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 A
              Incorporação das Normais Internacionais de Proteção dos Direitos
              Humanos no Direito Brasileiro
              
                
              
               AS
              ORGANIZAÇÕES
              
               NÃO
              GOVERNAMENTAIS BRASILEIRAS
              
                
              
               Margarida
              Genevois 
              
               As Organizações
              não Governamentais Brasileiras surgiram, na sua quase totalidade,
              em função e em conseqüência da luta política da sociedade
              civil contra o regime que se implantou no país em 1964. A maioria das
              ONGs brasileiras nasceu entre as décadas de 60 e 80 e
              caracterizaram-se, no seu início, por uma existência quase
              clandestina, ligada aos movimentos sociais de base, às igrejas, e
              aos movimentos sindicais e populares. As ONGs são
              microorganismos do processo democrático; são referências,
              agentes de inovação e de criação de novos processos. Elas não
              têm a proposta de substituir o papel do Estado, não visam a
              acumulação de capital, através de lucros e, muito menos,
              pretendem substituir os atores sociais da realidade presente. As ONGs têm,
              fundamentalmente, o desafio de ocupar os espaços públicos e, na
              medida em que vão assumindo sua cidadania, ganhar legitimidade
              para propor uma sociedade democrática. Herbert de Souza,
              o Betinho, diz: “o papel das ONGs na década de 90 é, pura e
              simplesmente, propor à sociedade civil uma nova sociedade que
              tenha como condições fundamentais: ser democrática e ser capaz
              de erradicar – como prioridade absoluta – a pobreza e a miséria,
              assim como ser competente para promover o desenvolvimento de si
              mesma como “humanidade em toda a sua diversidade e
              complexidade”. Definir este caminho é um desafio particular,
              porém não se pode encará-lo como exclusivo nem único”. 
              
