Acervo
Livros de Dom Nivaldo Monte

Gestos de Fadário
Edição do Autor, 2002

O significado “dos gestos”

Sonetos

Natal

A Jangada

Fortaleza dos Reis Magos

O Sino da Matriz

Pétala de Rosa

O Cajueiro

A Mangueira

A Mangabeira

O mamoeiro

Composições Musicadas pelo Autor

Saudades da Serra

A Cascatinha

Acalanto

Trovas

Versos Soltos

Meu Primeiro Verso (1926)

Caminhos da Vida

Vozes dos Seres

Cordel

Uma Mentira de Viés

 

 

 

 

 

 

 

O SIGNIFICADO DOS “GESTOS”

Este livro não quer ter maiores pretensões literárias; quer somente fixar, no tempo,
alguns momentos líricos de uma vida.

SONETOS

NATAL

Natal, linda, como um sonho de ternura.
Fruto sazonado de um sonho bem sonhado.

Sobre as ribas do alcantil está chantada,
Às margens verdes do Rio Potengi.
Banhada de luz, ensolarada,
“A mais bela filha de Poty”.

Natal, puro esplendor da natureza,
Tu nos encantas ao primeiro olhar,
Como é bonito contemplar tua beleza
Nos céus, na terra, no azul do mar.

Teu encanto nos arrasta e nos fascina
Com teu gesto, donaire, de menina
Faz-nos sonhar felizes por te ver.

Como esquecer-te, sedutora amiga,
Tua beleza “tão nova e tão antiga”
Nos invade de emoção por te querer.

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A JANGADA

A deslizar tranqüila sobre as águas
Uma jangada o Potengi sulcando.
Ela parece meu peito soluçando,
Chorando dores e curtindo mágoas.

E se lançando pelo mar bravio
Em suas velas rompe a trovoada.
Lá vai ficando o rastro da jangada...
Deixando atrás a placidez do rio.

Se o furor da tempestade alcança
Leve, jangada frágil, pequenina,
Então só resta no peito uma esperança.

Os céus contempla o pescador arfando,
A Mãe de Deus evoca, suplicando,
E o mar se amaina ao sopro da neblina.

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FORTALEZA DOS REIS MAGOS

Nas rochas do arrecife, a mole avulta
Do Forte dos Reis Magos, à foz do Rio.
Impávida custódia altiva oculta
Mistérios do passado; os desafios.

De colossais muralhas patinadas
Do tempo passado, tão antigo.
Guarda as notícias inda irreveladas
Da rendição do Forte ao inimigo.

Mesmo ferido o Capitão do Forte
Recusa, terminante, até à morte,
Entregar a praça que incendeia.

Se não fosse o labéu que nos espanta,
Nunca, jamais, uma bandeira branca
Tremularia do Forte nas ameias.

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O SINO DA MATRIZ

A bimbalhar no alto campanário
O velho sino albores prenuncia.
Salpinta o ar em gestos de fadário,
O fugir da noite, o alvorecer do dia.

Oh! velho bronze, quantas vezes, quantas,
Tu me relembras sonhos esquecidos.
Quanta tristeza tu, alegre, espantas
Os de saudades corações curtidos.

Ouvindo-te agora quando a noite desce
De minha fronte os dilatados dias,
Vai-se evolando o pensamento em prece.

Embalas tanto o coração da gente
De um passado que jamais se esquece
Quando da vida o sol é sol poente.

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PÉTALA DE ROSA

Eu era bem pequeno, bem me lembro,
Dum bonito presente todo meu.
O fado de uma linda bonequinha,
Que lutou c’o gigante e o venceu.

Pétala de Rosa era a linda história
De Quita que lutou a noite inteira,
Por sua dona que aos seus pais fora raptada
Por uma velha e feia feiticeira.

Não te admires por eu ser tão velho
De fazer, como eu faço, eu te aconselho:
Nunca deites, cansado, pra dormir

À procura de um justo e bom repouso.
Nunca feches os olhos sem abrir
Um livrinho com fados de Trancoso.

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O CAJUEIRO

No fim do ano florescem cajueiros
Da minha terra, embalsamando o ar
Das ruas, da cidade, e tabuleiros.
Tudo recende aroma de pomar.

