Resumo dos fatos
ocorridos com José Carlos Moraes da Mata-Machado
Dia
18/10 – A família de José Carlos, tendo recebido dele um apelo para
que o trouxessem a Belo Horizonte, providenciou a ida de representantes
seus a são Paulo. Foram dois cunhados, genros, pais do prof. Edgard de
Godoy da Mata-Machado, sendo um advogado e dois economistas. Nesse dia
chegou a Belo Horizonte a esposa de José Carlos, Maria Madalena Soares
Mata-Machado, e o seu filho Eduardo de 4 anos de idade.
Dia
19/10 – Após terem estabelecido contato com José Carlos, os representantes
da família combinaram a sua vinda para Belo Horizonte na noite
do mesmo dia. A saída de São Paulo foram presos por elementos
paisana fortemente armados. José Carlos tentou impedir a prisão
dos seus cunhados e do seu amigo, afirmando aos que os detinham
que nenhum deles eram subversivo, e identificando-os, como professor
um, e os dois profissionais conhecidos em Minas. Nada adiantou,
encapuzados e conduzidos a lugar ignorado onde passaram dois dias,
foram interrogados e encapuzados.
Dia
21/10 – Os três representantes da família, foram transportados
prisioneiros, para Belo Horizonte, seguidos três carros com homens
armados, a viagem durou 15 horas, chegaram a Belo Horizonte e
ficaram no 12º R.I., incomunicáveis.
No
dia 22/10 foram presos Maria Madalena e seu filho Eduardo,
ignorando-se o local onde se encontra Madalena.
No
dia 24 Eduardo foi entregue a família.
No
dia 28, após cerrado espancamento, é levado José Carlos para Caxangá
e assassinado.
No
dia 30 José Carlos foi sepultado no cemitério da Várzea, cova 6,
com identidade desconhecida.
No
dia 31/10 os representantes da família foram libertados.
Dia
03/11 – celebrada missa pela alma de Zé Carlos.
No
dia 05/11 fui procurada pelos tios de José Carlos e Hélio, que me
solicitavam reclamar o corpo de José Carlos.
No
dia 06/11 comecei a luta pelo corpo.
No
dia 10/11 – exumado
Um
detalhe: a roupa que Zé Carlos foi sepultado foi a mesma do tiroteio,
que o eliminou , só que não havia nenhuma perfuração de bala.
Dr.
Ipiranga
negou-se a assinar o atestado de óbito e participar da exumação no
dia 10/11.
Fui
procurada com urgência, pelo Dr. Sérgio Murilo, um carro veio
apanhar-me.
Tomou
um choque ao ser apresentada ao Dr. José Henrique, e ao Dr. Hélio, irmãos
do Dr. Edgard Godoy Mata-Machado, tios de José Carlos Mata-Machado,
traziam-me uma carta do Dr. Afonso, e pedia para solicitar o corpo de Zé
Carlos as autoridades.
Fui
a Secretaria, o Dr. Jones Fontenele respondia pelo Secretário, e
pediu-me para voltar a tarde. A tarde, o caso foi encaminhado ao Dr.
Edvaldo Mota, delegado do DOPS, que demonstrou boa vontade, mas
preocupado com os órgãos de segurança.
O
Dr. Arsênio Tavares, Zé Rodrigues, Múcio, e outros médicos passaram
a dar assistência aos tios do rapaz.
Só
às 10:30, encontrei o Dr. Edvaldo, que me foi franco, o problema era as
autoridades de Segurança.
Voltei
à tarde, comunicou-me que o corpo foi liberado.
Saí
para providenciar junto com Osvaldo Lima, o caixão, quando fui apanhar
o ofício, a segurança havia mudado de idéia, negado o pedido.
Voltei
a insistir, alegando que a negativa implicava em se fazer vários juízos.
Finalmente às 19:15 recebi permissão para assistir a exumação do
corpo, no dia seguinte. Volto a comunicar o fato ao Dr. Osvaldo.
O
policial Otávio Caramba? procurou-me para dizer-me que Ma
Dilene, esposa de Jorge Barret, havia me criticado, e feito uma
série de injustiças. Saí chateada pois salvei a vida do marido
dela, e a única que não permiti foi que usasse meu telefone para
o Chile. Liguei o telefone, e descarreguei as angústias de um
dia de trabalho, e a mágoa da ingratidão.
