RAZÕES
DE DEFESA
Recife, 1º de junho de 1969.
Exmo. Sr. Prof. Antônio Pedro de
Araújo Barreto Campelo
Presidente da Comissão de Inquérito
Sumário
A
abaixo-assinada, aluna do 4º ano da Faculdade de Direito, da
Universidade Federal de Pernambuco, tendo sido intimada a defender-me
perante essa Comissão de Inquérito de acusações generalizadas, tais
como:
a)
participação na distribuição de folhetos de natureza política;
b)
afixação de etiquetas com dizeres políticos e contrários ao
regime;
c)
inscrições nas paredes da Faculdade;
d)
venda de bônus em benefício da extinta UNE e
e)
apresentação em classe de elementos estranhos à Escola para
arregimentação em favor da UNE.à
Vem
apresentar, no prazo legal, a sua Defesa, passando a examinar, ponto por
ponto, o depoimento das testemunhas que lhe irrogam tais acusações.
CONTRADIÇÃO
DAS PROVAS
Inúmeras
testemunhas incriminam a indiciada da prática de distribuição de
folhetos no recinto da Escola, fazendo-o, no entanto, da maneira mais
contraditória possível.
Assim
é que o estudante Osvaldo Morais, ao aludir ao fato, disse que soubera
da responsabilidade da indiciada por intermédio do testemunho “de
Joaquim Francisco Cavalcanti, ou de José Berardo Carneiro da Cunha
Neto, ou de Luiz Gonzaga, pois não se lembra ao certo”. (Fls. 29, do
inquérito).
Por
sua vez, todas essas pessoas acima citadas, e outras mais, declaram a
essa Comissão que souberam da participação da indiciada na distribuição
desses panfletos por intermédio do aluno Robson Pimentel Simas.
Atribui-se,
desse modo, à testemunha Robson Pimentel Simas – testemunha-chave,
por assim dizer – o centro das acusações que recaem sobre a
indiciada. Todos o apontam como referência às origens das incriminações.
Todos o indicam como fulcro dos atos irrogados à indiciada. Todos os têm
como a fonte indissimulável e geradora da grave denúncia.
Vale,
portanto, reler o depoimento do estudante Robson, tantas vezes citado e
tantas vezes invocado como principal e, concretamente, como o único
acusador das atividades da indiciada.
Diz
o estudante Robson (fls. 28, dos autos) “que não viu comentários
sobre a autoria do mesmo (o jornal “Vanguarda”, distribuído este
ano e objeto do inquérito); que, entretanto, sabe que a distribuição
do “Vanguarda”, no ano passado, era feita sempre por um grupo ligado
ao DA”, do qual fazia parte a abaixo-assinada.
Ora,
no ano passado, o jornal “Vanguarda” – não o jornal
“Vanguarda” aparecido este ano – era o jornal oficial do Diretório
Acadêmico, não sendo aquele periódico apontado como veículo de
concitamento à chamada subversão. No ano passado, o jornal
“Vanguarda” era distribuído aberta e legalmente na Faculdade, entre
os próprios integrantes do corpo docente e até no meio do seu
funcionalismo.
Àquele
jornal não alude a Comissão de Inquérito, nem as testemunhas, sendo
certo que o objeto das atuais investigações é o jornal
“Vanguarda”, considerado como passível de sanções pela diretoria
da Escola.
Então,
a distribuição, pela indiciada, do órgão oficial do DA, “no ano
passado”, não a sujeita a nenhuma punição, porque contra ele não
se levantou a menor suspeita de “atividades subversivas”.
Ainda
quanto ao depoimento das citadas testemunhas, nota-se um plano
preestabelecido de confundir os fatos, velhos e novos, fazendo recair
sobre a indiciada o ônus por uma ação que não pode ser indigitada. E
a indiciada chega a supor que tais folhetos – os novos e não os
velhos, do ano passado – somente poderiam ser distribuídos pelos próprios
acusados, ou seja, por Paulo Victor de Araújo, Joaquim Francisco de
Freitas Cavalcanti ou pelo Sr. Osvaldo Morais, pois foram os únicos a
tomar conhecimento da sua existência e distribuição, chegando ao cúmulo
de, contradizendo-se, lançarem nas mãos de outra testemunha, o
estudante Robson, os tais folhetos.
