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 O Sistema Internacional dos
 Direitos Humanos e o Brasil
  Excelentíssimo Senhor 
                Vice-Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Paulo 
                Roberto Saraiva Costa Leite, Excelentíssimo Senhor 
                Ministro de Estado da Justiça, Doutor José Carlos Dias Excelentíssimo Senhor 
                Secretário de Estado dos Direitos Humanos, Doutor José Gregori, Altas autoridades, Senhoras e Senhores, É com grande satisfação 
                que participo do " Workshop sobre a Proteção Internacional 
                dos Direitos Humanos" organizado pelo Superior Tribunal de 
                Justiça e a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, com o apoio 
                e a colaboração do Ministério das Relações Exteriores. O objetivo central deste 
                importante evento é contribuir para o debate em torno das implicações 
                jurídicas e políticas decorrentes das obrigações internacionais 
                contraídas pelo Estado brasileiro no campo da proteção aos direitos 
                humanos. É nossa expectativa 
                que este exercício contribua também para tornar mais conhecido 
                em nosso país o Sistema Internacional de Proteção aos Direitos 
                Humanos, que pode e deve constituir parâmetro para o trabalho 
                cotidiano do Judiciário. Nas últimas cinco décadas, 
                assistimos a um amplo e profundo processo de generalização dos 
                mecanismos de defesa e proteção do indivíduo. Foi possível pouco 
                a pouco construir um sólido código internacional sobre a matéria, 
                composto de numerosos instrumentos de proteção dos direitos humanos, 
                adotados no âmbito das Nações Unidas e de organizações regionais 
                congêneres. Por força desses instrumentos, 
                os Estados foram levados a reconhecer que os seres humanos gozam 
                de direitos essenciais, cuja titularidade é irrenunciável, e que 
                sua denegação ou violação resulta na responsabilização internacional 
                deles próprios, os Estados. Um novo Direito Internacional, 
                centrado nos Direitos Humanos, distinguiu-se progressivamente 
                do Direito Internacional Clássico ao atingir os Estados no sensível 
                aspecto do tratamento por eles dado a seus cidadãos e a todos 
                os seres humanos sob a sua jurisdição. Jamais anteriormente 
                haviam os Estados aceitado o estabelecimento de tantas restrições 
                a sua soberania e a submissão ao escrutínio internacional em matéria 
                de tamanha sensibilidade. O indivíduo, cada vez 
                mais, torna-se sujeito do Direito Internacional. O marco contemporâneo 
                da evolução no tratamento da questão dos direitos humanos foi 
                a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos, 
                em 10 de dezembro de 1948, precedida em alguns meses pela Declaração 
                Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Este instrumento 
                deve ser considerado como a Constituição universal dos Estados 
                e da comunidade internacional em matéria de direitos humanos. A autoridade moral da 
                Declaração surge da caracterização da dignidade e da igualdade 
                de direitos como atributos inalienáveis da humanidade e vai além 
                dos regimes políticos e dos sistemas jurídicos. Ela não apenas 
                possui uma autoridade reconhecida e efetiva, mas é também fonte 
                de legitimidade para toda ação legisladora e inquisitiva que efetue 
                a comunidade internacional em matéria de direitos humanos. Os dois instrumentos 
                que complementam a Declaração Universal dos Direitos Humanos, 
                assegurando aos direitos nela consagrados a força de obrigação 
                jurídica que os Estados se comprometem a respeitar, são o Pacto 
                Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, em vigor desde 
                janeiro de 1976, e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, 
                Sociais e Culturais, em vigor desde março de 1976. O primeiro descreve 
                e aprofunda o corpo de direitos individuais sacramentados pela 
                Declaração. Os Estados-partes comprometem-se a respeitar uma ampla 
                gama de direitos garantidos "a todos os indivíduos que se 
                acham em seu território e que estejam sujeitos a sua jurisdição". 