Às
8:40 já me encontrava na Secretaria de segurança, o Dr. Edvaldo Mota não
queria assistir o ofício aguardava o Dr. Jones Fontenele, que discutia
com a segurança quais os elementos que deveriam ir ao cemitério para
assistirem a exumação, só às 15 horas recebi ordem para iniciar os
trabalhos, adiei para a manhã, pois sé tem avião sexta-feira. Já
estou certa, que o rapaz morreu de torturas e teve várias fraturas
conforme comentários da rua. O estranho é que foi enterrado com
identidade desconhecida no cemitério da Várzea.
O
Dr. Osvaldo iniciou um mandado, de segurança pois não acredita
na liberação do corpo.
Às
oito horas telefonei para o Cel. Cúrcio, a fim de ter um entendimento
sobre a liberação do corpo, tivemos um diálogo, o qual foi
proveitoso, pois achou que não haveria mal, desde que não houvesse
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Enquanto
isto, Dr. Osvaldo, lutava pela documentação, Valério Rodrigues*
criava todas as dificuldades, para não permitir a exumação, por
sua vez Percilvo Cunha, também procurava tumultuar o andamento
da exumação. Sr. Barbosa, da Casa Funrária Batista, recebeu
ordem do IV Exército, para sustar os trabalhos. Depois de muita
luta telefonou para polícia e recebeu a confirmação de liberação.
O telefone tocou direto de Belo Horizonte, e vários médicos, indagando
o andamento do trabalho.
*Dr.
Valério Rodrigues na época secretário de Saúde da Prefeitura do
Recife (Médico).
Logo
cedo entrei em entendimento com o Cel. Cúrcio, e o Dr. Silvestre, os
trabalhos ficarão marcados para 15 horas.
Passei
uma noite péssima sonhei, que ao ser retirado o corpo eu via ossos
esmigalhados no lugar da cabeça, os destroços tinha cueca zorba
branca, e uma calça preta, e a dentadura tinha diversas obturações de
ouro.
Às
15 horas cheguei com o comissário Edmundo ao cemitério, o Dr.
Ipiranga, exigia o laudo para iniciar a exumação, em fim foi ao cartório
da Várzea com os funcionários da agência funerária, e ao voltar me
disse “vai ser feita a exumação, mas por outro médico, depois de 40
anos de serviço, pela primeira vez me recuso a fazer um serviço por não
estar de acordo com o laudo, a causa mortis não é a que reza o laudo,
onde estão as fotografias dos corpos. Houve insistência de várias
pessoas, mas não atendeu, eu disse-lhe que o entendia por isso o
respeitava. Ao que respondeu, que qualquer leigo, sentiria a
facciosidade do laudo.
Às
10 para as três cheguei ao cemitério, às três chegou o médico
Nivaldo Ribeiro, o comissário Edmundo. Às 15:10 começaram os trabalhos,
o coveiro Malaquias dirigia a equipe, Sr. Barbosa (da Casa Batista),
Galeno Guaraná (administrador do cemitério) assistíamos. Apareceu
o corpo em um caixão sem tampa, começou a lavagem, tomei um choque,
no lugar da cabeça estava ossos espatifados, a dentadura ao lado,
tinha várias obturações de ouro, calças escuras, cueca Zorba,
meias pretas. O corpo era um patê, os ossos todos partidos, a
mão contorcida, para trás dos pés quebrados, e a cabeça
esfarelada.
Às
16:10 concluído o trabalho, colocaram pó de serra, envolveram os
restos do rapaz em um plástico, depois em uma lona e colocaram no caixão,
o comentário entre os coveiros era, “também esse defunto chegou aqui
que nem papa! Foi muito pau e muita bala!”.
Os
restos seguiram para a casa funerária, e eu para minha residência,
convicta que o rapaz foi escapelado pois os cabelos estavam ao lado.
Passei
a manhã ocupadíssima na repartição. Liguei várias vezes para a Casa
Batista, procurando saber andamento, do encaminhamento do corpo.
Às
17 horas recebo um telegrama do comissário Edmundo, me avisando que
ainda não tinham ido apanhar o ofício para o embarque de uma funerária.
Localizo
Seu Barbosa, e diz não ser possível a viagem porque teve o maior
problema para adquirir o atestado de óbito que recebeu ordem do IV Exército
para não viajar e depois para viajar.
Comuniquei
o fato ao Dr. Osvaldo, e a família de Zé Carlos Mata-Machado.
Estou
bem ruim de saúde, os médicos continuam a dar diagnósticos
desencontrados. As prisões continuam revestidas de violências.
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