Mércia
Albuquerque continua a falar
antes de 64, o tacão da Lei de Segurança
Jornal do Commercio – 23.01.1989
Aquela
história da missa?
Você
foi advogada de Roberto Franca?
E
Pedro Eugênio?
E
Pedro Eugênio?
Você
foi advogada dele?
Fale
sobre Ana Rolemberg, Júlio Santana e Maria do Carmo Silva?
Gregório
e Júlio Santana?
Você
chegou a ser presa?
João
Santana foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional?
A
advogada Mércia Albuquerque tem consciência de que é dona de
um arquivo importante. Muito importante. São pilhas de documentos,
entre processos, cartas, bilhetes íntimos, fotografias. A história
viva, contada em cima dos autos processuais, de quase tudo o
que ocorreu no Recife antes e depois de 64, envolvendo os organismos
de segurança e dezenas, centenas de presos políticos. Esta semana,
quando conversava com o repórter Ronildo Maia Leite, ela recebeu
convite de uma editora de São Paulo. Seu primeiro depoimento,
publicado segunda-feira passada, teve grande repercussão também
no Sul do País. O editor pretende publicar um livro, em dois
volumes. Ela topou a parada. E já tem até o título: Em
cima dos autos. Hoje, ela continua a falar sobre os acontecimentos
em que esteve envolvida. Como advogada, ela chegou a ser sequestrada,
para dizer onde andava João Bosco Teodósio, seu cliente. Fica
emocionada até as lágrimas, quando fala de outros clientes.
Sobretudo de Gregório Bezerra. Grupos radicais de esquerda chegam
a acusá-la de informante do DOPS e do IV Exército. Gregório
soube disso e lhe mandou cartas de prisão que são verdadeiras
relíquias da história recente do Recife. Assim, continua o seu
longo depoimento ao Jornal do Commercio.
Mércia
–
Moura foi preso em São Paulo por Fleury, denunciado por um rapaz,
Jarbas Pereira, que não é o Jarbas de Holanda. Foi torturadíssimo,
mas não comprometeu ninguém. Manteve o equilíbrio e a compostura.
Junto com Trindade começamos uma luta para transferi-lo para
o Recife. Em São Paulo, jornalistas e intelectuais nos mantiveram
informados sobre a integridade física e mental do rapaz. Finalmente
Moura chegou, tranquilo e sem fricotes. Apelei anos da sentença
e todos os recursos foram interpostos, para libertá-lo. Depois
de solto, concluiu o curso de Veterinária. Fez o curso de Direito.
Perdi Moura de vista. Deve estar feliz por aí.
Não
posso esquecer o professor Sílvio Camerino Paes Barreto, testemunha
de acusação de Moura e Walmir Costa. Na condição de advogada
de Moura, formulei-lhe uma pergunta, sobre os fatos narrados
na denúncia. Ele se virou para mim, não sei se nervoso ou enfurecido,
e começou acusar o meu irmão, comecei a rir. O auditor interviu,
“Detenha-se ao que lhe for perguntado” – declarou. E eu pensava:
como os jovens são ingênuos, meu irmão tinha grande admiração
e respeito pelo professor testemunha. Leve esta xerox do professor
Sílvio Camerino ao cel. Venancio Frota, cujo original se encontra
nos autos. Publique-a se desejar.
Aquela
história da missa?
Mércia
– Um
caso interessante. Foi preso um rapaz chamado Carlúcio. Era
ligado à Igreja. Fui avisada. Pensei: tenho que avisar a Dom
Hélder. Com o meu telefone censurado, sendo seguida, ameaçada
de morte, não tinha no momento um contato. Fiquei matutando.
Era minha vizinha, a esposa de Ivanildo Sampaio Xavier (preso
político), Maria Eponina Coutinho. Mandei chamá-la e disse amanhã,
você vai à missa, porque tenho um bilhete, para D. Hélder. No
outro dia, cinco horas, ela estava aqui. Fiz um bilhete e disse:
quando você for comungar, entregue a D. Hélder. Ela zangou-se.
“Sou da antiga, só comungo me confessando”. Respondi, se você
se confessar, esse rapaz pode desaparecer. Eponina foi à missa
e comungou, entregou o bilhete a D. Hélder. Providências foram
tomadas e Carlúcio liberado.