                Ao mesmo tempo, aos Estados cabe assegurar às pessoas que tenham 
                seus direitos violados o acesso desimpedido à justiça e medidas 
                compensatórias adequadas. O segundo, por sua vez, 
                criou um mecanismo para o monitoramento de sua implementação e 
                instituiu o Comitê dos Direitos Humanos, composto 
                por 18 peritos, de nacionalidades distintas, que exercem seu mandato 
                a título pessoal. É o único instrumento jurídico internacional 
                e de abrangência genérica a conferir obrigatoriedade à promoção 
                e proteção dos direitos humanos ditos de " segunda geração" 
                ( direito ao trabalho livre; a condições justas, remuneradas, 
                eqüitativas, seguras e higiênicas de trabalho, capazes de assegurar 
                existência decente ao trabalhador e sua família; direito à educação, 
                entre outros) . Os dois Pactos em vigor 
                e a Declaração Universal compõe a chamada "Carta Internacional 
                dos Direitos Humanos", que constitui a coluna vertebral 
                do conjunto de normas e mecanismos de proteção aos direitos humanos. 
                Somam-se a esses três instrumentos mais de sessenta convenções 
                e declarações adotadas pelas Nações Unidas sobre direitos humanos. 
                As mais importantes dizem respeito ao racismo, à discriminação 
                contra a mulher, à tortura e às crianças. O Brasil é parte de 
                todas as convenções mais significativas. Em 1993, realizou-se 
                a Conferência de Viena de Direitos Humanos, que congregou a maior 
                concentração de representantes de Estados e entidades da sociedade 
                civil em matéria de direitos humanos. A reafirmação da universalidade 
                dos direitos humanos e da legitimidade da preocupação internacional 
                com o tema foi seu principal mérito. Hoje, a atuação dos órgãos 
                internacionais é aceita, em maior ou menor grau, pela maioria 
                dos Estados como resultado das garantias consagradas em Viena, 
                poucos sendo os que invocam a soberania para furtar-se à supervisão 
                internacional. A complexa realidade 
                contemporânea e a difícil tarefa de realizar os direitos humanos 
                em sociedades distintas em suas tradições culturais e características 
                econômicas e sociais estão refletidos na Declaração e no Programa 
                de Ação de Viena. Além disso, pela primeira vez, a comunidade 
                internacional reconheceu consensualmente o direito ao desenvolvimento 
                como parte integrante dos direitos humanos, recomendando cooperação 
                para sua implementação. Sublinhou ainda que a democracia 
                representa a forma de governo mais favorável para o respeito aos 
                direitos humanos. O órgão por excelência 
                dos direitos humanos no âmbito das Nações Unidas é a Comissão 
                de Direitos Humanos (CDH). Seu mandato inicial consistiu em 
                apresentar ao Conselho Econômico e Social (ECOSOC) - órgão planificador 
                e executor de políticas das Nações Unidas na ordem econômica, 
                social, cultural e em matéria de direitos humanos - propostas, 
                recomendações ou informes destinados à futura normativa internacional 
                sobre direitos humanos. À medida em que seu 
                mandato inicial se cumpria, a atuação da CDH ampliou-se significativamente. 
                Constitui hoje um foro de debates e uma poderosa caixa de ressonância 
                de idéias, de queixas e de denúncias. Tem também importante papel 
                no exame de situações individuais de países onde ocorram violações 
                graves aos direitos humanos, através de um procedimento confidencial, 
                que permite por vezes encaminhamentos favoráveis a situações delicadas, 
                e outro público, que dá margem a discussões proveitosas 
                e a pronunciamentos importantes da comunidade internacional sobre 
                fatos que lhe são apresentados. Em situações emergenciais, 
                a CDH reúne-se extraordinariamente, podendo apresentar recomendações 
                diretamente inclusive à Assembléia - Geral das Nações Unidas. 
