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Janeiro 00h00min]
Representando os anistiados políticos cearenses, cheguei
ao Recife no último dia 29, a tempo de ver um caixão sendo
fechado, e foi bom que tenha sido assim, pois não gosto de
ver a face dos mortos, prefiro guardar suas lembranças de
vivos. E, no entanto, em lá presente, integrado, tendo feito
parte do ritual da despedida de Mércia Albuquerque, sinto
que fiz o certo: como nos rituais antigos, nos despedimos
de uma guerreira, que era humana e como todos tinha os seus
defeitos, mas que como poucos travou o bom combate, não fugiu
aos desafios que sua época lhe colocou à frente, não se acovardou.
Deve ter sentido medo como qualquer um, mas enfrentou-o, num
tempo em que a regra era calar-se. Nós, ex-presos políticos
presentes, nordestinos e de outras regiões do país, representamos
o sem-número de brasileiros perseguidos pela ditadura de 1964/68,
defendidos, em sua maioria gratuitamente, pela dra. Mércia.
Ela própria foi presa várias vezes, tentativas inúteis de
aterrorizá-la. Com certeza, tempo mais houvesse, não obstante
as dificuldades, lá teriam estado todos.
No Ceará também tivemos outra guerreira como Mércia, a dra.
Wanda Sidou, igualmente falecida. Duas mulheres. Naqueles
sombrios tempos, o grau de violência chegou a tanto que a
natureza teve que convocar sua expressão maior para defender
a vida ameaçada. Pois foram as mulheres, advogadas, mães,
filhas, esposas, irmãs, com seus movimentos femininos pela
anistia que detonaram a luta pela liberdade e, em conseqüência,
a luta pelo retorno do País ao estado de direito.
Esse momento, apesar da dor, nos encoraja a continuar a luta
pelos ideais que Mércia Albuquerque abraçou. Agora, mais que
nunca, seu destemor e coragem fará valer o lema tão necessário
de que a esperança sempre pode vencer o medo, mesmo quando
tudo parece perdido.
Mário Miranda de Albuquerque é presidente da Associação 64/68-Anistia
(anistia6468@ig.com.br