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 Proteção
                      Internacional dos Direitos Humanos
 Juan
                      E. Mendez*
                      
                       Introdução
                      
                      Nesta
                      breve apresentação, irei referir-me à parte do Direito
                      que chamamos de Direito Internacional Humanitário e,
                      dentro dele, vou tentar fazer uma análise da atual situação
                      e as futuras prospeções de um de seus aspectos
                      importantes: sua aplicação. Este corpo do Direito é
                      recente e está evoluindo rapidamente. Desde apenas a II
                      Guerra Mundial que reconhecemos um complexo sistema de
                      normas, como parte do Direito Internacional Público, que
                      regulamenta a maneira com que os governos devem agir em
                      relação a todos os seres humanos sob sua jurisdição.
                      É claro que o Direito Constitucional há séculos inclui
                      restrições similares; neste sentido, o Direito
                      Internacional Moderno determina um padrão mínimo que
                      todos os governos devem seguir, respeitando a esfera de
                      autonomia para o indivíduo. O que é novo depois da II
                      Guerra Mundial é que estas normas e sua implementação são
                      preocupações legítimas da comunidade internacional.
                      
                       Parece
                      necessário reafirmar esta simples premissa em um momento
                      no qual nossa disciplina enfrenta renovados ataques de
                      dois pólos relacionados, porém, separados. Por um lado,
                      a universalidade dos direitos humanos sob a perspectiva do
                      relativismo cultural. Por outro, a rejeição da
                      legitimidade da preocupação da comunidade internacional
                      está fundada no conceito de soberania nacional que seria
                      um passo atrás para todo o Direito Internacional e não
                      apenas os direitos humanos. Como lidar com esses ataques não
                      é o propósito deste trabalho; ao analisar a atual situação
                      do Direito Humanitário, entretanto, é importante manter
                      esse histórico em mente. De toda forma, vale a pena
                      ressaltar que não é verdade que até pouco tempo o
                      Direito Internacional se ocupava, exclusivamente, com a
                      relação entre os Estados. O Direito Consular e das Relações
                      Diplomáticas, a Lei de Pirataria e de Guerra, por
                      exemplo, têm uma tradição secular de regulamentar as ações
                      do Estado em relação a certos indivíduos. Entretanto, o
                      período pós-guerra faz crescer essa tradição, criando
                      um corpo abrangente e sistemático de normas que afetam a
                      relação entre o Estado e o indivíduo. Outra mudança
                      significativa é que o interesse legítimo da comunidade
                      internacional não faz parte da ligação do interesse de
                      outro Estado baseado em relações internacionais
                      tradicionais, mas baseado exclusivamente em uma visão
                      compartilhada da dignidade inerente de cada indivíduo
                      humano. É por estas duas razões que podemos diferenciar
                      um corpo de leis chamado Direito Internacional Humanitário. Entretanto, devemos recordar-nos
                      que este corpo de leis não é um conjunto de normas autônomas,
                      separadas, mas uma parte integrante do Direito
                      Internacional.
                      
                       O
                      desenvolvimento de normas substantivas corresponde ao período
                      - entre o final da década de 40 e meados da década de 60
                      - quando um código abrangente foi esboçado e adotado,
                      começando com a Declaração Universal dos Direitos
                      Humanos, suplementado e fortalecido mais tarde pelos
                      tratados multilaterais, dos quais os mais importantes são
                      as Convenções Internacionais de Direitos Civis e Políticos
                      e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Este período
                      de promoção ou
                      de determinação de padrões não está de nenhuma forma finalizado,
                      pois a ONU e os órgãos regionais continuam a esboçar
                      instrumentos. Atualmente, entretanto, estes instrumentos
                      tendem a regulamentar um fenômeno em particular
                      (torturas, desaparecimentos), ou a ver os direitos humanos
                      pela perspectiva particular de certos grupos sociais
                      (mulheres, crianças, grupos indígenas). Com início na década
                      de 70, entretanto, uma importante preocupação no
                      desenvolvimento de normas tem sido a necessidade de
                      encontrar formas eficientes de alcançar a efetiva
                      implementação. Tornou-se claro, a essa altura, que dois
                      problemas deveriam ser evitados: (a) aceitação dessas
                      normas em má fé por estados que não tinham nenhuma
                      intenção de usá-las seriamente em seu território; (b)
                      deixar a aplicação aos caprichos de pressões
                      unilaterais de certos estados poderosos, já que havia o
                      verdadeiro perigo dos direitos humanos serem usados como
                      ferramentas para obter outros interesses da política
                      externa. Apesar do fato de a ênfase na implementação e
                      na efetividade serem uma preocupação nossa há mais de
                      vinte anos, o resultado até agora tem sido misturado. A
                      fase de proteção
                      do desenvolvimento do Direito Internacional dos Direitos
                      Humanos continua portanto, apesar de não podermos dizer
                      com certeza que o seu curso será sempre
                      inconfundivelmente no sentido do desenvolvimento progressivo, a regressão é sempre uma possibilidade contra a qual
                      devemos nos proteger.
                      
                       Vamos
                      nos concentrar nos mecanismos de proteção e seu estado
                      atual durante o resto deste trabalho. Antes, porém, é
                      importante notar um desenvolvimento bem-vindo: a criação
                      de normas e mecanismos para sancionar a responsabilidade individual
                      pelas violações mais sérias dos direitos humanos, via o
                      estabelecimento de dois tribunais internacionais ad
                      hoc para processar crimes de guerra, de genocídio e
                      contra a humanidade na ex-Iugoslávia e em Ruanda e mais
                      recentemente com a adoção do Estatuto de Roma para uma
                      Corte Criminal Internacional de caráter permanente. É
                      evidente que a responsabilidade do Estado por crimes terríveis
                      cometidos pelos seus agentes será unilateral, apesar de
                      limitada, quebrando o ciclo de impunidade e impedindo a
                      sua futura repetição. O processo e punição de
                      criminosos individuais é, entretanto, indispensável para
                      obter responsabilidade e não pode ser obtida pelos
                      mecanismos existentes de responsabilidade do Estado. Por
                      outro lado, os tribunais penais internacionais só terão
                      jurisdição em uma pequena faixa de violações dos
                      direitos humanos, mesmos se são a mais graves; e mesmo
                      nesses casos, só irão lidar com um pequeno número
                      daqueles que são acusados de os cometerem. Por esta razão,
                      os mecanismos para estabelecer a responsabilidade do
                      Estado são ainda muito necessários e um esforço
                      sustentado para melhorá-los é imperativo atualmente.
                      