Você
foi advogada de Roberto Franca?
Mércia
– Eu
tenho inúmeros fatos interessantes. Por exemplo, Roberto Franca
filho, hoje secretário de Justiça, foi preso com mais quatro
colegas. Ele estava pichando ônibus com Eridan Moreira Guimarães,
Lilia Maria Pinto Gondim, Inês e Carol. Distribuíam também o
panfleto “Frente de Luta”. Era 14 de julho de 1969, (Franca
tinha 18 anos). Aparece um policial, Franca e as colegas correram
e entraram no ônibus. O policial entrou e gritou para o motorista
não abrir a porta. O motorista desobedeceu. Os cinco desceram
correndo, seguidos pelo policial. Entraram em uma casa, saíram,
entraram em outra, depois apanharam um táxi, o policial tomou
outro táxi e continuou a perseguição. No cruzamento da Avenida
Saturnino de Brito, no Pina, o táxi parou, obedecendo ao sinal
de trânsito. O policial os prendeu. As duas menores, Carol e
Inês, se diziam de maior idade. Foi uma confusão. Quando chegaram
no DOPS, as menores foram encaminhadas ao juizado.
Ao
ser ouvido, Roberto Franca disse “que no intervalo das aulas
foi procurado por Ramirez, estudante universitário, que o convidou
para a agitação de rua”. Disse também que compareceu ao encontro
marcado por Ramirez, mas Lília e Eridan contaram uma história
sem envolvimento político sem citar nomes. Uma afirmou que iria
visitar uma amiga e a outra que se aproximou do grupo porque
avistou alguns colegas. Ficaram presos e foram condenados a
um ano de detenção. O Supremo Tribunal Militar reformou a sentença
para absolvê-los. Eridan e Lília foram sequestradas; depois
que estavam em liberdade e sofreram muitos constrangimentos.
Antônio de Brito Alves defendeu Franca.
E
Pedro Eugênio?
Mércia
–
Pedro Eugênio, o ex-secretario da Agricultura do Estado também
foi processado na Auditoria Militar. É outra história.
Há
fatos engraçados. Por exemplo: Franca recentemente não me reconheceu.
Estive na Secretaria com um grupo de colegas. Ele não me olhava
e eu não acreditava. Ele agora é diferente, daquele menino de
18 que eu conheci.
Posteriormente,
liguei algumas vezes para marcar uma audiência com Franca para
falar-lhe sobre Barreto Campelo, pois quando visitei a Penitenciária,
há uns noventa dias, vi que a situação era bem pior do que na
época dos presos políticos. Situação que não posso entender,
porque esse careta foi preso, teve participação política na
ditadura e permite um quadro daquele. Não teve tempo de me receber.
Não quis me receber.
Você
falou sobre esse pessoal todo. E sobre Abelardo da Hora?
Mércia
–
Olhe, Abelardo da Hora é um homem honrado, um artista, um gênio.
É pessoa extremamente sensível. Sofreu na Penitenciária. Um
homem muito equilibrado. Era tão séria, a situação, que Abelardo
foi preso e as pessoas se afastaram da casa dele. Eu conhecia
Abelardo, mas não conhecia de perto Margarida, a esposa dele,
uma mulher extraordinária. Fui informada por um colega que os
filhos de Abelardo estariam numa situação difícil, porque ninguém
os procurava. Então, fui até a casa dele. Pedi licença à Margarida
e trouxe para minha casa Sara, Ana e Iuri, eles ficaram comigo.
Pela manhã me levantava, pegava os três e ia com eles para a
escola, onde ensinava em Casa Forte. Mantive os meninos na minha
casa até quando Abelardo saiu. Abelardo e a família sempre me
dispensaram muito carinho.
Você
foi advogada dele?
Mércia
–
Não. O advogado foi Nilzardo Carneiro Leão.
Fale
sobre Ana Rolemberg, Júlio Santana e Maria do Carmo Silva?
Mércia
–
Ana Maria Rolemberg e o marido foram presos no interior do Estado.