Da minha infância meu primeiro amigo,
Em tua sombra tanto eu traquinei.
Comigo tu sonhaste e eu contigo,
Os mais belos sonhos que sonhei.

Ainda hoje quando o vento leste
Refresca o ar em tardes de verão
É que relembro os sonhos já sonhados.

Vou recordando o amor que tu me deste,
Em dias tão felizes, tão lembrados,
Enchendo-me de paz o coração!

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A MANGUEIRA

Trazida pela mão de um menino,
A mangueirinha com três folhas, tão bonita,
Estava “se amostrando”, bem catita,
Esperando feliz o seu destino.

Ao primeiro olhar me cativando,
Não demorou muito e foi dizendo:
-Leva-me contigo, estou sonhando,
Abrindo-me as mãos se oferecendo.

Leva-me contigo, repetia,
Com medo talvez de eu me esquecer.
Eu vou florir bem depressa, assim espero,

Fazendo do pomar um paraíso.
Minha presença será como um sorriso
Dizendo-te a ti quanto te quero.

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A MANGABEIRA

No fim do ano, eis que, de repente,
A mangabeira flora por primeiro.
Pelo odor que trescala se pressente
Estar florindo o jasmim do tabuleiro.

Dentre as frutas do mato a mais gostosa
Não tem rival por seu sabor sem par.
Não é só gosto, é linda, é veludosa,
Ela é, sem dúvida, rainha do pomar.

Eu gostava tanto, nas manhãs de rosa,
Colher a fruta dos campos, generosa,
Pensando os velhos dias já fanados

Da meninice. Ah!, recordo tanto!
Cobrindo-me a saudade como um manto
De nostalgia, de sonhos tão sonhados.

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O MAMOEIRO

Qual marco milenar no meu quintal
Se alteia um majestoso mamoeiro.
De folhas espalmadas, sem igual,
Enche de sombra e paz o meu terreiro.

As formas de seus frutos nos encantam:
Bojudos, compridos, estrelados.
Da polpa seus matizes nos espantam:
Vermelhos, cor-de-rosa, amarelados.

Sua flor tão bonita faz lembrar,
Pelo cheiro que recende do pomar,
Jardins floridos em tarde de verão.

Açucenas, jasmins, de tão cheirosos
Vão-nos fazendo suspirar, saudosos,
Enchendo-nos de sonho o coração.

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COMPOSIÇÕES MUSICADAS PELO AUTOR

SAUDADES DA SERRA

Saudades que tenho da serra formosa
Onde inda criança, pequeno eu brinquei.
Recordo saudoso nas tardes de rosa
As lindas campinas que eu tanto amei.

Recordo, saudoso, a serra sem par,
Madeixas ao vento bailando no ar.

A serra tão bela, tão linda a campina,
Balindo, correndo, cordeiros, enfim.
O campo esmaltado de cor purpurina
De lindas boninas sorrindo pra mim.

Recordo, saudoso, a serra sem par,
Madeixas ao vento bailando no ar.

Agora bem longe da serra bonita
Já não mais criança eu sou, já cresci.
Ainda no peito, saudoso, palpita
A serra tão linda que nunca esqueci.
Recordo, saudoso, a serra sem par,
Madeixas ao vento bailando no ar.

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A CASCATINHA

Ao murmurinho doce da cascata
Ciciam folhas ao sabor do vento.
São como dores que o peito desata,
São como prantos gélidos lamentos.

Na fronde altiva da palmeira agreste,
Cantam dolentes meigos passarinhos.
Sobre os lajedos, ramos de ciprestes
Projetam sombras tristes nos caminhos.

Dos céus debruçam nuvens alvadias
Por sobre os picos contemplando a terra.
O sol desmaia, é tarde... A nostalgia
É da saudade que meu peito encerra.

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ACALANTO

Quando nós somos criança,
Vivemos sempre a sonhar.
Sonhamos com a esperança
Das cores verdes do mar.

Se brinco à beira da praia
Nos mares cantam sereias.
Se a verde vaga desmaia
Saltam espumas na areia.

Debaixo dos coqueirais,
Se canta e ri sem cessar.
Ao sabor dos vendavais,
Dançam cabelos no ar.