                       A Implementação e os
                      Deveres Gerais do Estado
                      
                      Os
                      mecanismos de execução são úteis para a obtenção de
                      sentença declaratória contra um ato ou prática de um
                      Estado que viola os direitos. Dessa maneira, a situação
                      da vítima é reconhecida e o direito defendido. Se este
                      fosse o único resultado seria talvez suficiente para
                      justificar esses mecanismos, sobre a máxima Talmudica que
                      “aquele que salva uma vida, salva todo o universo”. No
                      caso de violações maciças e consistentes, a estigmatização
                      de um Estado e de seus dirigentes por tais práticas é
                      também um resultado chave das ações dos órgãos de
                      implementação. Mas o mais importante valor dos
                      pronunciamentos dos órgãos internacionais é que eles
                      botam em foco nítido o verdadeiro conteúdo das obrigações
                      do Estado em relação aos direitos humanos, ao aplicar
                      normas relativamente abstratas a problemas humanos muito
                      concretos e ao explicar o que um governo deve fazer para
                      estar à altura dessas obrigações.
                      
                       Sob
                      obrigações de tratado, os Estados tendem geralmente a
                      agir de certa forma em relação aos padrões de direitos
                      humanos. Estas obrigações gerais são três: (a) a
                      obrigação de respeitar os direitos (deber
                      de respeto) significa que as autoridades não devem
                      agir de certas formas que possam violar os direitos das
                      pessoas sob a sua jurisdição; (b) a obrigação de
                      garantir os direitos (deber
                      de garantía) significa que o Estado deve assegurar
                      soluções efetivas a uma pessoa cujos direitos foram
                      violados; (c) a terceira obrigação é a de adaptar a
                      legislação doméstica de maneira a que esteja em
                      conformidade com padrões internacionais.
                      
                       Em
                      conjunto, estas três obrigações significam que não é
                      aceitável que os Estados simplesmente firmem e ratifiquem
                      convenções, mesmo que, segundo as determinações de sua
                      própria Constituição, elas nominalmente se tornem parte
                      da legislação doméstica. Leis devem ser aprovadas para
                      dar efeito aos padrões internacionais, e as cortes devem
                      aplicá-las. Em Velasquez e em Godinez, a
                      Corte Interamericana de Direitos Humanos estabeleceu que
                      estas obrigações representam nada menos que a reorganização
                      de todo o aparato do poder estatal de maneira a que os
                      direitos possam ser efetivamente gozados e a que soluções
                      adequadas sejam concedidas em caso de violação.
                      
                       Ao
                      interpretar padrões e aplicá-los a casos, órgãos
                      internacionais especificam as maneiras pelas quais os
                      Estados devem cumprir estas três obrigações. Por
                      exemplo, uma vez mais a Corte Interamericana esclareceu
                      que o mandado de habeas
                      corpus não pode ser suspenso, nem mesmo durante um
                      estado de emergência; a Comissão Interamericana de
                      Direitos Humanos declarou que certas leis de desacato são
                      incompatíveis com a Convenção Americana de Direitos
                      Humanos. Estas são interpretações impositivas e devem
                      ser consideradas quando os Estados, ao aplicar sua própria
                      margem de avaliação, decidem sobre como dar efeito a
                      padrões internacionais em sua própria jurisdição.
                      
                       A
                      Corte Suprema argentina chegou mesmo a decidir que as
                      interpretações de órgãos competentes são vinculatórias
                      sobre as cortes argentinas na mesma medida dos textos de
                      instrumentos ratificados. Isto decorre do fato de que a
                      Constituição de 1994 incorporou os tratados de direitos
                      humanos em uma hierarquia constitucional especial de
                      normas, “nas condições de sua efetividade” (uma cláusula
                      que parece significar “como ratificado”). Na decisão Giroldi,
                      a Corte Suprema ampliou o significado desta cláusula à
                      interpretação dada às obrigações decorrentes de
                      tratados por órgãos competentes. Esta é,
                      reconhecidamente, uma doutrina de amplo alcance.
                      Entretanto, acreditamos ser correta e tem o benefício
                      adicional de pressionar os órgãos de tratados a emitirem
                      boas decisões.
                      
                       Mesmo
                      sem adotar a doutrina Giroldi,
                      todos os países seguem, pelo menos nominalmente, o princípio
                      de que obrigações internacionais livremente contraídas
                      são “a lei da terra”, parafraseando a famosa decisão
                      Paquete Habana
                      da Corte Suprema dos Estados Unidos. Na prática, contudo,
                      muitas cortes internas consideram a legislação
                      internacional como legislação estrangeira, sujeita a
                      evidências sobre sua existência e, o que é pior, a ser
                      livremente adotada ou rejeitada em qualquer caso. Em situações
                      de aparente conflito com as normas domésticas - sejam
                      elas constitucionais ou simplesmente legais em hierarquia
                      -, os órgãos executivos, os legisladores e as cortes
                      agirão como se a legislação internacional não
                      existisse ou não se aplicasse a eles. Quando isso ocorre
                      em casos sensíveis à opinião pública, como a pena de
                      morte, essa interpretação superficial vem envolta por
                      considerações de orgulho nacional e de soberania, o que
                      torna os debates racionais e fundamentados praticamente
                      impossíveis. Em realidade, o dever dos juristas não é o
                      de ignorar a legislação internacional quando parece
                      haver conflito com um padrão doméstico, mas o de buscar
                      formas de harmonizar estas normas, da mesma maneira que o
                      fariam se o conflito fosse entre normas puramente domésticas.
                      Indo mais além, o juiz Harry Blackmun, ex-integrante da
                      Corte Suprema dos Estados Unidos, disse que qualquer lei
                      doméstica deve ser interpretada, no que for possível, de
                      maneiras que não sejam incompatíveis com normas
                      internacionais que sejam também aplicáveis. Uma vez que
                      os padrões internacionais de direitos humanos são quase
                      sempre relativamente vagos e abstratos, essa incorporação
                      da legislação internacional à aplicação doméstica
                      será auxiliada pela interpretação dada por seus órgãos
                      mais competentes, aqueles criados por cada tratado
                      justamente para dar significado e efeito a suas provisões.
                      
