
U.H
– 09.10.1967
A longa espera de Gregório
Clóvis Assunção
“Não
se aborreça por mim, a despeito de me considerar um prisioneiro
sem crime” – diz Gregório Lourenço Bezerra, condenado a 19 anos
de reclusão, em carta remetida “a sua jovem advogada, Mércia
de Albuquerque Ferreira, há 48 horas do julgamento da sua apelação
pelo Superior Tribunal Militar.
Condenado
pelo Conselho Permanente de Justiça da Auditoria da 7ª Região
Militar, no Recife, Gregório é o mais antigo preso político
do País – desde 31 de março de 1964 –, esteve em vários quartéis
do Exército e atualmente se encontra recolhido à Casa de Detenção
do Recife. O seu primeiro advogado, Juarez Vieira da Cunha,
abandonou a causa depois de ter sido preso pelo então delegado
do DOPS de Pernambuco, Sr. Álvaro Gonçalves da Costa Lima, logo
após a decretação do Ato Institucional n.º 2, em novembro de
1965.
Ninguém
queria defender Gregório no Recife. O radicalismo político atingiu
a tal proporção naquele tempo, que os interessados no clima
de terror chegaram a afirmar que “o defensor de Gregório corria
o mesmo risco que ele, viveria o seu mesmo destino”. Daí, surgiu
a advogada Mércia, com apenas dois anos de exercício da profissão,
e se propôs a defender o velho de 70 anos jogado à própria sorte,
vivendo a experiência de um processo a que veio chamar mais
tarde de “confuso, incerto e hostil”.
A
sustentação oral da defesa, no STM, feita pelo professor Sobral
Pinto, que disse recentemente, estar Gregório preso por causa
da “mesquinhez e da incompreensão humana”. O Procurador-Geral
da Justiça Militar, Sr. Eraldo Gueiros, ao emitir parecer na
apelação, manifestou-se pela redução da pena entre 4 e 12 anos
de reclusão.
TRANQUILO
– Expressa Gregório na sua carta os agradecimentos que deve,
não só “à professora dos momentos mais angustiantes mas a todos
que defenderam a liberdade a que tem direito”. Fala sobre “a
minha absoluta tranquilidade de ânimo e a minha profunda compreensão
quanto aos resultados desse caso jurídico-militar”. “A despeito
de me considerar um prisioneiro sem crime, porque crimes não
têm aqueles que sempre se colocaram ao lado do povo e da legalidade
constitucional, não tenho dúvida de que a sentença de condenação
será mantida, dessa ou daquela maneira, a ponto de poder permitir
o sacrifício completo da minha liberdade, desde que sou um homem
beirando aos 70 anos”.
Faço
um exame de consciência, doutora Mércia – prossegue a carta
– e não vejo como tenha sido nocivo ao povo de minha terra.
Desde menino, acompanho os seus sofrimentos. Desde rapazinho
que luta em favor de melhoria das suas condições de vida. Não
importa que a reação tente me apresentar a esse mesmo povo como
um assassino frio e calculista, como um bandido sem entranhas.
Depois
do movimento insurrecional de 1933, quando os fascistas brasileiros
quiseram convencer a Nação que eu havia assassinado oficiais
dormindo, fui mandado pelo povo de minha terra, em sufrágio
direto, para a Assembléia Constituinte. Fui eleito o segundo
deputado federal mais votado de Pernambuco, ultrapassando os
limites do próprio quociente eleitoral.
HISTÓRIA
– “Julgamento como esse, Doutora Mércia, acentua Gregório –
é que define a história e esclarece a conduta dos homens. Quisera
que os meus carcereiros fossem submetidos, como eu, ao direito
e implacável julgamento do povo. Estou preso desde 1964. Em
meu poder não foram encontrados nem armas nem documentos comprometedores.
Embora preso, acompanho a marcha do mundo. E vejo, das grades,
esse magnífico espetáculo das lutas de libertação nacional dos
povos oprimidos.
E
conclui Gregório: “ Com quase 20 anos de prisão na minha vida
de revolucionário, não tenho o direito de pensar somente em
mim. Aos homens que se colocam acima da vida individual, devotados
ao bem comum, é bom que se lembrem daqueles versos maravilhosos
de Frei Caneca:
Entre
Marília e a pátria,
Coloquei
meu coração.
A
pátria roubou-me todo,
Marília
que chore em vão