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4 — A QUESTÃO AGRÁRIA NO CONTEXTO HISTÓRICO E CONSTITUCIONAL DA REPÚBLICA

 

Cláudio Thomás Bornstein (COPPE/UFRJ)

 

(Trabalho baseado em “A Questão Agrária: Crise de Poder e Reformas de Base 1930-64”, por Aspásia de Alcântara Camargo).

 

1) Ao longo da história brasileira pode-se verificar uma estreita vinculação da classe política com os interesses agrários dominantes. A conseqüência foi a garantia da manutenção do monopólio da terra, bem como um alheamento do campesinato do jogo do poder.

2) De forma geral é possível dizer que o Executivo, mais sujeito à pressão das massas e mais ávido em realocar as alianças a fim de ampliar as suas bases, é quem tem tomado, ao longo da história, as iniciativas mais contundentes para reformulação da estrutura agrária. Estas medidas esbarraram sempre em sólidas resistências tanto da sociedade civil como do Congresso, este último sede das representações regionais.

3) Na primeira fase da República, verticalizam-se as relações sociais, consolidando-se a liderança do chefe regional nos Estados e do coronel nos municípios, através de bem montadas máquinas políticas que praticamente “feudalizam” o campesinato, tornando-o totalmente dependente de uma política de clientela que, sob condições de lealdade e conformidade absoluta, lhe delega o usufruto parcial da terra.

Nesta fase verifica-se a total dissociação entre as formas de protesto rural e a contestação urbana. Nem o movimento operário nascente, nem os tenentes, sensibilizam-se com os “bandidos cangaceiros”. O bando de Lampião, quando em contato com a Coluna Prestes, no Nordeste, ou lhe é indiferente ou a hostiliza.

4) Dentro da Revolução de 1930 dois processos estiveram, desde o início, em curso: uma tendência mais renovadora e combativa que se dispunha, ainda que difusamente, a mudar a ordem social, mesmo ao preço de sacrificar a democracia, e outra, restauradora e corretiva, preocupada em garantir a legalidade constitucional. Dentro da primeira tendência encontra-se por exemplo o programa do Clube 3 de Outubro, onde a questão agrária é analisada com especial destaque. Diz o programa, que deve o governo “reduzir ao mínimo possível todas as formas de latifúndio, especialmente nas faixas de territórios próximas ao litoral e às vias de comunicação”. Cabe ao Estado um papel estratégico na redistribuição da propriedade, estimulando a utilização social das terras, a fim de que, depois de revertidas ao patrimônio coletivo possam ser utilizadas na localização de núcleos coloniais cooperativos.

Antecipando as discussões políticas que se farão sob a égide da Constituição de 1946, os “tenentes” esclarecem que “no conceito de propriedade não se pode sobrepor o interesse individual à função social. Prevêem uma legislação uniforme para regular o exercício do direito de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, segundo o valor dos bens que seriam avaliados pelos últimos impostos pagos. Quanto à função social da propriedade, poderia ser estimulada através de imposto territorial. Previa-se também imposto especial sobre o arrendamento de terras firmado no princípio de que só “quem trabalha a terra é digno de lhe usufruir os proventos. Previa-se ainda a criação de um Tribunal de Terras, cuja finalidade seria “resolver litígios relativos ao domínio, posse e exploração do solo”, O proletariado agrícola seria, segundo o mesmo programa, automaticamente beneficiado pela legislação trabalhista, que deveria ser estendida aos trabalhadores do campo.

Nas discussões da Assembléia Constituinte de 1934, as idéias avançadas do Clube 3 de Outubro encontram-se já diluídas por uma preocupação de caráter constitucional que deve guardar um nível de generalização suficientemente grande que garanta um documento básico e norteador. Por exemplo, a emenda definindo a função social da propriedade e prevendo a expropriação por utilidade pública não foi aprovada.

Com o fechamento do Clube 3 de Outubro e a instauração de uma nova ordem legal, com a Constituição de 1934, as reivindicações tenentistas afastam-se dos centros do poder e decisão política, e transferem-se para as áreas mais mobilizadoras e conflituosas que se formam com a Frente Popular de 1935.

