Depoimento de Mércia Albuquerque acerca
do massacre da granja São Bento
Eu MÉRCIA
DE ALBUQUERQUE FERREIRA, casada, advogada, com identidade de n.º
388.849-SSS/PE, residente a Rua Sete de Setembro n.º 197/52
- Boa Vista, Declaro que: Jarbas Pereira Marques não era
um desocupado como na época se dizia.
Ele trabalhou na Livraria Ramiro Costa, foi admitido em 02.12.71,
como auxiliar de balcão, depois trabalhou na Livro Sete
Ltda, como balconista, depois trabalhou na Livraria Moderna da
Rede de Cassimiro Fernandes em 73 onde foi preso, três dias
antes da prisão , Jarbas, ele procurou-me a noite e entregou
fotografias da família, uma fotografia que dizia ser o
Cabo Anselmo, Carteira do Trabalho, Certidão de Casamento,
Certidão de Nascimento e Certificado de Reservista, que
estava para ser preso e me disse que Fleury se encontrava no Recife
com a sua equipe, e que o Cabo Anselmo usava os nomes de Daniel,
Jadiel, Américo Balduíno, era companheiro de Soledad,
mas ele já havia descoberto que esta pessoa era infiltrado
na organização daí porque ele estava muito
assustado, porque ele já havia conversado com Ayberé
Ferreira de Sá e este fora preso, conversado com Martinho
Leal Campos e este fora preso e com José de Moura e Fontes
que fora preso também e com outras pessoas que ele não
citou os nomes na hora que ele estava vivendo momentos de muita
angústia e amargura porque ele não tinha pessoalmente
nada haver com estas prisões. Jarbas era um tipo romântico
ingênuo e eu conversei com ele que fugisse ao que ele se
negou dizendo que isso não faria pela segurança
da filha e da esposa, eu pei que ele deixasse a criança
sob meus cuidados ele me falou que não ia levar Tércia
Rodrigues para uma aventura porque ela era uma pessoa frágil
e seria também assassinada aí era pior porque a
menina ficaria órfã, quando foi no dia 08.01.73,
a mãe dele chegou muito aflita ao anoitecer e me disse
que ele teria sido retirado por dois homens da Livraria, a Livraria
ficava situada na Rua Ubaldo Gomes de Matos, 115, ela focou toda
noite na minha casa em estado de ansiedade muito grande, no outro
dia pela manhã mandei uma pessoa, uma amiga minha, ir até
a Livraria no sentido de comprar um livro do curso primário,
a pessoa comprou e lá obteve a mesma informação
que ele teria saído com dois homens, a tarde eu voltei
para trocar o livro dizendo que o menino teria levado da primeira
série mas o livro era da segunda e perguntei ao balconista
por Jarbas, ele repetiu a história eu botei o retrato que
eu tinha em mãos sobre o balcão e perguntei foi
este o homem? Porque se foi este o homem eu acho que não
há problemas me parece que é parente dele, o rapaz
me respondeu foi este o homem e não tinha cara de amigo,
eu voltei e comecei a busca e não estou assim muito segura
se foi no dia 09 ou no dia 10 que tomei conhecimento que seis
corpos se encontravam no necrotério, que nessa época
funcionava em frente ao Cemitério de Santo Amaro, na praça,
consegui a licença para entrar e ao entrar encontrei seis
corpos realmente, em um barril estava Soledad Barret Viedma, ela
estava despida tinha muito sangue nas coxas, nas pernas e no fundo
do barril onde se encontrava também um feto.
