|   Representação
              contra Alfredo StroessnerMARCOS
              ROLIM, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos
              Deputados, e TARCISO DAL MASO JARDIM, Diretor do Centro de Proteção
              Internacional de Direitos Humanos, vêm, respeitosamente, perante
              Vossa Excelência, com fulcro no art. 7º , inciso I, alínea
              “a” e inciso II, alínea “d”, do Código Penal Brasileiro,
              e nas Convenções Internacionais, Preceitos e Princípios
              Constitucionais pátrios a seguir detalhados,
              
              
                                                                          
              REPRESENTAR
              
              
              
               contra
              ALFREDO STROESSNER, ex-presidente da República do Paraguai,
              residente e domiciliado na QI 09, cj. 04, casa 04, Lago Sul, 
              Brasília - DF
              
              
               pelas
              seguintes razões de fato e de direito:
              
              
               I - DOS
              FATOS1.     
              Na condição de Presidente da Comissão de Direitos
              Humanos da Câmara dos Deputados o Deputado Marcos Rolim realizou,
              de 27 a 29 do mês de maio de 2000, visita ao Paraguai, com a
              finalidade de buscar documentos e testemunhos sobre as violações
              de Direitos Humanos ocorridos naquele país durante o governo do
              general Alfredo Stroessner.
              
               2.     
              Além dos depoimentos colhidos de pessoas torturadas - de
              mulheres e homens que ficaram encarceradas durante anos, nas
              piores condições, sem jamais responder ao devido processo legal;
              de mães cujos filhos nasceram em prisões desumanas e de pessoas
              com idade avançada que convivem com a dor causada pelo
              desaparecimento de familiares - há farta documentação que se
              soma a sentenças judiciais, formando provas da participação
              direta e da responsabilidade penal do Senhor Alfredo Stroessner
              pelos crimes de “Lesa Humanidade” ocorridos no país vizinho.
               3.     
              Esta história criminosa, marcada pela dor, pelas perseguições,
              pelas torturas e mortes, inicia-se em 1954, quando Alfredo
              Stroessner, um jovem militar, controla o Poder paraguaio após um
              golpe de estado por ele liderado quando era comandante em chefe
              das Forças Armadas do país. Segundo o documento Testimonio
              contra el Olvido: Reseña de la infamia y el terror (Paraguay,
              1954-1989), publicado em 1998 pelo “Comité de Iglesias para
              Ayuda de Emergencia”, sob autorização da Corte Suprema de
              Justiça do Paraguai, o período ditatorial teve quatro etapas: 1ª
              - consolidação da ditadura (1954-1962); 2ª - construção do
              sistema e fortalecimento do poder (1963-1975); 3ª - máximo
              desenvolvimento de um sistema quase totalitário (1975-1986) e 4ª
              o ocaso (1986-1989). 
              Esta publicação teve por base a descoberta de arquivos da
              ditadura, em dezembro de 1992, 
              encontrados no Departamento de Investigações da Polícia
              de Assunção.
               4.     
              Com base nestes dados, soube-se que já em 1958 havia pelo
              menos 14 lugares de confinamento dos opositores políticos.
              Lugares que não apenas confinavam pessoas, mas que foram
              transformados em verdadeiros campos de concentração. Nessa época,
              a tortura já era rotineira, os presos eram raramente processados
              e o confinamento era utilizado com assiduidade para castigar
              opositores.
              O ano de 1958 foi emblemático para o movimento sindicalista, pois
              iniciou-se uma campanha, liderada pela Confederação Geral de
              Trabalhadores, pelo fim do Estado de Sítio, pela convocação de
              uma Assembléia Constituinte, entre outras reivindicações, que
              culminaram na greve geral de 27 de agosto. Durante estes fatos, vários
              dirigentes foram presos, entre os quais os líderes do Partido
              Comunista Antonio Maidana, Alfredo Alcorta, Julio Rojaz. Embora
              condenados a três anos, eles ficaram detidos cerca de duas décadas.
              O Estado de Sítio permitia a não aplicação dos direitos
              fundamentais, incluindo a prisão por tempo indeterminado,
              independente de julgamento. E, como o Estado de Sítio paraguaio
              foi sendo renovado de 1954 até 1987, muitas pessoas ficaram
              detidas arbitrariamente por mais de 20 anos.
               5.     
              Ainda datada de 1958, há uma lista assinada por Juan
              Candia, Chefe do Departamento de Investigações, apontando o nome
              de 234 pessoas consideradas adversários políticos do governo,
              envolvendo nessa intolerância principalmente os comunistas, mas não
              só (podia incluir até mesmo membros do governista Partido
              Colorado). Essa repressão genocida tinha o amparo legal do Estado
              de Sítio e de leis como a de nº 294 que, a pretexto da defesa da
              democracia, dava enormes poderes de repressão ao Presidente,
              incluindo a hipótese de imputar penas privativas de liberdade a
              quem “difundir la doctrina comunista o cualquier outra doctrina
              que se proponga destruir o cambiar por la violencia la organización
              democrática republicana de la nación” (art. 2).
               6.     
              Em 1959, como reforço das idéias sindicais, o movimento
              estudantil  e parte do
              próprio Partido Colorado reivindicam a democratização, processo
              que culminaria em várias detenções e na dissolução do
              Parlamento e da Junta de Governo do Partido Colorado. 
              Com tal radicalização, muitos grupos de vocação para a
              luta armada se formaram, como a “União Nacional Paraguaia”, o
              “Movimento Revolucionário Paraguaio” (M.R.P. 14 de Maio) e a
              “Frente de Libertação Nacional” (FULNA), caracterizando na década
              de 1960 um verdadeiro conflito armado de caráter não
              internacional.
              Sobre este período há uma lista de 81 mortos integrantes do
              “14 de maio” e da FULNA.
               7.     
              Com a repressão
              aos movimentos guerrilheiros, inicia uma fase de controle sobre várias
              atividades sociais (sindicais, eclesiásticas, estudantis, artísticas,
              entre outras). Concomitantemente, desenvolveu-se 
              o culto à personalidade. Assim, inundou-se o país com
              cartazes e  outdoors
              difundindo o slogan “PAZ, PROGRESO Y BIENESTAR COM
              STROESSNER”, que as rádios e os jornais repetiam todos os dias.
              Este regime  sempre
              foi amparado por um legalismo repressor. Assim, desde 1970,
              Stroessner contava com outro instrumento legal para justificar a
              repressão: a Lei nº 209, “de Defesa da Paz Pública e da
              Liberdade das Pessoas”. Como
              ressaltam Alfredo Paz et alli: “Bajo el amparo de esta ley
              liberticida, la ’democracia sin comunismo‘ proseguiría, en
              estos años, su campaña de verdadero extermínio de los
              comunistas. Era un ofício lleno de riesgos ser comunista en el
              Paraguay de entonces”.
              
               8.     
              O ano de 1976 foi indiscutivelmente o marco dessa etapa de
              reforço repressivo. Milhares de pessoas viveram a experiência
              das prisões para “averiguações”, sobre possível
              envolvimento com a Organização Política Militar (OPM).
              Muitos sofreram  tortura
              e  outras foram
              assassinadas ou desapareceram. Exatamente desta época foi
              encontrada, no “Arquivo do Terror”, uma curiosa ficha do então
              Chefe do Departamento de Investigações e principal torturador do
              Stroessner,  Pastor M.
              Coronel,  onde
              questionava:
               “¿QUE
              HACER COM LOS DETENIDOS?
              
              
               1º
              Aplicación de la Ley   
              
              
              
               2º
              Desaparición Física
              
              
               3ª
              La Alternativa Aplicada”
               9.     
              A ficha não  explica
              em que  consiste esta
              enigmática  terceira
              alternativa, mas certamente significava um crime de lesa
              humanidade. Afinal, este fichamento, que provavelmente teria
              servido para alguma palestra, finalizava com os seguintes dizeres:
                                                 
              DERECHOS
              HUMANOS
              
              
                “Con
              Derechos Humanos o sin Derechos Humanos, seguiremos en el poder
              construyendo y progresando, orgullosos de nuestro gobierno y de
              nuestro partido.”
               10.  
              A política de paz e
              democracia sem comunismo não se restringia às prisões
              arbitrárias e torturas, nem se limitava a afetar a integridade física
              das vítimas. Os mecanismos repressores de Stroessner afetaram a
              vida de milhares de pessoas, mediante o desaparecimento forçado e
              a execução extrajudicial. Assim, serão referidos, em seguida,
              alguns casos extraídos de processos judiciais movidos por vítimas
              contra agentes do Estado: A-
              MARIO SCHAERER PRONO 11.
              Mário Schaerer Prono e sua esposa Guilermina Kanonnikoff
              foram presos em 5 de abril de 1976. Ela, 
              que à época estava grávida, ficou presa mais de um ano,
              tendo seu filho nascido na prisão. Guilermina declarou em juízo
              que viu seu marido em várias oportunidades, enquanto estava no
              Departamento de Investigações e, inclusive, escutou seus gritos
              durante sessões de torturas. A última vez que o viu se
              encontrava em estado grave. Várias outras pessoas, que se
              encontravam detidas no Departamento de Investigações, viram seu
              marido em estado grave. A versão oficial do governo foi a de que
              Prono havia morrido em um enfrentamento com a policia.
               12.
              Esse processo foi movido contra o Chefe do Departamento de
              Investigações, Pastor M. Coronel, o Chefe da Polícia, General
              Francisco Alcibíades Brítez Borges, os agentes de investigações
              Camilo Almada Morel, Juan Martinez e Lucilo Benitez, o
              ex-presidente Alfredo Stroessner e seu Ministro do Interior Sabino
              Augusto Montanaro. A sentença de primeira instância condenou
              Coronel, Martínez, Almada e Benitez a uma pena de 25 anos de
              privação de liberdade por homicídio qualificado. E condenou Brítez
              a 5 anos por encobrimento do crime. 
              