Conforme
já se disse, Robson afirma que não viu comentários sobre os folhetos.
Não declara que foi a indiciada a responsável por sua distribuição,
atribuindo-lhe, sim, a distribuição do jornal “Vanguarda” no ano
passado, quando o periódico se apresentava como órgão oficial do DA,
circulando livre e publicamente.
Todavia,
três depoentes, principalmente três, lançam a Robson a grave denúncia
de haver portado os folhetos de natureza política, talvez pretendendo,
com isso, sujeitá-lo aos rigores das penas previstas no Decreto-lei n.º
477, de 26 de fevereiro de 1969, e demais dispositivos legais cabíveis
à espécie.
E
nisso não vai a menor intenção da indiciada em fazer ou estabelecer
mal-entendidos ou estabelecer nenhuma trama de intriga ou calúnia.
Pois, se se atribui a Robson o manuseio de tais folhetos e o próprio
Robson, em seu depoimento, não declara de quem os recebeu este ano,
torna-se claro que a malícia das testemunhas está ou reside em
comprometer o aludido aluno na distribuição, atual, do folheto
“Vanguarda”.
ONDE
SE FALA EM ETIQUETAS SUBVERSIVAS
A respeito da
afixação de “etiquetas com dizeres políticos e contrários ao
regime”, também atribuída à indiciada, a testemunha Antônio Carlos
Machado Costa acusa-a igualmente de maneira contraditória e pouco
convincente. Diz, por exemplo, “que viu uma etiqueta com dizeres tais
como: “Abaixo as cassações estudantis”, “Abaixo a ditadura”,
“Reagiremos às cassações”. Diz mais que “ele depoente, viu
quando Eneida pregou uma dessas etiquetas”.
Assim,
a testemunha afirma que viu uma etiqueta, com os dizeres já
mencionados, e tal etiqueta fora pregada pela indiciada.
A
indiciada refuta tais acusações e prova serem as mesmas destituídas
de qualquer fundamento, se se atentar para o fato de que, numa simples
etiqueta, de mínimas dimensões, não caberia tantos dizeres, mais
condizentes com as proporções de um verdadeiro “jornal mural”...
Das
duas, uma: ou a testemunha não viu nenhuma etiqueta, pois nela não
caberiam as expressões quilométricas a que se referiu, conforme o
demonstrou, referindo-se o Presidente dessa Comissão à indiciada, ao
indicar-lhe as dimensões das etiquetas, ou, então, a testemunha Antônio
Carlos Machado Costa se limitou a assacar contra a indiciada as mais
inverosímeis e levianas acusações.
Um
dado é de suma importância na condução dos fatos, no que se refere
ao procedimento criminal. E esse dado é o que diz respeito à completa
omissão das testemunhas quanto ao tempo das infrações.
Além
disso, proclama a indiciada que – tratando-se de jornais do DA e de
etiquetas – jamais distribuiu, ontem ou hoje, quaisquer panfletos,
oficiais, oficiosos ou clandestinos de quem quer que seja, entidade de
classe ou não, sendo conhecida a sua atenção, esta sim, na distribuição
de pontos de aula mimeografados entre os seus colegas.
DAS
INSCRIÇÕES NAS PAREDES DA FACULDADE
Quanto à acusação
feita pela testemunha Carlos Maurício da Silva, às fls. 43, dos autos,
de que a indiciada fazia parte de um grupo que conduzia tintas ou
pedras, declarando, ainda, que esses fatos ocorreram logo após o início
da inscrição dos exames vestibulares, tem a indiciada a apresentar, em
favor de sua inocência nesses acontecimentos, o atestado médico,
anexo, que prova haver estado a indiciada, naquele período, submetida a
tratamento médico, impossibilitada, portanto, de se locomover.
É
quanto basta para destruir, pela raiz, as grosseiras acusações
contidas naquele depoimento.
DA
VENDA DE BÔNUS A EXTINTA UNE
Ainda é de
autoria do Sr. Antônio Carlos Machado Costa, fls. 45, dos autos, a
incriminação de que a indiciada fora vista “vendendo, antes do
congresso da extinta UNE, bônus para angariar fundos para as passagens
dos congressistas”.