Ana foi conduzida para São Paulo. Quando voltou, passava muito
mal, era portadora de anemia profunda e estava gestante. Os
médicos temiam em ir atendê-la, medo político. Ela estava no
DOPS. Procurei o meu médico, Francisco Henrique Barbosa, um
homem verdadeiramente cristão, que aceitou o convite. Depois
de examiná-la, opinou pela transferência dela para uma casa
de saúde imediatamente. Ninguém queria autorizar a tranferência
dela para o hospital. Plantei-me no gabinete de Moacir Sales,
insisti e ele se mostrava cada vez mais intransigente. Fui ao
IV Exército. De lá, ligaram para o delegado, e me mandaram voltar
para a Secretaria de Segurança. Quando cheguei, Ana Maria já
estava em um carro à minha espera. Internei-a no Hospital Português,
onde tomou várias transfusões de sangue com a polícia lá, na
porta do apartamento. Quando melhorou, foi tranferida para o
DOPS. E logo depois, veio para minha casa, onde permaneceu até
duas semanas antes do bebê nascer. Na hora do embarque para
Aracaju, onde residiam seus pais, nova confusão. Descobriram
que havia uma preventiva decretada contra ela, teria que ser
levada para o Bom Pastor. Finalmente embarcou. Moacir Salles
foi responsabilizado pelo lapso. Discutiu, gritou. Eu, muito
tensa, vi o avião sumir. Uma boa ação de Moacir Salles. Quando
Ana veio para a audiência, com o filho nos braços, a confusão
recomeçou. Teria que ficar presa. Levantei-me e citei uma passagem
da Bíblia falando sobre a fuga de Maria e José, através do deserto,
perseguidos pelas hostes insensíveis e intolerantes do todo
poderoso Herodes. Como um milagre, as palmeiras, testemunhas
da grandiosa evolução da natureza, curvaram-se sobre aquele
casal que conduzia o filho, Jesus.
Apelei
aos juízes: como pais e portadores, cada um, da sua verdade
particular, todos têm um ponto comum, na afetividade que caracteriza
a nossa raça. Comecei a pedir a revogação da preventiva. De
repente, fiquei trêmula e comecei a chorar. Eu não queria chorar,
estava envergonhada, mas tinha perdido pela primeira vez o meu
controle emocional. Pedi licença e saí da sala. O Conselho revogou
a preventiva. Corria o ano de 1977. Nem todo militar é bicho
papão. Ana Maria e o rebento perderam-se no tempo. Não sei onde
estão.
Maria
do Carmo Silva, irmã de Manuel Messias da Silva, na época do
golpe tinha 16 anos. Foi presa porque era irmã de Messias. O
cel. Ibiapina perguntou-lhe se conhecia Dona Lourdes, a vizinha
de Maria que a denunciou. Respondeu: Conheço-a. O senhor a conhece?
O coronel replicou: Claro. “Então diga a essa vigarista que
devolva a minha sombrinha”. Levantou meia dúzia de gritos.
Uma
madrugada, batem à minha porta. Era Maria. Pediu-me para ficar
até o dia amanhecer e me falou que era a segunda vez que era
presa. Tornou-se uma grande amiga, morou em minha casa algum
tempo. Apaixonou-se por Pedro Clemachur Macovsky. Ele foi expulso
do País por razões políticas. Ela foi ao encontro de Pedro,
casaram-se, moram no Peru.
Quando
ela veio ao Brasil, visitou-me com os seus três filhos.
Um
fato exótico, João Faustino Ferreira Neto foi denunciado pelo
fato de ter noivado com uma moça comunista. Essa moça, na época,
era médica e já estava com outro companheiro residindo em Paris.
Elaborei um habeas-corpus, eu e outra pessoa – que não me lembro
se foi Paulo Cavalcanti ou foi Vivaldo Ramos Vasconcelos – para
liberá-lo. Teve como relator o ministro Alcides Carneiro. Ele
foi excluído do processo.
Outro
fato extravagante: Joel Regueira Teodósio foi também meu cliente
e de Paulo Cavalcanti. Na Faculdade comentou que os pais estavam
presos. Dr.ª Naide e Dr. Bianor Teodósio passando situação vexatória.