              
               B
              - MIGUEL ANGEL SOLER
              
              
               13.
              Miguel Angel Soler, filho de um ex-Ministro de Relações
              Exteriores do Paraguai, advogado e Secretário Geral do Partido
              Comunista Paraguaio, foi seqüestrado em sua casa, em Assunção,
              e ilegalmente preso pela polícia paraguaia, juntamente com sua
              esposa e filha, em 30 de novembro de 1975. Segundo testemunhas
              ouvidas no processo judicial, ao entrar no Departamento de
              Investigações, Soler gritou: “Viva o Partido Comunista! Sou
              Miguel Angel Soler”. Uma das testemunhas, Maurício Schwartzmann,
              que foi torturado na mesma câmara de torturas, disse ter visto,
              no local onde fora torturado Miguel Angel Soler, uma cama ortopédica
              com elásticos de ferro e braceletes apropriada para choques elétricos
              e um refletor. Também depõe que havia sangue no chão, cobrindo
              toda a extensão da sala.
               14.
              Prudencio Vidal Bogarín, preso político que também
              estava no Departamento de Investigações nesses dias, afirma ter
              escutado, quando estava amanhecendo o dia seguinte da detenção
              de Miguel Angel Soler, uma conversa em guarani entre dois
              policiais partícipes da sessão de tortura de Soler. Um deles
              disse que “el viejo” (referindo-se ao então Presidente da República)
              havia ordenado, por telefone, que atuassem sem complacência e, a
              fim de cumprir tal ordem, Pastor Coronel, o general Brítez Borges
              e o Coronel Guanes Serrano castigaram-no com suas próprias mãos.
              Apesar de todos os testemunhos de que Miguel Angel Soler entrou
              vivo no Departamento de Investigações, sua entrada não foi
              registrada, as autoridades jamais deram informações sobre seu
              paradeiro e ele nunca mais foi visto.
               15.
              Nesse processo, em que o próprio Alfredo Stroessner figura
              como acusado por delitos de homicídio, violação de domicílio,
              abuso de autoridade, seqüestro e torturas, há a
              “interessante” decisão  que
              considerou que a contagem da prescrição só inicia a partir do
              golpe de Estado que encerrou a era de Stroessner, já que não
              estavam dadas as condições para que se pudessem exercer ações
              judiciais pertinentes. 
              
              
               C
              - CARLOS JOSE MANCUELLO
              
              
               16.
              Carlos Jose Mancuello, estudante de engenharia em La Plata,
              Argentina, foi preso em 25 de novembro de 1974 na aduana paraguaia
              de Puerto Falcón (fronteira com a Argentina) com sua esposa
              Gladys Esther Ríos de Mancuello e uma filha de oito meses. Foi
              recolhido à  ala onde
              se encontravam os presos Amilcar Oviedo y Maria Magdalena Galeano.
              De acordo com as provas recolhidas, Carlos Jose Mancuello foi
              submetido a todo tipo de torturas no Departamento de Investigações.
              Seus familiares levavam-lhe roupas, alimentos e medicamentos e
              retiravam suas vestimentas ensangüentadas. No dia 21 de setembro
              de 1975, os familiares foram surpreendidos com a impossibilidade
              de prestarem qualquer ajuda, em razão de os guardas afirmarem que
              Carlos José Mancuello não se encontrava mais no Departamento. 
              Na mesma data foi transladado um grupo de prisioneiros políticos
              para “Investigaciones a Emboscada”, mas, também alí, Carlos
              José Macuello não foi encontrado. Está desaparecido até hoje.
               17.
              Neste caso, tem-se a declaração informativa do oficial
              Jorge Pane Zárate, afirmando que o destino do grupo de quatro
              detentos, entre os quais figurava Mancuello, estava vinculado a
              ordens diretas de Alfredo Stroessner e de Pastor Coronel. 
              
              
               D
              - AGUSTIN GOIBURU
              
              
               18.
              Agustin Goiburu era médico da Policlínica da Polícia em
              1959. Ali começou a denunciar as torturas a que eram submetidos
              os estudantes presos em decorrência das manifestações
              oposicionistas. Foi um dos fundadores do Movimento Popular
              Colorado – MOPOCO. Em razão dessas denúncias, começou a
              sofrer perseguições, e por isso refugiou-se na Argentina. Em
              novembro de 1969, quando estava pescando no rio Paraná (perto de
              Posadas – Argentina), foi seqüestrado. Após três meses do seqüestro,
              um oficial da Marinha foi visitar sua esposa e lhe informou que
              Agustin Goiburu estava preso na Marinha em Assunção. Ante tal
              circunstância, começou-se a denunciar o fato até que o governo
              reconheceu sua prisão. Informado que sua vida estava em risco,
              Agustin Goiburu preparou sua fuga, o que de fato aconteceu,
              refugiando-se na Embaixada do Chile e, mais tarde, dirigindo-se a
              Santiago  (Chile). De
              Santiago voltou a Posadas, Argentina. Em 9 de fevereiro de 1977,
              às 11horas, ao sair do hospital San Martin, em Buenos Aires, foi
              interceptado por dois carros, de onde saíram os policiais que
              novamente o seqüestraram. Desde essa data 
              Agustin Goiburu se encontra desaparecido.
               19.
              Mais tarde a esposa de Agustin Goiburu descobriu que as
              autoridades militares da Argentina entregaram seu marido ao
              Paraguai, mantendo-o preso no sótão do Regimento de Escolta
              Presidencial. Desde então não há mais notícias sobre seu
              paradeiro.
               20.
              No decorrer do processo judicial, movido por sua esposa
              contra os torturadores e os responsáveis pelo seu
              desaparecimento, solicitou por carta rogatória informações
              sobre Goiburu a alguns dos acusados, entre os quais 
              o General Stroessner, que negou conhecimento ou participação
              nos fatos. 
              
              
               E
              - MARTINO ROLON
              
              
               21.
              Martino Rolon pertencia às Ligas Agrárias e era diácono
              da Igreja de Misiones.  Foi
              acusado pelo governo stronista de haver estado na Organização
              Político Militar – OPM. Acusa-se o governo stronista de ter
              utilizado esta organização para justificar a prisão massiva de
              cerca de mil pessoas no ano de 1976. Martino Rolon foi preso no
              dia 4 de abril de 1976, juntamente com a esposa e seus filhos.
              Foram levados ao Departamento de 
              Investigações, onde a esposa e os filhos permaneceram
              presos por um mês.  Quanto
              ao Senhor Martino Rolon, o governo apresentou a 
              versão de que teria sido baleado em um enfrentamento e que
              sua esposa teria reconhecido o corpo. Todavia, Martino Rolon,
              depois da sua prisão, nunca mais foi visto. 
              
              
               F
              - MARCIANO e DERLIZ VILLAGRA
              
              
               22.
              Derliz Villagra era Secretário-Geral da Juventude do
              Partido Comunista Paraguaio. Seu pai, Marciano Villagra, era
              dirigente do Partido Comunista, tendo sido preso e torturado
              muitas vezes.  Derliz
              Villagra foi preso em 1965, ficando preso até 1972, quando saiu
              do Paraguai, juntamente com seu pai. 
              Em 1975 retornou clandestinamente e, no mesmo ano, foi
              novamente preso e torturado. Foi visto pela última vez no
              Departamento de Investigações, em 30 de novembro de 1975. Desde
              então não há mais notícias sobre a vítima. 
              
              
               G
              - AMILCAR MARIA OVIEDO
              
              
               23.
              Foi preso em via pública de Assunção, no dia 23 de
              novembro de 1974, sendo levado ao Departamento de Investigações.
              Durante vinte e seis meses os familiares levavam roupas, comidas e
              remédios para Amilcar Maria Oviedo. Muitas vezes o viram em
              estado grave por conta das torturas a que era submetido. Em 21 de
              setembro de 1976, o guarda Agustín Belotto, sem justificar,
              chamou os familiares  e
              deu-lhes a notícia de que a partir de então estavam proibidos de
              visitar a vítima. Desde essa data se desconhece o paradeiro de Amílcar
              Maria Oviedo. 
              
              
               H.
              RODOLFO e BENJAMIN RAMIREZ VILLALBA
              
              
               24.
              Rodolfo e Benjamin Ramirez Villalba foram presos em 23 de
              novembro de 1974; Rodolfo, ao regressar da Argentina, e Benjamin,
              em um Bairro central de Assuncão. Levados ao Departamento de
              Investigações, ficaram na mesma cela de Amílcar Maria Oviedo e
              Carlos Jose Mancuello.  Desapareceram
              no mesmo dia em que desapareceu Amílcar Maria Oviedo, isto é, no
              dia 21 de setembro de 1976.  A
              justificativa foi a de que se lhes aplicaram a “Ley de Fuga”,
              versão que foi confirmada, em juízo, por Lucilo Benítez,
              policial que participou das torturas a que as vítimas foram
              submetidas. Nesse processo, o Juiz do feito pediu a extradição
              de Stroessner e chegou a decretar sua prisão, com a finalidade de
              garantir a extradição do ex-presidente. 
              
              
               I
              - IRMÃOS LOPEZ MAIDANA
              
              
               25.
              Os irmãos Elixto, Francisco, Adolfo e Policarpo López
              Maidana eram membros das Ligas Agrárias. Ao tomarem conhecimento
              da morte de um de seus companheiros, Dionisio Rodas, em circunstâncias
              estranhas, resolveram fugir do país, mas foram capturados e
              presos ao cruzar o rio Paraná, em 15 de maio de 1976. Então,
              foram levados à delegação de Governo de San Juan Bautista,
              Misiones, onde permaneceram presos sem ordem judicial. No dia 21
              de maio, do mesmo ano, foram vistos por José Gerardo Talavera,
              Inocencio Aquino e Evaristo Gutiérrez, que ouviram a voz do
              subcomissário Camilo Almada dando ordens de transferir os irmãos
              Lopez Maidana. Desde então, não se tem mais notícias do
              paradeiro dos irmãos. 
              
              
               J
              - ESTANISLAO SOTELO, MARIO RUIZ DIAZ, SECUNDINO SEGOVIA BRITEZ,
              FELICIANO VERDUN, FEDERICO GUTIERREZ, ADOLFO CESAR BRITOS ULIAMBRE,
              GUMERCINDO BRITEZ e REINAL GUTIERREZ.
              
              
               26.
              Em 8 de março de 1980, um grupo de camponeses da colônia
              Acaray, situada há poucos quilômetros da Cidade Puerto
              Presidente Stroessner, tomou uma decisão desesperada. Acossados
              pela pressão que o Exército paraguaio lhes fazia para
              abandonarem suas terras (como pequena digressão, diga-se que
              muitos militares se apropriaram de terras, expulsando camponeses),
              tomaram à força um ônibus com o propósito de chegar à Assunção
              para solicitar às autoridades do “Instituto de Bienestar
              Rural" (IBR) os títulos de propriedade de seus campos e
              denunciar à opinião pública sua situação de angústia. 
              
