Publicado
na revista: Política e Trabalho 12 -
Setembro / 1996 - pp. 40-52
A ESFERA PÚBLICA DA CIDADANIA: O CASO DO CONSELHO
DE DIREITOS HUMANOS DA PARAÍBA
Vamos
tratar, em minha exposição, da esfera
pública da cidadania, que não é senão
uma das formas de institucionalização
da democracia participativa. Iremos
analisar, especificamente, os Conselhos
Estaduais de Cidadania e, em particular,
o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos
do Homem e do Cidadão (CEDDHC) da Paraíba.
Seria
interessante e indispensável, antes
de entrar diretamente na abordagem deste
tema, discutir alguns conceitos. Claro
que apenas de forma introdutória e genérica,
para podermos situar questões como democracia,
democracia direta, participativa, representativa
e esfera pública de cidadania, entre
outros.
Em
primeiro lugar, o conceito de democracia.
A democracia é o regime em que o povo
governa. Esse regime democrático em
que o povo governa tem, portanto, como
característica primeira e inarredável
a de ter o povo como a fonte de todo
o poder. Porém isso não é suficiente:
é preciso que ele o exerça, direta ou
indiretamente. Sabemos que a democracia
direta, na sua plenitude, como forma
determinante ou dominante de processo
de governo não existe mais nas grandes
nações modernas, nas grandes democracias
modernas. A democracia direta se exercitou,
basicamente, na Antigüidade. O exemplo
clássico é o da Grécia, onde o povo,
reunido na Ágora, praça a em que se
exercia a cidadania, governava diretamente
os assuntos da Pólis, da Cidade-Estado.
Quero lembrar que a palavra "povo"
deve ser entendida em seu sentido estrito,
visto que o "povo" era apenas
uma pequena minoria de cidadãos livres:
a maioria (escravos, mulheres e estrangeiros)
não votava. Mas essa pequena minoria
[fim da página 40] votava e também
governava diretamente. Os funcionários
do governo apenas executavam decisões
tomadas coletivamente. Bom, o fato é
que estamos num regime de democracia
representativa e este regime, como qualquer
regime democrático, exige que a fonte
do poder seja o povo. Exige, também,
que determinados princípios e valores
que se consubstanciam nas regras fundamentais
do constitucionalismo moderno sejam
respeitados. São os chamados Direitos
do Homem e do Cidadão: direito à integridade
física e psíquica, direito à dignidade,
à vida, à liberdade de locomoção, à
liberdade de imprensa, aos direitos
civis, aos direitos políticos, portanto,
ao direito de voto, etc. Então, o exercício
desses direitos integra o regime democrático.
Todavia, não basta que a fonte do poder
seja o povo. Tanto assim que tivemos,
há algum tempo, no Iraque, um referendo
para confirmar a permanência de um ditador,
Sadan Hussein, no poder. Mas esse referendo
é uma farsa, pois é preciso que se exercite
a liberdade de expressão e o contraditório
para que o povo possa formar o seu juízo.
A democracia exige o respeito a regras
previamente estabelecidas, dentre as
quais a principal é o sufrágio universal.
A regra do sufrágio universal define
a legitimidade do poder, desde que
a escolha se faça com base em uma situação
de exercício de liberdades, onde exista
o mínimo de oposição entre idéias, grupos
e partidos. Nós temos, então, a
democracia representativa como o sistema
democrático dominantae. Nela não se
governa diretamente, mas o povo governa
pelos seus representantes, que são os
deputados, governadores e todos aqueles
que são eleitos por ele.
Um
regime democrático-representativo pode
resgatar elementos da democracia direta
e a chamada "Constituição Cidadã"
exatamente o fez, em 1988, incorporando
aos seus princípios e às suas normas
a possibilidade do exercício dessa democracia
direta. Tanto no processo legislativo,
portanto no exercício do Poder Legislativo,
quanto no exercício do Poder Judiciário
e, sobretudo, no exercício do Poder
Executivo. No Poder Legislativo, a democracia
direta se manifesta através do plebiscito
e do referendo: quem decide se a lei
vai ter vigência ou não é o povo - tivemos
recentemente o caso do Presidencialismo
e do Parlamentarismo - e nesse momento
o pronunciamento do povo é decisivo.