O fato terminou em processo, Joel como traidor da pátria. O
processo foi trancado por falta de justa causa. A denúncia foi
considerada monstruosa. O relator, Pery Bevilaqua, disse em
seu voto: “Esse processo envergonha a nossa civilização”.
Gregório
e Júlio Santana?
Mércia
– Outro
fato engraçado: quando eu fiz a defesa de Gregório Bezerra,
citei, não me lembro, se foi o professor Izaias. Aí, o promotor
gritou de lá: “Você, defendendo um comunista, não tem o direito
de mencionar a Bíblia, principalmente nos seus textos subversivos”.
O jornalista Antônio Calado citou esse episódio em artigo publicado
no “Jornal do Brasil”. Era uma época muito difícil. Eu ia visitar
Gregório no hospital e tinha que ter autorização do auditor.
O Dr. Moacir Sales tinha que botar um visto também. Quer dizer,
passava por cima do auditor. Nessas minhas visitas a Gregório,
eu conheci um homem, não sei se ainda é vivo – eu estive fora
daqui esse tempo todo – o César Montezuma, um oficial do Exército.
Um dia, eu cheguei e encontrei aquela confusão. Os investigadores
na porta! Entra, não entra. Aí o César Montezuma veio e disse:
Deixa essa advogada passar, respeitem a lei”. Posteriormente,
soube que por ocasião da operação de Gregório, a polícia queria
entrar e ele a expulsou da sala de cirurgia. Gregório submeteu-se
a duas cirurgias, uma delas na próstata.
Você chegou
a ser presa?
Mércia
–
Veja o que me aconteceu. Em 1969, fui sequestrada de madrugada.
Tive o meu apartamento invadido. Ao entrar no quarto, para trocar
de roupa, avisei, através de um bilhete dentro de uma garrafa,
a uma vizinha, que quando saísse apanhasse meu filho e entregasse
à mãe de Ivo Valença, Dona Pepe, que morava no 2º andar. Os
homens me levaram, o meu filho ficou sozinho, o apartamento
aberto. Chegando no DOPS, queriam saber onde se encontrava João
Bosco Teodósio, meu cliente. Nessa angústia passei dois dias.
Certa
vez entro na Padaria Sion e quando olho para o caixa reconheço
o careta que chefiou o sequestro. Olhou-me apatetado. Olhei-o
com indiferença e elogiei o bolo que acabara de comprar. Quando
fui presa, os colegas o chamavam de Chico Monteiro. Aguardei,
fora da padaria. Quando saiu um empregado, perguntei-lhe o nome
do senhor da caixa. Era Chico, Francisco Antônio de Almeida
Monteiro, é filho do Luiz Monteiro.
João
Santana foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional?
Mércia
–
Sim, Júlio Santana foi preso no governo de Arraes, em 11.10.63.
Quando rebentou o movimento de 1964, todos os processos do campo
incluíam o nome de Júlio. Pedi a colaboração do colega Virgílio
Campos, que promoveu unificação de pena e uma revisão criminal,
reduzindo a pena de 50 anos para 18 anos. A família de Júlio
vivia em extrema pobreza. Seu filho mais velho, Artur, foi internado
com crise nervosa permanente, pelas pressões que sofria. O pessoal
dizia: “Olha, teu pai é comunista, tu vai preso”. Júlio terminou
ficando hipertenso, depois foi acometido de um acidente vascular
cerebral. Eu tentei o seu livramento condicional várias vezes.
Os pedidos eram engavetados. Havia um conflito de competência,
porque os primeiros processos correram na Justiça Comum. Aí,
a Justiça Comum dizia não ser sua a competência. No final, eu
tentei o livramento condicional novamente, e a transferência
do Barreto Campelo para a Penitenciária Agrícola de Itamaracá.
O auditor não concordava. Eu explicava que o livramento condicional
estava sofrendo percalços de natureza processual referente à
competência, razão porque há anos o pedido vinha se arrastando.