                Recentemente, foi convocada reunião extraordinária para examinar 
                o caso das violações de direitos humanos ocorridas no 
                Timor Leste, e dela resultou uma solicitação ao Secretário 
                - Geral das Nações Unidas para que estabeleça uma Comissão 
                Internacional de Investigação com vistas a coletar sistematicamente 
                informações sobre a violação de direitos humanos naquele território. No que diz respeito 
                ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos cabe salientar 
                que o continente americano é precursor na adoção de instrumentos 
                internacionais destinados à proteção dos direitos e das liberdades 
                fundamentais. Fomos a primeira região do mundo a adotar 
                uma declaração sobre a matéria, proclamada durante a IX Conferência 
                Interamericana, em 2 de maio de 1948. Na mesma data, a Carta 
                da OEA determinava a elaboração de instrumento convencional e 
                a criação de uma Comissão de Direitos Humanos com a missão de 
                promover a observância e a defesa desses direitos. Este sistema 
                adquiriu maior solidez jurídica com a entrada em vigor da Convenção 
                Americana sobre Direitos Humanos, em 1978, e com a aprovação 
                dos estatutos da Comissão e da Corte Interamericana de Direitos 
                Humanos em 1979. Passaram-se três décadas, 
                portanto, antes que as disposições da Declaração Americana 
                dos Direitos e Deveres do Homem deixassem de ser um simples 
                instrumento de intenções para converter-se em um mecanismo operativo 
                com autoridade para cumprir a missão que lhe outorga a Carta da 
                OEA. Esse atraso, justificável unicamente pelas circunstâncias 
                políticas tormentosas que viveu a região naquela época, representou 
                um vazio de proteção regional em matéria de direitos humanos que, 
                na visão de muitos analistas, afetou cidadãos da maioria dos países, 
                especialmente os latino-americanos. A Comissão Interamericana 
                dos Direitos Humanos, que conta entre seus atuais integrantes 
                com o Doutor Hélio Bicudo, monitora a implementação da Declaração 
                Americana, da Convenção Americana, bem como dos demais instrumentos 
                do Sistema Interamericano. Reúne-se duas vezes ao ano e possui 
                funções extremamente abrangentes, definidas em seu Estatuto. Ressaltaria, 
                entre elas, as funções de realização de estudos e relatórios, 
                de avaliação das legislações nacionais, de recebimento e exame 
                de petições, de comunicação com qualquer dos Estados americanos 
                a fim de obter informações e formular recomendações, além da possibilidade 
                de realização de missões in loco, desde que com a anuência 
                do Governo respectivo. A instituição fundamental 
                no aumento do prestígio do sistema regional de proteção aos direitos 
                humanos é a Corte Interamericana de Direitos Humanos, presidida 
                atualmente pelo Professor Antônio Augusto Cançado Trindade, que 
                exerceu no passado a função de Consultor - Jurídico do Itamaraty. 
                Trata-se da instância jurisdicional última, no plano regional, 
                para a definição das controvérsias entre os Estados e entre estes 
                e os particulares em matéria de direitos humanos. O exercício da competência 
                consultiva da Corte permitiu a consolidação de apreciável jurisprudência 
                em matéria de interpretação do corpo normativo do sistema. Com 
                respeito a sua competência contenciosa, para o julgamento de casos 
                a ela submetidos, esta é limitada aos Estados -partes da Convenção 
                Americana que a reconheçam expressamente. A Corte julga os casos 
                que lhe são submetidos pela Comissão Interamericana ou pelo Estado 
                interessado e pode emitir sentença em que determina se o Estado 
                é ou não responsável por violações da Convenção, além de estipular 
                a obrigação de fazer cessar as violações e indenizar as vítimas 
                ou seus herdeiros legais. Na prática, desde que a Corte emitiu 
                sua primeira sentença condenatória, em caso de desaparecimento 
                forçado, sua ação judicial incrementou-se significativamente. Este é essencialmente 
                o Sistema de Direitos Humanos vigente nos âmbitos multilateral 
                e regional. Como se inscreve o Brasil nesse sistema? Seria interessante resgatar 
                inicialmente a memória histórica da ativa participação do Brasil 
                nos debates e no processo de redação dos instrumentos internacionais 
                de proteção, além do papel brasileiro na busca da efetiva implementação 
                desses instrumentos. No decorrer dos trabalhos 