              
               27.
              Os camponeses, fichados imediatamente como guerrilheiros
              pela polícia, embora não tenham portado armas, tiveram uma
              resposta brutal. Forças da II Divisão de Infantaria, armadas e
              apoiadas por helicópteros e aviões, cercaram os camponeses perto
              de “Campo 8”, onde foram massacrados. Muitos morreram e
              Estanislao Sotelo, Mario Ruiz Diaz, Secundino Segovia Britez,
              Feliciano Verdun, Federico Gutierrez, Adolfo Cesar Britos,
              Concepcion Gonzalez, Fulfencio Castillo Uliambre, Gumercindo
              Britez e Reinaldo Gutierrez desapareceram e o paradeiro do grupo
              é desconhecido até hoje. 
              
              
               K
              – CASO PRO-CHINO
              
              
               28.
              Em março de 1982, a polícia anunciou que havia desvendado
              outro núcleo comunista, de tendência chinesa, que seguiriam
              orientações de Oscar Creydt. Cerca de 40 pessoas foram detidas e
              conduzidas ao Departamento de Investigações. Na maioria
              agricultores, essas pessoas foram gravemente torturadas, em
              especial o líder desse núcleo, Antonio González Arce. Houve 38
              pessoas enquadradas na Lei 209, amargando extensa reclusão. Neste
              processo, que durou até 1985, quando as vítimas foram soltas,
              houve a morte de uma detenta, Leónidas, após ser torturada e não
              obter atendimento médico. 
              
              
               Quantos
              são os desaparecidos?
              
              
               29.
              Apesar da descoberta do Arquivo do Terror, constituído de
              cinco toneladas de documentos, que já foram pesquisados por
              centenas de jornalistas e historiadores, não há um consenso
              sobre a quantidade de paraguaios que foram presos, torturados e
              posteriormente desapareceram. Calcula-se que o número dos
              desaparecidos durante o governo Stroessner, isto é, de 1954 a
              1989, ultrapasse  300 
              pessoas, segundo o  historiador
              Alfredo Boccia Paz. Sobre uma amostragem das detenções arbitrárias
              no período stronista, ver a já citada obra “Testimonio del
              Olvido” (páginas 41 a 144), que lista 2.427 detenções,
              incluindo comprovações de torturas. 
              
              
               Operação
              Condor
              
              
               30.
              Hoje, não há dúvidas que a política repressiva e
              anticomunista não se limitava às fronteiras paraguaias. Com os
              golpes militares que se desencadearam no Cone Sul, durante a década
              de 60 e 70, intensificaram-se as articulações dos países com o
              objetivo de combater os oposicionistas, culminando com o plano das
              ditaduras da região conhecido como Operação Condor²³.
               31.
              Talvez nunca se soubesse a exata origem da Operação
              Condor, se os militares paraguaios não tivessem deixado entre os
              documentos que constituem o Arquivo do Terror, descoberto em
              dependências policiais, em 1992, as provas da articulação
              repressiva. Lá podem ser encontrados os documentos que noticiam
              as primeiras reuniões e conferências entre os diferentes órgãos
              de repressão dos países que integravam a Operação Condor
               32.
              O primeiro informe que faz referência a esta operação
              surge de um agente especial do FBI, lotado em Buenos Aires,
              chamado Robert Scherrer que, uma semana depois do assassinato do
              ex-Chanceler chileno Orlando Letelier, informava que:
               “El
              Operativo Cóndor es el nombre en clave para la recolección,
              intercambio y almacenamiento de información secreta relativa a
              los denominados ‘izquierdistas’, comunistas y marxistas que se
              estableció recientemente entre los servicios de inteligencia en
              América del Sur (...) El operativo tiene previstas operaciones
              conjuntas contra objetivos terroristas en los países miembros,
              Una tercera fase, y más secreta, implica la formación de grupos
              especiales de los países miembros que deberán viajar hacia países
              no miembros para llevar a cabo castigos incluido el asesinato de
              terroristas o simpatizantes de organizaciones terroristas de los
              países miembros de operativo” (Cable de Robert Scherrer al
              cuartel general del FBI, octubre de 1976).
               33.
              As operações de elementos repressivos envolviam no
              caso  concreto dois ou
              mais países. Presos argentinos, chilenos e uruguaios 
              seriam rotineiramente interrogados no Departamento de
              Investigações de Assunção por militares e policiais de seus próprios
              países. Um dos casos paradigmáticos – por estar completamente
              documentado – começou em fins de março de 1977 em Assunção,
              onde foram presos cinco ativistas rioplatenses do movimento de
              esquerda. Eram os uruguaios Nelson
              Santana e Gustavo Insaurralde; e os argentinos José Nell, Dora
              Marta Landi e José Logoluso. 
              
              
               34.
               Este caso
              motivou uma ampla mobilização da polícia paraguaia que, nos
              dias seguintes, prendeu várias dezenas de pessoas vinculadas a
              uma suposta organização destinada a falsificar documentos para
              amparar extremistas montoneros. Prontamente os aliados da Operação
              Condor foram alertados. No dia 9 de abril de 1977, um comissário
              paraguaio escreveu uma nota a seus superiores informando:
               “elevar
              a su conocimiento el resumen de las actividades del equipo de
              trabajo que se constituyó en esta Dirección los días 5, 6 y 7
              de los corrientes, integrado por el Cnel. Benito Guanes y el Tte.
              1º Angels Spada y Sgto. Juan Carlos Camicha, de la Jefatura de
              Area 234; José  Montenegro
              y alejandro Stada del S.I.D.E., ambos de la República Argentina y
              el Mayor Carlos Calcagno del Servicio de Inteligencia del Ejército
              del Uruguay, con relación a los procedimeientos efectuados por
              esa Jefatura...”
              (Archivos paraguayos. Nota del Comisario Alberto Cantero al Jefe
              del Departamento de Investigaciones, Pastor Coronel)
               35.
              Os detidos haviam sido torturados e interrogados por uma
              equipe multinacional, que compartilhava 
              a  informação
              obtida, repassando-a aos respectivos policiais, sobre os
              antecedentes de cada um deles. Em meados do mês de maio, do mesmo
              ano, foi tomada uma decisão: os presos seriam transladados para a
              Argentina. Não há notícias, mas provavelmente lá foram
              submetidos a novos interrogatórios e torturas. Todos os
              argentinos e uruguaios figuram hoje como desaparecidos no
              Paraguai.
               36.
              O caminho inverso também foi feito muitas vezes: cidadãos
              paraguaios presos na Argentina eram devolvidos aos militares do
              Paraguai. Os arquivos paraguaios permitiram comprovar numerosos
              casos de intercâmbio de prisioneiros, como o da médica paraguaia
              Gladys Meillinger de Sannemannn, que realizou um incrível roteiro
              clandestino pelas prisões da região. Presa em 1976, na província
              argentina de Misiones, foi transferida 
              meses depois ao Departamento de Investigações de Assunção.
              No ano seguinte, foi enviada de volta à Escola de Mecânica da
              Armada de Buenos Aires, donde, graças às pressões do governo
              alemão, logrou a saída e refugiou-se no país europeu.
               37.
              A Comissão Nacional de Direitos Humanos do Paraguai,
              relacionou 60 nomes de paraguaios desaparecidos na Argentina.
              Dessa lista, há casos já provados de pessoas que foram apenas
              seqüestradas e devolvidas às autoridades paraguaias e,
              posteriormente, foram desaparecidas. 
              
              
               Participação
              do Senhor Alfredo Stroessner na Prática dos Crimes de Lesa
              Humanidade
              
              
               38.
              Alfredo Stroessner responde atualmente a 6(seis)
              processos judiciais perante a Justiça paraguaia, por crimes de
              tortura, mortes e desaparecimentos forçados. Ademais, no processo
              sobre violações sofridas pelos irmãos Ramirez Villalba,
              inicialmente propostos contra os principais torturadores (LUCILO
              BENITES, ALCEBIADES BRETEZ BORGES, PASTOR CORONEL, ALBERTO CANTERO
              E AUSTIN BELOTTO), foi ampliada a responsabilidade, a pedido do
              "Fiscal General" (correspondente ao nosso
              Procurador-Geral da República), nos seguintes termos:
              "Ampliar el sumario en la investigación a la mude los
              hermanos RAMIREZ VILLALEA e incluir como precesado al Ex
              Presidente de la República ALFREDO STROESSNER....".
              
              
               39.
              E no processo sobre violações sofridas por Amilcar
              Maria Oviedo, corrobora-se o A.I. nº 226, de 12 de dezembro de
              1989, do Tribunal de Apelação Penal, 3ª Sala, causa "Excepcion
              de prescripcion planteada a favor de PASTOR MELCÍADES CORONEL Y
              ALBERTO CANTERO sobre detención ilegal y otros en capital",
              quando sentenciou-se: "Además,
              reiteramos que deberá incluirse en ellos al presunto instigador
              principal de estos delitos, el ex-presidente Alfredo Stroessner,
              que posiblemente incentivaba la violencia desde el gobierno,
              violando los derechos humanos y amparaba a los delincuentes, hacièndolos
              gozar de todos los privilegios, extendiendo um manto de impunidad
              insostenible".
              
