Coleção
Memória das Lutas Populares no RN
Moacyr de Góes
DVD Multímidia
Memorial Pai
Clara de Góes
Meu pai. Outra vez. Outra
vez. Outra vez, meu pai. Outra vez e quantas mais houver... a memória
evocada no canto que ele gostava pelo povo que tanto amava.
Meu pai, Moacyr de Góes,
era obcecado pela Educação. Mais propriamente pela
igualdade, mas, não a igualdade abstrata que vem junto com
a liberdade, como um ideal republicano , mas como um meio de resgatar
seres humanos de uma dimensão na qual sua humanidade é
diminuída; a humilhação de não saber
escrever o próprio nome. A educação, para meu
pai, era um instrumento de fomentar humanidade ;e de fazê-lo
usando papel e lápis. Era essa sua revolução.
Por isso foi preso durante 6 meses, demitido, e exilado da cidade
que tanto amou.
A escolha pela educação
como campo de batalha é importante porque define, tanto o
espaço onde a luta política vai se dar, quanto o espaço
onde se vai refletir sobre ela, esse lugar é a escola. O
que marcava o professor Moacyr de Góes, o que o levava a
uma militância jamais interrompida, era a desigualdade no
que se refere à circulação e distribuição
da cultura. A escola pública foi seu grande amor.
Meu pai não era
um homem da “academia”, um universitário. Todavia,
cumpria suas obrigações. Quando foi reintegrado à
Universidade depois da anistia, seu horário de aula era as
7 horas da manhã. Ninguém, chegava a essa hora! Ele
chegava antes para preparar o quadro negro !!!
Nunca faltava. Não
deixava de responder às perguntas dos alunos e jamais quis
impor seus pontos de vista a alguém. Meu pai tinha uma qualidade
rara: ele sabia escutar.
Não era um libertário,
revolucionário dos costumes. Não. Era um sujeito conservador
em aspectos importantes da vida. Ficou enlouquecido quando eu lhe
disse, com 19 anos, que estava grávida, que não ia
abortar e tampouco me casar. Ele ficou louco com aquilo! Sua filha
mais velha (e preferida, acreditava eu) estava grávida e
anunciando que seria “mãe solteira”. Isso soava
como um escândalo, e ele pronunciava a expressão ”mãe
solteira” com horror. Por que estou falando desse “acontecido”,
desse evento entre nó dois? Para dizer que seu compromisso
não era uma abstração, mas estava encarnado
em uma vida com suas contradições, seus conflitos,
mas onde prevalecia o amor.
Nunca vi meu pai entoando
cânticos de “pega, mata e come”; mata, mata: esfola!.
Prende e arrebenta.
Por que não levou
a vida advogando, usando o diploma de advogado que obteve na Faculdade
de Direito do Recife, faculdade das mais prestigiadas do país?
Por que sua questão, aquilo que o motivava, não era
dirigida à lei, mas ao amor. Ele agia, primeiro por amor;
depois arranjava um jeito de justificar essa ação
com um argumento moral.
Era apaixonado pelo “povo”,
seja lá o que for que ele entendesse como povo. Nos romances
e contos que deixou se vê bem isso. O povo é bom, as
elites são ruins. Comunistas e cristãos são
anjos e santos. E no final, a Nau Catarineta recolhia todo mundo,
apagando as fronteiras entre vida e a morte.
HÁ UMA POÉTICA
DO AMOR na política que merece ser estudada e aprofundada
pelos especialistas. Intuo que meu pai é dessa praia... e
que o ninho dela é pra lá.
Finalmente gostaria de dizer que meu pai era um chorão. Chorava
no cinema, no teatro, na poesia. Alias, recebi do meu pai o amor
pelos livros e pela poesia em particular. Eu morava ainda em Natal,
portanto tinha menos de 8 anos, e ele lia para mim Drummond, Manuel
Bandeira, João Cabral. Punha sonatas para que eu as conhecesse...
Leu, para mim, Carta a Stalingrado e me explicava os males do fascismo...
Descobri, com o tempo,
que meus olhos tinham a cor dos olhos dele que, por sua vez, tinha
a cor do mar de Natal. Que ele tinha como insígnia os versos
de Garcia Lorca Verde que te quiero verde; e o soneto de Camões,
que ele costumava recitar para minha mãe e que eu vou ler
pra vocês como um presente de Moacyr de Góes.
“Sete anos de pastor
Jacó servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela.
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prêmio pretendia.
Os dias na esperança
de um só dia
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
E lugar de Raquel lhe deu a Lia.
Vendo o triste pastor
que com enganos
Assim lhe era negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,
Começou a servir
outros sete anos,
Dizendo: “Mais servira, se não fora
Para tão longo amor tão curta vida.”
É assim que eu
o sinto, para tão longo amor tão curta vida
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