| Os
                            regimes interno e internacional de promoção e
                            proteção de direitos humanos são complementares e
                            interdependentes. Cada um, em sua esfera própria,
                            enfrenta tensões na confrontação de realidades
                            que requerem o atendimento de um elevado número de
                            exigências algumas vezes conflitivas, pelo menos a
                            curto prazo, de que são exemplos a escassez de
                            recursos e os dilemas da governabilidade. As interações
                            entre os dois regimes figuram como elemento
                            importante para a compreensão do tema da
                            realizabilidade dos direitos humanos e das resistências
                            que a ele se opõem. A
                            supervisão internacional dos direitos humanos é
                            objeto de forte polêmica e não se desenvolveu sem
                            grande resistência, e são imensos os hiatos entre
                            os padrões consagrados e a prática. Mas torna-se
                            cada vez mais difícil afastar do escrutínio
                            internacional, sob o argumento da soberania e da
                            jurisdição interna, práticas odiosas e
                            repressivas contra indivíduos e grupos, assim como
                            situações extremas de pobreza e marginalização. No
                            Brasil, o fim do autoritarismo permitiu o retorno
                            pleno ao Estado de direito e a adoção de uma
                            Constituição que ampliou as garantias aos direitos
                            humanos e reforçou, de maneira inovadora, os
                            instrumentos para sua defesa. Essas garantias
                            assumiram o caráter de cláusulas pétreas,
                            insusceptíveis de alterações restritivas (art.4,
                            IV). Consagrou também a Constituição a incorporação
                            ao sistema jurídico das obrigações contraídas em
                            razão de tratados internacionais de direitos
                            humanos. As
                            normas internacionais sobre direitos humanos
                            encontram-se em declarações, tratados e
                            instrumentos cujas origens remontam à Carta das Nações
                            Unidas (1945), à Declaração Universal (1948) e
                            aos Pactos Internacionais (adotados em 1966 e
                            vigentes a partir de 1976). Apesar de seu
                            significado inovador, essas normas surgiram e se
                            desenvolveram dentro do sistema jurídico e político
                            do imediato pós-guerra e do bipolarismo ideológico
                            e estratégico que congelou o mundo durante mais de
                            quarenta anos. Desde
                            então aceleraram-se, sobretudo depois de 1989,
                            transformações que afetam, de maneira substancial,
                            o papel e as relações entre os atores
                            fundamentais: indivíduo, sociedade e Estado. O
                            processo de globalização, a que se contrapõem as
                            tendências de fragmentação, e o surgimento de
                            poderosos atores não estatais criam novos desafios,
                            que não substituem os anteriores e sim a eles veem
                            somar-se. Não se
                            deve negar o considerável progresso alcançado nos
                            direitos humanos em várias regiões do mundo, e
                            especialmente no Brasil, em termos de normatividade,
                            de garantias e mesmo de efetivo exercício. A
                            consolidação da democracia e a maior consciência
                            dos direitos inerentes à pessoa se tornaram mais
                            vigorosos não apenas frente ao Estado, mas também
                            frente às tradicões sociais e culturais, algumas
                            vezes discriminatórias ou restritivas à liberdade
                            individual. A
                            crescente universalização do acesso às fontes de
                            informação e a confrontação imediata com
                            acontecimentos em qualquer parte do mundo gerou um
                            adensamento da consciência individual e coletiva
                            sobre os direitos humanos, assim como a ampliação
                            das reivindicações de acesso aos valores por eles
                            proclamados. No plano dos indivíduos e dos grupos
                            sociais, tal como projetado pelas ONGs, os direitos
                            humanos se apresentam como objetivos de conteúdo
                            inexaurível. A
                            inexauribilidade dos direitos humanos, como um
                            horizonte em permanente expansão, contrasta com a
                            realizabilidade necessariamente reduzida de tais
                            anseios, dada a limitação dos meios econômicos e
                            os constrangimentos políticos enfrentados pelos
                            Estados, gerando um descompasso que pode incidir
                            sobre a governabilidade, especialmente em países em
                            desenvolvimento. As forças
                            da fragmentação (conflitos étnicos, separatismos,
                            nacionalismos exclusivistas, racismo, xenofobia)
                            geram problemas de dimensões mundiais (terrorismo,
                            fundamentalismo, fluxos maciços de refugiados,
                            genocídio, restrições aos fluxos migratórios,
                            etc.). O aprofundamento e a maior visibilidade das
                            diferenças econômicas agrava a marginalidade e
                            acentua o problema da violência, inclusive de
                            origem policial, como fonte de violações de
                            direitos humanos. Geram-se
                            assim tensões, tanto no plano interno quanto no
                            internacional, que variam conforme a capacidade e
                            velocidade dos respectivos sistemas políticos, econômicos
                            e sociais para dar cumprimento às normas e
                            acompanhar as transformações, sem rompimento da
                            solidariedade social essencial à estabilidade e à
                            governabilidade. A resolução
                            favorável destas tensões será indispensável para
                            resolver conflitos e consolidar a democracia como
                            sistema político capaz de, no limiar do século
                            XXI, atender às exigências de sociedades em
                            constante evolução. Para que este objetivo possa
                            ser alcançado, o Estado e as demais instituições
                            responsáveis, inclusive as organizações
                            internacionais, deverão dotar-se dos meios necessários
                            para assegurar o desenvolvimento sustentável e
                            promover a redução das desigualdades econômicas e
                            sociais. Como
                            assinalou o Presidente Fernando Henrique Carodoso,
                            em entrevista à revista "Veja", torna-se
                            necessário "radicalizar a democracia",
                            isto é fortalecer, conjuntamente, as instituições
                            formais da democracia (poder legislativo, partidos
                            políticos) e aquelas, menos formais, que se nutrem
                            diretamente da inspiração da sociedade civil e de
                            seus agrupamentos. Lembra também Darcy Ribeiro (in
                            O Povo Brasileiro) a necessidade, para a
                            realização do conceito de cidadania, de que o povo
                            se apodere de seu destino e realize suas
                            potencialidades. O
                            enfoque dos problemas contemporâneos pelo prisma
                            dos direitos humanos tem a vantagem de permitir,
                            pelo seu caráter de conjunto de valores articulados
                            em torno dos eixos do indivíduo, da sociedade, e do
                            Estado, a busca de uma ordem complexa, capaz de
                            lidar com demandas muitas vezes contraditórias, ao
                            menos no curto prazo. O respeito das liberdades, as
                            aspirações de reforma e de redução das
                            desigualdades sociais precisam ser equilibradas com
                            as legítimas expectativas de defesa da segurança
                            individual e coletiva, em suma do império da lei e
                            da preservação da governabilidade. É preciso no
                            entanto não cair na falácia de encarar segurança
                            e direitos humanos como objetivos conflitantes. Pelo
                            contrário, a verdadeira segurança só se alcançará
                            mediante o respeito à lei e ao fortalecimento e
                            modernização dos instrumentos do Estado de
                            Direito. As duas
                            conferências mundiais sobre direitos humanos, a de
                            Teerã em 1968, e a de Viena, em 1993, foram
                            oportunidade para uma reavaliação e um balanço do
                            caminho percorrido desde a Declaração Universal.