Em
meados de setembro de 1968, quando se estava para realizar o Encontro
Nacional de Estudantes de Direito, a ter lugar em Salvador, sob a presidência
do Prof. Orlando Gomes, as passagens dos congressistas estavam sendo
obtidas às custas da Reitoria, através do colega Geminiano Jurema.
Todavia,
como nas vésperas da viagem o citado colega não tivera condições de
desincumbir-se da aquisição das passagens de ida e volta de ônibus
para Salvador, trataram alguns estudantes, entre eles a indiciada, de
ajudar na coleta de fundos, tendo em vista o Encontro Nacional de
Estudantes de Direito, e não ao falado Congresso da UNE.
O
certame de Salvador era de grande importância para os estudantes de
Direito, no sentido de traçar os caminhos a seguir no que dizia
respeito ao estágio obrigatório, que tanto iria prejudicar aos
quartanistas do curso de bacharelado. Além disso, tal Encontro iria
possibilitar a criação do Escritório de Advocacia em nossa Escola,
velho sonho de professores e de alunos, principalmente os alunos de
menos recursos financeiros. Sonho, aliás, do próprio Diretor da nossa
Faculdade, o prof. Mário Batista.
A
contribuição de um grupo de alunos, de que fazia parte a indiciada,
para o recolhimento de meios a fim de permitir a participação dos
estudantes de Direito no Encontro de Salvador, era de todo louvável. E,
desse crime nefando, jamais se arrependerá a indiciada.
ELEMENTOS
ESTRANHOS NO RECINTO DA ESCOLA
No que toca ao
item de apresentação, pela indiciada, de elementos estranhos no
recinto da Escola, para arregimentação da extinta UNE, a acusação
resulta do testemunho do estudante Paulo Victor de Araújo. Somente essa
testemunha se referiu ao fato, relatando-o com riqueza de minúcias.
Poderia
a indiciada indicar a total improcedência dos fatos contra si alegados.
De resto, ninguém mais o aludiu, digo, os aludiu, quer direta, quer
indiretamente.
Ao
invés de fazê-lo, a indiciada, porém, se inclina pela obrigação de
demonstrar a verdadeira face desse acusador, já punido alhures por
denunciações caluniosas, idênticas às assacadas contra a
abaixo-assinada.
Assim
é que, pela Portaria n.º 2, do Diretor da Delegacia Fiscal de Rendas,
publicada no “Diário Oficial” do Estado, de 26 de maio de 1969
(publicação recente, como se vê!) o referido estudante (salvo seja!)
foi SUSPENSO POR OITO DIAS, “por acusações infundadas à pessoa do
Diretor”. Tais acusações, como se verifica do documento anexo, foram
dirigidas “por escrito a uma outra autoridade”.
Eis
aí a verdadeira face desse caluniador, estampada, graficamente, nas
colunas de um órgão oficial de publicação do Governo!
Que
mais teria a indiciada a dizer quanto a tão repelente e gratuito
acusador, useiro e vezeiro em testemunhar falsidades? Acrescer o quê ao
perfil de tão caricato e bisonho Catão?
De
tudo quanto expôs, douta Comissão de Inquérito, a indiciada espera,
com absoluta tranquilidade, o reconhecimento de sua inocência, diante
dos fatos articulados inicialmente.
Não
se desculpa a indiciada de haver participado de debates e reuniões
estudantis, sobre assuntos e problemas essencialmente estudantis. Por
fazê-lo, não poderia a indiciada sofrer a menor punição, num momento
histórico que se caracteriza pela perquirição da ciência, dos
conhecimentos técnicos e da verdade. Verdade que pode ser de cada um.
Mas verdade que há-de ser de todos, quando estão em jogo os direitos
individuais, a liberdade e, sobretudo, o direito de acesso à educação.
Punir
um estudante pelo fato de debater seus problemas, dentro dos princípios
do respeito, da livre convivência entre homens que se prezam, é, de
resto, condenar o FUTURO.
JUSTIÇA!
Eneida
Melo Correia de Araújo.
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