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– CARTA ABERTA À POPULACÃO
O
Movimento de Reintegração do Hanseniano
— MORHAN, entidade sem fins lucrativos,
fundada em 6 de junho de 1981, constitui-se
de pacientes e pessoas interessadas no combate
à hanseníase no Brasil e no mundo, estando
já organizado em 20 estados através de 37
núcleos, sendo dirigido por uma coordenação
nacional com sede no município de São Bernardo
do Campo — São Paulo; e tem por finalidade
promover medidas educativas que visem a
prevenção, diagnóstico precoce, tratamento,
reabilitação, informação e conscientização
do hanseniano, sua família e sociedade,
objetivando a sua mais completa reintegração
social e vem a público para denunciar a
grave situação da hanseníase no Brasil.
O MORHAN dispõe
de informações que refletem o descaso dos órgãos oficiais de
Saúde Pública à problemática do Hanseniano, e DENUNCIA:
1) A assistência
médico-sanitária destinada a estes pacientes é feita
tardiamente e além disto, há falta sistemática de medicamentos,
praticamente inexistindo no momento ações de prevenção e
recuperação de incapacidades. Cerca de 42% dos pacientes
diagnosticados e conhecidos não estão sendo tratados, segundo
a DNDS — Divisão Nacional de Dermatologia Sanitária, e
segundo a OMS, para cada caso registrado existem três
desconhecidos.
2) Não existe a
nível nacional uma política real e efetiva, objetivando a
educação sanitária e a conscientização tanto da população
em geral como especificamente dos hansenianos que sofrem as
consequências do forte preconceito social, historicamente
existente em relação a estes pacientes pela sociedade.
3) A assistência
hospitalar destinada aos hansenianos, regra geral, é calamitosa
segundo os padrões internacionais recomendados pela OMS e é
ausente nos hospitais gerais públicos e privados. Neste caso a
recusa de tratamento dos pacientes ocorre por falta de
conhecimento dos médicos de saúde, por desconhecimento do
problema e também falta de envolvimento do INAMPS, que, na prática,
financia a assistência médica. No caso dos hospitais
especializados, todos de âmbito de governos estaduais, a assistência
é negligente, imprudente e carente de competência, apesar de
sua destinação específica. O exemplo mais recente ocorreu no
Hospital Padre Bento (Guarulhos — São Paulo) quando a paciente
H.S., procedente da Bahia, com três meses de gestação tomou
Talidomida prescrita pelo médico Dr. Marcos Vergueiro Renauld
sendo avaliada dois dias depois pela Dra. Beatriz Palma de
Carvalho Pereira, ginecologista e Diretora Clínica desse
hospital, sem o devido conhecimento dos efeitos teratogênicos
desse medicamento por parte da referida paciente. Tais
procedimentos são conseqüência do descaso e abandono que a saúde
pública vem sofrendo nas últimas décadas.
4) A assistência
ambulatorial, igualmente deficiente não proporciona aos doentes o
direito de acesso aos atuais conhecimentos científicos da
doença e embora este conhecimento recomende que os pacientes
sejam tratados nos ambulatórios ou Centros de Saúde que eles
escolham, vem ocorrendo grave desrespeito aos direitos humanos.
Há informações que o MORHAN dispõe de que estes ambulatórios
ou Centro de Saúde vem sistematicamente obrigando estes
pacientes a se tratarem nos locais escolhidos pelos técnicos,
contrariando não só a vontade do paciente, como, inclusive,
recomendações dos órgãos oficiais que conferem ao paciente o
direito de escolher o seu local de tratamento. Isto ocorre por
absoluta falta de interação entre os profissionais que prestam
serviços a clientela destes ambulatórios e a população desinformada.
5) Existem
entidades, algumas até mesmo fantasmas, e pacientes despreparados
ou mal intencionados, que se autodenominando defensores dos
hansenianos, utilizam-se de práticas altamente negativas,
solicitando dinheiro à população em geral, a qual,
desinformada, muitas vezes atende a estes apelos impedindo ou
dificultando o real desenvolvimento dos trabalhos sérios de
conscientização e reivindicação que o MORHAN se dispõe a
fazer. Estas práticas são comuns particularmente no estado de
Minas Gerais, e especialmente na cidade de Betim, onde existe um
antigo sanatório, de onde partem mensalmente milhares de cartas
para todo o
Brasil.