               COMISSÃO JUSTIÇA E PAZ COMO
              ORGANIZAÇAO NÃO GOVERNAMENTAL 
              
              A Comissão Justiça
              e Paz é uma ONG criada em 1972, por iniciativa do Cardeal D.
              Paulo Evaristo Arns. O seu objetivo é atuar como órgão de
              defesa da pessoa humana em todas suas dimensões, especialmente no
              que tange os princípios de Justiça e Paz. Durante um longo
              período, quando o país vivia sob tortura e os assassinos
              “explicados” – politicamente pela ditadura militar então
              vigente, a ação da Comissão Justiça e Paz voltava-se
              particularmente para a luta contra as prisão ilegal, a tortura e
              a morte de presos políticos, ao mesmo tempo em que prestava total
              apoio e solidariedade aos familiares desses desaparecidos. Agindo
              com esta prioridade, nunca deixou de manifestar-se contra as violações
              dos direitos sociais. Durante muitos anos a Comissão Justiça e
              Paz foi uma das únicas entidades no Brasil, que ousava ocupar-se
              com os perseguidos políticos – acolhia-os e fornecia-lhes
              advogados. Depois do golpe
              militar no Chile em 1973, e os golpes na Argentina e no Uruguai
              – perseguidos políticos destes países passaram a fugir para o
              Brasil e muitos deles vieram para São Paulo nos pedir socorro
              (mais de mil passaram pelos nossos Escritórios). Não tendo
              estrutura para acolher a todos, a Comissão conseguiu apoio do
              ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados),
              que se instalou nas salas da Comissão, onde atendia e encaminhava
              estes refugiados. Nestes 20 anos de
              atividades a CJP participou de todos os movimentos reivindicatórios
              contra a ditadura, contra a Lei de Segurança Nacional, pela
              Anistia, contra a violência urbana e no campo, pela melhoria das
              prisões, em prol dos índios, mulheres, e em favor de todas as
              chamadas minorias, preocupando-se com a condição de vida dos
              menos favorecidos, dos marginalizados e dos oprimidos. Paulatinamente
              com a instalação do chamado processo de “abertura democrática”,
              outras dificuldades de ação apresentaram-se para a CJP. Primeiro, porque
              a redemocratização levou muitos de seus participantes a
              distanciar-se, justamente porque passaram a participar do Poder
              resultante da transição. Em segundo lugar, porque não havia número
              de pessoas suficiente para se ocuparem da complexidade e da
              diversidade dos problemas sociais que se apresentavam
              quotidianamente para a entidade. A Comissão Justiça
              e Paz deparou-se, desde, então, coma evidência só injusto
              contraste entre a miséria absoluta dos marginalizados (que
              constituem a grande maioria da população brasileira) e a opulência
              da minoria dominante. Em terceiro
              lugar, porque as atividades da Comissão passaram a enfrentar uma
              campanha sistemática habilmente desenvolvida pela mídia
              conservadora (que se expressa pelos veículos do comunicação –
              muito particularmente pelos programas radiofônicos) que
              identificavam a entidade e seus defensores dos Direitos Humanos,
              como “entidade e pessoas que lutam em defesa dos bandidos e dos
              ladrões”. Estas idéias, em algumas áreas, travaram a ação
              da Comissão. Após todos esses
              anos de lutas, a CJP chega à conclusão de que mais do que
              participar e apoiar movimentos populares e causas justas, deve
              atuar nas causas dos problemas. Nesta medida, sua ação será
              certamente mais eficaz quanto mais lutar pela mudança das
              mentalidades, pelo espírito de cidadania e de participação e
              pelos princípios éticos. Isso só se consegue pela educação
              que transforma mentalidades. A partir de 1987
              a Comissão deixa de ter um caráter emergencial e passa a
              desenvolver o projeto “Educação em Direitos Humanos”, com a
              finalidade de tornar o educando sujeito da história e detentor da
              coerência entre o pensar e o agir. A entidade visa
              chegar a este objetivo utilizando-se de metodologia participativa
              do comportamento das Declarações fundamentais dos Direitos
              Humanos e do resgate da história recente de desrespeito destes
              Direitos Humanos. A Educação
              interdisciplinar para a compreensão do real significado dos
              Direitos Humanos torna-se assim, a meta prioritária da Comissão
              Justiça e Paz de São Paulo. Desde 1987, com
              este objetivo, a entidade vem concentrando a sua ação na realização
              de cursos, seminários, publicações, material audiovisual; no
              planejamento de programas radiofônicos e de peças teatrais. A
              meta da entidade é abranger todos os níveis da educação
              informal e do ensino formal (este, nos três graus de
              escolaridade). Uma experiência
              significativa foi realizada com os professores da rede pública
              municipal, na Prefeitura da cidade de São Paulo, quando da gestão
              de Luiza Erundina. Respondia então, pela pasta de Educação, o
              Professor Paulo Freire. Na ocasião, a Comissão Justiça e Paz
              firmou um convênio com a Prefeitura de São para desenvolver este
              projeto. Atualmente está
              em vigência um Convênio CJP/PUCSP, que basicamente, constitui-se
              numa proposta de educação inter-disciplinar na rede pública
              estadual e educação, para dar prosseguimento aos trabalhos de
              Educação em Direitos Humanos. Paralelamente, a
              Comissão tem participado de reuniões, junto a outras ONGs, para
              analisar de variados enfoques esta questão. Por ocasião do
              Seminário “Desenvolvimento e Democracia, o papel das ONGs na
              Sociedade Brasileira”, realizado em outubro de 1992, as ONGs
              filiadas à ABONG (Associação Brasileira de Organizações não
              Governamentais), trabalharam para organizar um movimento contra o apartheid
              social que vem se acentuando na sociedade brasileira. Desde 1992, este
              desafio tem sido assumido por um amplo espectro de organizações
              da Sociedade Civil – através do Movimento pela Ética na Política
              – que adotou como objetivo urgente o de erradicar a miséria e a
              fome no Brasil. A atuação das
              ONGs vem, paulatinamente, ganhando um sentimento de generalização.
              Cada instituição, guardando suas especificidades, procura agir
              como um coletivo articulado, que discute, formula e planeja ações
              comuns. Atualmente uma verdadeira rede de ONGs está formada para
              intervir na Campanha pela erradicação da fome e da miséria e
              pela vida. A firme e
              coerente exigência de ética na política, felizmente, não ficou
              circunscrita ao momento da destituição do Presidente da República
              Fernando Collor de Mello; ela consubstanciou-se numa nova onda de
              esperança e de solidariedade e ganhou impulso nesta Campanha que
              tornou-se hoje ponto de honra e motivo do despertar de uma nova
              consciência. A Ação da
              Cidadania contra a Fome e pela Vida, um movimento suprapartidário,
              democrático e articulado, desde o início, pelo sociólogo
              Herbert de Souza, o Betinho, vem, então, consolidando-se. Gradativamente,
              os mais diferentes segmentos da sociedade começam a envolver-se,
              a comprometer-se e organizar-se em grupos. Eles vão se criando,
              aberta e livremente; as ações vão ganhando configuração própria
              e as mais variadas experiências vêm sendo colocadas em prática,
              tanto a nível regional quanto nacional. O que é fundamental e
              decisivo nesta caminhada é que a Campanha está tomando os
              contornos de uma verdadeira luta pela democratização do país. Estamos
              assistindo à realização de variadas atividades de reflexões
              sobre o sentido dessas práticas. Os participantes da campanha
              discutem permanentemente suas dificuldades e incertezas e buscam
              novos caminhos a trilhar. Na etapa atual as
              atividades mais emergenciais de combate direto à fome e à miséria
              são combinadas com a reflexão sobre a educação e os Direitos
              Humanos. Todos desejamos
              uma sociedade democrática. A Democracia não se constrói no
              vazio, nem de cima para baixo. Uma sociedade só atinge uma
              verdadeira democracia quando seus cidadãos têm consciência de
              seus direitos e deveres. A noção de
              “Direito” no Brasil, sempre foi vaga e imprecisa, sempre como
              um privilégio da classe dominante em relação à grande maioria
              da população. Direitos foram
              sempre entendidos como “privilégios” para alguns e como
              concessão para outros, mas nunca como decorrentes da
              universalidade dos direitos humanos e da crença na dignidade intrínseca
              de todos e de cada um. Para aqueles que
              mais carecem dos direitos elementares, a idéia de “direitos”
              permanece muitas vezes associadas à suposta “bondade dos
              governantes” ou à fatalidade de uma condição social. 
              