              
               40.
              Neste
              último caso, a decisão citada é reforçada pela convicção da
              responsabilidade penal do General Stroessner nos seguintes termos:
              "Esta opinión se
              encuentra corroborada em todos sus términos en esta causa, cuando
              LUIS ALBERTO CAYETANO WAGNER LEZCANO, al momento de comparecer
              ante este Juzgado, a fs. 52/3 vlta. de autos decia ....'quedando
              el cuarteto conformado por los hermanos Ramirez, Bejamin y
              Rodolfo, Amilcar Oviedo y Carlos Mancuello, quienes posteriormente
              le comentaron que en esse dia recibieran la visita del Presidente
              Stroessner o más bien fueron presentados....´ 
              "
              
              
               41.
              Na
              mesma sentença o magistrado continua, textus:
              "EUCLIDES ROBERTO ACEVEDO CANDIA, cuando fue preguntado se
              quién daba las órdenes para las torturas y quienes las cumplia
              dijo........'que sin ninguna duda el que daba las órdenes era
              PASTOR CORONEL, quién a su vez recebia órdenes de Presidente de
              la República en la sala de torturas. LUCILO BENITEZ recebia órdenes
              de Pastor Coronel a traves de un Walkie Talkie, con fondo musical
              de Los Chalchaleros, escuchaba 
              la voz de Pastor Coronel que decía en guarani 
              aprietenle, aprietenle, en la pileta.....' Es concluyente,
              a partir de todos estos indicativos, que en princípio la
              participación del ex-presidente Alfredo Stroessner esta fuera de
              toda duda. Inclusive el Gral. Brítez Borges cuando fue indagado
              por el Juzgado Habia dicho, conforme consta a fs. 92/6 de autos
              '....que normalmente visitaba al entonces presidente de la República,
              una vez al mes, en dichas ocasiones recibia las respectivas
              instrucciones, el Presidente le solía decir 
              Britez, Ud. Es un flojo, quiero más acción...'. 
              
              
               Participação
              Brasileira na Violação de Direitos Humanos no Paraguai. 
              
              
               42.
              Também existe uma farta documentação, em anexo, que
              demonstra a clara e evidente participação brasileira na violação
              dos direitos humanos no Paraguai. Entre estes documentos, podemos
              referir: os Pedidos de Busca, de informações sobre militantes
              políticos que circulavam entre os organismos do Brasil e
              Paraguai; correspondências, ofícios e convites que as
              autoridades trocavam, via de regra, através das Embaixadas; as
              Conferências dos Exércitos Americanos, das quais o Brasil se fez
              representar, entre outros.
              
              
                
              
              
               43.
              Em visita recente ao Paraguai, o Deputado Marcos Rolim teve
              a oportunidade de ouvir pessoas que afirmam terem sidas torturadas
              e interrogadas  por
              agentes brasileiros. O Senhor JOSÉ
              DE ROSARIO MARTINEZ IRALA, por exemplo, disse que foi
              preso no dia 22 de abril de 1976 e levado ao campo de concentração
              chamado "Abrahan-cué", onde foi submetido a torturas
              durante 6  horas por
              uma equipe de policiais, entre eles um oficial
              brasileiro que era tratado pelo codinome "Caxias".
              Ele, segundo o depoente, dava as instruções aos demais policiais
              sobre a aplicação das torturas.  
              
              
               44.
              Este depoente relatou que as torturas eram tão violentas,
              que chegou a vomitar sangue e, em determinado momento, desmaiou,
              sendo reanimado pelo sargento brasileiro, que lhe aplicou
              massagens e ofereceu um comprimido de aspirina. O depoente não
              soube fornecer maiores detalhes sobre o policial brasileiro, pois
              tinha dificuldades de compreender o idioma português, dizendo
              apenas que estava com farda policial e exercia a função de chefe
              da equipe. 
              
              
               45.
              Outro importante relato, dado pelo Presidente do Senado
              Paraguaio, Senador Juan Carlos Galaverna, ressaltou o seqüestro
              por agentes brasileiros de quatro cidadãos paraguaios, na cidade
              de Foz de Iguaçú, Estado do Paraná, e entregues às autoridades
              paraguaias como opositores do Governo Stroessner. Os seqüestrados
              são: Anibal Abatte Selei, Rodolfo Monjelos, Alejandro Stump e
              Cesar Cabral. Este episódio já mereceu ampla publicidade nos
              meios de comunicação do Brasil.
               46.
              Outro episódio que parece ter caído no esquecimento,
              agora relatado pelo Ex-Deputado brasileiro LYCIO HAUER, foi uma
              verdadeira chacina que até hoje permanece sem explicações.
              Segundo o ex-parlamentar, nos meados de dezembro de 1961, oito
              guerrilheiros paraguaios, sentindo-se acuados pelas forças
              militares de Strossner, atravessaram a fronteira, portando armas típicas
              de guerrilha – metralhadoras, pistolas e dinamite – e
              solicitaram asilo ao Delegado de Paranhos(MS), Hilário Lopes, a
              quem depuseram as armas. Entretanto, foram os rebeldes localizados
              pelas forças paraguaias e, em 25 de dezembro, véspera da
              chacina, um avião militar paraguaio, segundo testemunhas e
              palavras do próprio guarda-campo brasileiro, Sr. Procópio Alves
              Nogueira, pousou no campo de Amambaí(MS), dele descendo quatro
              paraguaios. Um deles, o major piloto, foi posteriormente
              identificado como sendo Epifânio Cardozo. Tal avião lá
              permaneceu por mais de uma hora, tendo os militares paraguaios saído
              a pé até o centro da localidade e voltado de automóvel. Segundo
              consta, estiveram com o escrivão de polícia local Inocêncio
              Rodrigues, vulgo Santinho, servindo então de Delegado, no lugar
              do Tenente da Força Pública de Mato Grosso, Manuel Ayres, e
              negociando a entrega dos rebeldes, na base de corrupção, pelo
              preço de 80.000 (oitenta mil) guaranis por cabeça. Isto era
              comum à época, na região,????t???L?????????l??w????span style="mso-spacerun: yes"> 
              /span>segundo o ex-parlamentar.
               47.
              Conta o Delegado de Amambaí, Inocêncio Rodrigues, o
              Santinho, que, no dia 26 de dezembro, recebeu um ofício do
              Delegado de Paranhos, Hilário Lopes, solicitando-lhe que fosse
              buscar os oitos rebeldes paraguaios, que lá não podiam
              permanecer. Assim, chegou a Paranhos às 17 horas daquele mesmo
              dia, amarrou os rebeldes com corda de pesca, colocou-os em um
              caminhão, dirigido por João Tavares, que estava acompanhado de
              um filho deste, o menor Waldemar Tavares, e de Breno dos Santos, e
              transportou-os, já noite, para Amambaí. Por volta de 22 horas,
              quando estava a 20 km de Paranhos, foi atacado por um grupo de 15
              a 20 homens, que lhes tomaram os rebeldes e fuzilaram-nos
              sumariamente, em pleno território brasileiro. Dessa chacina, 
              feridos mas dados como mortos, escaparam milagrosamente Remígio
              Jimenes e Gualberto Arce, mais tarde recolhidos ao Hospital
              Militar de 11º R.C. de Ponta Porã.
              
              
               DO
              DIREITO 
              
              Asilo
              político como um instituto de direito internacional 
              
              
               48.
              A construção do instituto do asilo no plano
              interamericano e universal possui desenvolvimentos diferenciados,
              em especial na modalidade do asilo diplomático, mas também na
              regulamentação convencional e consuetudinária do asilo
              territorial. A própria terminologia não se encontra
              sistematizada sequer no plano interamericano, apesar de a construção
              jurídica separar claramente o asilo diplomático do asilo
              territorial. Contudo, há associações do primeiro com o asilo
              político e do segundo com o refúgio político. O fato é que há,
              de um lado, o asilo concedido em legações ou em aeronaves,
              navios e acampamentos militares (chamado de asilo diplomático) e,
              de outro lado, o asilo concedido em território do Estado de
              acolhida (chamado de asilo territorial). 
              
              
               49.
              A Convenção sobre Asilo de Havana (1928) proíbe o que
              seria chamado de asilo diplomático para crimes comuns ou para
              desertores de terra e mar  (art.
              1), permitindo o asilo para delinqüentes políticos, como um
              direito ou tolerância humanitária (art. 2). O art. 1 desta
              Convenção é alterado pela Convenção Sobre Asilo Político de
              Montevidéu (1933), não admitindo esse tipo de asilo para
              acusados por delitos comuns que estiverem sendo processados ou já
              condenados por tribunais ordinários. Contudo, a qualificação da
              delinqüência política cabe ao Estado que concede o asilo (art.
              2º desta Convenção), que possui caráter de instituição
              humanitária (art. 3). O direito ao asilo seria consagrado na
              Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948),
              associado ao sentido de asilo territorial e à existência de
              perseguição que não seja motivada por delitos comuns, de acordo
              com a legislação de cada país e com as convenções
              internacionais (art. XXVII). 
              
              
               50.
              Nota-se que estamos diante de um instituto associado à
              construção humanitária das relações entre os indivíduos e o
              poderio estatal, idéia por definitivo consagrada, no mesmo ano de
              1948, a partir da noção de asilo (territorial) definido no art.
              14 da Declaração Universal de Direitos Humanos (doravante DUDH).
              Este dispositivo ressalta (parágrafo 2) que se trata de um
              direito incompatível de ser invocado contra uma ação judicial
              realmente originada por delitos comuns ou por atos opostos aos
              propósitos e princípios das Nações Unidas. Ora, as Nações
              Unidas possuem, entre outros, o objetivo de promover e estimular o
              respeito pelos direitos humanos (art.1, §3º, da Carta da ONU) e
              o fim de respeitar de maneira universal e efetiva os direitos
              humanos, incluindo a cooperação estatal, em conjunto ou
              separadamente, para cumprimento destes propósitos (art. 55, c, e
              56 da Carta da ONU). Ademais, a DUDH é considerada hoje como uma
              norma imperativa (jus
              cogens), atingindo este status
              por via consuetudinária (além de ser obrigatória por via
              indireta, como menções em Constituições – e.g., de Portugal;
              em tratados – e. g., Convenção Americana sobre Direitos
              Humanos; ou em Conferências, e.g. Conferência Internacional de
              Direitos Humanos em Teerã).
              Dessa forma a DUDH, no que contradiz 
              seus dispositivos, derroga tratados celebrados após sua
              aprovação e cessa a vigência de acordos elaborados antes de 10
              de dezembro de 1948. 
              
              
               51.
              Após a DUDH as normas internacionais sobre o asilo tendem
              a intensificar o aspecto político do delito, inclusive em casos
              de processos judiciais internos por delito comum ou em deserções,
              ao mesmo tempo em que não mais admite o asilo político em crimes
              de lesa humanidade. Admitir o asilo, cuja natureza é humanitária,
              para proteger pessoas que cometeram sistemáticas e generalizadas
              violações de direitos humanos, seria a contradição
              personificada. 
              