                       Não
                      é necessário dizer que aqui na América Latina estamos
                      longe de entender nossos deveres para com a legislação
                      internacional dessa forma. Por exemplo, além do já
                      mencionado relatório da Comissão Interamericana sobre as
                      leis de desacato
                      cujo efeito é de reprimir a liberdade de expressão,
                      muitos de nossos códigos penais ainda incluem o desacato
                      de certas altas autoridades como ofensa punível. Isto é
                      particularmente inaceitável na nossa região, porque
                      ninguém pode dizer honestamente que os direitos humanos
                      internacionalmente reconhecidos são imposições externas
                      alheias a nossa tradição legal (mesmo que fossem, nosso
                      respeito pela dignidade inerente e comum à pessoa humana
                      leva-nos a examinar de perto as normas não tradicionais e
                      a adaptá-las a nossa realidade). O oposto é na verdade
                      correto. O que agora chamamos de padrões universais de
                      direitos humanos foram a contribuição de várias
                      culturas depois de serem testadas e provadas verdadeiras
                      nas leis internas por várias gerações. Por exemplo, o
                      art. 25 da Convenção Americana, chamado “o direito ao
                      remédio”, tem uma semelhança claramente identificada
                      com a própria instituição americana do amparo.
                      
                       Isto
                      tudo é para ratificar que o conceito de aplicação dos
                      direitos humanos é primariamente uma obrigação de cada
                      Estado que faz parte de um instrumento internacional. Os
                      mecanismos internacionais de aplicação não são apenas
                      complementares no sentido de que só podem ser acionadas
                      quando os remédios domésticos falham. O princípio do
                      subsidiário também significa que os Estados ainda
                      determinam em grande parte o critério que utilizam para
                      dar a melhor eficácia aos padrões internacionais,
                      contanto que observem o fato de que as normas
                      internacionais são um piso
                      e não um teto. Em outras palavras, os Estados estão livres para oferecer
                      mais proteção nas leis internas aos seus cidadãos, até
                      além do que é exigido pelos padrões internacionais. O
                      último se renderá à supremacia das leis domésticas
                      exatamente quando ou se as leis internas puderem ser
                      interpretadas como mais favoráveis ao exercício de um
                      direito ou como a melhor maneira de protegê-lo. De forma
                      a dar melhor sentido a esse princípio pro hominem de interpretação, o parecer de entidades
                      internacionais especializadas pode ser extremamente útil.
                      É de se esperar, é claro, que essas entidades também
                      verão com interesse as experiências nacionais para
                      encontrar meios de proteger os direitos. Dessa maneira,
                      uma interação criativa entre as experiências domésticas
                      e a interpretação por órgãos competentes pode
                      assegurar o desenvolvimento criativo da legislação
                      internacional dos direitos humanos.
                      
                       Uma Visão Geral e
                      Classificação dos Mecanismos
                      
                      O
                      que se segue não é um exame abrangente, tampouco
                      descritivo, dos mecanismos existentes de proteção, mas
                      uma visão geral com o objetivo de simplesmente ilustrar o
                      nosso ponto principal: o de que os órgãos de tratados são
                      mais eficientes em avançar com a legislação
                      internacional dos direitos humanos, e que os órgãos que
                      aplicam enfoques judiciais ou quase judiciais para
                      solucionar problemas são preferíveis a todas as outras
                      maneiras de dar proteção.
                      
                       Mecanismos universais sem
                      base em tratados
                      
                      Começamos
                      com os vários mecanismos criados ao longo dos anos pela
                      Comissão de Direitos Humanos da ONU, órgão do ECOSOC. A
                      Comissão é composta por representantes diplomáticos de
                      54 países, que se reúnem uma vez por ano por várias
                      semanas. Nesse ínterim, recebe a ajuda de um Comitê de
                      Peritos, que também se reúne uma vez por ano, e do
                      secretariado do Centro de Direitos Humanos, agora sob o
                      Escritório do Alto Comissário da ONU para os Direitos
                      Humanos. A composição da Comissão representa um
                      importante foro político para algumas questões, e a
                      complexa rede de peritos e funcionários tem, ao longo dos
                      anos, criado um conjunto significativo de atividades
                      promocionais. Quanto à efetiva proteção de direitos,
                      contudo, a Comissão é mais uma fonte de frustração do
                      que de esperança.
                      
                       Em
                      1970, a Resolução 1503 tencionava permitir à Comissão
                      receber reclamações contra países que alegadamente
                      praticavam um padrão maciço e constante de violações
                      dos direitos humanos. Entretanto, uma vez que se toma a
                      decisão de considerar a situação de um país, o
                      tratamento do assunto é inteiramente confidencial e os
                      reclamantes jamais saberão o que foi feito de sua
                      comunicação. A Resolução 1235, adotada em 1967,
                      finalmente tornou os requerimentos de confidencialidade
                      mais flexíveis, mas o alto padrão de práticas maciças
                      e constantes de violações dos direitos humanos não foi
                      alterado.
                      