As dunas eram meu leito,
De alva areia o lençol,
Onde a dormir satisfeito,
Vinha beijar-me o arrebol.
Jangadas lindas singrando
O alto mar, de alvadias
Velas aos céus acenando
Em vesperais de alegria.

Perdendo o sol seus fulgores
Não vês criança a sorrir?
Pois já são horas em que as flores
Se fecham para dormir.

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TROVAS

A beleza do encontro
Está na procura, à porfia.
Quem procura com amor
Encontra com alegria.

***

A morte chegou à porta
De um velho esperto e bateu.
A morte esperou tanto
Que de raiva ela morreu.

***

Um dia tu me disseste:
É lindo te querer bem!
Pois só o amor nos revela
A beleza que se tem.

***

Manacá é flor do mato,
Nome bonito de flor.
Roxa lembra saudade,
Branca fala de amor.

***

O “malmequer” quis crescer
Na palma da minha mão.
Transformei em “bem-me-quer”
Nas dobras do coração.

***

Eu plantei no meu quintal,
No pomar do bem-querer,
Uma frutinha gostosa
Pensando só em você.

***

Tua carinha pintada
É fruto da mangabeira.
Só tu sabes quanto eu gosto
Dessa carinha brejeira.

***

Ontem eu vi um pau-d’arqueiro
Todo coberto de flores.
Eu vi logo estar chegando
A estação dos amores.

***

Amar não é gostar,
Amar é querer bem.
Mas eu gosto do sabor
Do gosto que o amor me tem.

***

A miséria disse um dia
À preguiça, em confidência:
Não trabalhes, te garanto
A minha eterna assistência.

***

Partir não é ausentar-se,
Nisto, bem sei, tens razão.
Vai-se o corpo e a alma fica,
Não se ausenta o coração.

***

Muita gente é como o coco:
Fibra grossa e casca dura.
Rasgue a fibra e quebre o casco
E verás quanta doçura.

***

Se o amor nunca se cansa.
Como pode o amor cansar?
Se cansa porque não ama,
Se se cansa não sabe amar.

***

Muita gente reclama
Desta vida a solidão.
Não é problema estar só,
Mas vazio o coração.

***

Se tu amares um dia,
Não tentes saber por quê.
Não entender para amar,
Mas amar para entender.

***

Não fiques triste porque
Teu trabalho foi em vão.
Não o fruto do trabalho,
Deus procura o coração.

***

Se tens medo da velhice,
Eu vou te dar um conselho.
Ela só tem cara feia
Para quem dela tem medo.

***

A velhice é muito boa
Pouco mal ela nos faz.
Só não gosto da velhice,
É por ser curta demais.

***

Não tenhas medo em ser velho:
Nem todo velho é lelé.
Preserva a tua cabeça:
Serás feliz, te dou fé.

***

Se amas, fazes o que queres:
Nos disse um dia Agostinho.
Porque quem ama tem certo
Qualquer que seja o caminho.

***

Seremos um dia julgados
Pelo amor, tenho certeza.
No céu só julga quem ama:
Foi que nos disse Teresa.

***

Se tu tens medo da dor,
Não penses nunca em amar.
O amor nos faz sofrer,
Só depois pode salvar.

***

Quando te vi soluçando,
Com as mãos no caração.
Eu vi Cupido sorrindo,
Inda c’o arco na mão.

***

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VERSOS SOLTOS

MEU PRIMEIRO VERSO (1926)

Osvaldo quis me lograr,
Num caso tão complicado.
Então eu fiz um negócio
E ele ficou logrado...

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Bendito sejas, ó Deus, que a dor nos deste
Que do pecado o homem purifica.
Pérola santa qual fogo assim quiseste
Fazer da dor o fel que santifica.

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Ah! Quem me dera voltar a ser criança
Viver contente, viver sempre a sorrir.
Fazer da vida um berço de esperança
E da esperança um jardim sempre a florir.

***************************

Mar, ó meu irmão, na profundeza
Dos mistérios que guardas em teu seio.
Mar, ó meu irmão, a natureza
Me deu de tuas vagas os anseios.