                            Teerã, em plena guerra fria, serviu para reafirmar
                            a indivisibilidade e interdependência dos direitos
                            humanos, a luta contra o apartheid, o racismo e os
                            resquícios de colonialismo, assim como pela
                            interrelação entre direitos humanos e os demais
                            objetivos da ONU, como a paz e o desenvolvimento. A Conferência
                            de Viena permitiu a reafirmação, num foro de mais
                            de 170 países (em contraste com os pouco mais de 50
                            da Declaração Universal e os 84 de Teerã), da
                            universalidade dos direitos humanos e da
                            legitimidade da preocupação internacional com o
                            tema. A Declaração e o Programa de Ação de Viena
                            são o pronunciamento internacional mais atual e
                            completo sobre direitos humanos. Esse complexo
                            documento reflete a realidade contemporânea em toda
                            a sua complexidade e revela a natureza da imensa
                            tarefa de realizar os direitos humanos de maneira
                            universal em sociedades distintas em suas tradições
                            culturais e características econômicas e sociais.
                            O consenso obtido em Viena, em toda a sua
                            fragilidade, torna possível esperar a superação
                            das resistências e a afirmação da realizabilidade
                            dos direitos humanos. Pretendo
                            apresentar a seguir uma exposição que visa, em
                            primeiro lugar, traçar as origens do sistema e
                            identificar as formas pelas quais veio o mesmo
                            integrar a agenda internacional. Veremos em seguida
                            como o Brasil participa de tal sistema, como evolui
                            em grandes linhas a sua posição, e qual tem sido a
                            nossa experiência na "prestação de
                            contas" a respeito de nossa situação neste
                            campo, com ênfase especial sobre os relatórios
                            recentemente apresentados ao Comitê de Direitos
                            Humanos e ao Comitê sobre Eliminação da
                            Discriminação Racial. Finalmente, examinaremos
                            como o Brasil contribui para a construção e o
                            funcionamento do sistema, através de sua presença
                            nos foros da ONU. I-
                            Origens e características principais do sistema Traçado
                            este rápido esboço que visou situar o tema no seu
                            contexto mais amplo, caberia menção às origens do
                            sistema internacional de proteção dos direitos
                            humanos, à sua estrutura normativa e de supervisão,
                            e seus principais componentes. Deixarei de lado, por
                            limitação de espaço, os importantes sistemas
                            regionais de direitos humanos, como o interamericano
                            e o europeu. Bastaria apenas assinalar que, apesar
                            de complementares, as normas e sistemas de verificação
                            regional e internacional são independentes, não
                            podendo invocar-se um em detrimento ou restrição
                            do outro. Embora
                            instrumentos anteriores tenham contemplado certas
                            categorias de direitos humanos, foi a Carta da ONU
                            que consagrou, pela primeira vez, como norma de
                            direito internacional de caráter geral, a promoção
                            e proteção dos direitos humanos. As bases
                            do sistema internacional sobre direitos humanos estão
                            principalmente assentadas no art.1, par. 3, da
                            Carta, que destaca os direitos humanos entre os propósitos
                            e princípios da organização e nos artigos 55 e
                            56, que estabelecem os compromissos assumidos
                            reciprocamente entre os membros para a realização
                            dos objetivos fundamentais no âmbito da cooperação
                            econômica e social. A
                            leitura conjugada destes dispositivos permite
                            identificar o caráter articulado e interdependente
                            dos objetivos essenciais da ONU: paz e segurança
                            internacional, progresso econômico e social e
                            respeito aos direitos humanos. A promoção conjunta
                            e equilibrada de cada um destes objetivos é condição
                            para a harmonia do sistema como um todo. A
                            Declaração Universal dos Direitos Humanos foi a
                            realização mais importante desta primeira fase de
                            construção do sistema. Associada aos dispositivos
                            jurídicos da Carta da ONU, a declaração, aprovada
                            em 1948 sem votos negativos (8 abstenções),
                            representava a tradução em termos concretos das
                            obrigações assumidas na Carta. Apesar do caráter
                            não diretamente vinculante da Declaração, o caráter
                            solene e quase unânime de sua aprovação e a
                            reiteração frequente e incontestada de seu valor
                            transformou-a em instrumento básico de referência
                            sobre os valores essenciais que todos os Estados estão
                            obrigados a respeitar. Por outro lado, ao aprovar a
                            declaração, as Nações Unidas proclamavam que os
                            direitos humanos eram matéria legítima de preocupação
                            internacional e, como tal, não podiam ser
                            considerados matéria de exclusiva competência
                            nacional, no sentido do art. 2 par. VII da Carta. A
                            elaboração de um instrumento jurídico, que desse
                            caráter expressamente vinculante aos direitos
                            consagrados na declaração foi tarefa que
                            naturalmente se mostrou muito mais longa e
                            trabalhosa. Sua conclusão só se daria em 1966, com
                            a adoção dos dois pactos internacionais. A decisão
                            de separar os pactos em dois instrumentos,
                            respectivamente sobre direitos civis e políticos e
                            sobre direitos econômicos, sociais e culturais,
                            refletia, entre outros fatores, as divergências
                            ideológicas entre os sistemas capitalista e
                            socialista, cada um privilegiando os aspectos de sua
                            preferência. O princípio da indivisibilidade e
                            interdependência dos direitos humanos seria uma
                            conquista posterior, promovida em grande parte pelos
                            países em desenvolvimento. Qual a
                            posição do Brasil nesta fase inicial de elaboração