                       O
                      problema com este padrão é que permite aos diplomatas
                      jogar com as palavras com o que podem ser violações maciças
                      dos direitos humanos, mas não “um padrão”, ou um
                      padrão de violações maciças, mas não realmente
                      “constantes”. De qualquer forma, o padrão é tão
                      alto que mesmo a inclusão de um país na agenda é uma
                      forma de estigmatização. Como é fácil de se imaginar,
                      isso dá margem a todo tipo de disputas políticas e
                      diplomáticas, tanto quanto à inclusão de um país na
                      lista quanto de sua exclusão, e por fim as decisões são
                      tomadas com base em fatores que pouco têm a ver com a
                      real situação dos direitos humanos. Mesmo nas decisões
                      mais transparentes dos últimos anos, a exclusão de um país
                      da “lista” de violadores é vista como uma vitória
                      diplomática (assim como a inclusão original foi vista
                      como um revés diplomático) e não como o resultado de
                      verdadeiras mudanças na situação. De fato, os países
                      que estão listados respondem, na melhor das hipóteses,
                      fazendo gestos sobre os direitos humanos, e geralmente não
                      examinando honestamente o que está errado e corrigindo-o.
                      E quando são tirados da lista, tendem a ver isto como um
                      reconhecimento da sua posição política original, e razão
                      para ser mais desafiador a todos os outros questionamentos
                      de seu desempenho.
                      
                       Em
                      retrospectiva, talvez teria sido melhor não estabelecer
                      um padrão tão alto para desengatilhar uma demonstração
                      coletiva de interesse, mas antes agir sobre as violações
                      cuja discussão os países não considerariam uma questão
                      de vida ou morte ou uma afronta à dignidade nacional.
                      Significativamente, uma outra importante limitação é a
                      falta de uma base legal apropriada para estas expressões
                      de preocupação, acoplada ao fato de que a decisão de
                      listar um país não é tomada por um órgão independente
                      usando critérios objetivos, mas por diplomatas seguindo
                      instruções de seus governos. Pode estar na natureza das
                      coisas que as decisões sobre os direitos humanos sejam
                      tomadas através da troca de votos e do cálculo do seu
                      efeito sobre outros interesses da política externa, e
                      pode ser que não há nada particularmente escandaloso
                      nisso. Mas não é uma forma muito eficiente de oferecer
                      às vítimas de abusos a proteção necessária dos órgãos
                      internacionais, e as decisões tomadas dessa forma quase
                      nunca constituem um exercício convincente das genuínas
                      preocupações da comunidade internacional.
                      
                       No
                      entanto, o trabalho das agências sediadas em Genebra tem
                      seus pontos positivos. Durante muitos anos de experiência,
                      a CDH logrou criar certas unidades que estão
                      cuidadosamente protegidas de pressões políticas ou
                      diplomáticas (embora não totalmente isoladas delas).
                      Como parte de uma atividade de monitorização contínua
                      de um certo país, a Comissão ocasionalmente designa
                      Relatores Especiais que viajam àqueles países e preparam
                      relatórios abrangentes sobre a situação dos direitos
                      humanos. A avaliação destes Relatores Especiais por país
                      é, na melhor das hipóteses desigual, dependendo da
                      integridade e do profissionalismo do indivíduo designado,
                      mas infelizmente também da disposição do respectivo país
                      de cooperar. Mesmo com trabalho altamente profissional, o
                      sistema foi incapaz de desenvolver um método para
                      prevenir governos como o de Cuba ou do Congo de minarem o
                      sistema por uma simples recusa a cooperar.
                      
                       Um
                      enfoque mais construtivo tem sido a designação de
                      Relatores Especiais não para lidarem com um país específico,
                      mas para examinarem certos temas de direitos humanos. Os
                      Relatores Especiais sobre tortura, sobre reparações,
                      sobre impunidade e sobre pessoas deslocadas, por exemplo,
                      têm contribuído de forma positiva ao desenvolvimento de
                      padrões. Os seus mandatos normalmente os permitem não
                      apenas empreender estudos teóricos sobre a evolução dos
                      padrões, mas também visitarem certos países e comentar
                      suas práticas com relação ao seu mandato. Desta forma,
                      um mandato que pareceria de início limitado estritamente
                      a atividades promocionais, em realidade transforma-se também
                      em uma oportunidade para formas específicas de estudos de
                      caso e de proteção.
                      
                       O
                      mesmo pode ser dito de outro mecanismo criado pela CDH, os
                      Grupos de Trabalhos temáticos, geralmente compostos de
                      cinco membros (um de cada região do mundo). Alguns destes
                      têm não apenas realizado estudos abrangentes de fenômenos
                      como o desaparecimento forçado de pessoas, mas têm também
                      ampliado criativamente os limites de seus mandatos de
                      forma a desenvolver uma monitorização contínua do
                      desempenho de países com relação a seu tema.
                      
                       Em
                      suma, o sistema sediado em Genebra tem sido contaminado
                      pela politização excessiva e pelas manobras diplomáticas,
                      e deixou de alcançar a credibilidade como um árbitro
                      imparcial dos conflitos resultantes das violações dos
                      direitos humanos. Neste sentido, sua capacidade de
                      assegurar proteção adequada a vítimas específicas e de
                      avançar no progressivo desenvolvimento dos padrões por
                      meio da interpretação e da aplicação encontra-se
                      gravemente prejudicada. O seu papel na esfera puramente
                      promocional tem sido mais construtivo. Muitas idéias para
                      a promoção de novos padrões e proteções encontram, em
                      Genebra, um foro apropriado. Com a criação do Escritório
                      do Alto Comissário, a posição e o prestígio de toda a
                      máquina das Nações Unidas na área de direitos humanos
                      têm sido realçados. Isto terá um impacto importante
                      sobre a promoção; espera-se que também contribua a uma
                      proteção mais efetiva de mecanismos não decorrentes de
                      Tratados.
                      