Então, o povo participa do processo
legislativo, através de um plebiscito,
por exemplo, onde ele se manifesta a
favor ou contra alguma proposta que
venha do Executivo. Ele pode participar
também do processo legislativo através
das iniciativas populares e elas abundaram
no processo constituinte. Quer dizer,
o povo pode apresentar um projeto de
lei e esse projeto será proposto para
discussão, desde que tenha um certo
número de assinaturas, [fim da página
41] independentemente da aprovação
dos deputados. São inovações importantes
que ampliam o espectro da chamada democracia
participativa. Há também no Judiciário
elementos da democracia direta. No Tribunal
do Júri, por exemplo, é o povo diretamente
que julga - inclusive este dispositivo
já estava em nossa Constituição antes
da "Constituição Cidadã" ser
editada, já é uma tradição nossa.
Assim,
com a vigência da Constituição de 1988,
criaram-se inovaações que incidiram
no Poder Executivo. Destacamos o surgimento
de uma esfera pública de cidadania que
se materializa em diferentes órgãos,
como, por exemplo, os Conselhos de Cidadania,
onde a sociedade organizada participa
diretamente da gestão pública. Normalmente
a gestão pública é exercida pelo governo,
que é eleito. Portanto, o povo exerce
o poder através dos seus representantes.
No caso da democracia participativa,
o povo participa diretamente, sem passar
pela escolha de representantes, através
das entidades da sociedade civil que
integram esses Conselhos e esta participação
no exercício do poder pode se dar em
dois níveis: 1) Na fiscalização do Poder
Público. Essa é uma característica essencial
do Conselho Estadual dos Direitos do
Homem e do Cidadão (CEDDHC) da Paraíba,
que é um Conselho de caráter propositivo
e consultivo. Mas existem outros Conselhos,
onde a sociedade organizada ingressa
no Estado para fiscalizar, tendo inclusive
poderes para participar da formulação
das políticas públicas e para editar
normas de ação para o Poder Público
na área que atua: é o caso, por exemplo,
do Conselho Estadual de Habitação, de
Saúde e, até certo ponto, do Conselho
Estadual da Criança e do Adolescente.
2) Na gestão de entidades públicas.
Temos o exemplo da Universidade, onde
existem entidades da sociedade que participam
do Conselho Universitário, que é instância
máxima da instituição. Mas é preciso
que as grandes empresas estatais, como
a Petrobrás e a Vale do Rio Doce sejam
também públicas, controladas pelo público,
dotadas de controle social e isso ocorrerá
se essas entidades incorporarem nos
seus conselhos de administração representantes
dos trabalhadores, representantes dos
usuários, representantes de entidades
que congregam juristas, ecologistas,
militantes de direitos humanos, etc.
Então, aí se manifesta também a esafera
pública da cidadania, na medida em que
os cidadãos, através das suas entidades,
diretamente, podem participar da administração
da res publica, seja ela integrante
do poder executivo ou empresa estatal.
Agora, há também uma esfera pública
que não é estatal. Existem diversas
entidades que são dotadas de um certo
grau de universalidade nos seus objetivos,
como os Centros de Defesa dos Direitos
Humanos, que visam a objetivos públicos,
de interesse público, como a promoção
[fim da página 42] da cidadania,
o respeito à lei e a garantia da participação
do cidadão na coisa pública. Há entidades
ecológicas, que, a exemplo da Associação
Paraibana dos Amigos da Natureza (APAN),
são de direito privado, mas que têm
por finalidade garantir interesses coletivos
e difusos (no caso da APAN, o equilíbrio
ecológico).
Eu
gostaria de falar agora dos Conselhos
que materializam a democracia participativa.
Mas, antes de entrar na questão específica
nossa, eu queria fazer uma observação
que considero essencial: nós precisamos
ter uma visão crítica da democracia
representativa em que vivemos. Eu entendo
que a democracia representativa baseada
no sufrágio universal é efetivamente
o único conduto que temos para possibilitar
um aprimoramento constante do regime
democrático. É preciso que tenhamos
consciência das limitações da democracia
representativa, não para destruí-la,
mas para aprimorá-la - e elas são imensas.
