
Uma
Advogada contra a Ditadura
Boletim A VERDADE
Marcelo Santa
Cruz
A
história da repressão política e da resistência jurídica em
Pernambuco, no período da ditadura militar de 1964, em larga
medida, confunde-se com a trajetória da advogada Mércia Albuquerque,
em suas peregrinações e intervenções junto às auditorias militares
e às outras instâncias do poder judiciário. Mércia iniciou sua
carreira de advogada defendendo presos políticos e demais perseguidos
pela ditadura. Formada na turma de 1961, pela Faculdade de Direito
do Recife, ela chocou-se com o sádico desfile do sexagenário
Gregório Bezerra pelas ruas de Casa Forte, no dia do golpe militar,
ensanguentado, vestido apenas num calção e com uma corda amarrada
ao pescoço. Atuando inicialmente como estagiária no escritório
de Paulo Cavalcanti, Mércia assumiu a causa de Gregório e partiu
daí para uma carreira autônoma de advogada combatente, empenhada
na defesa de presos políticos e perseguidos pela ditadura.
Uma
legião de militantes de oposição em Pernambuco, das mais diversas
colorações políticas, contou com a defesa de Mércia, que assumia
as causas instintivamente, sem perguntar se os clientes possuíam
ou não recursos para remunerá-la, ou mesmo, prover despesas
com taxas e reprodução de documentos. A atuação de Mércia, muitas
vezes se confundia com o próprio abrigo de militantes na sua
casa, a veiculação de denúncias, as articulações de viagens
de fuga e as ajudas materiais. Por essa ousadia na defesa dos
seus clientes, em diversas ocasiões, ela passou da condição
de defensora para perseguida, sofrendo ameaças, sequestros e
prisões.
Passado
o período ditatorial, Mércia continuou sua trajetória em defesa
dos direitos humanos, atuando junto à Ouvidoria da Secretaria
de Justiça do Estado. Quando foi aprovada, na legislatura passada,
a lei concedendo indenização a ex-presos políticos pernambucanos,
ela desdobrou-se na facilitação dos processos, com o mesmo entusiasmo
com que antes se dedicava à defesa dos perseguidos pela ditadura.
Na Ouvidoria, Mércia foi autora de um parecer arrojado e fundamentado
na psicanálise, que sustentou juridicamente o pleno direito
aos encontros conjugais para homossexuais masculinos e femininos
reclusos nas prisões de Pernambuco.
No
dia 29 de janeiro último, aos 68 anos de idade, a Dr.ª Mércia
interrompeu sua militância jurídica, quando, vítima de um câncer,
encontrou a morte numa mesa de cirurgia. As palavras de reconhecimento
de Gregório Bezerra, no primeiro volume das suas memórias, à
sua “jovem advogada”, além da grande presença de ex-presos e
perseguidos políticos no seu funeral, simbolizam o reconhecimento
à militância solidária de Mércia Albuquerque, uma advogada contra
a ditadura. A ela, dedico os versos do companheiro Marcelo Mário
de Melo, que também foi seu cliente:
“Se
não fizermos isso pela nossa
causa quem o fará?”