Reconheceram tais organizações, entre as quais figura o Movimento
      Nacional de Direitos Humanos, que o Estatuto não é perfeito, já que foi
      feito sob a necessidade de chegar a um consenso entre cerca de 140
      Estados. Alguns destes compromissos foram avanços criativos que
      permitiram fortalecer o Estatuto, mas outros foram problemáticos, o que
      nos faz lembrar a necessidade contínua da sociedade civil no
      fortalecimento das instituições da justiça internacional. Entre os
      compromissos problemáticos destacamos o fato de que o Tribunal Penal
      Internacional (doravante TPI) não tenha jurisdição universal, já que
      é dependente da ratificação dos Estados onde ocorrem os fatos
      criminosos ou da nacionalidade do suspeito. Outra questão que nos
      preocupa é a possibilidade de que o Conselho de Segurança das Nações
      Unidas possa suspender o processo por doze meses, com a possibilidade de
      renovar tal suspensão. Por fim, consideramos como uma verdadeira “licença
      para matar” a possibilidade de o Estado, no momento da ratificação,
      poder declarar que não aceita a jurisdição do Tribunal para crimes de
      guerra por um período de até sete anos. 
      
      
      
      
                 
      Entretanto, o Estatuto como um todo representa uma grande vitória
      para a justiça internacional contra os responsáveis por genocídio,
      crimes de guerra, crimes de lesa humanidade e agressão, que são na
      realidade os maiores criminosos da história. É necessário parar com a
      impunidade que cerca os poderosos (como chefes de Estado, de governo ou
      líderes militares), estabelecendo a jurisdição penal internacional
      permanente como uma complementaridade necessária aos sistemas judiciais
      nacionais, dentro do devido processo legal já garantido no Estatuto.
      Nesse sentido, a responsabilidade inicial é do Estado, sendo o TPI uma
      hipótese acessória. Acentuamos também a conquista de um procurador
      independente, que pode iniciar investigações motu proprio fundado em
      informações e provas fornecidas pela sociedade civil, vítimas, mídia
      ou outra fonte confiável que demonstre indícios de um crime grave.
      Ademais, ressaltamos os mecanismos de proteção, participação e
      reparação deferidos às vítimas pelo Estatuto do TPI, além da
      histórica conquista de definir os crimes de exploração sexual e de
      discriminação de gênero e de compor o TPI com equilíbrio entre homens
      e mulheres.
      
      
      
      
                 
      Assim, a sociedade civil do hemisfério sul elabora a “Declaração
      de Haia”, datada do dia 13 de Maio de 99 e apresentada no “Hague
      Appeal for Peace”, pela qual reconhece, a partir do balanço acima
      resenhado, a conquista que significa o TPI para a busca da dignidade
      humana no plano universal. Com essa Declaração convocamos todos os
      Estados para que: a. assinem (atualmente 82 Estados assinaram) e
      ratifiquem (somente 2 Estados ratificaram) o Estatuto do TPI, não se
      envolvendo em políticas destinadas a impedir a entrada em vigor do mesmo
      (são necessárias 60 ratificações para o Estatuto entrar em vigor); b.
      façam todo o esforço possível para ratificar, incluindo emendas
      constitucionais se forem necessárias; c. participem da Comissão
      Preparatória para o Estabelecimento do TPI, que está definindo normas
      sobre o processo, provas, elementos dos crimes e sobre o crime de
      agressão; d. tipifiquem internamente os crimes previstos no Estatuto; e.
      elaborem legislação interna para fixar a cooperação entre o  TPI e
      o direito interno no que toca a ação policial, procedimentos
      judiciários, responsabilidades financeiras e execução penal; f. não
      usem a cláusula facultativa de 7 anos de não sujeição ao TPI em
      matéria de crimes de guerra; g. não se envolvam em tratados bilaterais
      que afetariam suas obrigações com o TPI, como acordos de extradição;
      h. criem um fundo para garantir as obrigações financeiras dos países
      menos desenvolvidos; i. ratifiquem outros tratados de proteção dos
      direitos humanos e do direito humanitário e criem mecanismos para
      cumpri-los, a fim de fortalecer a nova ordem judicial sob a qual operará
      o TPI; j. apoiem o pronto estabelecimento do TPI em reuniões regionais e
      contatos bilaterais, criando compromissos em organizações regionais,
      como a OEA por exemplo.
      
      
      
      
                 
      A mesma aliança que atuou coesa na Conferência das Nações
      Unidas para o Estabelecimento de um Tribunal Penal Internacional,
      elaborando no decorrer da mesma a Declaração de Roma sobre princípios a
      serem adotados no  Estatuto,
      agora trazem à tona a Declaração de Haia. Demonstramos que os
      movimentos sociais de vários continentes estão unidos na idéia de
      estabelecer um mecanismo contra a impunidade, talvez porque não nos
      escondemos na noção de soberania para anistiar ditadores, genocidas ou
      assassinos sistemáticos ou, quiçá, porque ainda perseguimos uma idéia
      de justiça.
      
      
      
      
      Tarciso Dal
      Maso Jardim
      
      
      Consultor Jurídico do Movimento
      Nacional de Direitos Humanos
      
      
      Coordenador do Curso de Relações Internacionais do UniCEUB