São Paulo, 15 de abril de 1974
Cara
Dra. Mércia,
Finalmente,
depois de um longo e tenebroso inverno, que para mim tem sido esses anos
de cana, recebi a terceira carta que enviaste-me datada de 09.05.1974.
Nela
respondes (...) – que fiz sobre a computação de penas. Não foi uma
boa notícia para mim, já que a resposta foi negativa; no entanto quero
agradecer-lhe, já que ela serviu ao menos para destruir ilusão e
recolocar-me dentro da realidade objetiva e concreta em que me encontro
juridicamente.
Agora
já sei que vou depender apenas da condicional (caso não seja negada)
ou cumprir mais um ano de casa para poder voltar a viver em área menos
restrita, como diz você do zoológico humano.
Não
sei se minha família lhe informou que a minha pena caiu no STM, de 5
para 3 anos, (...) quanto à referência que fazes ao coração, é
preciso cuidar do mesmo seriamente, já que precisas viver pelo menos
por teus filhos, que ainda vão precisar muito de você.
Em
relação à prisão que insistes em classificá-la como zoo, ,
respondo-lhe como esse verso feito baseado em tua afirmação: Zoológico
Humano; dize-me que somos feras / restritas em nossa ação / vivendo
por trás das grades / no zoológico da detenção / só que somos feras
/ com outra concepção / cheia de amor pela vida / e um ideal no coração
/ por isso, querida Doutora / não nos abate a prisão / vivemos com o
espírito livre / acompanhando a evolução / se um dia a liberdade
voltar a nos abraçar / viveremos mais felizes / por saber como é difícil
a liberdade conquistar. Fim.
Agradeço-lhe
ainda as orações que fazem pelas crianças, pois às vezes vale mais a
intenção do que a ação. Como diz o Chico: “Eu que não creio, peço
a Deus por minha gente. Gente humilde, que vontade de chorar”.
Aceite
abraço fraternal extensivo a toda família, especialmente às crianças.
Do
cliente e amigo
Aybirê
Ferreira de Sá.
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