O que eu quero dizer é que não adianta
participar da gestão pública, fiscalizar
o Estado se este sempre for ocupado
pelas classes dominantes, pelas oligarquias,
por setores conservadores. Se não se
fizer reformas no sistema eleitoral,
se não se fizer reformas políticas,
se não se fizer reformas que assegurem
a plenitude da soberania popular, esta
continuará deficiente e distante do
que preciasa ser, deixando o povo confinado
na periferia do poder. A soberania popular
existe quando há uma possibilidade efetiva
da livre formação da vontade política,
notadamente quando o povo é convocado
para votar. Isso se dá quando, através
do contraditório, de um debate, a maioria
do povo possa ter acesso a diferentes
posições e, a partir daí, tem condições
de comparar as posições expostas e,
assim, formar um juízo sobre qual é
o melhor partido, o melhor programa,
o melhor candidato. Atualmente, nós
sabemos que isso não existe, ou existe
muito precariamente, pois para que o
contraditório e a liberdade de expressão
sejam respeitados, temos que lutar pela
reforma da lei que rege a concessão
dos meios de comunicação, temos que
lutar pela democratização desses meios.
Enquanto uma grande rede de televisão,
como a Globo, continuar sem ter contas
a prestar à nação, a não organizar uma
programação educativa, como manda a
Constituição, a não organizar uma programação
que seja democrática, como manda os
princípios do nosso sistema, esses princípios
não serão respeitados. Na época das
eleições não há a possibilidade de uma
palavra ou de um pensamento dissonante,
o que ocorre são vergonhosas manipulações.
Temos, portanto, que democratizar os
meios de comunicação, garantindo que
eles não fiquem nas mãos de um só. Nós
temos que reformar a lei eleitoral.
Em artigo de sua autoria, Luis Fernando
Furquim, coordenador financeiro da campanha
presidencial de Fernando Henrique Cardoso,
[fim da página 43] mostra que
a lei eleitoral em vigor, decididamente
favorece o poder econômico, pois isenta
da prestação de contas a grande maioria
dos candidatos que se situa em municípios
onde a lei, pela sua dimensão, entende
que deve dispensar essa prestação. Permite-se,
assim, que as empresas contribuam com
um percentual de faturamento de milhões
dea dólares para campanha, falseando,
portanto, completamente, o mínimo de
igualdade que deva existir. Não haverá
condições decentes para um regime democrático
enquanto não houver uma mobilização
para se garantir uma reforma do sistema
eleitoral, pois é preciso que o povo
tenha a liberdade de escolher e aí temos
que lutar contra a manipulação do poder
econômico e ideológico. Entretanto,
é preciso também que os escolhidos tenham
representatividade e nós vivemos num
sistema onde a representatividade no
Congresso Nacional é precária pela própria
natureza das regras do jogo do processo
eleitoral. Vocês devem saber que Estados
escassamente povoados, que não têm sequer
um milhão de habitantes, já têm garantidos,
na Câmara dos Deputados, oito representantes,
no mínimo. Enquanto Estados altamente
populosos, como São Paulo, têm um teto
na sua representação, que de setenta
passou para oitenta. Isso é um artifício
que faz com que os setores mais modernos,
organizados e dinâmicos da sociedade
brasileira fiquem sub-representados:
o voto de um paulista vale muito menos
que o voto de um acreano. Embora se
fale no princípio da proporcionalidade,
este é logo destruído pelo "jeitinho
brasileiro" quando se coloca um
teto de representação. A ditadura militar,
que exacerbou essa distorção, procurou
enfraquecer o peso do voto dos centros
mais politizados. Uma última questão
que gostaria de abordar, dentro da temática
do sistema eleitoral, é a do voto distrital.
O sistema do voto distrital permite
que o poder econômico seja largamente
enfrentado, na medida em que, por hipótese,
em João Pessoa, numa eleição para Deputado,
teria-se distritos pequenos, sendo,
por exemplo, escolhido um Deputado pelos
bairros das praias, Bairro dos Estados
e do Centro, apenas se fazendo campanha
ali. Isso tem um significado econômico,
pela considerável diminuição dae despesas
e político, pela aproximação do candidato
com o eleitor, disto resultando o fortalecimento
dos partidos e do seu conteúdo programático.
Então, são questões que eu coloco e
encerro aqui, ainda acrescentando a
necessidade do controle social das empresas
estatais e do governo. Com essas reformas
nós teríamos condições para aprimorar
o nosso sistema democrático. Do contrário
ele permanecerá sendo, em larga medida,
uma farsa.
