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Gregório Bezerra


Advogada lembra trajetória de lutas do líder comunista

A estudante concluinte de direito e professora, Mércia Albuquerque, passava pela praça de Casa Forte, no dia dois de abril, logo após o golpe militar de 1964, justo no momento em que um homem idoso estava sendo arrastado na rua e espancado por um coronel e vários sargentos, sob o olhar horrorizado dos que passavam. "Naquele momento, eu decidi que iria defender aquele homem que estava sendo torturado em público. E foi o que eu fiz", conta Mércia, que se tornou advogada de presos políticos e, em especial, de Gregório Bezerra, com quem aprendeu a dimensão dos problemas políticos e sociais brasileiros. Hoje titular da Ouvidoria da Secretaria de Justiça do Estado, ela sofreu maus tratos e foi jogada no xadrez, mesmo gestante, várias vezes por defender os inimigos do novo regime.

"Quando eu vi aquela cena, lá em Casa Forte, com o coronel Darcy Villoc Viana (o oficial que comandou a prisão de Gregório) gritando ensandecido e ameaçando o ancião, enquanto soldados muito jovens arrastavam aquele homem cambaleando, eu senti que deveria deixar minha profissão de professora de menores abandonados e passar a fazer algo por aquele homem torturado", lembra a advogada.

Ela localizou Gregório no Parque de Motomecanização, um quartel em Casa Forte. "Ele estava numa sela, com os pés queimados por soda cáustica e a cabeça quebrada. O coronel Villoc disse que eu era uma atrevida. E falou: `Com este ferro eu espanquei seu cliente. O que a senhora acha?'. Eu respondi: 'O senhor tem a força, mas...'. Aí ele falou: 'Mas o que?'. E eu disse: 'Mas mesmo! Posso ir?'. E ele falou: 'Dane-se!' ". Para ela, naquele momento o País vivia "uma sinfonia de sangue".

Passados 36 anos daquelas cenas, Mércia ainda lembra com emoção, assistindo à movimentação das comemorações do 100 anos de seu amigo e ex-cliente. "Todos temiam aproximar-se de mim porque eu defendia os presos políticos", revela, fazendo questão de mencionar o então escrivão da Vara de Homicídios, Décio Magalhães que, em 1967, aceitou, com riscos, levar para casa as razões de defesa de Gregório, rascunhadas por ela, para datilografar. Ainda sem experiência profissional, Mércia pedia ajuda dos advogados Rui Antunes e Cláudio César Andrade. Eles iam para uma granja, de madrugada para não serem vistos pela férrea vigilância policial, onde preparavam as petições. Naquele momento, Gregório estava doente da próstata e tinha sido removido para o hospital onde hoje é o Ipsep. Conta que havia policiais com metralhadora apontando para ela até dentro do quarto do paciente. "Eles queriam ficar até dentro da sala de cirurgia, mas o coronel-médico César Montezuma os expulsou. Eu rendo homenagens ao falecido coronel".

Sabe-se que, antes de ser preso, Gregório esteve escondido durante um dia numa usina, enquanto aconteciam centenas de prisões no Recife e no campo. Passadas três décadas daquela noite, a advogada, que sabe detalhes contados por seu cliente, evita revelar quem foi o usineiro que escondeu o líder comunista. Indagada a respeito, ela limita-se a dizer: " Esse usineiro foi um político muito importante no Estado, é vivo e às vezes se fala nele".

Segundo Mércia Albuquerque, a vida de Gregório esteve por um fio também antes de ser entregue ao Exército. Conta que o capitão PM Álvaro Rêgo Barros prendeu Gregório na Usina Pedrosa, em Ribeirão, mas, no caminho, o usineiro José Lopes Siqueira, acompanhado de pistoleiros, exigiu que o oficial lhe entregasse o prisioneiro. Era para trucidá-lo no canavial. O capitão não aceitou. Quase houve tiroteio, mas Rêgo Barros venceu a parada e, como diz Mércia, "ele não sujou as mãos com o sangue da história".

A advogada diz que nunca comungou da mesma ideologia de seu cliente, mas reconhece que "tratava-se de um líder autêntico, que assumiu corajosamente suas posições, ainda que isso tenha sido causa de muitas privações e sofrimentos". Revela que ele sempre foi o mediador nos confrontos entre os presos. Respeitava a todos, independente de facção. E mais, revela Mércia: "As mulheres se apaixonavam por ele. Médicas, advogadas lhe mandavam cartas. Eu recebia e as rasgava. Achava que a mulher dele, Maria da Silva Bezerra (dona Maroca) não podia ser maculada. Um dia Gregório descobriu que eu rasgava as cartas. Continuei rasgando. A esposa dele, uma camponesa maternal, sempre deu todo apoio a ele, criou os filhos Jandira e Jurandir com dignidade. Eu contei a ela sobre as cartas. Hoje eu me arrependo de as ter rasgado".

Mércia conta que, em 1969 na Casa de Detenção, disse a Gregório que ele se preparasse para sair, pois era um dos presos que iam ser trocados pelo embaixador dos Estados Unidos, Burke Elbrick, seqüestrado pela guerrilha urbana. Gregório, que já estava com 69 anos, não aceitou ser solto, dizendo que a decisão era do partido. A advogada disse que ele não poderia prejudicar outros presos que estavam na lista. Ele, então, seguiu para o exílio. (S.A.S.)

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