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CAMINHOS DA VIDA

Guiados por uma estrela,
Eles foram bater à gruta de Belém.
A estrada se alongava
Até se perder nos horizontes de areia.
As noites eram escuras
E se perdiam nos labirintos das dunas.
Quando o vento soprava, ao pôr do sol,
Havia frio de enregelar...
Mas uma estrela brilhou no firmamento!
Os membros cansados se tornaram fortes.
Os olhos anuviados divisaram os caminhos...
E o fogo crepitou nos corações...
E eles foram bater à gruta de Belém.
Assim é a nossa vida:
O amor é uma estrela...
............................................................................................
Se o amor brilhar em nossos corações,
Chegaremos à meta de todos os destinos.

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VOZES DOS SERES

Agradecido, Senhor,
Pelas vozes dos Seres que criastes,
Seres de todo o mundo.
Pelo crepitar do fogo na lareira,
Brincando de esconde-esconde
Nas achas de lenha seca.
Pela voz engraçada da água
No gargalho da quartinha ao cair no copo.
Pelo rumor do vento inquieto
Nos ramos do cajueiro.
Pelo estalar das frutinhas do ficus benjamim,
Calcadas pelos pés
Ao longo das calçadas.
Pelo tinir das taças e porcelanas
Nas festas de aniversário.
Pelo bater buliçoso da chuva
No telhado antigo
Nas noites frias de inverno.
No ringir cadenciado da rede
Adormecendo crianças.
Pelo cantar estridente do galo
Dentro da madrugada.
Do gado mugindo, triste,
Voltando para o curral.
Pelo ruflar dos tambores,
Tambores de minha infância, nas paradas militares.
Mas, antes de tudo,
Agradecido, Senhor,
Pela voz da pessoa amada,
Misturada com sorrisos,
Enchendo-nos o coração!