                            das normas sobre direitos humanos no campo
                            internacional? Na impossibilidade de realizar
                            pesquisa mais aprofundada, refiro-me ao Repertório
                            da Prática Brasileira do Direito Internacional,
                            de Antonio Augusto Cançado Trindade, e à coletânea
                            de discursos A palavra do Brasil nas Nações
                            Unidas, organizada pelo Embaixador Luiz
                            Felipe Seixas Corrêa, para estabelecer algumas
                            referências principais. Segundo
                            essas fontes, verifica-se que nos pronunciamentos no
                            plenário da Assembléia Geral predominam, nesta
                            fase, os temas políticos e jurídicos: paz e
                            segurança, composição do Conselho de Segurança,
                            poder de veto dos membros permanentes, interpretação
                            dos dispositivos da Carta e conveniência de sua
                            futura reforma, sendo poucas e genéricas as referências
                            ao trabalho em curso. O
                            Embaixador Freitas Valle, representante do Brasil na
                            IV sessão da Assembléia Geral da ONU (1949),
                            referiu-se positivamente, à aprovação, no ano
                            anterior, da Declaração Universal e da Convenção
                            contra o Genocídio, bem como à perspectiva de
                            conclusão de um tratado internacional sobre
                            direitos humanos. Em 1950, o mesmo representante
                            lamentava a inexistência de um "instrumento prático
                            que compelisse os Estados a respeitar ou restaurar,
                            quando violados de alguma forma, os direitos humanos
                            e as liberdades fundamentais para todos, sem distinção
                            de raça, sexo, língua e religião." É nos
                            trabalhos da III Comissão, encarregada de examinar
                            os relatórios e projetos emananados da Comissão de
                            Direitos Humanos, que encontramos manifestações
                            mais específicas de posições brasileiras. Assim,
                            Austregésilo de Athayde afirma em 1948, naquele
                            foro: "Ao dar aos direitos do homem um caráter
                            internacional, a Carta das Nações Unidas
                            estabeleceu obrigações jurídicas positivas para
                            os Estados". "Embora a delegação
                            brasileira gostasse de ver discutidas e aprovadas
                            conjuntamente a declaração, o pacto, e as
                            propostas relativas à implementação, reconhece
                            ela que, no atual estágio dos trabalhos, somente a
                            declaração pode ser adotada(...)". Bem
                            positiva é também a posição brasileira nestes
                            anos formadores, com relação ao processo de
                            instituição do sistema regional americano de
                            direitos humanos. Surpreendem ainda hoje os termos
                            da declaração proferida em Bogotá pelo Chanceler
                            João Neves da Fontoura em 1948, na IX Conferência
                            Internacional Americana. Não só saudou ele, em
                            termos inequívocos, a perspectiva de adoção
                            pioneira da Declaração dos Direitos e Deveres
                            Internacionais do Homem, como sublinhou que a mesma
                            equivalia a reconhecer os indivíduos o caráter de
                            sujeito de direito internacional público. E
                            acrescentou considerações favoráveis à pronta
                            criação de uma Corte Internacional de Proteção
                            aos Direitos Humanos. Coube a
                            San Tiago Dantas, chanceler em 1959, propor à V
                            Reunião de Consulta dos Ministros de Relações
                            Exteriores da OEA, proposta de resolução sobre a
                            democracia no continente. O Brasil desejava uma
                            declaração de termos gerais, baseada em seis princípios: 
                              
                                superioridade
                                da lei sobre os governos;
                                os
                                governos devem ser o resultado de eleições
                                livres;
                                a
                                perpetuação no poder sem prazo determinado é
                                incompatível com a democracia;
                                os
                                direitos do indivíduo devem ser reconhecidos
                                pela lei e protegidos por meios judiciais
                                eficazes;
                                os
                                Estados americanos incorporarão ao seu direito
                                positivo a Declaração Americana dos Direitos e
                                Deveres do Homem;
                                os
                                povos do continente cooperarão de maneira solidária
                                para assegurar condições de progresso ao
                                regime democrático. A
                            realidade política dos anos subsequentes modificou
                            tais posições . O mundo, o continente, e mesmo
                            nosso país ingressaram em conturbada fase de
                            antagonismos e divergências que muito retardaram o
                            progresso na implementação dos ideais lançados no
                            pós-guerra. Fortalecem-se as resistências à
                            realização dos direitos humanos como compromissos
                            firmes. Nesse clima, e mesmo antes dos anos de
                            autoritarismo, o Brasil se distancia do tema dos
                            direitos humanos e apenas se registra a preferência
                            pela elaboração de dois pactos distintos e a
                            resistência à incorporação do direito de petição
                            individual no pacto sobre direitos civis e políticos. A partir
                            dos anos setenta, o corpo de normas e declarações
                            sobre os quais se baseia o sistema mundial de
                            direitos humanos assume maior consistência. Em 1976
                            entram em vigor os dois pactos internacionais, que
                            também incorporam a importante inovação
                            introduzida pela Convenção sobre a Eliminação de
                            todas as formas de Discriminação Racial (adotada
                            em 1965 e em vigor desde 1969) que consiste na criação
                            de órgão (comitê de peritos independentes) para
                            monitorar, em todos os Estados partes, a implementação
                            das obrigações contraídas. A Comissão de
                            Direitos Humanos das Nações Unidas (CDH) e seu órgão
                            subsidiário, a Subcomissão de Prevenção da
                            Discriminação e Proteção das Minorias,
                            desenvolvem mecanismos extra-convencionais de