Gostaria,
então, depois de feitas essas observações,
de fazer uma análise de como se dá a
participação nos Conselhos de Cidadania.
O que [fim da página 44] são
esses Conselhos que materializam a democracia
participativa? 1) os que têm atribuições
de fiscalização, denúncia e acompanhamento
da gestão pública: a função consultiva
e propositiva, própria dos Conselhos
de Direitos Humanos. 2) os que têm funções
normativas e de formulação de políticas
públicas, como o Conselho de Habitação
e o Conselho Estadual de Saúde. No primeiro
caso, o dos Conselhos de Cidadania -
é normal que tais Conselhos sejam dominados
por órgãos independentes do governo,
do Poder Executivo, pois para que se
faça uma fiscalização do governo que
seja digna desse nome é preciso que
os fiscais tenham autonomia em relação
ao governo, não sejam prepostos dele.
Então, é preciso que a maioria das entidades
que compõem esses Conselhos seja independente
do Poder Executivo, independente do
governo. No segundo caso, o caso dos
Conselhos de Saúde e de Habitação, o
normal é que estes Conselhos sejam constituidos
majoritariamente de órgãos e entidades
dependentes do governo. Incorporam a
sociedade organizada de forma direta
na fiscalização, na normatização e até
na formulação das políticas públicas,
mas numa posição minoritária. Por que?
Porque quem foi eleito para governar
tem de ter aa prerrogativa de escolher
as políticas públicas que vai implementar.
Caso contrário, não tinha sentido eleger
o governador.
Gostaria
de examinar, agora, o caráter dos órgãos
públicos que integram os Conselhos:
entre estes, há uma distinção fundamental,
os que dependem do governo e os que
gozam de autonomia perante ele. Na Paraíba,
por exemplo, várias autarquias federais
(Universidade, OAB, os Conselhos Regionais
de Economia e de Medicina) integram
o seu Conselho de Direitos Humanos,
o CEDDHC. A Universidade Federal da
Paraíba é representada nesse Conselho
pela sua Comissão de Direitos do Homem
e do Cidadão (CDHC). Este órgão, por
exemplo, seria independente da administração
ou seus membros são nomeados e demissíveis
ad nutum pelo Reitor? Abasolutamente
não. Os integrantes da CDHC são eleitos
pelo Conselho Universitário. Eu, por
exemplo, fui eleito por esse Conselho
para ser membro da Comissão. Comissão
esta que me elegeu para representá-la
no CEDDHC, onde fui eleito por unanimidade
para presidi-lo. Portanto, a nossa autonomia
em relação ao Governo é a mais completa
e em diferentes circunstâncias demonstramos
isso da forma mais cabal.
Da
mesma forma, a OAB e os Conselhos Regionais
de Medicina e de Economia são "órgãos
governamentais", no sentido de
exercerem prerrogativas inerentes ao
poder do Estado. Mas o que importa aqui,
é que são totalmente independentes do
governo estadual. E, mais do que isto:
congregam núcleos de maior representatividade
da sociedade civil organizada, [fim
da página 45] comprometidos com
o aprimoramento do regime democrático.
Então,
o critério distintivo decisivo não é
mais o de entidade governamental ou
não-governamental e sim o da independência
em relação ao Governo. E o a segundo
critério é saber se a direção de um
órgão dessa natureza, como o Conselho
de Defesa de Direitos Humanos, é eleita
ou nomeada. Quando quem preside uma
entidade como esta é um Secretário de
Estado, então o Conselho está "nas
mãos do Governo". Quando a presidência
é eleita e tem mandato ela goza de independência.
Eu
quero fazer algumas observações sobre
o que foi dito a respeito dos Conselhos.
Há enormes pressões contrárias à implantação
e ao bom funcionamento desses Colegiados.
Nossa democracia é precária, seu processo
é ainda embrionário, a sociedade pouco
afeita à democracia se preocupa de maneira
irrisória com essas questões e ainda
assim as classes dominantes que detêm
o poder do Estado se apavoram com a
mínima possibilidade de transparência.
Um caso emblemático é o de Sergipe.
