implantada nas escolas públicas pelo MEC - Ministério da Educação,
favorecer o acesso da comunidade às informações disponíveis na
Internet e a utilização de cd-roms.
SERVIÇOS E ÓRGÃOS
Ouvidoria
Pública: Sua
finalidade é promover a defesa dos interesses e direitos dos
cidadãos. O papel do Ouvidor é estabelecer um canal de comunicação
direta entre os cidadãos e o Poder Público local. A Ouvidoria Pública
deve ter competência para receber reclamações, denúncias,
representações de violação dos direitos humanos praticadas
pelos membros do Poder Público, tais como: práticas de
discriminação na prestação de serviços públicos, atos de
abuso de poder, atos de corrupção, ações causadoras de danos
patrimoniais e morais, etc.
A Ouvidoria deve
ter competência também para requisitar informações e processos
junto aos órgãos públicos, verificar a pertinência de denúncias,
reclamações e representações, bem como solicitar aos órgãos
públicos competentes a instauração de sindicâncias, inquéritos,
auditorias e demais medidas para apuração das responsabilidades
administrativas.
Nos municípios
onde ainda não houver Ouvidoria Pública, ela deve ser criada por
lei, estabelecendo as competências do órgão, as funções, o
mandato, a forma e os critérios de escolha do Ouvidor.
Serviço de Assistência
Jurídica: A Constituição
Brasileira, ao tratar dos direitos fundamentais, estabelece que
todos têm o direito de acesso à Justiça, sendo o Estado
obrigado a prestar assistência jurídica integral e gratuita.
Este serviço deve ser prestado pela União e Estados através da
Defensoria Pública – instituição responsável para prestar
orientação jurídica e defesa em todos os graus aos
necessitados. O Município também pode manter um serviço de
assistência jurídica.
Este serviço deve
ser criado por lei municipal, podendo ser prestado por um órgão
específico vinculado à Administração Municipal, ou mediante
convênios com organizações não-governamentais constituídas
para este fim. O serviço deve desenvolver atividades
extra-judiciais de orientação, requisição de documentos básicos
para a população carente, atividades judiciais na promoção e
defesa de direitos, bem como na mediação de conflitos coletivos.
Como o serviço é
destinado à população necessitada, os problemas sociais que
surgem devem ser enfrentados por uma equipe técnica
interdisciplinar formada não somente por advogados, mas também
por assistentes sociais, psicólogos, sociólogos, educadores,
arquitetos.
O serviço de
assistência jurídica deve ser descentralizado, através de núcleos
de defesa da cidadania, localizados nos bairros onde vivem as
comunidades carentes, e prestado de forma integrada com os demais
órgãos públicos, programas e projetos sociais do Município,
como por exemplo na urbanização e regularização fundiária de
favelas e loteamentos populares.
Serviço de Defesa
do Consumidor: O
consumidor é toda pessoa que adquire e utiliza produto ou serviço
como destinatário final. Isso significa que o cidadão usuário
dos serviços públicos é considerado consumidor e deve ser
protegido pelo Estado nas relações de consumo. De acordo com o Código
do Consumidor, o Município tem a obrigação de manter órgãos
de atendimento gratuito para orientação dos consumidores. Para
isso, deve criar um serviço de defesa do consumidor, podendo
constituir um Procon Municipal, ou celebrar convênios com as
instituições estaduais responsáveis para fins de propositura de
ações individuais, coletivas e ações civis públicas.
O Serviço
Municipal de Defesa do Consumidor tem como objetivos: buscar o
equilíbrio entre consumidores, produtores e fornecedores de serviços
nas relações de consumo; educar e informar fornecedores e
consumidores quanto aos seus direitos e deveres; controlar a
qualidade e a segurança de produtos e serviços; coibir e punir
os abusos praticados no mercado de consumo.
Conselhos de Proteção
dos Direitos Humanos: A
criação de um Conselho Municipal de Proteção dos Direitos
Humanos é uma medida voltada a garantir uma esfera pública com
representantes da comunidade local e dos órgãos governamentais
que monitore o impacto das políticas públicas na proteção e
efetivação dos direitos humanos, e também que investigue as
violações de direitos humanos no território municipal.
O Conselho deve ser
criado por lei municipal e, para o exercício de suas atribuições,
não pode ficar sujeito a qualquer subordinação hierárquica.
Entre as competências
deste Conselho devem ser estabelecidas as seguintes: pesquisar,
estudar e propor soluções para os problemas referentes ao
cumprimento dos direitos humanos; receber e encaminhar aos órgãos
competentes, denúncias, reclamações, representações de
qualquer pessoa ou entidade em razão de desrespeito aos direitos
humanos; propor às autoridades competentes a instauração de
sindicâncias, inquéritos, processos administrativos ou judiciais
para a apuração de responsabilidades por violações de direitos
humanos; requisitar dos órgãos públicos informações, cópias
de documentos, relatórios e processos administrativos referentes
à utilização de recursos e prestação de serviços públicos.