5) O programa definido pela Aliança Nacional Libertadora, embora dê ênfase maior à luta contra o imperialismo e o fascismo, tal como a suspensão do pagamento da divida externa, nacionalização das empresas estrangeiras, destaca também em seu programa a “proteção dos pequenos e médios proprietários e lavradores e entrega das terras dos grandes proprietários aos camponeses e trabalhadores rurais que a cultivam”. Ao contrário do Clube 3 de Outubro, que pleiteava transformações político-sociais em termos de um programa de governo, a ANL apresenta suas reivindicações em um contexto conflituoso de luta política que se desenvolve sob forma de pressão mobilizadora de grupos civis organizados em torno do lema “Terra e Liberdade”.

6) Do confronto entre duas vertentes tenentistas de direita e de esquerda, que se desenvolve de forma aguda entre 1935 e 1937, resulta uma instável e complexa correlação de forças que induz ao reforçamento do Exército como instituição de controle, e do poder pessoal de Vargas como hábil manipulador de conflitos. Esta tendência culmina com o pacto entre o poder civil e o Exército que se consubstancia com o Golpe de 1937. A desmobilização política imposta autoritariamente, favorece o adiamento de medidas até aquele momento defendidas por diferentes atores políticos em bloco. Em outras palavras, o Estado habilmente dilui conflitos. Visivelmente, o poder central filtrara as medidas tenentistas incorporando apenas propostas residuais inócuas ou facilmente digeríveis. Da herança tenentista restaram tímidos projetos de colonização, as chamadas colônias agrícolas nacionais. Os trabalhadores rurais não poderão usufruir, como os trabalhadores urbanos, das prerrogativas das Leis Trabalhistas segundo a consolidação das Leis do Trabalho de 1943.

7) Com o processo de redemocratização que derruba o Estado Novo, e convoca as eleições presidenciais de 1945, inaugura-se um novo ciclo da história brasileira. A Constituição de 1946, texto regulador que orientará a atividade poíítico-institucional do país até 1964, dá ao Congresso enorme poder de decisão no jogo político. No entanto, ao abrir-se o jogo político, o que ocorre é a rearticulação das representações municipais e regionais, e o reativamento do fenômeno coronelista. Se o Estado Novo não o inibe, mas o controla, na nova ordem democrática, a disputa eleitoral espontaneamente atribui papel relevante na vida política aos que detêm o domínio real das clientelas rurais e municipais.

Como saldo antipopulista do governo Dutra temos a Constituição de 1946, temerosa do intervencionismo estatista e das desapropriações (no Artigo 141 §16 introduz-se severa inovação que determina para o imóvel desapropriado a prévia e justa indenização em dinheiro).

Em junho de 1947 o governo Dutra encaminha ao Congresso projeto de Reforma Agrária. Apesar da orientação privatista que domina a proposta, sob outros aspectos a Lei Agrária era bastante severa: descartava o principio prezado pelas classes produtoras de que a Reforma deveria começar pelas terras devolutas, defendia a necessidade premente de incrementar a produção de alimentos pelo estímulo à lavoura de subsistência e recomendava a desapropriação de terras improdutivas e produtivas para diminuir a incidência da grande propriedade monocultora. Também nesse caso o Legislativo foi omisso, e o projeto morreria nas mãos do Deputado João Mangabeira, seu relator.

8) Em 1950 a Igreja inicia um movimento de reação ao status que com as primeiras tentativas de recuperação de sua tradicional audiência rural, numa tentativa também de procurar “antecipar-se à Revolução”.

9) Durante o segundo período de Vargas retomam-se as iniciativas de reformulação agrária pela via estatal. Elas fazem parte de um contexto populista mais amplo que visa mobilizar a população rural e atraí-la à órbita do governo, criando novos e sólidos vínculos entre o Líder e as Massas.

As “Diretrizes para uma Reforma Agrária no Brasil” aprovadas pelo presidente da República em 1952 procuram contornar os obstáculos constitucionais que determinavam o pagamento das desapropriações pelo prévio e justo valor em dinheiro (Art. 141 § 16), estabelecendo o valor histórico (preço que a terra foi adquirida com o acréscimo do valor das benfeitorias e juros bancários) como base da indenização.

Ainda no período de Vargas, o governo envia ao Congresso o projeto de lei de desapropriação por interesse social que visava definir os casos em que o poder público poderia desapropriar “por interesse social” (veja Art. 147) . O projeto, como tantos outros, permaneceu esquecido na Câmara até a sua reativação em agosto de 1962.

