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Tecido Social
Correio Eletrônico da Rede Estadual de Direitos Humanos - RN

N. 091 – 30/09/04

JUSTIÇA E MEMÓRIA HISTÓRICA

Olga: a Justiça falhou

Por João Baptista Herkenhoff*

A expulsão de Olga Prestes foi chancelada pela Justiça. O advogado Heitor Lima impetrou um habeas corpus perante a Corte Suprema, que era o mais alto órgão do Poder Judiciário, na época. O apelo judicial destinava-se a impedir que Olga fosse expulsa do território nacional. A impetração tinha pleno fundamento na Constituição Federal de 16 de julho de 1934, vigente no Brasil de então.

O Regime Vargas, sob o aspecto jurídico, não foi igual de 1930 a 1945. A Constituição de 1934 pretendeu compatibilizar o regime com certo grau de civilização jurídica. Resultou, indiretamente, da Revolução Paulista de 1932 que cobrava do Governo Central seu compromisso democrático. Desencadeada para corrigir os males da “República Velha”, a Revolução de 1930 não podia perpetuar uma ditadura. A revolta de São Paulo foi esmagada pelo poder central mas o sangue dos heróis paulistas obrigou o Regime Vargas a constitucionalizar o Brasil em 1934. Esses ares liberais duraram pouco: em 1937 desabou sobre o país o Estado Novo.

Conforme se lê no art. 113, inciso 31, da Constituição de 1934: “Não será concedida a Estado estrangeiro extradição por crime político ou de opinião, nem, em caso algum, de brasileiro.” E ainda conforme está expresso no art. 5º, inc. XIX: “compete à União legislar sobre a expulsão de estrangeiros”, não se cogitando, em parte alguma da Constituição de 1934, da expulsão de brasileiro.

Olga estava amparada pelos preceitos constitucionais:

a) se crime lhe era imputado, tinha esse natureza política e de opinião;

b) ela estava grávida de uma criança brasileira e a expulsão ou extradição seria dela e da criança guardada no seu seio.

O habeas corpus tomou o número 26.155 e foi julgado em 17 de junho de 1936. A maioria dos ministros não conheceu do pedido. E os que conheceram, indefiram-no. Foi, portanto, unânime a rejeição à súplica de Olga. O mais grave é que os ministros, como está literalmente expresso na decisão do habeas corpus:

a) indeferiram a requisição do processo administrativo que determinava a expulsão;

b) indeferiram o comparecimento da paciente ao tribunal;

e, pasmem:

c) indeferiram a “perícia médica a fim de constatar o seu alegado estado de gravidez”.

Esse julgamento não honra a Justiça brasileira. Mas o debate do caso contribui para o avanço da cidadania porque a partir do erro podemos buscar diretrizes para o acerto.

Conquistamos, no país, a plena liberdade de opinião. Podemos hoje ter acesso pela internet a esse habeas corpus. Podemos denunciar a iniqüidade do que foi feito e lutar para que uma Justiça honrada e digna, sob vigilância e censura pública, decida com retidão as causas que lhe sejam submetidas, não se dobrando à prepotência, não se amesquinhando no servilismo, não se prostituindo na corrupção.

É um caminho a caminhar.

*João Baptista Herkenhoff é livre-docente da Universidade Federal do Espírito Santo e escritor

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