Canais de Mediação
e Conciliação de Conflitos: O
Município deve estimular a criação de esferas públicas como
Conselhos, Comitês, Comissões de Cidadania, nas várias regiões
da cidade onde os conflitos sociais sejam mais graves, com a
participação de representantes da comunidade, de órgãos
governamentais, do Ministério Público, do Poder Judiciário, das
polícias Civil e Militar, buscando promover processos de mediação
e solução pacífica de conflitos coletivos.
COMUNIDADE LOCAL
A comunidade local
tem o papel de apresentar alternativas voltadas para a promoção
dos direitos da pessoa humana, especialmente no que diz respeito
aos direitos econômicos, sociais e culturais. A realização de
campanhas de combate à violência e de atividades culturais como
concursos e festivais que relacionem a produção cultural local
à temática dos direitos humanos são meios para ampliar e
fortalecer ações individuais e coletivas de cidadania.
Outra forma de atuação
da comunidade é através de ações de solidariedade,
desenvolvendo projetos para os grupos sociais carentes, desde a
distribuição de alimentos e promoção de programas
educacionais, até a criação de empregos e geração de renda
com o apoio do setor empresarial e financeiro local.
É fundamental que
a comunidade local participe da formulação e implementação das
políticas públicas desenvolvidas no Município, avaliando o
impacto sobre os direitos das pessoas da comunidade. Essa ação
pode ser feita através de um programa de monitoramento com
indicadores sociais.
PAPEL DO
LEGISLATIVO
Considerando as
atribuições das Câmaras Municipais de legislar sobre assuntos
de interesse local e de promover a fiscalização sobre os atos da
Administração Municipal, a utilização dos recursos públicos e
a prestação dos serviços públicos, duas medidas são
extremamente importantes:
a) A promoção de
uma revisão geral da legislação municipal, revogando normas
discriminatórias ainda existentes, bem como eliminando normas
criadoras de barreiras ou impedimentos para o pleno exercício dos
direitos da pessoa humana, especialmente dos grupos sociais
carentes e dos chamados grupos vulneráveis como mulheres, crianças,
adolescentes, pessoas deficientes e idosos.
b) A criação de
uma Comissão de Direitos Humanos como uma comissão permanente do
Legislativo Municipal. Devem ser previstas como competências
desta Comissão: receber, avaliar e investigar denúncias
relativas a ameaça ou violação de direitos humanos; fiscalizar
e acompanhar programas governamentais relativos à proteção dos
direitos humanos; colaborar com organizações não-governamentais
e internacionais que atuem na defesa dos direitos humanos;
promover pesquisas e estudos relativos à situação dos direitos
humanos no Município.
PROGRAMA DE DH
Um dos compromissos
assumidos pelo Brasil na Conferência das Nações Unidas de
Direitos Humanos, realizada em Viena (1993), foi o de constituir
um programa brasileiro de direitos humanos que envolvesse ações
nacionais, regionais e locais. Um bom começo é a criação de um
processo democrático e participativo para a constituição de um
programa municipal de direitos humanos.
Neste programa
deverão estar explicitadas as metas a serem alcançadas, as
medidas e ações necessárias e as obrigações e
responsabilidades dos órgãos governamentais, do setor privado e
da comunidade local.
O processo de
construção do programa municipal de direitos humanos permite
assumir compromissos coletivamente entre os indivíduos e as
diversas organizações da comunidade local, bem como estabelecer
parcerias entre o Estado e a sociedade, criando as condições
necessárias para o efetivo cumprimento do programa.
DEBATE
Esta edição do
DICAS foi produzida a partir do debate: "Direitos Humanos e
Gestão Municipal", realizado em novembro de 1997. O evento
foi promovido pelo Instituto Pólis, em parceria com o Instituto
de Governo e Cidadania do ABC - Escola de Governo. Como
expositores, participaram Marco Antônio Rodrigues Barbosa, da
Comissão Justiça e Paz de São Paulo; Nelson Saule Jr.,
pesquisador do Instituto Pólis e professor da PUC-SP; e Heleni
Paiva, vereadora em Santo André.
Como debatedores,
estiveram presentes: Edson de Jesus Sardano e Antonio Marques da
Silva (PM), Marco Antonio Archangelo (Guarda Municipal de Santo
André); Luzia Lippi (SCIAS); Raquel Ferraz (Ama Cidadania);
Leonor Duarte (liderança comunitária de Santo André); Ivone de
Santana (Instituto de Governo e Cidadania do ABC - Escola de
Governo); José Carlos Vaz (Instituto Pólis); Ivete Garcia e Antônio
Padre (vereadores em Santo André) Maria Helena J. Carrasqueira
(professora); Antônio Carlos Cedenho e Valdecírio Teles Veras
(advogados); Ronaldo Queiroz Feitosa (Assistência Judiciária da
Prefeitura de Santo André) e Luiz Fernando C. B. Vidal (Juiz de
Direito).
Nelson Saule Jr.
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