                            verificação da situação dos direitos humanos, e
                            vão sendo vencidos, na doutrina e na prática, as
                            interpretações restritivas que visavam, com base
                            nos argumentos da soberania dos Estados e da jurisdição
                            interna exclusiva, limitar as normas internacionais
                            sobre direitos humanos a meros objetivos éticos,
                            sem força de lei. O Brasil
                            apoia e frequentemente estimula o desenvolvimento
                            destes mecanismos de supervisão dos direitos
                            humanos, por considerá-los uma forma eficiente de
                            promover e proteger direitos de forma universal. A
                            preferência brasileira se dirige particularmente
                            aos mecanismos temáticos, ou seja, os relatores ou
                            grupos de trabalho que se dedicam a um problema,
                            como a tortura, os desaparecimentos forçados ou as
                            formas contemporâneas de racismo. No tratamento
                            destes temas, os relatores especiais estabelecem diálogo
                            com os países, realizam visitas, e podem manifestar
                            preocupação com situações específicas em países,
                            recomendando medidas e trazendo o tema à atenção
                            da Comissão de Direitos Humanos. O caráter temático
                            dos mandatos, válido para o universo dos países,
                            assegura sua "não-seletividade". O Brasil
                            reconhece a legitimidade de designação de
                            relatores por países, em casos mais graves. O
                            mecanismo é, porém, politicamente sensível, e a
                            CDH ainda não logrou equacionar o problema das
                            alegações de seletividade e falta de objetividade
                            na "seleção" dos países para os quais a
                            Comissão julga necessário designar relator
                            especial. Tampouco se conseguiu solução para o
                            obstáculo dos países que rejeitam qualquer
                            colaboração com o relator, tornando difícil a
                            obtenção de progressos . A
                            escolha dos mecanismos para lidar com as violações
                            de direitos humanos requer, portanto, cuidadosa
                            avaliação, de forma a que os instrumentos
                            utilizados permitam a evolução favorável da situação.
                            Pesam aqui a análise sobre a realizabilidade
                            concreta dos direitos humanos numa dada situação e
                            a compreensão dos fatores que se opõem ou que
                            favorecem o progresso na direção almejada. No que
                            diz respeito a questões referentes ao Brasil, é
                            denso o diálogo com os mecanismos não
                            convencionais da Comissão de Direitos Humanos. O
                            Governo brasileiro vem adotando política que,
                            partindo do princípio de que os objetivos do exercício
                            - aperfeiçoar o respeito aos direitos humanos -
                            coincidem com os do Governo, permite ampla transparência
                            no acesso a informações. Deste diálogo,
                            caberia ressaltar alguns aspectos úteis para a
                            identificação de obstáculos à realizabilidade
                            dos direitos humanos no Brasil: 
                              
                                Grupo
                                de Trabalho sobre Desaparecimentos Forçados ou
                                Involuntários. Destinado a esclarecer, sob o
                                prisma humanitário, a sorte das vítimas deste
                                tipo de violação de direitos humanos, os casos
                                acumulados pelo Brasil diziam respeito, em
                                grande maioria, a ocorrências do período
                                autoritário. A adoção da lei 9.140, de
                                4/12/95, permitiu o encerramento dos casos
                                antigos. O Grupo de Trabalho considerou exemplar
                                a lei brasileira para indenização das famílias
                                das vítimas, não obstante a posição de
                                algumas ONGs, que mantiveram crítica à extensão
                                da lei de anistia com relação aos efeitos
                                penais dos fatos revelados.
                                Relator
                                sobre execuções sumárias ou arbitrárias. O
                                Governo brasileiro tem diálogo intenso com este
                                relator, que se debruça sobre comunicações
                                referentes a assassinatos ou ameaças ao direito
                                à vida em que há suspeita de participação,
                                cumplicidade ou acobertamento por parte de
                                autoridades policiais. Os casos de particular
                                gravidade, como os da Candelária, Carandiru,
                                Eldorado de Carajás, Vigário Geral e
                                Corumbiara ocasionaram extensa correspondência
                                com o relator, na qual transparece o empenho do
                                Governo brasileiro de prestar esclarecimentos
                                detalhados e precisos sobre as providências em
                                curso no terreno judiciário, bem como as
                                medidas tomadas pelo Governo federal - com
                                destaque para a iniciativa de adoção de leis
                                com vistas a assegurar a punição dos culpados,
                                a prevenção de novas ocorrências, a indenização
                                das vítimas ou de seus familiares e, a proteção
                                de testemunhas.
                                Relator
                                sobre a tortura. Com a redemocratização,
                                cessaram as queixas sobre a existência da
                                tortura com fins políticos, mas o relator
                                especial continua a receber alegações de que a
                                polícia usa a tortura com frequência. A aprovação
                                de lei que tipifica o crime de tortura e as
                                atitudes firmes do Presidente da República e do
                                Secretário Nacional de Direitos Humanos no
                                combate a essa prática odiosa são passos
                                importantes para o maior rigor na punição e
                                prevenção deste crime.
                                Visitaram
                                o Brasil os relatores sobre venda, prostituição
                                e pornografia infantil, sobre a violência
                                contra a mulher, e sobre formas contemporâneas
                                de racismo, realizando programação que lhes
                                permitiu amplo e irrestrito contato com
                                autoridades, ONGs, e diferentes setores de opinião.