              
               52.
              As Convenções sobre asilos diplomático e territorial,
              elaboradas em Caracas (1954), revisam o direito interamericano
              precedente, ao condicionar todas as situações a delitos políticos
              ou delitos comuns com fins políticos, cabendo aos Estados de
              acolhida em todas as situações averiguar a natureza do crime.
              Também a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (1969), em
              seu art. 22, §7º, reduz o asilo (no sentido territorial) a
              delitos políticos ou comuns conexos com políticos, de acordo com
              a legislação interna de cada Estado ou 
              convenções internacionais. Pois a Convenção sobre Asilo
              Territorial de Caracas, em seu art. II, 
              considerada esse tipo de asilo como um instituto destinado
              a abrigar pessoas perseguidas por crenças, opiniões ou filiação
              política ou por atos que possam ser considerados como delitos políticos.
              E se o indivíduo incorrer também em crimes considerados comuns,
              o que deve ser analisado é a predominância dos fins políticos
              (art. IV). A análise da finalidade política do ato criminoso não
              é uma questão puramente de verificação da intencionalidade do
              acusado, mas se trata da configuração jurídica de um instituto
              que tolera atos cometidos a sabor das divergências internas com o
              limite de não incluir a barbárie e os crimes internacionais. 
              
              
               53.
              Foi exatamente nesse sentido que, interpretando o art. 14
              da DUDH, tem-se o art. 1, §2º, da Declaração das Nações
              Unidas sobre o Asilo Territorial [resolução 2312 (XXII), de
              1967]: Não poderá invocar
              o direito de buscar asilo, ou de desfrutar deste, nenhuma pessoa a
              respeito da qual existam motivos fundados para considerar que
              cometeu um delito contra a paz, um delito de guerra ou um delito
              contra a humanidade, dos definidos nos instrumentos internacionais
              elaborados para adotar disposições a respeito de tais delitos.
              Este princípio de que o Estado não pode conceder asilo para
              criminosos de guerra ou de lesa humanidade foi reforçado pelos
              Princípios de Cooperação Internacional para Identificação,
              Detenção, Extradição e Castigo dos Culpados de Crimes de
              Guerra ou de Crimes de Lesa Humanidade [Resolução 3074 (XXVIII)
              da Assembléia Geral, de 1973]. Estes princípios são a linha de
              interpretação do dispositivo, que aparece em certos tratados
              interamericanos que proíbem a classificação de política a
              certas condutas, como o art. 15 da Convenção Interamericana para
              Previnir e Sancionar a Tortura: Nada
              do disposto na presente Convenção poderá ser interpretado como
              limitação do direito de asilo, quando este proceda [...].
              Exatamente, o asilo não procede em caso de crimes de guerra,
              crimes contra a paz e crimes de lesa humanidade,
              mesmo quando cometidos no exercício de funções políticas. 
              
              
               54.
              E, se buscarmos a associação do asilo territorial com o
              status de refugiados, temos a taxativa disposição presente no
              art. 1, F, a, da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados,
              sobre a não aplicação dessa Convenção para pessoas sobre as
              quais existam fundados motivos para considerar que cometeu um
              crime contra a paz, um crime de guerra ou um crime contra a
              humanidade, definidos em instrumentos internacionais. O inc. III
              do art.3º, da Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997, proíbe
              nesse sentido o benefício da condição de refugiado aos indivíduos
              que tenham cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime
              contra a humanidade, crime hediondo, participado de atos
              terroristas ou tráfico de drogas. 
              
              
               55.
              Todos os tratados citados foram ratificados pelo Brasil e o
              Paraguai e as deliberações internacionais respaldadas por suas
              delegações. Portanto devem ser seguidos de forma obrigatória
              pelos poderes constituídos internos. Isto significa que um
              genocida, exterminador e torturador como Stroessner não deveria,
              em tese, ser beneficiado com o asilo. No caso de sua concessão, o
              asilo não deveria impedir a extradição ou o julgamento interno,
              quando cabíveis. Pode-se sustentar que, em 1989, diante da
              solicitação do asilo e face às alegações apresentadas segundo
              as quais Strossner corria, efetivamente, risco de vida por conta
              do câmbio político no Paraguai, cabia ao Brasil, como Estado
              Democrático de Direito, protegê-lo. Esta imposição, de
              natureza ética, poderia mesmo legitimar-se plenamente. O que não
              parece aceitável, nem justo, é que o instituto de asilo, no caso
              concreto, tenha sido ao longo dos anos o instrumento funcional
              para a consagração da impunidade. Para confirmar os adjetivos
              com os quais circunscrevemos as responsabilidades criminosas de
              Strossner, basta conferir a lista de vítimas retirados dos
              arquivos da ditadura e compilada no documento Testimonio
              contra el Olvido: Reseña de la infamia y el terror (Paraguay,
              1954-1989), publicado pelo “Comité de Iglesias para Ayuda
              de Emergencia” sob autorização da Corte Suprema de Justiça do
              Paraguai. Estes documentos provam o terrorismo de Estado e o genocídio
              concertado entre os países sul-americanos conhecido como Operação
              Condor. 
              
               O
              asilo como um princípio do direito constitucional brasileiro e a
              possibilidade de julgamento de um asilado político 
              
              
               56.
              O asilo político é um princípio constitucional que rege
              nossas relações internacionais (inc. X do art. 4º da CF). A
              terminologia asilo político
              engloba no direito brasileiro o asilo diplomático e o asilo
              territorial, já que internamente aquele não está somente
              associado ao asilo diplomático. Ao contrário, no art. 28 do
              Estatuto do Estrangeiro menciona-se o conceito de asilado político
              no sentido territorial (“estrangeiro admitido no Território
              Nacional”). O asilo, como vimos, é incompatível com crimes de
              lesa humanidade, crimes de guerra, crimes contra a paz e
              terrorismo de Estado. Essa compreensão do asilo é dada pelas
              obrigações assumidas pelo Brasil que o delineiam, mas também
              porque só podemos compreender este princípio associado aos
              demais. E, sob este prisma, não podemos esquecer outro princípio
              que rege nossas relações internacionais: o da prevalência dos
              direitos humanos (art. 4º, inc. II, da CF). Tampouco podemos
              esquecer um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito: a
              dignidade humana (art. 1º, inc. III). 
              
              
               57.
              A “concessão do asilo político”, segundo entendimento
              doutrinário, cabe ao Poder Executivo Federal, em razão de ser um
              ato de política externa.
              Entretanto, não se trata de ato inquestionável e absoluto.
              Segundo o direito internacional, trata-se de um ato de soberania
              estatal admitir pessoas em seu território que julgar conveniente,
              não as entregando ou expulsando quando perseguidas por motivos ou
              delitos políticos (ver arts. I e III da Convenção sobre Asilo
              Territorial de 1954). Cabe ao Estado como um todo, e não somente
              ao Poder Executivo, exercer tal soberania. Uma vez concedido o
              asilo político pelo Executivo, estamos diante o exercício prima
              facie de um princípio constitucional, que não deve se manter
              no desvio do aspecto político da natureza criminosa, em relação
              à extradição e ao julgamento interno, quando da ponderação
              com os princípios da prevalência dos direitos humanos e da
              dignidade humana. 
              
              
               58.
              Devemos ter em mente um modelo de princípios, onde viceja
              o consenso de ser governado por princípios comuns, e não apenas
              por normas elaboradas por acordos políticos. Como Dworkin pontua,
               
              
              
               “Os
              membros de uma sociedade de princípio admitem que seus direitos e
              deveres políticos não se esgotam nas decisões particulares
              tomadas por suas instituições políticas, mas dependem, em
              termos mais gerais, do sistema de princípios que essas decisões
              pressupõem e endossam.” 
              
              
               59.
              O princípio “concessão de asilo político” é uma espécie
              facultativa e discricionária de benefício estatal, cujo objetivo
              central é dar acolhida por razões humanitárias a pessoas
              perseguidas politicamente ou que cometeram delitos políticos.
              Cabe ao executivo federal brasileiro a avaliação do caráter político
              da situação concreta. Contudo, não podemos esquecer que os
              princípios são “mandatos de otimização”, a serem
              realizados na maior medida possível, dentro de possibilidades jurídicas
              e reais existentes, conforme esclarece Robert Alexy.
              Dessa forma, segundo Alexy, as colisões entre princípios não é
              uma questão de validade, mas uma dimensão de peso que implica um
              ceder perante o outro.
              Em outros termos, esta última situação envolve um “mandato de
              ponderação”, que está inserido na ótica da fundamentação
              dos enunciados sobre a intensidade de afetação e sobre a importância
              do cumprimento dos princípios opostos, fazendo valer plenamente
              argumentos empíricos que se referem às peculiaridades do objeto
              de decisão e às conseqüências das possíveis decisões.
              Assim, como a concessão de asilo político não deve ser otimizada
              para proteger pessoas que cometeram crimes de lesa humanidade,
              julgar o asilado por tais crimes ou extraditá-lo afetaria a
              concessão com baixa intensidade. Especialmente porque a ponderação,
              dessa concessão do asilo a Stroessner, dá-se em relação aos
              princípios da prevalência dos direitos humanos e da dignidade
              humana na possibilidade concreta de julgá-lo no Brasil. Não
              resta dúvida que a importância destes princípios no caso
              concreto sobressaem-se, em especial porque o primeiro princípio
              também cumpre o papel de um instrumento hermenêutico, por
              encerrar a idéia de “prevalência”. A conseqüência de não
              admitir o julgamento de Stroessner seria admitir o uso discricionário
              do asilo político, por parte do executivo, com a finalidade de
              proteger criminosos de lesa humanidade, mesmo quando internamente
              temos competência para julgar tais crimes. 
              
              
               60.
              Nessa ponderação deve-se ter em mente a intensidade de
              afetação de um princípio e a importância de satisfazer o
              outro. Parece claro que é baixíssima a afetação da “concessão
              do asilo político” na hipótese de julgar o asilado por ter
              cometido crimes de lesa humanidade, seja a competência para
              julgar tais crimes de outro país ou do próprio Brasil. Em
              contrapartida, é inegável a importância histórica de não
              deixar impune um criminoso de tal envergadura. A propósito, sobre
              a necessidade de os Estados tomarem todas as medidas internas
              contra a impunidade de violadores dos direitos humanos, temos uma
              recente recomendação da Comissão Interamericana de Direitos
              Humanos (E/CN.4/RES/1999/34, de 23 de abril de 1999). 
              