10) A inclusão da Reforma Agrária em um futuro programa de governo, surge, na campanha de 1955, como iniciativa do PTB. O programa prevê a extinção de latifúndio improdutivo, amplo crédito para a formação da pequena propriedade e extensão da legislação trabalhista e previdenciária ao campo. Durante a campanha Juscelino Kubitscheck assegura no entanto o respeito à Constituição e à propriedade, assegurando que as medidas tomadas limitar-se-iam à taxação progressiva do latifúndio improdutivo e a expansão do crédito agrícola.

11) A tônica do governo Kubitscheck recai sobre um intenso programa de industrialização, siderurgia e transportes, através do Programa de Metas. No que toca o setor agrícola, o empenho não pode ser o mesmo. As dificuldades políticas que marcam a campanha presidencial e o início do período de governo tornarão inoportuna a criação de novas áreas de atrito que enfraqueceriam o Presidente dentro de seu próprio partido. A “política do possível” parece ter sido a de conseguir da facção ruralista do PSD uma posição de neutralidade diante do

Programa de Metas, em troca da conservação das relações sociais no campo.

Em junho de 1957, durante o governo de Juscelino, é fragorosamente rejeitado no congresso o projeto que estende as leis trabalhistas ao campo.

Uma nova mentalidade emerge à cena política com a tomada de consciência que se delineia ao final do período juscelinista, favorável a amplas reformas de estrutura, as reformas de base.

As organizações camponesas se expandem durante o período Kubitscheck, indiretamente favorecidas por um clima de abertura e tolerância. Emerge uma consciência camponesa, transformando amplas massas difusas em prováveis e potenciais atores políticos.

12) No controvertido período de governo do Presidente Jânio Quadros, é freqüente que se aponte como contradição básica e fatal, a existência de uma política interna conservadora contraposta a uma política externa de não-alinhamento, ou progressista. Uma revisão histórica dos curtos sete meses do governo Quadros indicam, no entanto, a profundidade de algumas modificações que pretendia introduzir e que o conduzem, seja por inconformismo, seja por pressão, à renúncia. Posta a questão nestes termos, o desequilíbrio entre a política externa e interna de Jânio Quadros se reduz e a renúncia perde seu caráter arbitrário e caprichoso. A preocupação com a questão agrária, e com outras medidas de reforma aparece organicamente ligada à projeção internacional brasileira e à questão de sua soberania, reforçando a concepção de que seria indispensável um sólido respaldo interno para que o país definisse as bases de sua vocação hegemônica.

A 3 de agosto Jânio Quadros reforça publicamente a proposta de José Joffily (PSD), que prevê indenização das terras desapropriadas segundo o valor declarado para fins de imposto territorial (e por isto mesmo artificialmente baixo), sugerindo também a determinação de zonas prioritárias para reforma agrária, sob forte tensão social. Pouco antes Quadros havia tomado medidas relevantes para a extensão do crédito ao pequeno produtor.

No entanto, as contrapressões rapidamente se organizam e a 23 de agosto de 1961, poucos dias antes da renúncia de Jânio, a bancada do PSD rejeita, sob o aspecto constitucional, o projeto de José Joffily de Reforma Agrária, cortando sua possibilidade de discussão em plenário.

13) Se a nota dominante do período janista foi marcado por uma forte porém difusa conotação reformista, pelo compromisso inovador, faltando-lhe porém o respaldo necessário de uma composição de forças mais afinada com sua estratégia política, João Goulart, em sentido inverso, é alçado ao poder no bojo de um rígido sistema de alianças, de pretensões hegemônicas, programaticamente comprometido com o nacionalismo e o trabaIhismo herdado de Vargas, mas ainda frágil e partidariamente instável.

Goulart, como Quadros, atravessou em seu curto período de governo grave crise de legitimidade, o segundo por excesso, o primeiro por falta. Foram ambos vítimas de um processo que delegou a um uma quase unanimidade que não se fez acompanhar dos necessários instrumentos de poder e a outro uma prévia e ampla margem de desconfiança que o obrigou a assumir o governo sob tutela do congresso e sob a vigilância das forças que tradicionalmente o hostilizam. Assim, se Jânio cai por impossibilidade de instrumentalizar um amplo espectro de forças aliadas, e por superestimar os seus próprios recursos, excessivamente valorizados por uma legitimidade previamente concedida, Jango se deixa conduzir por uma paralisante asfixia que não o deixa governar, e que o força a buscar neutralidade ou apoio ora nas esquerdas, ora nas áreas de centro em uma perigosa oscilação que reduz gradativamente suas áreas de apoio.