                preparatórios da Declaração Universal, o representante brasileiro, 
                Austragésilo de Athaíde, defendeu a adoção de garantias, de modo 
                a assegurar a eficácia dos direitos consagrados, e singularizou 
                a importância do direito à educação, incluído no documento 
                por insistência do Brasil. Já nos dois Pactos de Direitos Humanos 
                (e protocolos facultativos) das Nações Unidas preocuparam-se as 
                delegações brasileiras em demandar a consideração cuidadosa das 
                medidas de implementação. Em seu monumental Repertório 
                da Prática Brasileira do Direito Internacional Público, o 
                Professor Cançado Trindade lembra que, já nos primórdios da fase 
                legislativa dos instrumentos internacionais dos direitos humanos, 
                formara-se no Brasil uma corrente de pensamento entre importantes 
                internacionalistas ( Hildebrando Accioly, Haroldo Valladão, Levi 
                Carneiro, Clóvis Beviláqua – curiosamente quatro ex-consultores 
                jurídicos do Itamaraty), que defendiam a tese de que a noção de 
                soberania, em sua acepção absoluta, mostrava-se inadequada no 
                plano das relações internacionais, devendo ceder terreno à noção 
                de solidariedade. Posteriormente, as vicissitudes 
                do regime autoritário vigente no Brasil a partir de 1964 viriam 
                a refletir-se negativamente em algumas posições brasileiras em 
                foros internacionais em matéria de direitos humanos. Em certas 
                ocasiões, insistimos na posição de que a observância dos direitos 
                humanos constituía responsabilidade principal ou exclusiva do 
                Governo de cada país. A partir da redemocratização 
                do país, em 1985, não há como negar a notável evolução no 
                tratamento do tema em seus aspectos institucional, jurídico e 
                político. No campo diplomático, consolidamos a posição, das mais 
                avançadas, de que a proteção dos direitos básicos do ser humano 
                não se esgota na atuação do Estado, e de que os instrumentos internacionais 
                de proteção representam uma garantia adicional desses direitos 
                e fortalecem a capacidade processual das vítimas de violação de 
                direitos fundamentais. Ao longo da década de 
                oitenta, o Brasil participou ativamente dos debates que levaram 
                à consolidação e à ampliação da temática dos direitos humanos 
                no âmbito das Nações Unidas. Aderimos aos principais tratados 
                internacionais de proteção aos direitos humanos ( os dois pactos 
                internacionais sobre direitos humanos, a Convenção contra a Tortura, 
                a Convenção sobre os Direitos da Criança), à Convenção Americana 
                de Direitos Humanos e à Convenção Interamericana para Prevenir 
                e Punir a Tortura. Esses instrumentos somaram-se aos demais de 
                que o Brasil já tomara parte anteriormente (caso da Convenção 
                sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial 
                e da Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher). Marco fundamental na 
                visão brasileira da proteção internacional dos Direitos Humanos 
                é a Constituição de 1988. Uma rápida análise de seus termos 
                corrobora a visão segundo a qual os Direitos Humanos constituem 
                a pedra-de-toque de todo o arcabouço jurídico criado pelo legislador 
                constituinte em resposta aos anseios da sociedade brasileira. As normas constitucionais 
                e as obrigações resultantes do conjunto de instrumentos internacionais 
                assinados pelo Brasil no campo dos Direitos Humanos representaram 
                incentivo à vontade da sociedade brasileira e ao empenho do Governo 
                do Presidente Fernando Henrique Cardoso para a adoção de importantes 
                inovações na área política, legislativa e administrativa. Para orientar essa ação 
                inovadora, o Governo mobilizou amplamente a sociedade, por meio 
                de consultas, seminários e debates, no sentido de dar cumprimento 
                a uma recomendação da Conferência de Viena e elaborar um plano 
                programático de direitos humanos. A conclusão dessa ampla consulta 
                foi o lançamento pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, no 
                dia 13 de maio de 1996, do Programa Nacional de Direitos Humanos, 
                que estabeleceu objetivos precisos para a ação governamental em 
                todas as esferas. No campo internacional, 
                uma das metas anunciadas pelo Programa era o reconhecimento, 
                pelo Brasil, da competência da Corte Interamericana de Direitos 
                Humanos. Após cuidadoso processo de exame em vários níveis 
                da sociedade, e após consulta formal ao Congresso Nacional, esse 