              
               61.
              Esta orientação é seguida pelo Supremo Tribunal Federal
              na avaliação de não extradição por crimes políticos, no
              sentido de afirmar que não há incompatibilidade absoluta entre o
              instituto do asilo político e o da extradição, já que o STF não
              está vinculado ao juízo formulado pelo poder executivo. Essa
              formulação foi feita inicialmente por Victor Nunes Leal (no caso
              do cubano Arsênio Pelayo Hernandez Bravo),
              mas recentemente foi mantido no caso do filho do ditador
              Stroessner: Gustavo Adolfo Stroessner Mora.
              Nesse caso o relator Min. Celso de Mello afirma que a “concessão
              do asilo territorial, por si só, não serve de escudo para
              indeferimento da extradição” (fl. 70), já o Min. Sepúlveda
              Pertence é mais incisivo em seu voto, após pedido de vista, litteris:
              “o princípio da inextraditabilidade do delinqüente político não
              pode servir de valhacouto sistemático a ex-governantes corruptos
              ou sanguinários, apenas porque derrubados do poder” (fl. 114). 
              
              
               62.
              E  o §3º do
              art. 77 do Estatuto do Estrangeiro dispõe que o STF poderá
              deixar de considerar crimes políticos os atentados contra Chefes
              de Estados ou quaisquer autoridades, bem assim os atos de
              anarquismo, terrorismo, sabotagem, seqüestro de pessoa, ou que
              importem propaganda de guerra ou de processos violentos para
              subverter a ordem política ou social. Ora, Stroessner é um
              assassino, terrorista de Estado, seqüestrador de várias pessoas
              (a fim de “desaparecê-las”), torturador e subversor da ordem
              social e política do Paraguai. Portanto, o ex-ditador paraguaio não
              é um criminoso político, em especial porque o direito
              internacional contemporâneo e a legislação brasileira não
              admitem o caráter político em casos que envolvam crimes de lesa
              humanidade. Dessa forma, demonstrar-se-á a competência
              brasileira para julgar o genocídio e os atos que envolvem os
              desaparecimentos forçados levados a cabo pelo Alfredo Stroessner,
              no espírito da própria Convenção sobre Asilo Territorial. Por
              fim, lembra-se  do
              art. VI desta Convenção, ao advertir que nenhum Estado está
              obrigado a estabelecer em sua legislação ou em suas disposições
              ou atos administrativos aplicáveis a estrangeiros distinção
              alguma motivada pelo único fato de que se trate de asilados ou de
              refugiados políticos. 
              
              
               Genocídio 
              
              63.
              Segundo o art. 7º, I, d, do Código Penal, ficam sujeito
              à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro, os crimes de
              genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no
              Brasil. Portanto, é um caso de extraterritorialidade
              incondicionada, que exigiria somente o fato de o agente estar no
              Brasil, como é o caso. Ademais, o §1º, do art. 7º mencionado,
              dispõe que nessa hipótese o agente é punido pela lei
              brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro. 
              
              
               64.
              Após ter ratificado a Convenção para a Prevenção e
              Repressão do Crime de Genocídio em 1952, o Brasil tipificou este
              crime mediante a Lei n.º 2.889, de 1º de outubro de 1956. O art.
              1º da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956, afirma que 
              
              
               1º.
              Quem, com intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo
              nacional, étnico, racial ou religioso, como tal:
              
              
               a.matar
              membros do grupo;
              
              
               b.causar
              lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo;
              
              
               c.submeter
              intencionalmente o grupo a condições de existência capazes
              de        
              ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial;
              
              
               d.adotar
              medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;
              
              
               e.efetuar
              a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo. 
              
              
               65.
              Não resta dúvida que Stroessner e os demais ditadores do
              Cone Sul membros da Operação Condor identificaram e tentaram
              destruir parte identificada dos grupos nacionais da Argentina,
              Paraguai, Brasil, Chile, Uruguai e Bolívia. Os chamados
              subversivos eram claramente identificados entre os nacionais, pois
              eram opositores aos regimes, guerrilheiros e, em geral integravam
              a elite cultural destes países. Apesar de o tipo não incluir
              puramente o genocídio político, o entendimento de eliminar parte
              é justamente a tentativa de destruir um segmento da elite
              educada, líderes e outros subgrupos identificados[38].
              E, no caso, se trata de um genocídio de nacionais claramente
              identificados nos países envolvidos na Operação Condor. Esta
              identificação trabalhava com um sofisticado banco de dados entre
              as ditaduras sobre as pessoas consideradas subversivas, conforme
              decorre da proposta da Primeira Reunião de Trabalho de Inteligência
              Nacional, assinada pelo Coronel chileno Manuel Contreras Sepúlveda,
              que tinha como um dos principais 
              fins: “Establecer en un País de los que aquí se
              encuentram representados, un Archivo Centralizado de Antecedentes
              de Personas, Organizaciones y otras Actividades, conectadas
              directa o indirectamente con la Suberversión”.
              Esta reunião ocorreu em Santiago em outubro de 1975, mas estes
              objetivos e troca de informações se constatam em períodos bem
              mais recentes, como demonstra o projeto de acordo de combate
              antisubversivo discutido na XVII Conferência de Exércitos
              Americanos (CEA), realizado em Mar del Plata em novembro de 1987. 
              
              
               66.
              Assim, estes grupos foram assassinados, torturados e,
              inclusive, efetuou-se a transferência forçada de crianças
              (filhas de desaparecidos), além de ter-se impedido o direito à
              pluralidade. Ademais, o genocídio de nacionais não implica que
              os genocidas sejam de outro grupo nacional, o que inclui todas as
              mortes, torturas e desaparecimentos cometidos no Paraguai,
              inclusive as vítimas de nacionalidade paraguaia.
              A concepção de “autogenocídio” foi internacionalmente
              reconhecida nos massacres de Kampuchea (Camboja), cometidos pelo
              Khmer Vermelho, entre abril de 1975 e março de 1979, contra seus
              concidadãos e, até mesmo, contra membros dissidentes do próprio
              Khmer.
              E, como está no Auto de Processamento espanhol contra Augusto
              Pinochet, o fato de não constar o termo genocídio político na
              Convenção de 1948 não significa, verbis:
               
              
              
               “[...]
              que quedara al margen del genocidio la destrucción de grupos por
              motivos políticos. Mucho más precisamente lo que esto significa
              es que esos motivos políticos tienen que concretarse en un grupo
              nacional, étnico, racial o religioso para que la conducta de su
              destrucción total o parcial pueda ser constitutiva de genocídio
              [...] En conclusión, si no puede eliminarse la motivación política
              cuando esa acción genocida es por razones étnica o religiosas,
              con mayor razón no puede prescindirse de la calificación como
              genocídio cuando la base de la acción delictiva está formada
              por la motivación política y el objeto de la agresión es
              exatamente el mismo grupo de personas (grupo nacional, al que
              pertenece también el agresor, como sector predominante por el uso
              de la fuerza), a través de los mismos medios comisivos –
              muertes, secuestro seguido de desaparición, torturas, agresiones
              sexuales, o desplazamientos forzosos – y con la misma finalidad
              de eliminar la discrepancia ideológica y de oposición política,
              que en todo caso se manifiesta en unos y otros supuestos.” 
              
              
               67.
              Não se pode esquecer que o art. 3º, da Lei nº 2.889,
              envolve na responsabilidade penal por genocídio, as pessoas que
              incitam, direta e indiretamente, alguém a cometer qualquer desses
              crimes. E, como o genocídio tentado ou consumado é considerado
              um crime hediondo pelo parágrafo único da Lei 8.072/90, não
              podemos esquecer o art. 5º, inciso XLIII, da Constituição
              Federal, que considera responsável penal por este tipo de crime os
              mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem
              (esta regra vale, também, para a tortura e para o terrorismo de
              Estado). Sendo, de acordo com o art. 4 da mesma Lei nº 2.889, a
              pena agravada de um terço quando se é governante. Tampouco se
              deve esquecer que o art. 6º afirma que esses crimes não serão
              considerados crimes políticos para efeitos de extradição. 
              
              
               68.
              Por fim, alerta-se para o fato da inexistência de prescrição
              para este caso de genocídio, não só porque houve vítimas de
              mortes na década de 80 (não perfazendo ainda os 20 anos
              definidos na lei brasileira, como o caso Pro-chino), mas
              fundamentalmente porque há envolvimento de crimes permanentes, em
              especial os relacionados com o desaparecimento forçado de
              pessoas, como os ainda insolúveis seqüestros e 
              ocultações de cadáveres. 
              
              
               Desaparecimento
              forçado de pessoas e violações ao direito internacional humanitário
               69.
              Além do genocídio, pode-se julgar Stroessner pelos
              desaparecimentos forçados de pessoas ocorridos no Paraguai
              durante a ditadura de mais de 35 anos 
              naquele país. O fundamento para o exercício brasileiro da
              jurisdição em casos de crimes de lesa humanidade, independente
              se no crime estão envolvidos nacionais ou interesses internos, é
              o art. 7º, II, a, do Código
              Penal. Este dispositivo admite que estão sujeitos à lei
              brasileira, embora cometidos no estrangeiro, os crimes que, por
              tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir. Neste
              aspecto, o requisito da legalidade é dado também pelo direito
              internacional e pelos princípios que regem as relações
              internacionais. Estamos vinculados pelo art. 15 do Pacto
              Internacional dos Direitos Civis e Políticos que, em seu §1º,
              dispõe que “Ninguém poderá ser condenado por atos ou omissões
              que não constituam delitos
              de acordo com o direito nacional ou internacional, no momento
              em que foram cometidos”. E, em seu §2º, determina que
              “Nenhuma disposição do presente Pacto impedirá o julgamento
              ou a condenação de qualquer indivíduo por atos ou omissões
              que, no momento em que forem cometidos, eram considerados
              delituosos de acordo com os princípios gerais de direito
              reconhecidos pela comunidade das nações”. Neste último
              caso trata-se justamente das normas imperativas (jus
              cogens), que incluem a proibição do genocídio, da tortura e
              do desaparecimento forçado de pessoas. Essa posição é admitida
              pelo Brasil, conforme decorre de parecer de Levi Carneiro, então
              Consultor Jurídico do Ministério das Relações Exteriores,
              sobre o genocídio: 
              
               “O
              genocídio é, primordialmente, um crime internacional. Homologada
              pelo Brasil a convenção adotada, nem será talvez preciso que a
              lei interna disponha expressamente sobre o crime de que se trata,
              pois, em virtude do art. 5º, n. II, a, do Código Penal, estão
              ‘sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro’,
              ‘os crimes que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou
              a reprimir’.” 
              