                                Os respectivos relatórios contêm avaliação
                                da situação brasileira, do ponto de vista do
                                mandato do relator, dos problemas enfrentados e
                                das soluções em curso. O exercício tem saldo
                                positivo, como demonstração da transparência
                                e do desejo do Brasil de contribuir para um
                                exame coletivo, a nível internacional, destas
                                questões. É claro que uma curta viagem
                                dificilmente permite aos relatores a análise
                                aprofundada e precisa de problemas tão
                                complexos, em sociedade que pouco conhecem, o
                                que às vezes resulta em certas conclusões ou
                                recomendações superficiais e pouco ajustadas
                                à realidade. O Brasil não tem deixado de fazer
                                tais observações aos relatores quando do
                                debate de seus relatórios durante a CDH. II-
                            O Brasil e os mecanismos de controle dos tratados
                            internacionais Com a
                            redemocratização, entre 1989 e 1992, o Brasil
                            aderiu aos principais tratados internacionais de
                            proteção dos direitos humanos - os dois pactos
                            internacionais sobre direitos humanos, a convenção
                            contra a tortura, a convenção dos direitos da
                            criança - e à Convenção Americana de Direitos
                            Humanos e à Convenção Interamericana para
                            prevenir e punir a Tortura. Estes instrumentos
                            vieram somar-se aos tratados de que o Brasil se
                            tornara parte anteriormente, tais como a convenção
                            contra a discriminação racial, a convenção
                            contra a discriminação contra mulher, a convenção
                            sobre o estatuto dos refugiados e seu protocolo
                            adicional, numerosas convenções da OIT, algumas
                            das quais versam sobre matéria afim aos direitos
                            humanos. O Brasil tornou-se um país plenamente
                            inserido nos sistemas internacional e interamericano
                            de proteção e promoção dos direitos humanos. O
                            processo é continuado, e o Brasil não só aderiu
                            recentemente a outros instrumentos jurídicos de
                            proteção dos direitos humanos no âmbito
                            interamericano, como tem emprestado seu apoio à
                            negociação de novos instrumentos (protocolo
                            facultativo à convenção contra a tortura,
                            protocolos adicionais à convenção sobre os
                            direitos da criança). As
                            obrigações resultantes destas convenções
                            comportam medidas na área legislativa,
                            administrativa e política de considerável importância.
                            O Ministério das Relações Exteriores é o
                            interlocutor oficial dos órgãos de supervisão das
                            convenções de direitos humanos, e lhe compete a
                            apresentação dos relatórios a esses comitês. Trata-se
                            de tarefa complexa, dada estrutura federativa
                            descentralizada, a extensão e população do país,
                            a natureza das questões a serem retratadas e a
                            multiplicidade dos órgãos envolvidos, além das
                            mudanças políticas ocorridas. Essas dificuldades
                            geraram atrasos na preparação dos relatórios. O
                            relatório inicial referente ao Pacto sobre direitos
                            civis e políticos, concluído em 1994, foi produto
                            de colaboração entre o Governo e uma importante
                            instituição acadêmica, o Núcleo de Estudos da
                            Violência da Universidade de São Paulo. Logrou-se
                            assim que o relatório produzisse um retrato fiel da
                            situação brasileira, visto não apenas do ângulo
                            do Governo mas também daquele da sociedade civil. O
                            relatório foi publicado pela Fundação Alexandre
                            de Gusmão. Foi possível,
                            igualmente, apresentar, em 1996, o décimo relatório
                            periódico ao Comitê sobre a Eliminação da
                            Discriminação Racial. Trata-se também de fato
                            marcante, pois o Brasil havia deixado de apresentar
                            os relatórios devidos por vários anos
                            consecutivos. O novo relatório se produziu sob a
                            influência de respeitável revisão da postura
                            brasileira sobre o problema da discriminação
                            racial, promovida, entre outros, pelo próprio
                            Presidente Fernando Henrique Cardoso, ao admitir que
                            a realidade brasileira neste campo não correspondia
                            à imagem de perfeita harmonia com que gerações de
                            brasileiros nos haviamos comprazido. O relatório
                            mostra que é necessário, também em nosso país, e
                            apesar dos inúmeros aspectos positivos de nossa
                            situação, cuidar para que o fenômeno da
                            discriminação e do racismo sejam combatidos com
                            determinação. A
                            consideração dos dois relatórios pelos
                            respectivos comitês, em 1996, assinalou a
                            definitiva incorporação do Brasil ao conjunto de
                            países que mantém com a comunidade internacional
                            um diálogo sereno, franco e objetivo sobre seus
                            problemas de direitos humanos. É com este espírito
                            que considero relevante resumir alguns aspectos do
                            exercício deste diálogo. O Relatório
                            inicial do Brasil referente ao Pacto sobre Direitos
                            Civis e Políticos foi examinado pelo Comitê de
                            Direitos Humanos nos dias 10 e 11 de julho de 1996.
                            A delegação brasileira, cuja chefia tive a honra
                            de compartilhar com o Dr. José Gregori, fez extensa
                            declaração inicial, aduzindo informações sobre
                            as medidas adicionais tomadas pelo Governo
                            brasileiro desde a data da elaboração do relatório
                            (1994) para dar cumprimento aos dispositivos do
                            pacto. Dentre essas medidas cabe ressaltar: a lei de
                            reconhecimento dos desaparecidos, o então projeto
                            de lei sobre a transferência para a justiça civil
                            da competência para julgar policiais militares
                            acusados de violações de direitos humanos, o
                            projeto de lei (sancionado) sobre a tipificação
                            penal da tortura, a reestruturação do Conselho de
                            Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (órgão paritário
                            governo-sociedade para a proteção dos direitos
                            humanos), a criação de GERTRAF (Grupo executivo
                            para repressão do trabalho forçado) e, em
                            especial, o lançamento do Programa Nacional de
                            Direitos Humanos, pelo qual o Brasil dá cumprimento
                            pioneiro a uma das recomendações da Conferência
                            de Viena. Nas
                            conclusões e recomendações adotadas (doc. CCPR/C/79/Add.66,
                            de 24/7/96), o Comitê elogiou o relatório,
                            destacando sua elaboração aberta a consultas com
                            órgãos da sociedade, e a franqueza e abrangência
                            do conteúdo. O Comitê agradeceu também a
                            detalhada declaração introdutória, e reconheceu o
                            engajamento do Governo federal em adotar medidas
                            para assegurar o respeito às obrigações contraídas.