Em diferentes contextos, Goulart e Jânio optaram, ao final, por soluções de emergência. Jânio procurando na “via bonapartista” desmobilizadora, e de reforçamento do Estado, um encaminhamento para a crise. Jango buscando, talvez, em uma possível “via peronista”, de mobilização e enquadramento, o suporte político que não conseguira obter pelos canais institucionais legais. O caráter convulsivo, transparente, público e popular de um é a contrapartida do desfecho palaciano, controvertido, secreto do outro.

No governo de Jango grande prioridade é dada às reformas, em especial à reforma agrária.

Quanto à política agrária dois problemas concernem o cerne das discussões durante o governo Jango. O primeiro relacionado com a questão fundamental de saber que tipo de reforma agrária implementar, isto é, quem beneficiar e a que nível, em detrimento de que forças sociais e políticas. O segundo refere-se às fórmulas institucionais do seu encaminhamento, e aos instrumentos jurídicos disponíveis para executá-la através de alianças que tornem seus custos sociais politicamente viáveis.

14) O texto final do “Estatuto da Terra” que será aprovado pelo Congresso e regulamentado no governo Castello Branco, é encaminhado a Tancredo Neves em janeiro de 1962 e reconhece “a imperiosa necessidade de se dar nova estrutura agrária ao país, consagrando-se, ao lado do direito individual da propriedade, o condicionamento do seu uso ao bem-estar social”. Sugere medidas que regulem a parceria e o arrendamento (limitando o preço anual da terra a 10% do valor do imóvel, e a quota do proprietário a 20% da produção, estipulando prazos contratuais mínimos de 3 anos, além de liberar o trabalhador da obrigatoriedade de venda da sua produção ao proprietário) e estendam a legislação trabalhista ao campo. A desapropriação por interesse social limitar-se-ia a terras inexploradas ou mal exploradas, e às beneficiadas por investimentos públicos ou àquelas que fossem indispensáveis ao abastecimento dos centros de consumo próximos. Previa-se a manutenção de posseiros em terras por eles trabalhadas há mais de 5 anos.

Em novembro de 1961, sob o impacto do movimento camponês em acelerada fase de mobilização, Jango anuncia a impossibilidade de uma efetiva reforma agrária sem a mudança do princípio constitucional que exige indenização prévia em dinheiro.

A reação dos proprietários não tarda. Em numerosas reuniões de associações rurais e classes produtoras em diversos pontos do pais, fixa-se posição que sustenta a obediência aos preceitos constitucionais, aliada ao interesse prioritário pelo aumento da produtividade, escoamento das safras, política de preços, ampliação de crédito e assistência técnica, que seriam os fundamentos de uma verdadeira “revolução agrícola”.

Insistindo sobre o caráter inadiável das Reformas de Base, Jango pede ao Congresso uma reforma da Constituição de 1946. Com o pedido de Reforma Constitucional, cresce a desconfiança da classe política quanto às intenções reais do governo, engrossando os temores de uma reforma agrária radical.

15) Com a consagração do plebiscito de janeiro e um Congresso renovado, inicia-se um novo momento da gestão Goulart.

Em meio a contradições e incertezas, a Reforma Agrária vem à pauta como o primeiro item das Reformas de Base, carro-chefe e da ofensiva de março de 1963. Nas diversas versões do anteprojeto que circulam poupava-se de desapropriação as unidades de tipo familiar e os estabelecimentos agrícolas administrados diretamente, independentemente do tamanho da propriedade, desde que seus rendimentos não ficassem aquém da média da região. Para evitar os protestos contra as indenizações fixadas segundo declarações para fins do imposto de renda, insere-se no anteprojeto, um critério conciliador, embora bastante ambíguo, segundo o qual o expropriamento poderia calcar-se também nas declarações do imposto territorial ou na consagrada avaliação judicial. Em 15 de abril de 1963, Bocaiúva Cunha apresenta à Câmara em nome do governo, emenda constitucional que visava tornar financeiramente viável a Reforma Agrária. Ela alterava a forma de indenização nos casos de desapropriação por interesse social; revia portanto o famoso § 16 do Art. 141 que garantia ao imóvel desapropriado a prévia e justa indenização em dinheiro. Desta maneira procurava-se corrigir a antiga contradição presente na Constituição de 1946 entre o Art. 141 que beneficiava o proprietário em caso de desapropriação (não distinguindo entre desapropriação por utilidade pública e desapropriação por interesse social), e o Artigo 147 que determinava em uma linha mais progressista, o condicionamento da propriedade ao bem-estar social, podendo-se “promover a justa distribuição da propriedade com igual oportunidade para todos”. Bocaiúva Cunha propunha que para promover o bem-estar social, as indenizações se fizessem com títulos da dívida pública.