Eu fique horrorizada, como Soledad estava em pé com os
braços ao lado do corpo eu tirei a minha anágua
e coloquei no pescoço dela, era uma mulher muito bonita,
e estava também deitada numa mesa a Pauline, eu então
cobri com uma toalha que tinha na entrada do necrotério,
uma toalha de mão mas era grande eu botei por cima do corpo
dela. Jarbas que eu conhecia muito estava também numa mesa,
estava com uma zorba azul clara e tinha uma perfuração
de bala na testa e uma no peito e uma mancha profunda no pescoço
de um lado só como se fosse corda e com os olhos muito
abertos e a língua fora da boca, que me deixou assim muito
chocada, os outros corpos jaziam, um estava de bermuda que eu
não conhecia, outro estava de zorba e outro despido, estavam
pelo chão, todos os corpos estavam muito massacrados. Pauline
tinha a boca arrebentada, tinha marcas pela testa, pela cabeça
e o corpo muito marcado, então eu ao sair dali fiquei pensando
como daria essa notícia a dona Rosália (mãe
de Jarbas) que ainda se encontrava em minha casa justamente com
Tércia e a outra filha de Jarbas que tinha apenas dez meses,
eu ao chegar em casa providenciei um chá para dona Rosália
e depois de muito tempo, muita conversa ela disse: "minha
filha, meu filho foi assassinado com um tiro na cabeça,
não foi?" fique surpresa e disse: foi, contei como
estava o problema e voltei com ela ao necrotério, ela viu
o corpo do filho na situação que se encontrava,
então os corpos foram levados para a Várzea e posteriormente
, eu sei que Jarbas foi trazido para o Cemitério de Santo
Amaro, e eu não tenho certeza mas me parece que, também
as estrangeiras, mas não estou bem a par disso, se elas
foram removidas. Agora as pessoas que ali se encontravam sem vida
era a Soledad Barret a Paulina, Eudaldo Gomes da Silva, Evaldo
Luiz Ferreira que foi preso na residência de Soledad e Manoel
da Silva é que foi preso no Posto de Gasolina em Toritama,
a Soledad estava com os olhos muito abertos com expressão
muito grande de terror, a boca estava entreaberta e o que mais
me impressionou foi o sangue coagulado em grande quantidade que
estava, eu tenho a impressão que ela foi morta e ficou
algum tempo deitada e a trouxeram, e o sangue quando coagulou
ficou preso nas pernas porque era uma quantidade grande e o feto
estava lá nos pés dela, não posso saber como
foi parar ali ou se foi ali mesmo no necrotério que ele
caiu, que ele nasceu, naquele horror.
A Pauline eu já falei o estado que se encontrava e todos
os corpos estavam muito estragados, marcas de pancadas, cortes
w que me impressionou foi porque aqueles corpos estavam desnudados
e todos os corpos estavam inchados, uma coisa muito impressionante
ao ponto de um caixão normal não coube o corpo de
Jarbas, tendo que ser feito depois um caixão a especial
para que ele fosse colocado. Uma coisa que eu quero que fique
esclarecida nessas minhas declarações é que
eu recebi um telefonema de uma pessoa me falando que os corpos
estavam no necrotério e quando eu procurei na época
informações no DOPS, a pessoa me informou que estava,
e que pelo o que Jarbas me falou seriamente essas prisões
foram feitas pelo Cabo Anselmo e por Fleury, Jarbas me disse que
ele estava na época aqui em Recife e pela violência
da ação, pela barbaridade, pela crueldade , eu acredito
que foi por Fleury, e Jarbas quando me disse que Fleury estava
aqui ele tinha certeza e ele estava em pânico. A esposa
de Jarbas permaneceu na minha casa, depois eu pedi a minha cabeleireira
para cortar o cartar o cabelo dela curtinho que o cabelo era grande
e ela estava de trança, é possível até
que eu tenha essa trança, e ela foi maquiada, um vestido
meu foi reformado para ela e ajudei-a a sair de Pernambuco juntamente
com a filha, e sei que ela foi para o sul, depois foi para o exterior,
eu sei que ela deixou a menina na casa da mãe dela, ela
foi embora para o Rio e depois para o Chile, e depois para Cuba,
a mãe dela levou a criança para companhia dela.
No momento quando eu apresentei a fotografia do Daniel que Jarbas
havia me dado à Comissão, a outra testemunha Sonja
disse que aquele homem freqüentava com Soledad a sua casa
quando ela ia levar blusas para vender em sua boutique, porque
Soledade fornecia essas blusas para serem negociadas e colocadas
na boutique de Sonja em consignação . Nada mais
tenho à declarar.
MERCIA DE
ALBUQUERQUE FERREIRA
Recife, 07
de Fevereiro de 1996.
OBS.: Depoimento
prestado pela Dra. Mércia, na Secretaria de Justiça
do Estado de Pernambuco, tendo como testemunha o Secretário
de Justiça do Governo de Pernambuco.
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