                            O Comitê acolheu favoravelmente as medidas
                            legislativas adotadas recentemente, em particular o
                            lançamento do Programa Nacional de Direitos
                            Humanos, a reestruturação do CDDPH, a criação da
                            Defensoria Pública e as medidas tendentes a
                            permitir que o Ministério Público Federal avoque
                            à Justiça federal casos de violações de direitos
                            humanos. As
                            preocupações manifestadas pelo Comitê e as
                            recomendações formuladas ao Governo brasileiro
                            coincidem, em muitos aspectos, com os diagnósticos
                            feitos pelas próprias autoridades federais, e estão
                            refletidas também no Programa Nacional de Direitos
                            Humanos. Caberia
                            uma referência sintética ao resultado das deliberações
                            do Comitê. Um dos aspectos mais significativos foi
                            a da relação entre o sistema federativo da
                            Constituição brasileira e o cumprimento das normas
                            do pacto. A autonomia dos Estados no que diz
                            respeito à organização da polícia e ao sistema
                            judicial, segundo o Comitê, é um fator que conduz
                            a deficiências e falta de uniformidade na aplicação
                            dos dispositivos do pacto no Brasil. Apesar de seus
                            esforços, o Governo federal não tem conseguido,
                            segundo a análise do Comitê, vencer esse obstáculo.
                            Algumas unidades da Federação não têm exercido
                            com o rigor desejável suas atribuições de
                            prevenir as violações de direitos humanos e punir
                            os autores destes crimes. O Comitê dedicou grande
                            atenção aos possíveis meios para superar tais
                            obstáculos. Os peritos interessaram-se pelas
                            medidas relatadas pela delegação brasileira
                            tendentes a reforçar os poderes do Ministério Público
                            e do CDDPH, bem como pelo projeto de emenda
                            constitucional relativo à federalização dos
                            crimes contra direitos humanos, assim como pela
                            transferência para a justiça ordinária do
                            julgamento dos crimes cometidos por policiais
                            militares. É significativa a coincidência entre os
                            pontos assinalados pelo Comitê e aqueles que estão
                            sendo objeto de iniciativas governamentais e de
                            amplo debate nacional, entre os quais se destaca a
                            questão da reforma do sistema policial brasileiro. O 10º
                            Relatório Periódico referente ao ICERD foi
                            examinado pelo Comitê sobre a Eliminação da
                            Discriminação Racial (CERD) em agosto de 1996. Os
                            membros do CERD saudaram a retomada do diálogo com
                            o Governo brasileiro após mais de nove anos de
                            interrupção e também elogiaram a franqueza e
                            objetividade do relatório. Também
                            neste caso a delegação brasileira, de que fazia
                            parte o Professor Helio Santos, coordenador do grupo
                            interministerial para a valorização da população
                            negra, forneceu informações adicionais, entre as
                            quais a referente aos objetivos e trabalhos
                            desenvolvidos por aquele órgão que, entre outras
                            políticas, examina a possibilidade de adoção de
                            medidas afirmativas para a promoção daquela população. Com a
                            apresentação e sustentação destes dois relatórios
                            o Governo brasileiro demonstrou cabalmente sua
                            determinação de dar cumprimento aos compromissos
                            assumidos ao aderir aos respectivos instrumentos
                            internacionais. III-
                            O Brasil nos foros internacionais sobre direitos
                            humanos. Comissão de Direitos Humanos. Assembléia
                            Geral das N.U. Conferência de Viena A volta
                            ao regime democrático e a adesão aos instrumentos
                            internacionais de direitos humanos completaram as
                            condições para que o Brasil dos anos 90
                            reconhecesse explícitamente os direitos humanos
                            como tema legítimo de preocupação internacional,
                            consoante os termos da Declaração de Viena, e
                            atuasse com plenitude e de maneira construtiva nos
                            foros internacionais e regional de direitos humanos. A
                            participação do Governo brasileiro se dá,
                            primordialmente, através de nossa presença nos
                            foros internacionais e regionais que tratam da matéria,
                            onde advogamos o respeito a normas substantivas e
                            processuais capazes de garantir a objetividade e
                            imparcialidade dos procedimentos de verificação. O
                            Brasil atribui importância fundamental à defesa da
                            democracia e dos direitos humanos no quadro
                            regional, contribuindo para fortalecer aqueles
                            valores no âmbito das instituições
                            interamericanas, e nos grupos de concertação, como
                            o Grupo do Rio, e mecanismos de integração como o
                            Mercosul. Na
                            Comissão de Direitos Humanos da ONU, que tive o
                            privilégio de presidir em 1996, o Brasil desempenha
                            papel de destaque, graças ao apoio que empresta ao
                            desenvolvimento das normas e dos mecanismos sobre
                            direitos humanos. A sensibilidade do Brasil para os
                            problemas e dificuldades específicos dos países em
                            desenvolvimento qualificam-no para operar, com frequência,
                            como ponte entre estes e os países ocidentais. O
                            Brasil, e em grande medida a América Latina em seu
                            conjunto, se apresenta assim como elemento
                            moderador, capaz de contribuir, sem paternalismo ou
                            condescendência, para a busca de soluções que
                            propiciem o progresso dos direitos humanos, sem
                            confrontações desnecessárias. Temos
                            buscado contribuir para o aperfeiçoamento e a
                            racionalização dos trabalhos da Comissão de
                            Direitos Humanos. Participamos da apresentação de
                            importantes iniciativas na Comissão, como a que
                            resultou na aprovação de resolução sobre a abolição
                            gradual da pena de morte e o respeito às normas que
                            limitam a sua aplicação, a de criação de
                            mecanismo para a proteção dos direitos dos
                            trabalhos migrantes, e a que criou o relator
                            especial sobre formas contemporâneas de racismo e
                            xenofobia. O Brasil foi o promotor da resolução
                            sobre o fortalecimento do Estado de direito,
                            iniciativa recolhida na Declaração e Programa de Ação
                            de Viena, e que busca criar formas mais eficazes de
                            apoio aos países em desenvolvimento em seus esforços
                            para garantirem os direitos humanos. A delegação
                            brasileira tem contribuído também ao avanço para
                            a elaboração de uma estratégia para a implementação
                            do direito ao desenvolvimento, tema ao qual
                            dedicamos especial atenção. Dentro
                            desse espírito foi possível à delegação
                            brasileira ocupar lugar de destaque na Conferência
                            Mundial sobre Direitos Humanos (Viena, 1993), na
                            qual o Brasil exerceu a presidência do Comitê de
                            Redação e contribuiu, de maneira decisiva, para
                            desbloquear as quase intransponíveis dificuldades
                            políticas que pareciam inviabilizar o documento
                            final. O Brasil também deu grande contribuição,
                            no ano seguinte, à negociação na Assembléia-Geral
                            das N.U. que resultou na criação do cargo de Alto
                            Comissário para Direitos Humanos, dando seguimento
                            ao Programa de Ação de Viena. IV.