O impacto da proposta, por seu conteúdo implicitamente radical, contribuem para exacerbar a oposição ao governo. Por parte da UDN e do PSD a proposta sofre duras críticas. A emenda Bocaiúva Cunha acaba rejeitada em uma comissão especial do congresso. Baleeiro (UDN) em seu parecer insiste na possibilidade de aproveitamento das terras públicas e na necessidade de um cadastro rural que torne possível a tributação progressiva, condenando a lavoura de subsistência como inviável e como obstáculo ao desenvolvimento e argumentando que a elevação do nível de vida das populações rurais depende do aumento geral da produtividade e não de medidas demagógicas, economicamente inviáveis. A 7 de outubro de 1963 a emenda será rejeitada em plenário por 121 votos contra 176, em meio a grave crise militar (revolta dos sargentos), e onda de greves deflagradas pela CGT.

A derrota parlamentar converte-se em grave revés político, que marca, tanto para a oposição de direita quanto para os radicais de esquerda o esgotamento de um projeto de reformismo constitucional. O Congresso é o limite para a aprovação das reformas, e tal como já o previra Jânio Quadros, o palco onde se exerce o seu poder de veto. Fica evidente que a histórica aliança PSD/PTB, no que se refere à questão agrária está esgotada, alimentando inabaláveis desconfianças entre o PSD e o governo.

Para a esquerda o veto da comissão especial é a senha que dá início a uma campanha de pressão nacional contra o congresso e a favor das reformas de base. A mobilização não surte porém os efeitos desejados e a pressão popular é fraca.

Barrada a política de redistribuição de terras pelo impasse no congresso, o governo, em contrapartida, aumenta o apoio institucional aos sindicatos. Cresce geometricamente o número de sindicatos rurais, criando-se a CONTAG. Radicaliza-se o processo, culminando com conflitos entre trabalhadores e latifundiários, com grandes greves do setor açucareiro do governo Arraes e com invasões de terras.

16) No histórico Comício das reformas, Goulart assina decreto que considerava de interesse social e portanto, desapropriáveis os imóveis de mais de 500 ha situados nos 10 quilômetros à margem das rodovias, açudes e ferrovias. Tornando em princípio desapropriáveis terras que não poderiam sê-lo por carência de recursos, Goulart “congela” na prática as propriedades ameaçadas, reduzindo involuntariamente as suas possibilidades de venda. Desta forma, definitivamente, unifica contra si e contra o regime a heterogênea mas organizada classe dos proprietários. Somados aos não menos organizados interesses norte-americanos, que conspiram através da Embaixada, e à cisão militar, que se agrava com o colapso de soa estrutura hierárquica, os setores da velha oligarquia agrária, em pânico, urdem com eles o inevitável desfecho.

17) Restabelecido o equilíbrio de poder, com o regime militar, o governo Castello Branco aprova afinal o Estatuto da Terra com emenda constitucional. O § 16 do Art. 141 passa a prever o caso de desapropriação por interesse social, admitindo no § 1 do Art. 147, exceção à indenização em dinheiro. Neste último parágrafo admite-se a indenização em títulos especiais da dívida pública.

Pode parecer paradoxal que um governo militar com nítida conotação conservadora conseguisse aprovar medidas que governos mais progressistas (como Goulart) não conseguiram instituir. O esvaziamento de órgãos com finalidades reformistas e a desmobilização dos sindicatos camponeses, eliminava no entanto a pressão popular que poderia conduzir à aplicação prática das medidas constitucionais. Tratava-se portanto de um mero ato de hipocrisia. Quando a constelação de forças elimina o perigo de uma reforma agrária para as classes dominantes, o governo cria mecanismos legais que a possibilitam.

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