Tecido
Social
Correio Eletrônico da Rede Estadual de Direitos Humanos
- RN
N.
030 – 23/03/04
Carnaubais:
uma Caravana acirrada e tensa, mas muito propositiva
A Caravana de Direitos Humanos de Carnaubais (pequeno
município na região do Vale do Açu, no Rio Grande do Norte),
que teve lugar na passada sexta-feira, dia 19, foi caracterizada
por discussões públicas extremamente acirradas
mas, apesar da exaltação dos ânimos, se concluiu com
resultados extremamente positivos: muitas propostas e uma massiva
participação popular.
A delegação da Caravana - composta por membros do Centro
de Direitos Humanos e Memória Popular (CDHMP) de Natal, do Conselho
Estadual de Direitos Humanos e do Fórum de Mulheres do RN, pela
Corregedoria Geral da Defesa Social e pela Coordenadoria de
Direitos Humanos e Defesa das Minorias (CODEM) da Secretaria
de Justiça do Governo do Estado – encontrou uma cidade drasticamente
dividida: por um lado, os representantes do poder público, unidos
ao redor da atual administação municipal
que controla, além do Executivo, todos os setores do Legislativo
e detém um monopólio do comércio da cidade; por outro lado,
o resto da sociedade, organizada e não, que vive na própria
pele, todo dia, as conseqüências das ações da administação
local (ver a reportagem sobre Carnaubais na passada edição de
Correio Tecido Social).
A Caravana foi a primeira ocasião
pública em que a comunidade teve a oportunidade de falar e ser
ouvida, de expressar livremente suas demandas, exigências e
denúncias (de fato, quando algum cidadão se atreve a participar
às sessões da Câmara Municipal e realiza intervenções críticas
sobre a administração local, o costume é cortar o microfone
para impedir que continue falando).
Isso tornou a participação da
população tão grande que a Câmara Municipal,
local onde aconteceram uma discussão sobre administração pública
e a I Conferência de Direitos Humanos da cidade, foi
insuficiente para conter todos os participantes, muitos dos
quais tiveram que assistir desde as janelas do lado de fora,
apinhados para poder ouvir as intervenções, sob o sol das primeiras
horas da tarde. Nenhuma das Caravanas de Direitos Humanos realizadas
até agora contou com tamanha participação, que fez com que o
município parasse literalmente suas atividades. Também se destacou
a presença de delegações procedentes de diversas cidades da
região e pessoas de comunidades da zona rural do município,
inclusive idosos, que foram andando até a cidade para participar
dos eventos do dia.
Do lado do Executivo local, além de Secretários municipais
(muitos parentes de primeiro grau do Prefeito, Luiz Gonzaga
Cavalcante do PSB) e vereadores, participaram da discussão sobre
administração pública - que teve lugar das 14 às 16 na Câmara
- e da Conferência - das 16 às 18, no mesmo local - funcionários da Prefeitura, cujos empregos dependem
diretamente da atual administração e que por isso, apesar de
ser por ela constantemente humilhados (ver a passada edição
de Correio Tecido Social), não podiam senão defendê-la
das acusações. O Prefeito esteve ausente quase o dia inteiro.
Porém, no dia anterior, tinha protestado formalmente por telefone
com o Centro de Direitos Humanos e Memória Popular pela matéria
sobre a cidade publicada em Tecido Social.
Do lado da população, além de membros da Comissão da
Cidadania – organização da sociedade civil que prega pela transparência
na gestão pública de Carnaubais e tem cinco representações no
Ministério Público contra o Executivo municipal por, entre outras
coisas, licitações fraudadas e nepotismo – participaram de todos
os eventos da Caravana cidadãs e cidadãos carnabauenses de diversas comunidades, expressando uma grande
quantidade de denúncias e demandas.
Dentro da delegação da Caravana,
houve um desentendimento entre a Coordenadoria de Direitos Humanos
e Defesa das Minorias do Governo do Estado e os outros parceiros.
A CODEM, entendendo que a Caravana estivesse do lado da Comissão
da Cidadania e discordando das acusações dela contra o Prefeito,
solidarizou-se com este último e resolveu de última hora não
participar do evento. Todavia, através de uma conversa telefônica,
a coordenação da Caravana conseguiu convencer a instituição
estadual a participar, posto que um dos papéis das Caravanas
de Direitos Humanos é justamente o de mediador nos conflitos
internos das cidades.
A demonstração de que a Caravana - apesar de querer levantar,
discutir e tentar dar respostas às violações dos direitos dos
cidadãos carnabauenses, entre elas,
as cometidas pelo poder local – não tinha intenção de atacar
a administração municipal mas apenas dar a oportunidade à comunidade, em seu conjunto,
de se expressar foi o fato de que o diálogo com o Poder Legislativo
deu frutos muito positivos. Os veredaores
locais se comprometeram a criar uma Comissão de Direitos Humanos
da Câmara Municipal, que será a sexta do Estado. Como em Macau,
também em Carnaubais a Caravana de Direitos Humanos conseguiu
este importantíssimo passo por parte do Legislativo local.