                       Os Mecanismos universais
                      baseados em tratados
                      
                      O
                      Comitê de Direitos Humanos é um órgão de tratado da
                      Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
                      De toda a máquina da ONU para a proteção dos direitos
                      humanos, o Comitê se mostrou de longe o mais efetivo e
                      respeitado ao longo dos anos. Para os países que firmam
                      um Protocolo Opcional, o Comitê tem jurisdição para
                      receber reclamações de indivíduos. Este mecanismo de
                      reclamação é de natureza quase judicial, porque os
                      processos consistem de nada mais que uma troca de sumários
                      entre o reclamante e o governo, sem a apresentação de
                      provas a não ser documentos anexos aos sumários, sem
                      audiências, sem oportunidades para se interrogar as
                      testemunhas, ou sem um verdadeiro debate das questões
                      legais. A despeito disso o Comitê tem produzido decisões
                      importantes com base em reclamações de indivíduos, e
                      sua jurisprudência tem constituído precedente importante
                      sobre como interpretar e aplicar os padrões da Convenção.
                      
                       Além
                      disso, e mesmo para os países que não aceitaram a
                      jurisdição do Comitê para ouvir reclamações de indivíduos,
                      a Convenção prevê que os Estados Partes devem
                      comparecer perante o Comitê a cada cinco anos, em bases
                      rotativas, para relatar as medidas adotadas para
                      implementar a Convenção internamente. Este mecanismo de
                      informação é cada vez mais útil, pois as organizações
                      da sociedade civil de muitos países utilizam a
                      oportunidade para apresentar submissões alternativas. Nas
                      audiências públicas nas quais se discute o relatório do
                      país, os membros do Comitê utilizam essa informação
                      detalhada e outras pesquisas para questionar profundamente
                      os representantes governamentais presentes. Ao final, o
                      Comitê emite um relatório sobre os direitos humanos
                      naquele país; em anos recentes este relatório periódico
                      do país tem se tornado um meio importante pelo qual o
                      Comitê promove salvaguardas gerais e também emite
                      julgamentos sobre alguns casos importantes que são
                      trazidos a sua atenção desta forma.
                      
                      Há
                      uma terceira maneira pela qual o Comitê de Direitos
                      Humanos trabalha: emitindo “comentários” sobre
                      artigos específicos da Convenção. Isto é, claramente,
                      um meio estritamente promocional de fomentar os direitos
                      humanos e não concede proteção direta a qualquer vítima
                      potencial ou real. De qualquer forma, os comentários são
                      geralmente tão repletos de autoridade e respeitados que
                      fornecem uma visão muito útil do verdadeiro conteúdo de
                      cada direito, e servem como orientação apropriada à
                      interpretação doméstica. Em termos estritamente legais,
                      aceita-se amplamente que apenas a primeira destas três
                      atividades resultam em decisões que são obrigatórias
                      para os Estados. Independentemente disto, mesmo os
                      pareceres não obrigatórios mas altamente gabaritados do
                      Comitê são de grande valor na proteção dos direitos e
                      não apenas na sua promoção. 
                        
 
 
                          
                         
                          
                          
                          Há
                          diversos outros órgãos criados por trados de
                          direitos humanos, como o Comitê de Direitos Econômicos,
                          Sociais e Culturais; o Comitê para a Eliminação de
                          Todas as Formas de Discriminação Racial (CERD); o
                          Comitê para a Eliminação da Discriminação contra
                          a Mulher (CEDAW); o Comitê da Convenção dos
                          Direitos da Criança; e o Comitê criado pela Convenção
                          para a Abolição da Tortura (CAT). Infelizmente,
                          nenhum desses órgãos aproxima-se do valor protetor
                          ou promocional do trabalho do Comitê de Direitos
                          Humanos. Uma razão importante é que seus respectivos
                          instrumentos não estabelecem um mecanismo de reclamações
                          individuais ou um Protocolo Opcional pelo qual os
                          Estados poderiam, em bases voluntárias, conceder ao
                          órgão jurisdição para receber casos (uma
                          importante iniciativa está atualmente em curso para
                          elaborar um Protocolo Opcional ao CEDAW para essa
                          finalidade). Todos esses comitês trabalham
                          essencialmente com base em relatórios periódicos por
                          país, mas os Estados Partes não têm, em geral,
                          considerado estes procedimentos importantes o
                          suficiente para merecer respostas sérias ou outras
                          formas de cooperação com cada comitê, e o resultado
                          é que a prática de legislar por interpretação não
                          se desenvolveu tanto quanto no Comitê de Direitos
                          Humanos.
                          
                           É
                          verdade, também, que estes outros órgãos de tratado
                          não existem há tanto tempo quanto o Comitê de
                          Direitos Humanos e, portanto, o seu histórico em
                          criar novos padrões é necessariamente menos
                          importante. Um fator mais importante, entretanto, é
                          que os Estados Partes têm eleito para esses comitês
                          membros menos versados em direito internacional
                          humanitário que os membros do Comitê de Direitos
                          Humanos em geral, ou que não encaram suas funções
                          com a mesma seriedade. Via de regra, tais órgãos têm
                          tido um enfoque muito acanhado com relação a sua
                          jurisdição, e têm preferido recusar jurisdição do
                          que aparentar estar adotando uma concepção ampla de
                          seu mandato. A Convenção para a Abolição da
                          Tortura tem um mecanismo de reclamação do indivíduo,
                          mas pelas razões que acabam de ser citadas a sua
                          jurisprudência até o momento não tem sido
                          particularmente destacada.
                          
                            Órgãos
                          regionais
                          
                          Os
                          sistemas de proteção criados por organizações
                          regionais (a Comunidade Européia, a Organização de
                          Estados Americanos e a Organização de Unidade
                          Africana) optaram por um enfoque que atribui grande
                          importância à decisão judicial independente após
                          uma análise factual das alegações de não
                          cumprimento. Os sistemas são baseados em tratados, o
                          que elimina as dúvidas sobre a natureza obrigatória
                          das decisões. O problema é que grandes partes do
                          mundo (a Ásia e o Oriente Médio) ficam sem qualquer
                          sistema regional, assim como existe um enorme
                          diferencial entre os sistemas existentes no que diz
                          respeito a sua efetividade, seu alcance e sua aceitação.
                          