Estive na Assembléia Legislativa de
Sergipe e defendi a criação do Conselho
Estadual de Direitos Humanos em sessão
plenária daquele órgão. O Deputado Renato
Brandão, por duas vezes, tentou criar
um Conselho Estadual de Direitos Humanos,
sem êxito. Em Brasília, o Governador
Cristóvam Buarque se propõe a apresentar
o projeto criando o Conselho de Direitos
Humanos e o cargo de Ombudsman,
inspirado no nosso Conselho e nas sugestões
que demos sobre a Ouvidoria Pública,
através de contato sistemático com o
Governo do Distrito Federal, mas vem
encontrando resistências. Finalmente,
em Pernambuco, o Governo de Arraes,
apesar de ter um Secretário de Justiça
historicamente ligado à causa dos Direitos
Humanos, vem, surpreendentemente, com
argumentos pouco convicentes, resistindo
à criação de um Conselho de Direitos
Humanos.
Vamos,
agora, nos dedicar à análise do tema
central da nossa exposição: O Conselho
Estadual de Direitos do Homem e do Cidadão
(CEDDHC) da Paraíba. a
Quais
foram as ações básicas e a contribuição
fundamental do Conselho Estadual de
Direitos Humanos à construção da cidadania
na Paraíba e no país? O que nós buscamos
basicamente? Enraizar e disseminar uma
mentalidade democrática no Estado da
Paraíba, associando a questão da democracia
ao respeito dos direitos do homem e
do cidadão. Nós fizemos isso de diferentes
formas e eu queria dizer que este é
um dos objetivos fundamentais de um
Conselho como o nosso: buscar o aprimoramento,
a disseminação e a consolidação da democracia,
sendo os direitos do homem e do cidadão
os pilares desse sistema democrático.
Procuramos [fim da página 46]
atingir este objetivo através, em primeiro
lugar, da organização de seminários,
cursos, eventos e publicações. Estamos
aqui diante de um curso típico, onde
discutimos a questão da democracia e
da participação e eu acredito que isso
possa ter uma repercussão importante,
no sentido da compreensão dos mecanismos
da democracia e da sua importância para
a construção de uma sociedade mais justa.
Esses cursos estão sendo realizados
nos bairros, inclusive estão sendo interiorizados,
pois Campina Grande já dispõe de um
Comitê Municipal do CEDDHC. Nos preocupamos,
em particular, em organizar palestras
e debates para as polícias militar e
civil do Estado Realizamos, também,
eventos de caráter nacional que deram
grande credibilidade ao Conselho, como
o I Encontro Nacional de Ouvidorias
Públicas. Os Anais desse Encontro estão
sendo publicados pelo nosso Conselho,
em co-patrocinio com o Governo do Distrito
Federal, tendo a apresentação do Governador
Cristóvam Buarque. Temos várias publicações
com Prefeituras e com entidades que
se destacam pela sua preocupação com
os Direitos Humanos. Por exemplo, a
Prefeitura de Belo Horizonte vai editar
conosco um dossiê a respeitao dos órgãos
de cidadania. Eu tenho impressão que
esse foi um ponto fundamental da nossa
atuação.
Um
segundo aspecto a destacar na atuação
do CEDDHC é o intercâmbio que mantêm
com vários órgãos de cidadania do país,
com vistas à disseminação das instituições
da democracia participativa, como os
Conselhos Estaduais e as Ouvidorias
Públicas. Não nos contentamos com uma
atuação apenas provinciana. Não devemos
cultivar a vocação de periferia, e sim
buscar influenciar os destinos do país,
contribuindo para o desenvolvimento
de uma consciência democrática no Brasil
e para seu aperfeiçoamento institucional,
no sentido de uma participação crescente
de cidadania na gestão do Estado. O
que depende de uma ação convergente
de todas as forças vivas do país, e
não apenas das iniciativas provenientes
do "Sul Maravilha".
Um
terceiro aspecto diz respeito ao trabalho
do Conselho no campo da defesa dos direitos
do homem. Eu gostaria de explicar a
diferença entre os direitos do homem
e do cidadão. Isso não é absolutamente
rígido, mas a gente pode entender a
partir de diferentes enfoques, por exemplo:
os direitos do homem tutelam qualquer
pessoa humana e em geral estão relacionados
com a defesa da integridade física e
psíquica do indivíduo. Então, como defensores
dos direitos humanos, no sentido estrito
do termo, preocupamo-nos em denunciar
a tortura, a violência física. A esse
respeito, um conhecido pintor paraibano,
Flávio Tavares, fez duas ilustrações
e nós vamos, então, através de cartazes,
onde um tem um [fim da página 47]
"pau-de-arara" e o outro uma
mulher com expressão de sofrimento,
iniciar, a partir da data da Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão,
em dezembro, uma campanha contra a violência
e a favor tipificação da tortura comao
crime. Esta é uma luta difícil, por
causa da relativa indiferença de entidades
da sociedade face ao tema, pelo desinteresse
e falta de responsabilidade da maioria
dos membros do Congresso Nacional, cuja
omissão na matéria foi surpreendentemente
denunciada pelo Presidente da República,
Fernando Henrique Cardoso, nas comemorações
do dia 7 de Setembro.