               Dificilmente
              pensa-se em direitos como exigência em uma sociedade livre e
              justa e, menos ainda, em “direitos” como conquista. A idéia de que
              todos são iguais perante a lei não passa de uma falácia.
              “Poucos”, neste país, são mais iguais dos que os
              “muitos”, que compõem a maioria dos marginalizados da vida
              Brasileira. Herbert de Souza,
              o Betinho, definiu muito bem esta questão afirmando em várias
              ocasiões que “A dignidade humana não está no que a pessoa faz
              ou possui, mas no fato de ser pessoa humana. Por isso os direitos
              humanos são essenciais, universais, inalienáveis e invioláveis”. Paulo Freire
              complementa: “A cidadania é uma invenção coletiva. Cidadania
              é uma forma de visão do mundo”. Marilena Chauí,
              em seu artigo “Direitos Humanos e Meios” afirma que
              “Cidadania, hoje, é privilegio de classe, uma concessão
              regulada e periódica da classe dominante sobre as demais classes
              sociais, que pode ser retirada quando a classe dominante assim o
              decide (como nas ditaduras)”. Em suma: sem a
              igualdade, inexiste a liberdade; sem liberdade não há
              democracia. Para mudar o
              “status quo” o caminho mais premente é a atuação
              conscientizadora, preventiva e transformadora dos educandos. Os
              resultados se farão sentir a médio e longo prazos, mas,
              certamente, serão eficazes e profundos. Imprescindível,
              pois, para uma cidadania participante é o conhecimento e o exercício
              dos direitos individuais e coletivos, bem como dos seus deveres. As ONGs,
              lamentavelmente, muitas vezes desconhecem os instrumentos legais
              existentes em matéria de defesa dos Direitos Humanos (entre eles
              os documentos da ONU, assim como os inúmeros tratados que foram
              assinados e ratificados pelo governo brasileiro). As ONGs,
              promovendo a divulgação e incentivando o conhecimento da legislação
              brasileira relativa à Defesa dos Direitos Humanos e dos
              documentos internacional, poderão prestar inestimável ajuda na
              construção de uma sociedade verdadeiramente democrática. Além disso,
              evidentemente é necessária a observância das leis de Defesa dos
              Direitos Humanos na prática social, senão representará apenas
              uma letra morta. Na Conferência
              Mundial sobre Direitos Humanos que aconteceu em Viena, em 1993, as
              ONGs tiveram uma expressiva atuação. 15.000 delegados de países
              do mundo inteiro (o Brasil mandou 30 participantes) compareceram a
              um encontro paralelo. Apesar do
              resultado final da Conferência Mundial, ter se limitado a
              considerações gerais e teóricas, as ONGs conquistaram espaços,
              foram ouvidas e se firmaram na posição de fiscais da ação dos
              Governos. No Brasil, estas
              organizações – dentre elas a CJP – estão empenhadas em
              realizar um trabalho junto com o Ministério da Justiça, o
              Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e com a
              sociedade civil para influir na modificação das leis de execuções
              penais e para aferir as estatísticas de violações de Direitos
              Humanos em cada Estado da Federação. Enfim, é
              incontestável afirmar que a construção de uma sociedade democrática
              – onde haja a possibilidade concreta de gozo dos direitos por
              todos – passa fundamentalmente pela ação permanente das ONGs. A existência de
              instrumentos internacionais declarando Direitos Humanos
              fundamentais, obrigando os Estados a respeitá-los e a implementá-los,
              criando mecanismos de garantia é um avanço considerável, que
              favorece a defesa da igualdade humana. É imprescindível,
              entretanto, que no interior de cada Estado desenvolva-se um
              trabalho intenso de divulgação e de conscientização de forma
              que os instrumentos internacionais possam ser aplicados, efetiva e
              adequadamente a cada realidade. É indispensável que, em cada
              lugar, as instituições jurídicas reflitam os valores do povo e
              que todas as forças sociais comprometam-se com a eliminação dos
              fatores de discriminação e de marginalização. Somente assim
              prevalecerá a justiça, requisito indispensável para a Paz. |