Abril
de 1973
Anotações
Inéditas de Mércia Albuquerque
Cândido
Pinto
Dom Helder
Poema 01 - Ezequias
Zé Leite
Jorge Barret
Poema 02
Cândido P. Melo -
Sofreu um atentado, permanecendo até hoje em cadeira de rodas. Fui (Mércia)
advogada dele em diversos processos políticos. Ajudei-o como amiga,
irmã e advogada. Tivemos apoio de vários médicos, da Igreja, do Partidão.
Em 1978 envolvido com as fofocas de Paulo Cavalcanti, me enviou carta
19.04.1973
Saí da Auditoria após uma audiência, cansativa.
Recebi um bilhete de Cândido, fiquei comovida
diante da ternura do recado.
Esse menino é extraordinário, ministra lição
de vida e coragem pra muita gente.
É uma tragédia a vida de Cândido, semi-vivo, lutando
para conservar pouco de vida que lhe deixaram.
E Rosa, coitada de Rosa, totalmente neurótica, ligada a Cândido
pela ternura, de um amor que não pode se repetir.
Meu Pai, se existis, sede pai.
18.04.1973
Conversei demoradamente, com Dom Helder, e fiquei
comovida com a ternura que fala dos problemas do povo.
Dom Helder tem muito valor, é um homem inteligente e corajoso.
Ninguém terá coragem de prendê-lo, ou matá-lo,
porque lidera a opinião pública.
Ela vai falando de mansinho, com reserva (pois é possível
que esteja prevenido contra mim) de repente a gente sente vontade de
estender-lhe a mão, e sair com ele levando amor e coragem por
esse Brasil afora. A tarde agonizava, e a gente falava, enfim dissemos
até logo.
17.04.1973
Estive em Itamaracá,
e lá encontrei o Dr. Kleber, magro, seco, amarelo como um gafanhoto.
Não gosto desse homem ignorante, complexado e sujo.
Breve, dou-lhe um banho de inseticida, para melhorar a aparência.
O alheiamento, a falta de percepção desse gafanhoto insular
me irrita.
É totalmente desrespeitado pelos subalternos e agressivo para
com os detentos.
Nunca entendi a mão a ele, porque tenho repulsa de tocar-lhe.
02.04.1973
Ezequias
A
noite escancarou-se
E o homem foi agarrado
Era um jovem
Ele pregava liberdade
E amava a sua gente
O homem foi agarrado
E para que se calasse
Não falasse em liberdade
Afogaram-no num barril
Danificaram-lhe o corpo
Cacetearam-lhe o cadáver
Dilaceraram-lhe a carne
Sepultaram-no num açude
O homem foi agarrado
O povo todo chorou
A justiça se encolheu
A família emudeceu
O homem foi agarrado
Restou apenas saudades
25.04.1973
Eu conheci Zé Leite há muitos anos,
na Casa de Detenção do Recife.
Homem de meia idade, cardíaco, dava-me a impressão que
não iria longe.
Solto através de HC, sumiu.
Volto a ouvir falar de Zé Leite. Preso em Fortaleza, dirigindo
uma gráfica.
Estranha força anima esses homens, vivem pelo ideal, morrem pelo
ideal.
Não sei se resistirá às torturas, não sei.
26.04.1973
Estive
com Jorge Barret, estava extremamente nervoso, teme ser assassinado.
É ainda muito jovem e está desajustado emocionalmente,
parece um carneiro assustado.
Pediu-me veneno para ingerir, teme ser retirado por Fleury e assassinado.
Procurei ajudá-lo, dei-lhe esperança e coragem, dei-lhe
o que não tenho em relação ao caso dele.
O pior problema é a falta de dinheiro, a Edilene? e a família
do Jorge não tem dinheiro.
Maia está muito falido e magro, não fica de pé
sem se agarrar em algo.
É uma tragédia o cenário da prisão, até
parece que me encontro no gueto de Varsóvia.
29.04.1973
Ele
tombou em silêncio
Fuzilado barbaramente
O sangue correu na rua
e empapou a bandeira
O corpo despedaçado
Na frente do batalhão
Ivan era adolescente
e não levava arma
Gritava por liberdade
e não queria matar
O batalhão recuou
Cometera um "heroísmo"
Destruindo aquele jovem
Mas a palavra ficou
30.04.1973
Não
posso dormir
Escuto o murmúrio da brisa
No silêncio da noite
Levanto e tento chorar
Escuto gritos na mente
Sangue correndo no chão
Vontade de alarmar
Eu vi seis mortos,
Que me causam angústia
Todos ultrajados,
Além de baleados
Estavam torturados
E dois deles enforcados
Olho a noite
E olho o céu
Procuro Deus e não encontro
Volto, deito-me chorando
Mas de repente reajo
Penso nos mortos com respeito
Amo os mortos, todos
os seis, e o sono chega ligeiro.
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