A extrema polarização existente na cidade fez com que
as intervenções nos debates e na formulação de propostas durante
a Conferência fossem caracterizadas por agressões recíprocas
entre quem denunciava e quem defendia o poder local. Em um determinado
momento, durante a Conferência, a situação ficou tão exacerbada
que a coordenação da mesa teve que intervir com firmeza para
acalmar os ânimos, mediar entre as partes e fazer com que a
discussão pública, característica intrínseca da democracia,
não virasse briga. A mediação alcançou plenamente o objetivo
e a Caravana se concluiu com um balanço extremamente positivo
em termos de propostas e encaminhamentos.
Entre as propostas surgidas no
seio do encontro temático sobre a iluminação pública, destacou
a de exigir a suspensão imediata da taxa nas comunidades e residências
que não estão se beneficiando do serviço.
No grupo temático da violência contra a mulher, entre
outras propostas, foram aprovadas a de abrir
uma investigação sobre a denúncia de demissão de mulheres
grávidas por parte da Prefeitura, a de pressionar para que seja
implantada uma Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher
na região do Vale do Açu, a de exigir ao Executivo municipal
que a equipe da Secretaria de Saúde que faz exames de colo de
útero e de mama seja feminina e a de solicitar ao Ministério
do Trabalho uma fiscalização imediata das empresas que atuam
na região de Pendências que estão violando os direitos das trabalhadoras,
em especial as mulheres grávidas.
No grupo que trabalho a questão da violência policial,
grave problema no município, destacaram as propostas de exigir
o fim imediato das interferências políticas
no trabalho policial do município, a mudança de perfil
do cargo de delegado de polícia na cidade (que hoje é um sargento
da PM) para que seja um delegado de carreira da Polícia Civil,
a substituição imediata do atual delegado e a instalação no
município de uma comissão da Corregedoria da Defesa Social para
apurar e encaminhar denúncias de abusos que envolvem órgãos
de segurança de Carnaubais.
No âmbito do encontro sobre as
agressões ao meio-ambiente, entre outras, foram aprovadas propostas
para fiscalizar as empresas que poluem na região, para criar
uma reserva extrativista permanente na área dos carnaubais e
para criar nas escolas um projeto piloto de educação ambiental,
incluindo a coleta seletiva do lixo.
O encontro que gerou mais propostas e encaminhamentos,
como era previsível, foi o que teve lugar à tarde sobre o tema
da administração pública. Nele, entre outras, foram aprovadas
as seguintes propostas: exigir à Prefeitura que realize regularmente
a prestação de contas do município e que esta seja divulgada
publicamente; que o Executivo dê direito ao corte de terra a
todos os agricultores sem discriminação ou proteção política,
de maneira que não se beneficie apenas um segmento “apadrinhado”;
a suspensão de todos os contratos falsos ou irregulares mantidos
pela Prefeitura e já denunciados, para que estes sejam fiscalizados
por uma Comissão formada por entidades da sociedade civil e
a Câmara Municipal; exigir o fim imediato do boicote da Prefeitura
ao Sindicato dos Servidores Municipais quanto ao repasso das
contribuições devidas; exigir da Prefeitura que refaça a lista
das obras que divulgou como dela e que, na verdade, foram promovidas
pela Petrobras ou por governos anteriores;
exigir que a Prefeitura deixe de apresentar à opinião pública
políticas federais como se fossem realizadas pelo Executivo
municipal; exigir da Prefeitura o desbloqueio
imediato dos cartões de beneficiados dos programas Vale Gás,
Bolsa Escola e Fome Zero que viram seus cartões bloqueados por
ser oposição ao grupo político do Prefeito, promovendo também
uma ampla fiscalização destes programas por parte do Ministério
Público; que a Prefeitura apresente uma relação dos cargos comissionados,
com salários e vantagens, para que se identifique quantas pessoas
têm os sobrenomes Cavalcante, Dantas, Costa ou Albuquerque (ou
seja, quantas são parentes de primeiro grau do Prefeito) e quanto
estas custam ao erário municipal.
A Conferência – que, apesar das discussões muito acirradas,
se desenvolveu de maneira pacífica e foi animada por brincadeiras
e apresentações do grupo de teatro de rua La
Trupe – serviu para sistematizar as propostas surgidas nos
encontros temáticos e dar os encaminhamentos correspondentes.
Se destacou negativamente a ausência,
tanto na Conferência quanto nos eventos da Caravana, de qualquer
representante do Ministério Público Estadual, que além de ter
sido convidado e ter se comprometido a participar de todas as
Caravanas de Direitos Humanos, era especialmente esperado pela
população de Carnaubais. Mesmo assim, o resultado final da Caravana
foi excelente e ela se concluiu, à noite, com shows e danças
na praça principal do município que uniram toda a cidadania.
Redação de Tecido Social
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