                           O
                          sistema europeu é de longe o mais avançado e bem
                          estabelecido dos três. O africano é o de menor
                          efetividade e credibilidade, e o Interamericano
                          situa-se em posição intermediária: temos normas
                          substantivas bem desenvolvidas e instituições que têm
                          alcançado um desempenho importante; no entanto o
                          sistema Interamericano é ainda frágil e cumpre a sua
                          promessa apenas até certo ponto.
                          
                           O
                          sistema europeu é de natureza quase que
                          exclusivamente judicial, e esta tendência foi
                          fortalecida pelas últimas reformas que acabam de
                          entrar em vigor. Consiste agora de uma única corte
                          que trabalha em diversas câmaras; mesmo quando
                          formado por uma Comissão e uma Corte, entretanto, os
                          procedimentos em ambos os órgãos em muito se
                          assemelhavam aos aspectos de julgamentos de fato. Por
                          um longo período, o sistema tem permitido às vítimas
                          uma posição autônoma; os Estados têm sempre
                          respondido e cooperado com os órgãos; e quando
                          confrontados com decisões adversas raramente têm
                          ousado desobedecer. Muitos fatores contribuem para
                          esse sucesso, mas citaremos aqueles que separam o
                          sistema europeu do resto. Primeiramente, a aceitação
                          da Convenção Européia de Direitos Humanos a da
                          jurisdição obrigatória de seus órgãos é condição
                          explícita para integrar a Comunidade Européia. Em
                          segundo lugar, as decisões da Comissão e da Corte são
                          incluídas na agenda do Conselho de Ministros até que
                          o Estado afetado cumpra com elas, e o não cumprimento
                          traz consigo a real possibilidade de suspensão da
                          Comunidade. Em terceiro lugar, tendo em vista que
                          todos os Estados Membros são democráticos, o objeto
                          da atenção dos órgãos são pontos relativamente técnicos
                          da lei e não eventos traumáticos e violações de
                          fato que deixam feridas abertas na sociedade por gerações.
                          Em quarto lugar, como conseqüência, os Estados que são
                          trazidos perante a Corte Européia não encaram o fato
                          como afetando a honra e a dignidade da Nação,
                          portanto, embora o ajuste de suas leis e práticas domésticas
                          segundo as determinações dos órgãos seja por vezes
                          difícil de aceitar, ele não traz consigo nenhum
                          estigma. Por estas razões, o sistema europeu de proteção
                          dos direitos humanos tornou-se uma fonte importante de
                          legislação no campo dos direitos humanos,
                          principalmente através da aplicação dos padrões a
                          casos específicos. Podemos discordar da sabedoria de
                          algumas decisões, mas como um todo o sistema europeu
                          provou que a maneira de se alcançar o desenvolvimento
                          progressivo das normas de direitos humanos é através
                          de decisões independentes dos processos judiciais.
                          
                           No
                          outro extremo, o sistema africano está direcionado
                          principalmente para atividades promocionais, com um
                          mecanismo de reclamações muito fraco. Consiste
                          apenas de uma Comissão, que tem recebido um número
                          muito reduzido de reclamações, refletindo a falta de
                          confiança das vítimas na sua efetividade. Por muitos
                          anos levou vagarosamente adiante as poucas reclamações;
                          a essa altura já emitiu alguns julgamentos, e
                          recentemente tem efetuado algumas missões em busca de
                          fatos em alguns países africanos. Entretanto, o
                          grosso do seu trabalho continua sendo dedicado à
                          educação em direitos humanos e a outras formas de
                          promoção. Por iniciativa da África do Sul, um
                          projeto de protocolo foi recentemente aprovado para a
                          criação de uma Corte Africana de Direitos Humanos ao
                          lado da Comissão existente, mas é difícil prever
                          quando entrará em vigor.
                          
                           O
                          sistema Interamericano evoluiu ao longo dos anos desde
                          1959, quando a Comissão foi criada por resolução. A
                          Comissão posteriormente tornou-se órgão da Carta da
                          OEA, e em 1979, foi transformada em órgão de tratado
                          de direitos humanos pela sua incorporação à Convenção
                          Americana de Direitos Humanos que entrou em vigor
                          naquele ano. Simultaneamente, a Convenção criou a
                          Corte Interamericana de Direitos Humanos como um órgão
                          separado porém coordenado com a Comissão. O sistema
                          combina a promoção e a decisão judicial, e esta por
                          meios judiciais e quase judiciais. De maneira
                          significativa, o sistema Interamericano é híbrido,
                          incorporando todas as tendências que evoluíram na
                          promoção e na proteção dos direitos humanos nos últimos
                          cinqüenta anos.
                          
                           A
                          Comissão Interamericana atua na promoção elaborando
                          declarações e convenções futuras, levando questões
                          de direitos humanos à atenção dos órgãos políticos
                          da OEA, respondendo a consultas de Estados quanto à
                          consistência de leis e projetos de lei domésticos
                          com normas internacionais, e oferecendo alguns cursos
                          sobre o sistema para públicos alvo específicos nas
                          Américas. As tarefas promocionais no sistema são
                          muito potencializadas pela existência e atividade do
                          Instituto Interamericano de Direitos Humanos, uma
                          instituição acadêmica e de pesquisa criada pela
                          Corte em 1980. Quanto à proteção, a Comissão tem
                          um mandato muito amplo e uma diversidade de mecanismos
                          efetivos; ela organiza visitas in
                          loco a países e prepara relatórios abrangentes
                          sobre a situação de direitos humanos. Esses relatórios
                          são posteriormente publicados e submetidos à Assembléia
                          Geral da OEA, onde, ao menos em teoria, estão
                          sujeitos a debate. As visitas in loco e os relatórios têm um impacto decisivo sobre a situação
                          de direitos humanos em um dado país, tanto pelo
                          potencial de um debate político e diplomático de
                          ampla divulgação, quanto pela longa e bem
                          estabelecida tradição de precisão e de qualidade
                          analítica séria do trabalho da Comissão.
                          