                reconhecimento foi feito em dezembro de 1998, no âmbito da comemorações 
                – que quisemos ressaltar com muito brilho – do cinqüentenário 
                da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Declaração Americana 
                dos Direitos e Deveres do Homem. A participação do Governo 
                brasileiro nos foros internacional e regional sobre direitos humanos 
                é marcada pela defesa do respeito a normas substantivas e processuais 
                que garantam eficácia, objetividade e imparcialidade. Nossa atuação rege-se 
                por um conjunto de princípios que podem ser agrupados do seguinte 
                modo: a) Reconhecimento 
                da legitimidade da preocupação internacional com a situação dos 
                Direitos Humanos em qualquer parte do mundo: o Brasil tem 
                a firme convicção de que todos os Estados-membros das Nações Unidas 
                têm a obrigação do respeito e da promoção dos direitos e liberdades 
                enunciados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e têm 
                o compromisso de cooperarem entre si e com a ONU para a proteção 
                e promoção desses direitos; b) Universalidade 
                dos Direitos Humanos: o Brasil acredita que os direitos e 
                liberdades consagrados na Declaração de 1948 têm validade universal 
                e não aceita a tese de que os particularismos históricos, religiosos 
                e culturais limitariam ou relativizariam esses Direitos; c) Indivisibilidade 
                e interdependência de todos os direitos: não é possível dissociar 
                a realização dos direitos civis e políticos, de um lado, dos direitos 
                econômicos, sociais e culturais, de outro; tampouco é possível 
                estabelecer uma hierarquia ou privilegiar um conjunto de direitos 
                em detrimento de outro. Com base nesses princípios, 
                deve-se notar que a sensibilidade de nosso país para problemas 
                e dificuldades específicos dos países em desenvolvimento qualificam-no 
                para operar freqüentemente como moderador, na busca de soluções 
                que conduzam ao progresso dos direitos humanos, sem confrontações 
                desnecessárias. Não se pode perder de 
                vista que os organismos constituídos por governos são foros de 
                debate político e de decisões de caráter político-administrativo. 
                Estas são basicamente produto direto de negociações mediadas pelos 
                interesses dos Estados. Essa contingência reflete-se sobretudo 
                no exame das situações de países, onde se tem registrado excessiva 
                politização. Entendemos que as situações de direitos humanos devem 
                continuar a ser discutidas e analisadas pelos órgãos multilaterais, 
                porém com imparcialidade, independência e não - seletividade. Pelas mesmas razões 
                que nos levam a aceitar sem ambigüidade a legitimidade da preocupação 
                internacional com os direitos humanos, o Governo brasileiro defende 
                que nenhum país deve considerar-se imune ao exame dos órgãos do 
                sistema. Por este motivo, temos proposto na Comissão de Direitos 
                Humanos, a partir de proposta inicial ali apresentada pelo 
                Doutor José Gregori, Secretário de Estado dos Direitos Humanos, 
                a elaboração bienal de relatório, cuja legitimidade estaria vinculada 
                a seu caráter multilateral, sobre a situação dos direitos humanos 
                em todos os países do mundo. No âmbito regional, 
                o Brasil reconhece a relevância do papel desempenhado pela Comissão 
                Interamericana de Direitos Humanos e tem defendido o estabelecimento 
                de critérios precisos para a abertura de novos casos, a fim de 
                evitar a sobrecarga e a banalização do mecanismo da CIDH. A tramitação 
                de petições manifestamente infundadas pode gerar atritos desnecessários 
                entre a Comissão e os Estados, além de desviar os escassos recursos 
                materiais e humanos da CIDH e dos Estados para queixas que deveriam 
                ser declaradas inadmissíveis " ab initio". Cremos também fortemente 
                que o Sistema Interamericano de Proteção de Direitos Humanos, 
                hoje limitado aos países latino-americanos e caribenhos, em muito 
                ganharia em eficácia e autoridade se se tornasse verdadeiramente 
                hemisférico. A participação plena dos Estados Unidos 
                e do Canadá nos instrumentos que o compõem se afigura como 
                objetivo essencial para que ele de fato possa evoluir de forma 
                segura e harmônica. No contexto do aperfeiçoamento 
                de suas relações com o Sistema Interamericano, o Brasil ao 
                reconhecer a competência contenciosa da Corte Interamericana de 
                Direitos Humanos deu, no final de 1998, importante passo. 