Juntei atestados médicos, provando que Júlio era hemiplégico,
padecendo de complicações cardiovasculares. Falei sobre a orientação
médica. Disse que, por ele ser um homem afeito à lavoura, deveria
sair daquele cubículo. Júlio passou misérias. A polícia militar
invadia as celas, retirava o fogão elétrico que servia para
preparar mingau e sopa, a única alimentação de Júlio. Tiravam
as panelas, quebravam os rádios. Júlio mal se movimentava, era
uma vida quase vegetativa. finalmente, foi concedido o livramento
condicional. Na hora de ser liberado o diretor perguntou-lhe:
“Para onde você vai?”. Não sabia. Sua mulher estava em Gaibú,
“mande-me para a casa da Dr.ª Mércia” – pediu. Então, o diretor
mandou trazê-lo aqui, por dois agentes. Primeira providência,
coloquei um banco no banheiro e providenciei um banho. Vestiu
roupa limpa, cortei-lhe as unhas. Chamei uma jovem médica, minha
comadre, para o examinar. No outro dia, no carro dessa amiga,
levei-o para casa. Sérgio Murilo providenciou uma roupa e lhe
deu uma certa quantia. Dentro das minhas condições, colaborei.
A esposa de Júlio, Ambrosina, sempre aparecia em busca de ajuda,
lembro-me que Joel Câmara colaborou também. No dia 13.12.77,
recebi um recado que Júlio queria me ver. Tinha uma coisa para
me entregar. Precisava falar comigo. No dia 14, consegui um
carro para ir visitá-lo. Quando estava de saída, o filho de
Júlio chegou. Trazia a notícia da morte do velho camponês. A
família dele continuava na miséria.
Gregório,
a tua relação com ele, você tem bilhetes...
Mércia
– Tenho
e vou dar alguns. Gregório era um homem sério. Solidário com
os companheiros. Foi preso um rapaz chamado Fernando Lopes.
Ele era cobrador de ônibus e conduzia uma mala cheia de panfletos.
O “partidão” era muito organizado e mandava mensalmente 150
mil réis para Fernando. De repente, foi suspensa a remessa.
Gregório me chamou e disse: “Minha filha, a partir de hoje entregue
a minha mensalidade a esse Fernando. Ninguém deve saber, nem
ele. Enquanto Fernando esteve preso recebeu essa quantia.
O
diretor do Presídio dividia os espaços do preso comum do preso
político. Com o tempo, a cerca caiu. Os presos políticos atravessaram
o limite. Gregório nunca saiu do seu espaço. Não admitia fofoca.
Eu dizia: Gregório, estou rezando, você vai sair, meus amigos
rezam por você. Ele respondia: “Você acredita no que faz. Continue
rezando”. Nunca me fez convite para entrar no partido, nem me
deu literatura comunista, não me fazia críticas. Quando começaram
as fofocas contra mim, procurei-o furiosa. Disse-me: “Você não
tem nenhuma obrigação de dar explicações. Você não é do partido.
Ocupe seu espaço, defenda sua verdade. E não permita envolvimento
em sua vida. Enquanto eu viver, não vou permitir essas coisas”.
Depois que saiu daqui, banido, me escreveu, dei a carta para
Guri guardar, não sei se ainda está com ele. Quando houve o
sequestro do Embaixador americano, ele não gostou. Me disse
que não aceitava sair, porque era contra atos desse tipo, “violência,
eu não quero, mesmo sendo contra o representante de um país
capitalista”. Fui falar com Paulo Cavalcanti. Estava presente
a mulher de Guri, Conceição, e uma pessoa que não me lembro,
que me mandaram dizer-lhe que aceitasse a saída em troca do
Embaixador. Quando voltei à Detenção o Cel. Ferraz falou-me:
“Converse com Gregório”. Conversei com ele, ele precisava sair.
Dei os recados, ponderei. Depois de 2 horas, ele resolveu sair.
Tinha uns dólares que mandaram para ele. Não aceitou, mandou
que eu devolvesse – o que fiz.
A
última vez que o vi foi aqui em Recife; fui almoçar com ele
no Jardim São Paulo – uma galinha cheia de gordura que ele adorava.
Eu achava graça, ele comia gordura naquela idade e era lúcido.
Quando me despedi, já estava no portão, me chamou, voltei, me
abraçou. E notei a sua voz embargada e os olhos úmidos. Era
o adeus.