                           A
                          Comissão tem igualmente jurisdição para receber
                          reclamações de indivíduos, sob a Convenção para
                          aqueles Estados partes do tratado, e sob a Declaração
                          Americana de Direitos e Deveres do Homem para todos os
                          membros da OEA. O procedimento é quase judicial, mas
                          crescentemente inclui audiências orais e testemunhos
                          de viva voz, e não apenas um intercâmbio de
                          documentos. Os reclamantes e os representantes do
                          Estado recebem oportunidades em geral equivalentes de
                          participação no procedimento. A Comissão expede
                          medidas precautórias em casos urgentes, pode oferecer
                          seus serviços a ambas as partes com o objetivo de se
                          alcançar um acordo amigável, e por fim emite um
                          relatório como sua decisão final, que freqüentemente
                          inclui recomendações específicas ao governo se a
                          decisão for contra este. Se um Estado não as cumpre,
                          a Comissão tem a capacidade discricionária para
                          enviar o caso à Corte.
                          
                           A
                          Corte Interamericana tem tanto jurisdição
                          contenciosa quanto recomendatória. Esta é exercida
                          por meio de “pareceres recomendatórios” que não
                          são obrigatórios, mas são interpretações
                          altamente gabaritadas da Convenção e de outros
                          tratados de direitos humanos. São emitidos a pedido
                          de Estados Partes ou de algumas das agências
                          inscritas na OEA. A jurisdição contenciosa consiste
                          de um mecanismo de reclamação que pode ser ativado
                          por Estados seja contra outro Estado Parte seja para
                          recusar uma decisão da Comissão. Infelizmente, estes
                          dois meios de acionamento da jurisdição da Corte
                          jamais foram experimentados. A única outra maneira de
                          chegar à Corte com um caso contencioso é por intermédio
                          da Comissão, ao final de seu tratamento de uma petição.
                          Por causa da natureza discricionária desta decisão
                          da Comissão (em contraste com a Europa, onde a Comissão
                          já enviou casos à Corte - em respeito ao direito de
                          acesso do peticionário a ela - mesmo quando a sua
                          maioria entendeu não ter havido violação), o número
                          de casos da Corte permanece relativamente baixo. A
                          Corte, no entanto, tem emitido algumas decisões
                          importantes em anos recentes, e freqüentemente estas
                          decisões têm estabelecido precedentes importantes
                          que são amplamente citados dentro e fora das Américas.
                          
                           Crítica
                          
                          O
                          sistema internacional de proteção deve continuar a
                          ser diversificado e a contar com enfoques múltiplos.
                          A preferência que temos expressado por mecanismos
                          baseados em tratados e judiciais não deve ser
                          interpretada como excluindo outras possibilidades. O
                          estabelecimento de padrões e outras atividades
                          promocionais são melhor realizados em foros que
                          permitem aos representantes dos Estados manter debates
                          doutrinários com especialistas, e onde a agenda não
                          está limitada pelas exigências de uma controvérsia.
                          De fato, as contribuições intelectuais que resultam
                          do debate aberto e do trabalho de relatores especiais
                          e de grupos de trabalho são ingredientes indispensáveis
                          que membros bem informados dos órgãos de tratado
                          devem utilizar para chegar a decisões em casos específicos.
                          Nosso ponto de vista, contudo, é que no atual estágio
                          de desenvolvimento de nossa área, as opiniões
                          cuidadosamente elaboradas emitidas em processos
                          judiciais são o meio mais importante de avançar no
                          conteúdo do direito internacional por intermédio do
                          desenvolvimento progressivo.
                          
                           Na
                          atual conjuntura, o desenvolvimento progressivo se vê
                          tolhido pela atitude de Estados que julgam conveniente
                          escapar a suas responsabilidades alegando que as decisões
                          dos órgãos não têm valor obrigatório, mesmo em
                          casos nos quais o Estado participou ativamente do
                          procedimento. Tais alegações são impossíveis
                          quando o órgão emitindo a decisão foi criado por um
                          tratado multilateral e cuja competência para emitir
                          tal decisão foi livremente acordada pelo Estado. Isto
                          não assegura o cumprimento da decisão, mas
                          certamente elimina o argumento ilusório para
                          justificar o não cumprimento.
                          
                           As
                          decisões alcançadas após um procedimento que
                          garante todos os direitos do processo legal a todas as
                          partes será de mais fácil aceitação por estas. Os
                          Estados que participam por meio de seus representantes
                          em todas as etapas do procedimento relutarão menos no
                          cumprimento se souberem que seus pontos de vista
                          receberam uma audiência imparcial. Nada garante que a
                          base factual da decisão representará a verdade do
                          que realmente ocorreu, mas as chances de um erro
                          judicial quando todos os testemunhos e demais provas
                          estão sujeitos ao exame minucioso e a interrogatórios
                          serão muito reduzidas. Pela mesma razão, uma decisão
                          alcançada após um processo do contraditório com
                          plenas garantias de processo legal sempre terá uma
                          qualidade de persuasão e credibilidade perante a
                          opinião pública que as torna virtualmente incontestáveis.
                          
                           É
                          claro que haverão más e boas decisões, como em
                          todas as outras cortes e tribunais em todo o mundo.
                          Porém, um sistema que tende cada vez mais aos
                          processos judiciais baseados em tratados irá atrair
                          mais atenção aos trabalhos dos órgãos judiciais e
                          quase judiciais, cujos membros estarão mais atentos
                          às necessidades de agir através da pesquisa e do
                          trabalho profissional e confiável. Com o tempo, bons
                          juristas serão quase que inevitavelmente atraídos
                          aos órgãos que aumentem sua reputação e prestígio
                          através de decisões de credibilidade e de rigor
                          intelectual.
                          