              
               70.
              Apesar de já estar proibido como norma imperativa, no caso
              do desaparecimento forçado de pessoas, que intrinsecamente
              envolve o seqüestro, a tortura e o tratamento cruel e desumano
              para os desaparecidos e seus familiares, além da ocultação de
              cadáver, teríamos vários tratados que nos obrigam a reprimir
              tais fatos. 
              
              
               71.
              Sem ater-se a cronologia de tais tratados, inicialmente
              lembramos da  “Convenção
              Para Prevenir e Punir aos Atos de Terrorismo Configurados em
              Delitos Contra as Pessoas e Extorsão Conexa, Quando Tiverem eles
              Transcendência Internacional”, concluída em Washington, em 2
              de fevereiro 1971. O Brasil ratificou este tratado em 5 de
              Fevereiro de 1999 e promulgou-o mediante o Decreto
              Nº 3.018, de 6 de Abril de 1999. Esta Convenção obriga os
              Estados a tomarem medidas eficazes para prevenir e sancionar os
              atos de terrorismo, em especial, com caráter de crime comum de
              transcendência internacional independente da motivação, o seqüestro,
              o homicídio e outros atentados contra a vida e a integridade das
              pessoas a quem o Estado tem o dever de estender proteção
              especial conforme o direito internacional. A princípio, essa
              proteção especial diz respeito a representantes, funcionários
              ou personalidades oficiais de um Estado, ou funcionários,
              personalidades oficiais ou outro agente de uma Organização
              Governamental.  
              
              
               72.
              Entretanto,
              independente da viabilidade da utilização da Convenção contra
              atos terroristas para este caso, primeiro, não se pode esquecer
              que estamos diante do terrorismo de Estado, que também envolve
              seqüestro qualificado e a prática de tortura, e, por via de
              conseqüência, é insuscetível de anistia, graça, indulto e
              liberdade provisória (Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990). A
              Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em seu Informe Anual
              de 1985/86 reconheceu, inclusive, que o desaparecimento forçado
              de pessoas, a tortura e as execuções sumárias fazem parte do
              terrorismo estatal. Recorda-se que a Comissão declarou
              (p. 204), ipsis verbis: 
              
              
               “Es
              precisamente el empleo de los medios lo que determina si se está
              o no ante la existencia de un estado de derecho. Así, mientras
              los regímenes no democráticos, sustentados en el empleo de la
              fuerza, usualmente combaten el terrorismo insurgente mediante un
              terrorismo estatal en el cual no se descarta ningún medio si éstos
              conducen al exterminio de la subversión, los regímenes democráticos,
              si aspiran a no entrar en contradicción con lo que esencialmente
              son, no pueden sustituir una forma de violencia por otra. En
              outras palavras, las ejecuciones sumarias, las desapariciones
              forzadas, las torturas, las detenciones indefinidas sin debido
              processo, las expulsiones administrativas a los disidentes,
              irremediablemente generan una espiral de violencia que acaba
              destruyendo el estado de derecho y, por ende, la democracia misma.” 
               73.
              Segundo, o Brasil tem a obrigação de combater o
              terrorismo, cuja espécie mais grave é o terrorismo de Estado,
              que envolve violações sistemáticas e generalizadas, incluindo
              seqüestro, torturas, detenções arbitrárias e desaparecimento
              forçado.  
              
              
               74.
              Ademais,
              relevando outra classe de pessoas protegidas, as definidas pelo
              direito internacional humanitário (DIH), depara-se no caso do
              Paraguai e da Operação Condor com uma sistemática violação de
              normas imperativas ligadas a comportamentos na guerra. Todo país
              tem obrigação de reprimir as pessoas que cometem estas violações,
              em especial as violações graves às quatro Convenções de
              Genebra de 1949 (doravante G.I, G. II, G.III, G.IV). Não esqueçam
              que o Brasil ratificou tais Convenções em 29
              de junho de 1957 e o Paraguai as ratificou em 23
              de outubro de 1961. A obrigação é sancionar penalmente pessoas
              que cometam ou dêem ordens para que se cometa uma das
              infrações graves previstas nestes instrumentos (art. 50 da G.I,
              art. 51 da G.II, art. 130 da G.III, art. 147 da G.IV). A regra básica
              desta obrigação é a seguinte (art. 51 da G.I, art. 52 da G.II,
              art. 131 da G.III, art. 148 da G.IV):  
              
              
               Nenhuma
              Alta Parte Contratante poderá desobrigar-se a si própria nem
              desobrigar uma outra Parte Contratante das responsabilidades
              contraídas por si mesma ou por outra Parte Contratante, por
              motivo das infrações previstas no artigo anterior. 
              
              
               75.
              Entre as infrações graves temos os seguintes atos contra
              as pessoas protegidas pelos respectivos instrumentos: homicídio
              intencional, a tortura ou outros tratamentos desumanos, incluindo
              as experiências biológicas, o fato de causar intencionalmente
              grandes sofrimentos ou atentar gravemente contra a integridade física
              ou a saúde (art. 50 da G.I, art. 51 da G.II, art. 130 da G.III,
              art. 147 da G.IV); privar uma pessoa protegida de seu direito de
              ser julgada regular e imparcialmente (art. 130 da G.III, art. 147
              da G.IV); detenção ilegal (arts. 147 da G.IV). Como a situação
              no Paraguai possui a classificação de um conflito de caráter não
              internacional, aplica-se o art. 3º comum às quatro Convenções,
              que protege os não combatentes e os fora de combate em relação
              a estas violações. O reconhecimento fático do conflito interno
              definido no art. 3º, incluindo a obrigação imprescritível de
              condenar quem comete tais violações graves, tem o precedente
              chileno contra Osvaldo Roma Mena.
              No Paraguai houve a violação destes direitos de muitas pessoas
              consideradas guerrilheiros ou combatentes (nos termos do DIH) já
              fora de combate e, portanto, prisioneiros de guerra, pois se
              tratava de um conflito armado que ultrapassava situações de tensão
              e perturbações internas, tais como motins, atos de violência
              isolados e esporádicos e outros atos análogos, que não são
              considerados conflitos armados (ver art. 1, §2º, do Protocolo II
              adicional às Convenções de Genebra). E, da mesma forma, houve
              violação dos direitos de muitos civis que não estavam
              envolvidos no conflito interno. Conforme determina o já
              mencionado art. 3º comum às Convenções de Genebra: 
              
              
               Art.
              3º [...]
              
              
               1) 
              As pessoas que não tomarem parte diretamente nas
              hostilidades, incluindo os membros das forças armadas que tiverem
              deposto as armas e as pessoas que tiverem sido postas fora de
              combate por enfermidade, ferimento, detenção ou qualquer outra
              razão, devem em todas as circunstâncias ser tratadas com
              humanidade, sem qualquer outra razão, devem em todas as circunstâncias
              ser tratadas com humanidade, sem qualquer discriminação desfavorável
              baseada em raça, cor, religião ou crença, sexo, nascimento ou
              fortuna, ou qualquer outro critério análogo. 
              
              
               Nesse
              sentido, são e continuam a ser proibidos, sempre e em toda parte,
              relativamente às pessoas acima mencionadas:
              
              
               a)os
              atentados à vida e à integridade física, particularmente o
              homicídio, sob todas as formas, as mutilações, os tratamentos
              cruéis, as torturas e os suplícios;
              
              
               b)as
              tomadas de reféns;
              
              
               c)as
              ofensas à dignidade das pessoas, especialmente, os tratamentos
              humilhantes e degradantes;
              
              
               d)as
              condenações proferidas e as execuções efetuadas sem julgamento
              prévio realizado por um tribunal regularmente constituído, que
              ofereça todas as garantias judiciais reconhecidas como indispensáveis
              pelos povos civilizados.
              
              
               2)
              Os feridos e enfermos (e náufragos) serão recolhidos e tratados. 
              
              
               76.
              Este
              mínimo obrigatório para um conflito armado interno inclui, na
              competência brasileira, o homicídio, a tortura, os tratamentos
              cruéis, os suplícios, os tratamentos humilhantes e degradantes e
              as execuções arbitrárias. No caso em concreto houve
              desaparecimento forçado de pessoas e, assim, não há que se
              falar em prescrição, pois são crimes permanentes, até mesmo
              porque para o direito internacional humanitário as violações
              graves são imprescritíveis. Tampouco os direitos envolvidos são
              passíveis de derrogação ou suspensão, mesmo em situações de
              emergência (e. g., Estado de Sítio ou instabilidade política
              interna), segundo o próprio art. 3º mencionado ou tendo por base
              o art. 4º, §2º, do Pacto
              Internacional de Direitos Civis e Políticos; o art. 27 da Convenção
              Americana sobre Direitos Humanos; o art. 2º, §2º, da Convenção
              Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos
              ou Degradantes ou o art. 5º da Convenção Interamericana para
              Prevenir e Punir a Tortura. 
              
              
               77.
              Por fim, o Brasil ratificou em setembro de 1989 a Convenção
              Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos
              ou Degradantes e, apesar de ter ratificado este tratado depois da
              concessão de asilo para  Stroessner, 
              detém mesmo assim a possibilidade de julgá-lo pelos
              crimes previstos nesta Convenção. Primeiro, porque o Brasil têm 
              competência,  pelas
              Convenções de Genebra. Segundo, porque a tortura está inserida
              no desaparecimento forçado de pessoas - que é considerado um
              crime permanente enquanto não há revelação do destino, ou do
              paradeiro da pessoa desaparecida, e não há o esclarecimento dos
              fatos - conforme consagra o Art. 17 da Declaração Sobre a Proteção
              de Todas as Pessoas Contra o Desaparecimento Forçado ou Involuntário,
              o Art. 3º da Convenção Interamericana de Desaparecimento Forçado
              de Pessoas (ainda não ratificada pelo Brasil, mas ratificada pelo
              Paraguai) e a manifestação de várias instituições
              internacionais (e.g., Corte Interamericana de Direitos Humanos no
              caso Blake) na interpretação de instrumentos ratificados pelo
              Brasil, como a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos e o
              Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. Terceiro,
              porque o art. 5º, §3º, da Convenção Contra a Tortura
              determina que cada “Estado-parte tomará também as medidas
              necessárias para estabelecer sua jurisdição sobre tais crimes,
              nos casos em que o suposto autor se encontre em qualquer território
              sob sua jurisdição”, o que é reforçado pelo art. 2º da Lei
              nº 9.455, de 7 de abril de 1997, que tipificou o crime de
              tortura, admitindo o julgamento de torturas cometidas fora do
              território nacional, quando a vítima é brasileira ou
              encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira. 
              