                            Conclusões Plenamente
                            inserido no sistema internacional dos direitos
                            humanos, o Brasil contribui para a sua evolução e
                            aperfeiçoamento, ao mesmo tempo em que o sistema
                            internacional, através de suas normas e mecanismos
                            de controle, favorece o aprimoramento das normas e
                            instituições nacionais neste domínio - há uma
                            relação interativa e construtiva. A primazia cabe,
                            sem dúvida, ao processo interno e é no âmbito da
                            sociedade brasileira e de suas instituições políticas
                            que devemos buscar compreender e vencer resistências
                            e encontrar os caminhos que permitam realizar os
                            direitos humanos de forma duradoura no Brasil. Nossa
                            bússola é a compreensão da inextricável
                            interdependência entre desenvolvimento, democracia
                            e respeito aos direitos humanos.   Bem
                            positiva é também a posição brasileira nestes
                            anos formadores, com relação ao processo de
                            instituição do sistema regional americano de
                            direitos humanos. Surpreendem ainda hoje os termos
                            da declaração proferida em Bogotá pelo Chanceler
                            João Neves da Fontoura em 1948, na IX Conferência
                            Internacional Americana. Não só saudou ele, em
                            termos inequívocos, a perspectiva de adoção
                            pioneira da Declaração dos Direitos e Deveres
                            Internacionais do Homem, como sublinhou que a mesma
                            equivalia a reconhecer os indivíduos o caráter de
                            sujeito de direito internacional público. E
                            acrescentou considerações favoráveis à pronta
                            criação de uma Corte Internacional de Proteção
                            aos Direitos Humanos. Coube a
                            San Tiago Dantas, chanceler em 1959, propor à V
                            Reunião de Consulta dos Ministros de Relações
                            Exteriores da OEA, proposta de resolução sobre a
                            democracia no continente. O Brasil desejava uma
                            declaração de termos gerais, baseada em seis princípios: 
                              
                                superioridade
                                da lei sobre os governos;
                                os
                                governos devem ser o resultado de eleições
                                livres;
                                a
                                perpetuação no poder sem prazo determinado é
                                incompatível com a democracia;
                                os
                                direitos do indivíduo devem ser reconhecidos
                                pela lei e protegidos por meios judiciais
                                eficazes;
                                os
                                Estados americanos incorporarão ao seu direito
                                positivo a Declaração Americana dos Direitos e
                                Deveres do Homem;
                                os
                                povos do continente cooperarão de maneira solidária
                                para assegurar condições de progresso ao
                                regime democrático. A
                            realidade política dos anos subsequentes modificou
                            tais posições . O mundo, o continente, e mesmo
                            nosso país ingressaram em conturbada fase de
                            antagonismos e divergências que muito retardaram o
                            progresso na implementação dos ideais lançados no
                            pós-guerra. Fortalecem-se as resistências à
                            realização dos direitos humanos como compromissos
                            firmes. Nesse clima, e mesmo antes dos anos de
                            autoritarismo, o Brasil se distancia do tema dos
                            direitos humanos e apenas se registra a preferência
                            pela elaboração de dois pactos distintos e a
                            resistência à incorporação do direito de petição
                            individual no pacto sobre direitos civis e políticos. A partir
                            dos anos setenta, o corpo de normas e declarações
                            sobre os quais se baseia o sistema mundial de
                            direitos humanos assume maior consistência. Em 1976
                            entram em vigor os dois pactos internacionais, que
                            também incorporam a importante inovação
                            introduzida pela Convenção sobre a Eliminação de
                            todas as formas de Discriminação Racial (adotada
                            em 1965 e em vigor desde 1969) que consiste na criação
                            de órgão (comitê de peritos independentes) para
                            monitorar, em todos os Estados partes, a implementação
                            das obrigações contraídas. A Comissão de
                            Direitos Humanos das Nações Unidas (CDH) e seu órgão
                            subsidiário, a Subcomissão de Prevenção da
                            Discriminação e Proteção das Minorias,
                            desenvolvem mecanismos extra-convencionais de
                            verificação da situação dos direitos humanos, e
                            vão sendo vencidos, na doutrina e na prática, as
                            interpretações restritivas que visavam, com base
                            nos argumentos da soberania dos Estados e da jurisdição
                            interna exclusiva, limitar as normas internacionais
                            sobre direitos humanos a meros objetivos éticos,
                            sem força de lei. O Brasil
                            apoia e frequentemente estimula o desenvolvimento
                            destes mecanismos de supervisão dos direitos
                            humanos, por considerá-los uma forma eficiente de
                            promover e proteger direitos de forma universal. A
                            preferência brasileira se dirige particularmente
                            aos mecanismos temáticos, ou seja, os relatores ou
                            grupos de trabalho que se dedicam a um problema,
                            como a tortura, os desaparecimentos forçados ou as
                            formas contemporâneas de racismo. No tratamento
                            destes temas, os relatores especiais estabelecem diálogo
                            com os países, realizam visitas, e podem manifestar
                            preocupação com situações específicas em países,
                            recomendando medidas e trazendo o tema à atenção
                            da Comissão de Direitos Humanos. O caráter temático
                            dos mandatos, válido para o universo dos países,
                            assegura sua "não-seletividade". O Brasil
                            reconhece a legitimidade de designação de
                            relatores por países, em casos mais graves. O
                            mecanismo é, porém, politicamente sensível, e a
                            CDH ainda não logrou equacionar o problema das
                            alegações de seletividade e falta de objetividade
                            na "seleção" dos países para os quais a
                            Comissão julga necessário designar relator
                            especial. Tampouco se conseguiu solução para o
                            obstáculo dos países que rejeitam qualquer
                            colaboração com o relator, tornando difícil a
                            obtenção de progressos . A
                            escolha dos mecanismos para lidar com as violações
                            de direitos humanos requer, portanto, cuidadosa
                            avaliação, de forma a que os instrumentos
                            utilizados permitam a evolução favorável da situação.