                           O
                          caminho rumo aos órgãos e procedimentos baseados em
                          tratados e judiciais é, evidentemente, o mais difícil.
                          Não há nenhuma razão para otimismo com relação à
                          perspectiva de países voluntariamente abrirem mão de
                          parcelas de sua soberania e permitirem que órgãos
                          externos decidam sobre assuntos de direitos humanos.
                          É por isso que é importante manter sistemas de proteção
                          que não dependam inteiramente do consentimento dos
                          Estados, mesmo que o seu valor no desenvolvimento de
                          padrões seja em muito diminuído. O objetivo é,
                          contudo, defender e fazer lobby
                          visando a obter tratados e protocolos opcionais com
                          essas características, e fazê-lo intensivamente e de
                          forma sustentada.
                          
                           Ao
                          mesmo tempo, deveríamos ser realistas e sinceros
                          sobre as limitações dos modelos atuais de órgãos
                          de tratado com mecanismos judiciais ou quase
                          judiciais. Seria um erro silenciar nossas críticas de
                          suas limitações - tanto em termos de falhas
                          processuais, quanto da qualidade de sua jurisprudência
                          - apenas para apresentá-los como modelos. De fato a
                          crítica aberta e justa é a única maneira de ajudá-los
                          a melhorar, e ao mesmo tempo essa crítica focaliza os
                          modelos ideais de enfoques judiciais que queremos.
                          
                           Nesse
                          sentido, importa ressaltar que, entre os sucessos que
                          superam suas limitações, todos os órgãos
                          existentes têm coisas que deveriam ser criticadas.
                          Para mencionar apenas alguns, os órgãos de tratados
                          das Nações Unidas deveriam ser justamente criticados
                          por terem uma visão excessivamente estreita de seus
                          mandatos. Por exemplo, em uma de suas primeiras decisões
                          a CAT recusou jurisdição em um caso onde a
                          interpretação da obrigação de um Estado requeria
                          ultrapassar ligeiramente a Convenção para Eliminar a
                          Tortura para examinar a Convenção de Viena sobre o
                          Direito dos Tratados, um instrumento que se considera,
                          de qualquer forma, direito internacional consuetudinário.
                          
                           A
                          doutrina da Corte européia de “margem de consideração”
                          tem sido justamente criticada por dar excessiva margem
                          aos Estados Partes para decidirem sozinhos o que a
                          Convenção exige deles. No sistema Interamericano, a
                          Corte tem relutado em identificar violações de
                          jure em legislações que são obviamente
                          inconsistentes com a Convenção Americana, como as
                          cortes militares que são quase por definição não
                          independentes. O sistema Interamericano deveria ser
                          melhorado em diversas maneiras processuais e
                          institucionais também, embora uma análise abrangente
                          daquilo que necessita de melhorias está além do
                          alcance deste artigo.
                          
                           Para
                          as nossas finalidades, importa ressaltar que o sistema
                          Interamericano ainda não concede plena igualdade de
                          recursos a peticionários e a Estados. No final dos
                          procedimentos, perante a Comissão (e por meio de uma
                          interpretação equivocada da Corte sobre o que é
                          exigido pelos Artigos 50 e 51 da Convenção), o relatório
                          da Comissão com a decisão sobre a reclamação
                          repentinamente se torna confidencial e ex
                          parte durante três meses cruciais. As vítimas e
                          os peticionários não têm acesso à Corte, e como os
                          Estados jamais exercitam sua própria prerrogativa de
                          submeter casos, seu único recurso reside em convencer
                          a Comissão a fazê-lo. Esta limitação é agravada
                          pelo fato de que a capacidade discricionária da
                          Comissão de tomar tal decisão não é constrangida
                          ou instruída por quaisquer critérios identificáveis
                          - muito menos explícitos.
                          
                           Em
                          processos perante a Corte, os peticionários somente
                          podem atuar como membros ad
                          hoc da delegação da Comissão, uma metodologia
                          que se assemelha àquela que se utilizava na Europa até
                          1982. Pode não ser razoável a expectativa de que os
                          peticionários sejam permitidos a levar seus casos à
                          Corte sem o “filtro” da Comissão; mas uma vez que
                          o caso esteja devidamente perante a Corte, as vítimas
                          deveriam ter locus standi autônomo como parte no processo quanto a objeções
                          preliminares e ao mérito (atualmente elas têm posição
                          autônoma somente na terceira e última etapa da
                          compensação).
                          
                           Uma
                          importante fraqueza do sistema Interamericano
                          encontra-se na execução das decisões dos órgãos.
                          Alguns países têm a posição de que, mesmo agindo
                          sob a Convenção, os relatórios da Comissão não são
                          obrigatórios e possuem apenas o relativo poder de
                          “recomendações”, que os Estados têm liberdade
                          de descartar. Uma vez mais, a explicação do porquê
                          esta teoria é incorreta estaria além do alcance
                          deste artigo; basta dizer que tal argumentação teria
                          maior peso se fosse feita de boa fé, e que tal boa fé
                          seria demonstrada pelo Estado se, ao recusar atender
                          à decisão da Comissão, buscasse uma revisão pela
                          Corte, uma vez que é indiscutível prerrogativa do
                          Estado submeter o caso ao órgão judicial do sistema.
                          Além disso, as determinações da Convenção com
                          relação à execução são, sem dúvida, fracas.
                          Ambos os órgãos apresentam relatórios anuais à
                          Assembléia Geral e poderiam, teoricamente, utilizar
                          esta oportunidade para buscar apoio diplomático se um
                          Estado está em situação de não cumprimento. Na prática,
                          a Assembléia Geral não tem realizado um debate sério
                          sobre os relatórios dos órgãos nos últimos anos,
                          embora a possibilidade de tal debate tenha sido útil
                          em convencer alguns Estados recalcitrantes ao
                          cumprimento. De outra parte, a Convenção também
                          afirma que as sentenças da Corte podem ser executadas
                          (presumivelmente com relação a compensação)
                          perante as cortes do Estado em situação de não
                          cumprimento. Isto jamais foi tentado, e as
                          perspectivas desta solução parecem realmente
                          reduzidas. Dever-se-ia simplesmente comparar estes
                          mecanismos de execução com aqueles do sistema
                          europeu, explicados acima, para ver que muito poderia
                          ser melhorado nas Américas nesse aspecto. |