
DECLARAÇÃO
DE GREGÓRIO BEZERRA
... Estava
preso já há mais de dois anos e até então não tinha advogado;
primeiro, porque ainda não havia começado o processo de formação
da culpa; e, em segundo lugar, porque sabia que, com ou sem
advogado, o meu caso já estava decidido: seria condenado a 20
anos de prisão. Alguns jovens estudantes, encabeçados por Jarbas
de Holanda, foram em comissão ao Dr. Juarez, causídico de alto
gabarito, convidá-lo para fazer a minha defesa judicial. Ele
aceitou de bom grado e foi visitar-me, já com a procuração em
seu poder e perguntou se eu o aceitava como advogado de defesa.
– Como
não doutor! Tenho muita honra! Só não tenho dinheiro para pagar-lhe.
–
Deixe comigo. Isso é um problema meu e dos estudantes.
O
Dr. Juarez era um velho conhecido. No processo-farsa sobre o
incêndio do 15º Regimento de Infantaria de João Pessoa, atuara
como advogado de defesa de um dos acusados e desde essa época
nos conhecíamos. Trocamos algumas idéias sobre a minha situação
atual. Ele conhecia o relatório do Coronel Ibiapina e pediu-me
mais alguns dados que permitissem uma melhor orientação para
a defesa. Por várias vezes veio me visitar e, durante o processo
de formação de culpa, atuou como um causídico que preza a sua
profissão e se respeita.
Antes
de terminar a formação de culpa, foi decretado mais um ato institucional;
em consequência, houve muitas prisões, sobretudo de intelectuais.
Então, o meu advogado foi preso, pelo delito de ser meu advogado
e de querer defender-me como devia. Passou vários dias no xadrez,
tendo como único vestuário as cuecas e sofrendo duras ameaças
de tortura se continuasse a agir como estava fazendo até então.
Logo que foi posto em liberdade, veio visitar-me, dizendo que
não tinha mais condições de continuar sendo o meu advogado.
–
Já que não posso defender-te como devo, desisto da causa.
O
advogado pediu-me desculpas e despediu-se de mim. Fiquei grato
pela lealdade demonstrada e pela sua fraqueza. O que tinha provocado
o represália das autoridades sobre o meu advogado foram as perguntas
embaraçosas que este andara fazendo às testemunhas de acusação.
Havia empresários que estavam a par das transações feitas pelo
Coronel Ibiapina para comprar terras. Creio que foi isso que
feriu em cheio a “honestidade ilibada” do coronel, o “baluarte
contra a corrupção”...
Estava
novamente sem defensor e passavam-se os meses. Mas eu não estava
preocupado com isso. Cedo ou tarde, teria um advogado constituído
pelo partido e, para o caso presente, já sabia que seria condenado
a 20 anos de prisão. Certo dia, estava conversando com minha
companheira, pois era dia de visitas. Aproximou-se uma senhora
grávida, já caminhando com dificuldade, e disse:
–
Gregório, sei que está sem advogado. Venho me oferecer para
fazer a sua defesa. Você me aceita como sua defensora?
Olhei
para a majestosa figura de senhora grávida, às vésperas de dar
à luz e respondi emocionado e com muito respeito, pois a oferta
espontânea vinha numa situação política pesada, na qual muitos
advogados fugiam de mim, com receio de passarem pelos vexames
a que tinha sido submetido o Dr. Juarez:
–
Aceito, com todo o prazer, a senhora como minha defensora. Só
lhe peço que não se decepcione com a minha condenação a 20 anos,
pois isso é inevitável, ainda que fosse defendido pelo melhor
advogado do Brasil.
–
Voltarei amanhã com a procuração para você assinar, certo?
E,
de fato, no dia seguinte estava novamente ali. Passei a ter
uma defensora e uma amiga correta e pontual durante todo o tempo
que fiquei na Casa de Detenção.
(Extraída
do livro “Memórias – Gregório Bezerra –
2ª
parte: 1946-1969. Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro,
1979)