                            Pesam aqui a análise sobre a realizabilidade
                            concreta dos direitos humanos numa dada situação e
                            a compreensão dos fatores que se opõem ou que
                            favorecem o progresso na direção almejada. No que
                            diz respeito a questões referentes ao Brasil, é
                            denso o diálogo com os mecanismos não
                            convencionais da Comissão de Direitos Humanos. O
                            Governo brasileiro vem adotando política que,
                            partindo do princípio de que os objetivos do exercício
                            - aperfeiçoar o respeito aos direitos humanos -
                            coincidem com os do Governo, permite ampla transparência
                            no acesso a informações. Deste diálogo,
                            caberia ressaltar alguns aspectos úteis para a
                            identificação de obstáculos à realizabilidade
                            dos direitos humanos no Brasil: 
                              
                                Grupo
                                de Trabalho sobre Desaparecimentos Forçados ou
                                Involuntários. Destinado a esclarecer, sob o
                                prisma humanitário, a sorte das vítimas deste
                                tipo de violação de direitos humanos, os casos
                                acumulados pelo Brasil diziam respeito, em
                                grande maioria, a ocorrências do período
                                autoritário. A adoção da lei 9.140, de
                                4/12/95, permitiu o encerramento dos casos
                                antigos. O Grupo de Trabalho considerou exemplar
                                a lei brasileira para indenização das famílias
                                das vítimas, não obstante a posição de
                                algumas ONGs, que mantiveram crítica à extensão
                                da lei de anistia com relação aos efeitos
                                penais dos fatos revelados.
                                Relator
                                sobre execuções sumárias ou arbitrárias. O
                                Governo brasileiro tem diálogo intenso com este
                                relator, que se debruça sobre comunicações
                                referentes a assassinatos ou ameaças ao direito
                                à vida em que há suspeita de participação,
                                cumplicidade ou acobertamento por parte de
                                autoridades policiais. Os casos de particular
                                gravidade, como os da Candelária, Carandiru,
                                Eldorado de Carajás, Vigário Geral e
                                Corumbiara ocasionaram extensa correspondência
                                com o relator, na qual transparece o empenho do
                                Governo brasileiro de prestar esclarecimentos
                                detalhados e precisos sobre as providências em
                                curso no terreno judiciário, bem como as
                                medidas tomadas pelo Governo federal - com
                                destaque para a iniciativa de adoção de leis
                                com vistas a assegurar a punição dos culpados,
                                a prevenção de novas ocorrências, a indenização
                                das vítimas ou de seus familiares e, a proteção
                                de testemunhas.
                                Relator
                                sobre a tortura. Com a redemocratização,
                                cessaram as queixas sobre a existência da
                                tortura com fins políticos, mas o relator
                                especial continua a receber alegações de que a
                                polícia usa a tortura com frequência. A aprovação
                                de lei que tipifica o crime de tortura e as
                                atitudes firmes do Presidente da República e do
                                Secretário Nacional de Direitos Humanos no
                                combate a essa prática odiosa são passos
                                importantes para o maior rigor na punição e
                                prevenção deste crime.
                                Visitaram
                                o Brasil os relatores sobre venda, prostituição
                                e pornografia infantil, sobre a violência
                                contra a mulher, e sobre formas contemporâneas
                                de racismo, realizando programação que lhes
                                permitiu amplo e irrestrito contato com
                                autoridades, ONGs, e diferentes setores de opinião.
                                Os respectivos relatórios contêm avaliação
                                da situação brasileira, do ponto de vista do
                                mandato do relator, dos problemas enfrentados e
                                das soluções em curso. O exercício tem saldo
                                positivo, como demonstração da transparência
                                e do desejo do Brasil de contribuir para um
                                exame coletivo, a nível internacional, destas
                                questões. É claro que uma curta viagem
                                dificilmente permite aos relatores a análise
                                aprofundada e precisa de problemas tão
                                complexos, em sociedade que pouco conhecem, o
                                que às vezes resulta em certas conclusões ou
                                recomendações superficiais e pouco ajustadas
                                à realidade. O Brasil não tem deixado de fazer
                                tais observações aos relatores quando do
                                debate de seus relatórios durante a CDH.   |