6) O isolamento
compulsório instituído desde 1920 até a década de 60
constitui-se em ato discutível muitas vezes e que está abolido.
A assistência ambulatorial ainda hoje deficiente conduz grande número
de pacientes a hospitais especializados, que poderiam ser
assistidos a nível ambulatorial.
As consequências
das internações desnecessárias até hoje permeiam a consciência
coletiva. O atual estágio do tratamento do hanseniano requer
eventualmente assistência hospitalar geral, não especializada,
o que, infelizmente não temos.
As atuais colônias,
constituem-se em problemática social não resolvida a contento
do ponto de vista do doente, lá internado compulsoriamente,
estando em vigor uma atitude oficial de desativação destas colônias
de hansenianos em alguns Estados, O exemplo mais recente disto
ocorreu recentemente na Bahia, onde o Secretário de Saúde através
da portaria 584/85 designou uma comissão para encaminhar a
desativação da colônia de Águas Claras (Salvador — Bahia); o
que não ocorreu face a inesperada reação do MORI-IAN, da
Comissão de Justiça e Paz, Parlamentares e outras pessoas
sensibilizadas com o problema.
Esta desativação
que vem sendo praticada pelos meios oficiais, à revelia dos
pacientes, que não são consultados e não tem respeitado o
direito de opinar se a eles interessam ou não, pode muitas vezes
constituir-se em problema social grave, pois força o hanseniano
a conviver numa sociedade desinformada que não está preparada
para recebê-lo adequadamente e da maneira que ele tem direito.
Por outro lado, as terras ocupadas há dezenas de anos por estes
pacientes, a quem serão destinadas? Os pacientes serão
indenizados pelos danos físicos e morais que sofreram com as
internações muitas vezes violentas? E a competição destes
pacientes incapacitados no mercado de trabalho de uma sociedade
profundamente desigual e discriminatória?
A hanseníase é
doença como outra qualquer doença infecciosa, ocorrendo com
maior freqüência nas camadas mais empobrecidas da população. O
atual modelo econômico, repetindo os mesmos esquemas de
governos anteriores, leva o país a uma dependência do capital
estrangeiro, conduzindo-o a uma recessão intolerável que só
pode levá-lo a um agravamento da situação. Apesar da falta de
dados oficiais confiáveis, existem evidências de alastramento
desta doença. Além do estabelecimento de programas de controle
efetivos da doença, o MORHAN vem a público para afirmar que
toda esta problemática é fruto de uma política econômica e
social autoritária a nível nacional e manifesta-se
conclusivamente pelo desejo de que sejam realizadas eleições
diretas para Presidente da República e para todos os níveis —
inclusive no Distrito Federal — além de uma reforma agrária
ampla como forma de redistribuição de riquezas, com o controle
dos trabalhadores, bem como uma Assembléia Nacional
Constituinte Livre e Soberana, com ampla participação popular.
Acreditamos que
todos estes problemas dos hansenianos e da população em geral
poderão ser solucionados com maior brevidade por um governo
comprometido e legitimado pelo voto direto de toda a população
deste país.
Que os direitos
humanos dos hansenianos sejam respeitados.
Que o povo deste país escolha em eleições
livres e diretas todos seus dirigentes.
Que todos tenham direito a terra para trabalhar
e morar, pois é este modelo econômico responsável
pela hanseníase e por todas desigualdades
sociais.
Defendemos
categoricamente uma Assembléia Nacional Constituinte Livre e
Soberana, por ser anseio da população. Tendo em vista que mais
uma vez a maioria foi frustrada pelos que hoje estão no poder, não
podemos abrir mão. Embora contra nossa vontade devemos
participar do processo hoje estabelecido para garantir nosso
espaço de luta e participação.
MORHAN
— Movimento de Reintegração do Hanseniano
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