A
abrangência dos direitos humanos
Hélio Bicudo
O processo Pinochet, seja qual for o seu desfecho, é,
sem dúvida, um marco histórico na construção do direito
internacional dos direitos humanos.
Desde os
julgamentos de Nuremberg, quando os maiores responsáveis
por crimes contra a humanidade foram processados e julgados
por um tribunal internacional, falou-se muito no direito
dos vencedores.
Mas o certo
é que, na indicação dos acusados pela prática de atos
que resultaram na eliminação de milhões de pessoas -
homens, mulheres e crianças- pelo simples fato de pertencerem
a determinadas etnias ou por não concordarem com a ideologia
nazi-fascista, não se cuidou com especificidade de vencidos,
mas de tantos quantos tivessem violado direitos fundamentais
de minorias raciais ou políticas que não se alinhavam
ao poder dominante.
Recorde-se
que algumas vozes se levantaram contra Nuremberg, sob
o argumento de que se estava reduzindo a letra morta
o princípio do "nullum crimen, nulla poena sine
praevia lege". Demonstrou-se, contudo, que os crimes
praticados já estavam, de uma forma ou de outra, inscritos
na legislação dos povos e que não se poderia condescender
com uma barbárie que seguia na contramão da história.
Foi justamente
a partir daí que houve uma evolução no tratamento internacional
dos direitos humanos, inseridos nas declarações Americana
e Universal, proclamadas, respectivamente, em maio e
dezembro de 1948, com aperfeiçoamentos mais recentes,
mediante normas que buscam de maneira mais efetiva a
proteção das minorias, das mulheres, das crianças, dos
jovens e dos idosos.
No que
respeita aos crimes de lesa-humanidade e de guerra,
tivemos a instalação dos tribunais que processaram e
julgaram os responsáveis pelos crimes praticados na
Bósnia-Herzegóvina e na Iugoslávia. Neste ano, cuidou-se
da criação de um tribunal penal internacional, ainda
na dependência, para sua instalação, da adesão de países
até que se perfaça o número considerado ideal.
Entretanto,
enquanto não se instalam a corte penal ou outros tribunais
internacionais para julgar este ou aquele crime e seus
autores, os países cujos nacionais foram vítimas de
delitos contra a humanidade estão chamando a si o julgamento
dos autores desses delitos. É uma situação de transição,
que irá encontrar seu deslinde com a instalação e o
funcionamento dos tribunais internacionais permanentes.
Como toda
situação de transição, esta em que nos encontramos apresenta
problemas, como o inconformismo de governos que, com
o julgamento de seus súditos em outros países, sentem
diminuída sua soberania, seguindo conceitos envelhecidos,
num mundo hoje mais cônscio de sua unidade.
Vamos ter
- nesse meio tempo - de conviver com situações aparentemente
injustas, como a atuação dos países desenvolvidos a
impor sua vontade às nações mais frágeis.
Mas, não obstante esta ou aquela dificuldade, o progresso
da humanidade nessa busca constante da implementação
e da concretização dos direitos humanos vai sendo feita
assim mesmo, com exemplos às vezes discutíveis na forma,
mas irrepreensíveis na sua vontade de justiça. Hoje,
a pessoa é o verdadeiro sujeito do direito internacional
dos direitos humanos; por conseguinte, a sua proteção
deve ir além das fronteiras dos Estados.
Hélio
Bicudo, 76, jurista, é deputado federal pelo
PT de São Paulo, presidente do Centro Santo Dias de
Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo, membro
da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA
(Organização dos Estados Americanos) e membro do Fórum
Interamericano de Direitos Humanos (Fideh). É autor
de "Direitos Humanos e Sua Proteção", entre
outros livros.
(Folha de S. Paulo)