Advogado Localiza o Corpo do
Estudante
O
tema central de “Antigona”, de Sófocles, é a luta da heroina para
sepultar o irmão Polinice, apesar da proibição de Creonte. Após a
morte de José Carlos da Mata Machado, a tragédia grega se entrelaçou
à realidade brasileira Morte sob tortura, no DOI/CODI, Mata Machado
havia sido enterrado no cemitério da Várzea, ao lado de Gildo Macedo
Lacerda, antigo companheiro de lutas Os dois foram enterrados como
“populares de identidade desconhecida”
A
noticia da morte de Mata Machado e Gildo Lacerda havia sido divulgada no
dia 1 de novembro de 1973. Sem conseguir qualquer resposta do Exército
sobre o corpo do filho, Edgar da Mata Machado recorre ao amigo Osvaldo
Lima Filho. “No dia 4 de novembro fui procurado pelo irmão de Edgar,
José Henrique. Ele me trazia uma procuração onde me confiava um
mandado honroso e triste: promover a exumação e translado para Belo
Horizonte, do corpo do jovem José Carlos, assassinado pela repressão”,
conta Osvaldo.
Desde
janeiro de 1969, ao lado de Sérgio Murilo, Aristides e Luciano Batista,
João Bôsco, Tenório e Argileu Pereira, Osvaldo tentava encontrar
brechas nas leis militares, e ajudar os perseguidos. O escritório de
advocacia funcionava na rua confederação do Equador, no Recife.
Peregrinação
- Com a
procuração de Edgar da Mata Machado, a certidão de nascimento de José
Carlos, e um exemplar do jornal DIÁRIO DE PERNAMBUCO, que havia
noticiado, no dia 1/1 1/1973, a morte do estudante, Osvaldo começa uma
missão quase impossível. Na Vara criminal do Recife, faz um
requerimento, pedindo a exumação do corpo do estudante morto. Era o
dia 8 de novembro.
O
juiz Gilberto Gondim contrariou a norma da época, e mandou
imediatamente ouvir a promotoria pública. Determinou também que o
expediente no cartório fosse prorrogado. No mesmo dia, Osvaldo Lima
Filho recebia a ordem para proceder a exumação. “Começou então,
para mim e minha colega, Mércia Albuquerque, uma longa e revoltante
peregrinação”, conta o advogado.
Ao
chegar nas repartições, para resolver o assunto, os funcionários
abandonam seus postos. “Um simples anúncio do que se tratava, e as
pessoas sumiam”, diz Osvaldo. Após esbarrar nos labirintos das
repartições, sem levar a determinação do juiz adiante, Osvaldo
recebe uma sugestão de Mércia Albuquerque: “Por que não procuramos
o comandante do DOI/CODI”. Osvaldo aceita.
Condição
– Após explicar a situação, mostrar a ordem do juiz ao comandante
do DOI/CODI, coronel Confúcio
Danton Avelino de Paula, Osvaldo Lima recebe a resposta/condição. “Só
autorizo a exumação se o caso chegar à Imprensa”. Na luta contra o
tempo, o advogado concordou.
Era
o dia 14 de novembro de 1973 quando a peregrinação chegou ao fim.
“Era impossível realizar a autopsia devido ao tempo decorrido desde a
morte. O meu único interesse era enviar o corpo do jovem A família”,
explica Osvaldo.
O
advogado só conseguiu localizar o corpo de José Carlos porque contou
com ajuda de dois coveiros, do Cemitério da Várzea. “Eles sabiam
exatamente onde o estudante havia sido enterrado, porque estranharam o
sigilo e o aparato da operação”. Mata Machado, enterrado ao lado de
Gildo Macedo Lacerda, teria o destino de outros 144 desaparecidos se
Osvaldo Lima Filho não tivesse levado o caso adiante.
O
corpo de José Carlos da Mata Machado foi exumado pela Casa Funerária
Batista. O professor de Patologia da Faculdade de Medicina da UFPE,
Nivaldo José Ribeiro, embalsamou-o. Naquele mesmo dia (14 de novembro),
o corpo foi levado, via aérea, para Belo Horizonte, sendo enterrado no
túmulo da família.
Em
um livro ainda inédito, mas já concluído, Osvaldo Lima Filho destinou
um capítulo para relatar “o homicídio de José Carlos da Mata
Machado”. O advogado soube, no dia 31 de outubro de 1973, através do
rádio, que. após um tiroteio, na avenida Caxangá, morreram José
Carlos e Gildo Macedo Lacerda.
“Fui
ao local apontado pela repressão, onde teria ocorrido o episódio. Na
rua General Polidoro, ninguém tinha qualquer notícia do suposto
tiroteio. Na Caxangá, nenhuma pessoa viu este episódio”. Nos dias
seguintes, Osvaldo conversou com vários moradores, tentando alguma
informação que confirmasse o tiroteio. Sua conclusão foi de que não
houve tiroteio nenhum, naquele 31 de setembro.
No
dia 9 de novembro daquele ano, Edgar da Mata Machado enviou um
requerimento a procuradoria geral da Justiça Militar, solicitando a
abertura de um inquérito sobre a morte do filho. Edgar contestava o
tiroteio, divulgado em nota oficial. O inquérito foi aberto e os
assassinos do seu filho ficaram livres.
“Em
1974 recebi uma comovedora carta em que o meu amigo Edgar agradecia os
meus modestos serviços e como cristão exemplar que é, me comunicava já
haver perdoado os assassinos de seu filho”, diz Osvaldo Lima Filho,
encerrando o capítulo sobre a morte de José Carlos da Mata Machado.
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