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CORDEL

UMA MENTIRA DE VIÉS

Seu moço, preste atenção
Pri estória que vou contar
Que assucedeu no sertão
Pras bandas de Cametá.
A história de uma mentira
Daquelas de arrepiar.
Eu ainda era menino
Foi meu pai que me contou,
Ele mesmo havia ouvido
Da boca do seu avô.
Havia naquelas bandas
Um famoso fazendeiro
Ele era muito lorde,
Gordo, bonito e faceiro.
Ele tinha muito gado,
Era louco por dinheiro.
Quando montava a cavalo,
Parecia um brigadeiro.
De casimira era o fraque,
De couro era o gibão,
As calças eram de mescla,
As meias, de algodão,
De couro cru, os sapatos,
As esporas, de latão.
Só andava de cartola
Com seu rebenque na mão.
Ele tocava viola
Nas festas da procissão.
Dançava que só carrapeta
Abraçando um rabecão.
Não perdia um forró
Por longe que fosse a função.
O homem tinha um cumpadre
Besta que só aruá.
A mulher mandava nele,
Não tinha como opinar.
Tudo que lhe pedissem
Não sabia recusar.
O velho tinha uma filha
Muito bonita e formosa,
Seus cabelos cacheados
Com as faces cor-de-rosa.
Ela era muito bonita,
Ainda hoje eu sustento,
Gesticulando c’ os braços
Parecia um cata-vento.
Falava pros cotovelos
E quando estava de lua
Era aquele desmantelo.
Se começava a falar,
A zoadeira era tanta,
Mais parecia matraca
Durante a Semana Santa.
Seu nome era Flor do Mato,
Nome bonito de flor,
Pois era mesmo bonita
A menina, sim, senhor.
Mas o que chamava atenção
Não era a beleza dela
Mas por ser muito ladina
A todos ela enrolava
E ainda pisava em cima.
Mesmo pobre de Jó,
Ela tinha uma vaquinha
Muito bonita e formosa,
Do modo que lhe convinha.
Toda riqueza do mundo
Por ela não tinha prosa.
A menina era afilhada
Deste rico fazendeiro,
Que um dia vendo a malhada
Ficou todo lampeiro,
Espichando os olhos nela
Acendeu um candeeiro.
Para ter bom resultado,
Preparando uma esparrela
Pra enganar o cumpadre
E ficar com a vaca dela.
O safado do padrinho
Só pensava na seqüela.
Por isso ficava assuntando
De manhã à noite inteira.
Não pensava noutra coisa
Mesmo que fosse faceira.
Por isso, mesmo dormindo,
Ele armava uma tranqueira.
Ele falou com o cumpadre
Para comprar a vaquinha;
Se não quisesse vendê-la
Ele propunha uma rinha:
Quem contasse uma mentira
Que fosse mais de viés
Ou ganhava a vaca, em paga,
Ou pagava cem mirreis.
O cumpadre ficou triste,
Pois não podia faltar
Ao padrinho da menina
Neste rude pelejar.
Assim foi logo pra casa
Começando a manquejar.
A menina notou logo
A tristeza do seu pai
E foi então perguntando:
Mas o que houve demais?
O velho lhe contou tudo
Da conversa do patrão.
Ela ficou assanhada,
Os olhos como um tição:
Meu pai não se aperreie,
Eu entro na confusão.
Eu falo com meu padrinho
E vou passar-lhe um sermão.
Quando o padrinho chegou
Diante da porta dela
À procura de seu Nô,
Ela pulou da janela
Com uma mão no quadril,
A outra mão na cancela.
E foi assim repetindo:
Meu padrinho, não lhe conto
Que assucedeu logo cedo,
Eu ainda tô tremendo.
Estou morrendo de medo,
Eu conto toda a verdade,
Não posso fazer segredo:
Como sabe o meu padrinho
O meu pai gosta de abeia,
E logo, manhã bem cedo,
Ele saiu com a candeia
Para contar com certeza
Quantas tinham na colméia.
Logo notou que faltava
Uma delas na corvéia.
Então meu pai saiu logo
Pra procurar lá no mato
Aquela abeia fujona
Descobrindo o desacato.
Com uma foice afiada,
Um machado catatau,
Encontrou ela ferrando
Lá no alto de um pau.
E como era muito alto
E não podia subir,
Só lhe restava um caminho
Para aquele pau aluir.
Era botar tudo abaixo
Para a abeia não fugir.
Quando bateu lá no pau,
O machado resvalou,
Dando uma volta no ar
Na lagoa se afundou.
O meu pai que é arfabeto,
Mas ele não é bobo não:
Tacou fogo na lagoa
Com pedaço de tição
E foi procurar o machado
Por ser grande a precisão.
Só restou um cabo torto
No meio da confusão.
Tinha o ferro do machado
Se derretido no chão,
Fazendo um anzol do cabo
Do que restou do machado
Foi logo pescar adiante
Numa gamboa ao seu lado.
Enterrando os pés na lama,
A corda logo esticando,
No anzol vinha uma besta
Dando coice, esperneando.
Era uma besta bonita,
Muito gorda e luzidia.
Estava toda empinada
Com ares de galhardia.
Bonita daquele jeito
Muito tempo não se via.
Mas ela tinha um defeito:
No lombo da dita cuja,
Havia tanta gafeira
Que lhe faltava o respeito.
Meu pai não se assustou
Vendo aquela confusão,
Pegou logo duas favas
Que trazia no gibão,
Fazendo um pozinho miúdo,
Passando no lombo com a mão.
Mas quando olhou onde estava,
E olhou por primeiro,
Viu um faveiro crescendo
Todo cheio de fava.
Era fava pra todo canto,
Que era aquele esparrameiro.
Então meu pai foi buscar,
Lá no fundo do terreiro,
Enchendo dois caçoá
E um surrão de couro inteiro,
Levando um pra cozinha
O outro pro copiá.
Para provar a verdade,
Eu vou agora buscar
Um bocado desta fava
Pra meu padrinho jantar.
Eu não gosto de mentir,
Muito menos de enganar.
Ela encheu um balaio
Naquele mesmo instantinho,
Foi lançando o conteúdo
Na frente do seu padrinho.
O velho todo espantado
Com aquela toda ingrezia
Não podia fazer nada
Diante do que ele via.
Viu ter perdido a aposta
E se viu todo encrencado,
Dizendo em voz fanhosa
Todo desconsolado:
Basta, menina, basta,
Eu já me dou por vencido.
Toma lá seus cem mirréis,
Já me vejo combalido.
Se você moça já mente
Desse jeito sem gemido,
Que será teu pai que é velho
Que é muito mais aprendido.

FIM

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