
Cardeal
Arns fala dos
princípios de justiça e igualdade
O
SÃO PAULO –
09 de dezembro de 1998 – Pág. 12
O
“pai” da Comissão Justiça e Paz de São Paulo é o
cardeal Paulo Evaristo Arns, arcebispo emérito de São
Paulo. Foi ele quem, em 1972, convenceu o jurista Dalmo de
Abreu Dallari a juntar “uma dezena” de pessoas para
criar uma entidade dedicada à defesa dos direitos
humanos. Vinte e seis anos depois, dom Paulo diz que a
iniciativa teve frutos abundantes. “Hoje é preciso
difundir ainda mais os princípios de justiça, paz e o
espírito que motivou a Declaração Universal dos
Direitos Humanos”, declara nesta entrevista.
Dom Paulo,
qual a sua primeira lembrança da Comissão Justiça e
Paz?
É
da Comissão Justiça e Paz criada pelo Papa Paulo 6º,
que me inspirou. No Brasil, perguntei aos bispos do Estado
de São Paulo o que eles achavam de criar uma comissão de
justiça e paz. Eles disseram que seria ótimo e eu
comecei a recorrer a pessoas, perguntando se queriam
formar comigo uma comissão na Arquidiocese.
Eles
almoçavam e jantavam em minha casa, e nada. Tinham medo
da situação política. Até que surgiu Dalmo de Abreu
Dallari, a quem respeito muito, que foi de Office-boy a
catedrático da USP. Ele imediatamente aceitou e reuniu
uma dúzia de pessoas que decidiram, nesta época, criar a
Comissão Justiça e Paz.
Quais fatos
mais lhe marcaram nestes anos?
A
lembrança mais forte que tenho foi o assassinato de Santo
Dias, pelas costas. Junto com dom Angélico Sândalo
Bernardino, fui até o Instituto Médico Legal, onde
encontrei seu corpo, nu.
Coloquei
o dedo no ferimento e, diante de doze delegados, rezamos o
Pai-Nosso e disse: “Vocês foram covardes porque o
mataram pelas costas”. Depois disso, foi feito o velório,
durante toda a noite, na Igreja da Consolação, e depois
o cortejo até a Catedral, na Praça da Sé, com a presença
de 10 bispos, 200 padres, 100 mil pessoas. Não me lembro
de fato mais triste e mais emocionante, pois desencadeou
um movimento de reação à violência.
Alguma outra
lembrança?
Lembro
também de uma vez que fui visitar 13 sindicalistas presos
e entre eles encontrei o Dalmo de Abreu Dallari e o José
Carlos Dias. Consegui tirar os dois, da Comissão Justiça
e Paz, e mais tarde todos 13 foram soltos.
Qual
foi o maior gesto de solidariedade que o senhor recebeu
neste período?
Foram
muitos, mas o maior foi do Dalmo Dallari, de ter aceito a
presidência da Comissão Justiça e Paz e reunido
companheiros corajosos que me cercassem constantemente com
seus conselhos e também assumissem a defesa dos
desaparecidos, dos torturados e dos presos, sobretudo dos
operários.
Neste
cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, o que ainda falta?
Hoje
há a necessidade de difusão dos princípios de justiça
e paz e do espírito que animou a Declaração. É preciso
dar um novo sentido à convivência humana, com respeito
à mulher e ao homem. Isso tem sido feito pela Comissão
Justiça e Paz em muitos colégios e nos cursos a oficiais
e comandantes dos polícias.
Em
segundo lugar, é preciso complementar a Declaração dos
Direitos Humanos com o respeito aos direitos das crianças
e adolescentes. Além disso, a convivência entre todos os
povos deve ser cultivada, assim como a defesa de pessoas
que no mundo todo se vêem obrigadas a migrar, os exilados
e refugiados políticos e econômicos. No Brasil, é
necessário lutar pelos direitos de todos e pelo fim da
exclusão social.
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