              
               78.
              Ao relevar-se a Convenção Contra a Tortura e Outros
              Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes e a Convenção
              Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura,
              considerando o Art. 1º da primeira e o Art. 2º da última Convenção,
              chega-se à conclusão de que “tortura” é todo ato
              intencional pelo qual se produza dores ou sofrimentos agudos, físicos
              ou mentais, a uma pessoa; tendo por objetivo investigação
              criminal, meio de intimidação ou coação, castigo, medida
              preventiva, discriminação, pena ou qualquer fim, inclusive a
              aplicação de métodos de anulação da personalidade, ou diminuição
              da capacidade física ou mental, em que não haja dor física ou
              angústia psíquica.  Entretanto,
              só há crime de tortura se tais atos são infligidos por um
              funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas,
              ou por sua instigação, ou com o consentimento ou aquiescência,
              cooptação ou cumplicidade. 
              
              
               79.
              Não há dúvidas quanto ao envolvimento de tortura no
              desaparecimento forçado de pessoa, em relação ao próprio
              desaparecido e em relação aos familiares. Muitos relatos
              constatam que os desaparecidos eram cruelmente torturados antes de
              serem assassinados e, o que é característico do crime do
              desaparecimento forçado, os familiares, companheiros e amigos são
              torturados psicologicamente até descobrirem o destino e a sorte
              do ente querido, o que os transformam em vítimas. 
              Conforme já pontuou Tarciso Dal Maso Jardim, textus: 
              
              
               “o
              crime da desaparição forçada ofende um dos costumes mais
              antigos da humanidade, o de sepultar os parentes e próximos.
              Negar o direito do sepultamento é negar um dos pontos centrais da
              psicologia e do imaginário dos seres humanos, que foi responsável
              inclusive por edificar pirâmides. Garantir esse direito entre a
              geração presente e as futuras é inexorável, já que se trata
              de um elo entre todas as culturas que animaram o devir histórico” 
              
              
               80.
               No tipo penal
              de desaparecimento forçado de pessoas consagrado no art. 236, do 
              Código Penal paraguaio, inclusive associa-se este crime ao
              fim de “atemorizar a la populación”. 
              A tortura psicológica de familiares, até o momento de
              descobrirem os restos ou o exato destino do desaparecido, está
              incluído na Convenção Contra a Tortura, pois trata-se de um ato
              intencional de infligir sofrimento mental como meio de intimidação
              ou qualquer outro fim (art. 2º da Convenção Interamericana para
              Prevenir e Punir a Tortura e art. 1º da Convenção Contra a
              Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou
              Degradantes). Internamente, seria a intenção de causar danos
              graves à personalidade da vítima ou de terceiros, submetendo a vítima
              a graves sofrimentos psíquicos (art. 36 do Código Penal
              Paraguaio) e, no enquadramento de desaparecimento, submeter a vítima
              a graves dores psíquicas (art. 236 c/c 111, inciso 3º do art. 36
              do Código Penal Paraguaio); ou submeter alguém, sob sua guarda,
              poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a
              intenso sofrimento mental, como forma de aplicar castigo pessoal
              ou medida de caráter preventivo (art. 1º, inc. II da Lei nº
              9.455, de 7 de abril de 1997). Não esquecendo que a omissão
              diante tais fatos também é uma conduta criminosa. 
              
              
               81.
              Nesse tipo de julgamento, com obrigações de
              extraterritorialidade fundada em tratados, o §2º do art. 7º do
              Código Penal exige as seguintes condições: 
              
              
               a.entrar
              o agente no território nacional; 
              
              
               Este
              requisito é preenchido, pois Alfredo Stroessner reside em Brasília
              – DF. 
              
              
               b.
              ser o fato punível também no país em que foi praticado; 
              
              
               Este
              dispositivo não deve ser aplicado para a hipótese do art. 7º,
              II, a, em razão de o art. 15, §2º, do Pacto Internacional de
              Direito Civis e Políticos dispor que os tratados bastam para a
              repressão penal, além de ser esta a visão do Estado brasileiro
              ao vincular-se a estes tratados. De qualquer maneira, todos os
              crimes estão tipificados no Código Penal do Paraguai: seqüestro
              – art. 126; desaparição forçada – art. 236; tortura –
              art. 309; genocídio – art. 319; crimes de guerra - art. 320. 
              
              
               c.estar
              o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira
              autoriza a extradição; 
              
              
               Como
              vimos, não é um caso de crime político; atende os requisitos de
              legalidade e os crimes possuem cominações de penas superiores a
              1 ano. Os crimes são definidos por tratados, mas, se por leitura
              equivocada desta condição para o caso previsto no art. 7º, II,
              a, ou por positivismo, houver a exigência de tipificação
              interna, não há problema, pois o seqüestro, a ocultação de
              cadáver, homicídio, genocídio e tortura são tipificados no
              Brasil. 
              
              
               d.
              não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter
              aí cumprido a pena; 
              
              
               Ao
              contrário, há processos em trâmite que envolvem a
              responsabilidade penal de Alfredo Stroessner. 
              
              
               e.não
              ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não
              estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável  
              
              
               Não
              houve perdão e, segundo o art. 5º da Constituição do Paraguai,
              o genocídio e a tortura, assim como o desaparecimento forçado de
              pessoas, o seqüestro e o homicídio por razões políticas são
              imprescritíveis. Ademais, estamos diante crimes permanentes. 
              
              
               82.
              Por fim, encerra-se com as palavras de Zaffaroni e
              Pierangeli: 
              
              
               “A
              Declaração Universal se complementa com outros instrumentos
              internacionais que contribuem para o aperfeiçoamento de sua função
              de limite ideológico: o Pacto Internacional de Direitos Civis e
              Políticos [...]; a Declaração Americana de Direitos e Deveres
              do Homem, de Bogotá, 1948; a Convenção Americana sobre Direitos
              Humanos, conhecida como Pacto de San José de Costa Rica de 1969
              etc. Estes instrumentos
              devem ser levados em conta em qualquer interpretação que se faça
              do direito penal positivo interno, que não pode entrar em
              contradição com eles. Estes documentos têm criado, mediante uma
              base positiva, uma consciência jurídica universal. Pouco importa
              que alguns países não tenham ratificado todos eles, posto que,
              de fato, eles atuam universalmente, e nenhum país pode
              considerar-se desvinculado de seus princípios que, em definitivo,
              estão sistematizados na Carta das Nações Unidas e na Organização
              dos Estados Americanos.” 
              
              
               DO
              PEDIDO
              
                         
              Assim, pugnam os requerentes pela procedência do pedido
              para submeter o Senhor Alfredo Stroessner a julgamento, perante a
              Justiça brasileira, pelo crimes cometidos durante o seu governo
              no Paraguai.
              
                          
              Requerem sejam determinadas as seguintes diligências com a
              finalidade de instruir o competente procedimento judicial:
              
                          
              - A notificação da Suprema Corte Paraguaia, para que
              forneça a certidão de inteiro teor dos processos a que responde
              o ex-presidente da República do Paraguai, perante a Justiça
              daquele país;
              
              
                          
              - A notificação da Suprema Corte Paraguaia para que forneça
              cópia autenticada de toda a documentação dos paraguaios
              DESAPARECIDOS no Paraguai e na Argentina, bem como dos argentinos
              e uruguaios DESAPARECIDOS no território paraguaio, que consta do
              Centro de Documentação e Arquivo de Defesa dos Direitos Humanos,
              sob a guarda do Palácio da Justiça do Paraguai.
              
               -         
              A oitiva das seguintes testemunhas:
              
               1-    
              Dr. Alfredo Boccia Paz, médico, historiador – Endereço:
              Mcal. Estigarribia, 910, Assunção Paraguai.
              
              
               2-    
              Dr. Rodolfo Aseretto, Advogado e Diretor de Direitos
              Humanos do Comitê de Igrejas do Paraguai – Endereço: Gral. Díaz,
              429, Assunção. Dr. Benitez Riela, Diretor do Centro de Documentação
              e Arquivos de Defesa dos Direitos Humanos – Endereço: Palácio
              da Justiça – Alonso y Testanova, Assunção Paraguai.
              
              
               3-    
              Senhora Gladys Meillinger de Sannemann, paraguaia seqüestrada
              na Argentina – Endereço: Morelos, 2772, Assunção Paraguai.
              
              
               4-    
              Senhora Elba Elisa Benítez de Goivuró, esposa de Agustin
              Goiburú – Endereço: Gral. Díaz, 429, Assunção Paraguai.
              
              
               5-    
              Pastor Coronel, ex-chefe do Departamento de Investigações,
              hoje, preso na Agrupação Especializada do Polícia do Paraguai.
              
              
               6-    
              Alberto Cantero, ex-chefe de polícia, hoje, preso na
              Agrupação Especializada da Polícia no Paraguai
              
              
               7-    
              Camilo Almada Morel, investigador de polícia, preso na
              Agrupação Especializada da Polícia no Paraguai
              
              
               8-    
              Lycio Hauer, ex-deputado federal pelo Estado do Rio de
              Janeiro - Endereço: Rua do Imperador, nº 675/902, Centro, Petrópolis
              – RJ.                                              
               
              
              
               Nestes
              termos, solicitam a Vossa Excelência, pelos fatos e enquadramento
              jurídico dessa representação, determine de pronto que seja
              feita a denúncia contra o Sr. Alfredo Stroessner 
              
              
                                                             
              Brasilia, 13 de junho de 2000.
              
              
                              
              MARCOS ROLIM                                   
              TARCISO DAL MASO JARDIM
              
               
                
 
 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                  Comité de Igresias para Ayudas de Emergencia – CIPAE &
                  Grupo Jurídico Internacional de Derechos Humanos. Asunción: Torturas
                  en el Paraguay: pasado y presente, 1993, p. 64-5.
                  
                   
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                 
                  
                  
              
              
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