Também
por Direitos Humanos, no sentido específico
do termo, entende-se a denúncia da violência
social, quer dizer, os Direitos Humanos
negados por uma estrutura social excludente.
Estes direitos se expressam na defesa
da reforma agrária, da distribuição
de renda, na luta contra o desemprego,
etc.
O
quarto ponto de atuação do CEDDHC, que
nos parece decisivo, foi o da luta pela
construção de uma mentalidade cidadã
e de uma ética republicana e democrática,
baseada no respeito, à igualdade efetiva
de todos perante a lei, na moralidade
pública e na práxis democrática e participativa.
Assim, sabemos, que o princípio da igualdade
jurídica foi proclamado desde a Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão na
Revolução Francesa, em 1976, entretanto
ele continua sendo sistemática e violentamente
desrespeitado com o silêncio cúmplice
da sociedade civil, inclusive da melhor
sociedade civil organizada - e o Conselho
atuou nesta questão de forma contundente.
No episódio do Gulliver, que
envolveu o então Governador Ronaldo
da Cunha Lima e o ex-governador Tarcísio
de Miranda Burity, o Conselho foi o
único órgão da Paraíba que, de forma
destacada, sistemática e abrangente
se posicionou denunciando o fato e mostrando
que o então Governador não tinha condições
de permanecer exercendo o cargo, exigindo
o seu afastamento do Governo do Estado
como uma condição de respeito à ética
política, pois o chefe do Poder Execuativo
se escudou no manto da imunidade para
assegurar a impunidade. Nós dissemos
naquela ocasião em, Nota Oficial, que,
com as mãos sujas de sangue, o Governador
do Estado não teria autoridade moral
para exigir o respeito à lei. Como é
que o Estado ia se comportar, qual autoridade
teria para exigir do cidadão pobre,
que é o que lota as penitenciárias,
que ele fosse purgar por crimes muitas
vezes de menor monta enquanto o Governador,
escudado na imunidade do seu cargo,
permanecia impune? Naturalmente nosso
posicionamento foi feito dentro do espírito
do mais completo distanciamento partidário,
pois se trata de um princípio e de uma
verdade, que é a verdade da democracia
e que tem que prevalecer [fim da
página 48] contra as verdades que
pretendem ser as únicas possíveis na
Paraíba, que é a verdade político-partidária.
Uma grande conquista do Conselho foi
construir uma reputação de credibilidade
de tal maneira que hoje eu acredito
que ninguém ouse pretender que nós tenhamos
um comportamento ditado por partidos
políticos, os partidos políticos se
encontram há anos-luz da nossa área
de atuação. Embora eles sejam fundamentais,
não podem interferir em órgãos como
o CEDDHC.
Um
outro exemplo de atuação deste Conselho
na defesa dos direitos do cidadão refere-se
aos direitos dos portadores do HIV.
Para a minha surpresa, pessoas muito
interessantes e esclarecidas sustentavam
que era legítimo que eles fossem proibidos
de prestar concurso público. Vários
órgãos discriminaram estes portadores
e nós fizemos debates, escrevemos um
artigo no jornal mostrando que era inaceitável
esta discriminação, baseados sempre
na questão da lei e da defesa de princípios
fundamentais da democracia. Também nos
preocupamos em defender do patrimônio
público e da moralidade administrativa.
Um fato que vinha ocorrendoa durante
anos é a utilização pelo governante
de plantão, seja ele Governador do Estado
ou Prefeito, do dinheiro publico para
sua auto promoção. Durante anos assistimos
toda sorte de abuso nesta área. A Constituição
do Estado teve incorporados em 1988,
graças a sugestões minhas feitas com
a colaboração do Procurador Luciano
Maia, dispositivos que consideram crime
de responsabilidade esta atitude. A
Constituição Federal proíbe tal conduta,
cominando, entre outras, pena de cassação
de mandato do infrator. Até hoje, o
que aconteceu, entretanto, foi a omissão
do Ministério Público diante disto.