                Com essa decisão, pretendeu-se colocar à disposição de todas as 
                pessoas sob nossa jurisdição a forma mais evoluída de proteção 
                internacional dos direitos humanos, a que é proporcionada judicialmente 
                por meio de decisões da Corte. É possível afirmar, 
                portanto, que o Brasil chega ao limiar do século XXI dotado de 
                substantiva estrutura jurídica para executar a tarefa de construção 
                de uma sociedade mais justa e respeitosa dos direitos humanos. 
                Em nenhum outro momento de sua história, o discurso externo do 
                Brasil foi tão transparente e explícito no reconhecimento das 
                violações aos direitos humanos existentes no país. O Governo brasileiro 
                busca sempre antecipar-se às críticas e denúncias internacionais 
                ao dar visibilidade ao assunto e estimular o debate interno com 
                amplos setores da sociedade civil em favor da melhoria dos padrões 
                de observância dos direitos humanos. Atos de violação dos 
                direitos humanos em nosso país geram efeitos jurídicos para o 
                Estado brasileiro no plano internacional e regional, em decorrência 
                de compromissos que assumimos ao aderirmos aos tratados de direitos 
                humanos. Geram também efeitos políticos. Afinal, os direitos humanos 
                ultrapassaram as fronteiras do interesse nacional. Resultam da 
                convicção de que todos os homens e mulheres do planeta são sujeitos 
                de direitos e obrigações. Os direitos humanos são na atualidade 
                uma prioridade da comunidade internacional, uma vez que é universal 
                o postulado de respeito à integridade da pessoa. É preciso porém que 
                fique claro que o respeito aos direitos humanos não depende apenas 
                da existência de leis e instituições. Depende, em grande medida 
                da criação de condições econômicas, sociais, culturais e políticas 
                para a vigência das garantias básicas do ser humano. O Governo 
                brasileiro está plenamente consciente dessa necessidade e tem-se 
                esforçado, por meio de sua política econômica para que se criem 
                condições que permitam uma ação vigorosa, eficaz e sustentável 
                do Estado no campo social. O direito ao desenvolvimento, 
                como direito síntese e integrador de todos os direitos humanos, 
                é um conceito apto a estimular a incorporação da cultura dos direitos 
                humanos em projetos macroeconômicos e nas estratégias políticas 
                dos Estados e da comunidade internacional. Desta forma, poderão 
                integrar-se a tal projeto as instituições internacionais intergovernamentais 
                que até agora não se sentem vinculadas diretamente à responsabilidade 
                em matéria de direitos humanos, como as de Bretton Woods e as 
                demais organizações financeiras internacionais. Um dos desafios maiores 
                da comunidade internacional para o próximo século será fazer com 
                que o sistema das Nações Unidas e das organizações regionais melhore 
                seus índices de eficiência e a coordenação de esforços para construir 
                a cultura dos direitos humanos. E aos Estados e governantes cabe 
                compreender que o mundo contemporâneo vem consagrando a tese de 
                que os direitos humanos são bem mais do que uma reserva individual. 
                Cada vez mais evidencia-se o fato de que a proteção e a garantia 
                dos direitos humanos representam o fim último do próprio ato de 
                governar e qualificam o tipo de sociedade em que se vive. Assim 
                pensamos e assim procuramos agir. Muito obrigado.  Palestra do Secretário-Geral 
                das Relações Exteriores a ser proferida no Workshop "A Proteção 
                Internacional dos Direitos Humanos e o Brasil" organizado 
                pela Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e pelo Superior 
                Tribunal de Justiça STJ, 7 de outubro de 
                1999 |