
“O
Milagre dos Pães”

Apesar de Você
Chico Buarque de
Holanda
Adentro
os corredores da história, regressando à ditadura militar
instaurada em 1964; paro em 1968 (não me recordo o mês). Lembro-me
apenas que João Olímpio acabara de ser eleito Presidente do
Diretório Acadêmico do curso clássico do Ginásio Pernambucano.
A cidade do Recife estava fedendo a medo. Medo da violência
dos golpistas, medo da morte, medo político. Naquele dia a
sanha dos policiais tinha um alvo: os alunos de esquerda do
Ginásio Pernambucano, grande risco corria o estudante Paulo
Pontes da Silva.
Um
telefone anônimo avisara-me de que a policia civil iria prendê-lo.
Tratava-se de um líder estudantil, valente e sobretudo consciente
do papel que a história lhe reservara.
Eu
sabia que Paulo Pontes estava no Ginásio Pernambucano; não
me era possível ir avisá-lo. Recorri a um amigo, famoso professor
de português, que se comprometeu a ir ao Ginásio avisar o
que aguardava o jovem idealista. Prometi ao querido mensageiro
jamais revelar o seu nome; direi apenas um dos maiores professores
de português do Recife.
Ao
chegar ao Ginásio, o velho mestre percebeu que os estudantes
já estavam cientes das intenções dos agentes do DOPS, alertando-os
de que tivessem prudência e de que o Ginásio já estava cercado
pela policia; e retirou-se.
João
Olímpio, que acabara de assumir o Diretório, não fechava com
as esquerdas sem a opressão do medo, convenceu o pai – o então
Deputado Estadual João Olímpio – a retirar o colega – seu
opositor – da enrascada. Paulo deitou-se no piso da parte
traseira do automóvel do Deputado, e tanto o acento do carro
quanto Paulo foram cobertos de pães. O Deputado dirigiu o
veiculo com tranquilidade; Paulo escapou com segurança, para
continuar perseguindo o ideal em que acreditava.
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pão repetia o milagre bíblico: ontem, multiplicou-se para
mitigar a fome dos seguidores de Cristo – “Eu sou o pão da
vida” (Jesus; São João – cap. 6, v. 35).
“Jesus
tomou o pão na última ceia, abençoando-o o partiu e deu aos
discípulos:
“Tomai
e comei; isto é o meu corpo” (Mateus, cap. 26-26).
E
em 1968, naquele momento histórico, incorporou-se ao jovem
arauto da liberdade para conservar-lhe a vida.