Recentemente nós propusemos ao Procurador
Geral de Justiça uma ação civil pública
contra o Prefeito de João Pessoa, Chico
Franca, e contra a Prefeitura e a Câmara
Municipal de Sapé. E vamos continuar
atuando onde persistir a prática de
fazer notas em jornais ou propaganda
de televisão exaltando figuras políticas
às custas do nosso dinheiro. Para vocês
medirem a extensão da debilidade da
nossa democracia e a passividade da
sociedade civil, basta observar que
durante anos esses crimes vêm sendo
praticados com a nossa absoluta e cândida
cumplicidade. Não pode haver democracia
enquanto nós apenas estejamos preocupados
com nosso sindicato, em botar mais dinheiro
no bolso, por mais legítima que possa
ser esta aspiração. Não pode haver democracia
enquanto a Universidade estiver isolada
na sua torre de marfim, pretendendo
aposentadorias precoces e querendo se
eximir de qualquer controle social na
sua avaliação; enquanto a Polícia Militar
desenvolver um comportamento corporativo;
enquanto a OAB não admitir críticas
ao seu estatuto; enquanto o Poder Judiciário
submeter à execração pública [fim
da página 49] quem luta pelo seu
controle externo. Nós temos que vencer
estes condicionamentos corporativos,
caso contrário não teremos a democraacia,
teremos uma brincadeira. Nós não podemos
construir uma democracia enquanto não
tentarmos nos voltar para a formulação
de projetos e de uma visão da transformação
da sociedade que vise, predominantemente,
o interesse público. Isso é possível
se tivermos coragem de enfrentar as
nossas próprias mazelas.
Eu
estou me aproximando do fim e até antecipei
algumas considerações, mas ainda queria
lembrar um aspecto ao qual damos muita
atenção, que foi a questão da luta pela
liberdade de imprensa na Paraíba. Luta
pela liberdade de imprensa? Sim, a liberdade
de imprensa é muito relativa na Paraíba.
Por exemplo, na campanha para Governador,
dois candidatos se apresentaram. Nós
do Conselho propusemos um debate - com
cada candidato isoladamente - com perguntas
apresentadas previamente, por escrito.
Um compareceu e o outro não. Com isso,
fui à imprensa denunciar a omissão de
um dos dois candidatos, que sequer respondeu
à convocação para o debate. Pois bem,
eu não consegui espaço de uma reportagem
para colocar isso porque nos dois jornais
era preciso não só elogiar, mas elogiar
muito esse candidato que se omitiu.
Caso contrário, nada referente a ele
sairia. Quer dizer, em um momento decisivo,
e não por coincidência, o poder econômico
determina quem quer que vá para o poder
e não dá espaço para oposição. Digo
isso sem desdouro algum para com o candidato
a que estou me referindo. O que está
me interessando é constatar os limites
da liberdade de imprensa. No momento,
por exemplo, de fazer com que divulgássemos
a nossa luta contra os Prefeitos e os
governantes que estão utilizando o dinheiro
público para promoção pessoal, em flagrante
violação à lei, nenhum jornal publicou
nada. Apenas o Ouvidor Rubens Nóbrega,
do Correio da Paraíba, que tem tido
um desempenho extremamente consentâneo
com o comportamenato democrático e de
cidadania, divulgou, na sua coluna,
que a ação civil pública que requeremos
contra o Prefeito de João Pessoa não
havia sido noticiada.
Ainda
sobre a questão da imprensa, por ocasião
do episódio Gulliver, nós atacamos
o jornal A União, mas não o jornal em
si, pois achamos que ele, assim como
a rádio Tabajara, ambos órgãos do Governo
do Estado, podem continuar existindo.
Mas é preciso saber se eles existem
apenas para promover o governante de
plantão ou se eles devem existir como
órgãos que possam expressar a pluralidade
e a riqueza das opiniões sobre as políticas
públicas, sobre a vida política paraibana.
Nesse episódio A União teve um comportamento
particularmente vergonhoso, mas não
só ela, pois existe uma imprensa oficial
que é privada, como O [fim da página
50] Correio, que teve esse mesmo
comportamento. O que aconteceu foi que
A União publicou um dos primeiros editoriais
intitulado "o segundo tiro",
querendo fazer crer que o Governador
Ronaldo Cunha Lima teria disparado o
segundo tiro, pois o primeiro teria
sido o tiro desfechado contra a honra
do então Governador. Trata-se, como
se vê, de uma forma de justificar o
delito do então governador Ronaldo Cunha
Lima. Em seguida, num processo bajulatório
dos mais deploráveis, A União incitou
ao crime em uma série de reportagens.
Nós levamos esta questão ao Procurador
Geral de Justiça, pedindo que ele verificasse
os indícios de incitação ao crime e
eu continuo aguardando até hoje, sem
esperança alguma de retorno. Então,
tudo isso nos leva a algo que é uma
reflexão sobre a democracia.
No
que diz respeito à democracia participativa,
os obstáculos ao seu funcionamento se
devem, em grande parte, aos políticos
conservadores da classe dominante que
não querem abrir espaaço para a transparência,
a participação, mesmo que esse espaço
seja mínimo e mesmo que ele não ponha
em questão o seu poder. Mas o que eu
queria chamar atenção aqui é para o
fato de que a responsabilidade maior
é nossa. Nós criamos um Conselho que
envolve dezessete entidades altamente
importantes, das mais representativas
da sociedade e a participação de muitas
delas no Conselho é nula ou próxima
disso. O que há é um apoio passivo às
iniciativas do Presidente e da Diretoria.
A sociedade civil está pouco se lixando
para o que possa acontecer nas questões
que dizem respeito à democracia, aos
direitos humanos e é isso o que nós
temos que enfrentar. A teoria é fundamental,
mas a teoria não vale coisa alguma se
for para alimentar a famosa - perdoem-me
a expressão produzida por um Ministro
- "masturbação sociológica".
O que nos interessa é fazer da teoria
um instrumento da transformação da sociedade
e esse instrumento passa pela consciência
democrática. Precisamos afastar a perspectiva
de vanguardas iluminadas que pretendem
encontrar respostas para o nosso povo,
pois o risco que a gente pode correr
é muito grande. Com efeito, a História
ensina que essas vanguardas, mesmo quando
muito bem intencionadas, quando assumiram
o poder, afastaram-se dos princípios
a que originariamente estavam ligadas,
esclerosaram o processo produtivo, o
crescimento da política social e a socialização
da política e fizeram com que o atraso
em relação às perspectivas de uma sociedade
democrática e socialista se tornasse
enorme e incomensurável. O desafio maior
que eu vejo é o do corporativismo, que
faz com que os melhores quadros, os
mais politizados, e, por vezes, os mais
generosos algumas vezes estejam envolvidos
em reivindicações exclusivamente corporativas.
Se você fala com um dirigente [fim
da página 51] de um sindicato de
funcaionários ele pode se considerar
o maior revolucionário do mundo. Mas,
na prática, o que ele faz, pelo menos
freqüentemente, é restringir toda a
sua atuação política a atitudes defensivas
e não propositivas, muitas delas contrárias
ao interesse social. E isto em nome
de um vanguardismo, de um revolucionarismo
que não se coadunam com um projeto de
modernização e de transformação da sociedade
que possa unir o que é imperativo para
a esquerda e o que é um imperativo para
aqueles que querem transformar a sociedade,
que é estabelecer um projeto capaz de
modernizá-la e não de fazer com que
sempre estejamos a nos defender. Precisamos
associar a modernização à democracia,
pois essa será a única possibilidade
de garantir a construção de uma sociedade
mais justa.
Notas:
1)
Conferência proferida no âmbito do seminário
sobre Cultura Política, Democracia e
Cidadania, promovido pelo Conselho Estadual
de Direitos do Homem e do Cidadão (CEDDHC)
e pela Comissão de Direitos do Homem
e do Cidadão da UFPB (outubro/novembro
de 1995).
2)
Doutor em Direito, na área de Política,
pela Universidade de Nancy (França).
Professor do Programa de Pós-Graduação
em Sociologia e do Mestrado em Ciências
Jurídicas da Universidade Federal da
Paraíba. Primeiro Vice-Presidente da
Associação Brasileira dos Ouvidores
(ABO).
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