Recife,
28 de maio de 1969
Dra. Mércia,
Como você tomou conhecimento, no dia 8 deste
mês, compareceu ao quarto da Santa Casa de Misericórdia, onde estou
hospitalizado, o Dr. Artur de Freitas e um escrivão, representando o
Departamento de Homicídios, para ouvir meu depoimento.
Entretanto, pelo teor de minhas palavras, honestas e destemidas, temo que tal
depoimento "se perca" neste departamento da S. S. P., que apura o
atentado de que fui vítima. Este meu temor, prende-se ao fato desse
departamento, pela sua própria estrutura, possuir vínculos com o DOPS, ao
qual, no depoimento, responsabilizei diretamente por essa tentativa de
assassínio.
Por este motivo, colocarei nesta carta os pontos fundamentais de meu
depoimento, para que, caso aconteça o que receio, você possa usá-la no
transcorrer do processo.
Esses pontos foram:
1 - Que tinha tomado conhecimento dias antes do atentado, por pessoa de
inteira confiança, cujo nome não revelei para guardar sua segurança
física, ser voz corrente no DOPS que caso esse departamento me prendesse, o
mínimo que fariam comigo seria quebrar-me as pernas.
2 - Ser também voz corrente no DOPS (inclusive tendo o investigador Luiz de
Miranda, daquele departamento, afirmado) que era muito fácil "eu
amanhecer morto por aí". Afirmou ainda o investigador Luiz de Miranda,
segundo informação idônea que recebi, "que me pegaria vivo ou morto,
até o 1º de maio".
3 - Que o atentado se deu, aproximadamente, às 10h e 30min, no abrigo anexo
ao posto Esso da ponte da Torre, onde me encontrava a cerca de 10 minutos.
4 - Que em dado momento, aproximou-se de mim uma rural de cor verde, saltando
dela um homem de estatura elevada, forte e até um pouco gordo, mascarado com
uma meia de mulher que tornava suas feições inidentificáveis. Ele portava
um revólver bastante grande, e encaminhou-se para mim dizendo "não se
mexa senão atiro" e "não reaja e vamos para a rural".
5 - Que sabendo das ameaças referidas acima, não hesitei em desobedecer à
"ordem" dada pelo agressor que vendo frustada sua intenção de me
levar para o veículo, não titubeou em disparar. Assim saiu o primeiro tiro
que me atingiu de raspão a face, logo abaixo do olho direito, em virtude de
frações de segundos antes, prevendo o disparo, me defendi e desviei o braço
do agressor.
6 - Que após esse tiro, ficando tonto, pendi para o meio-fio, disso se
aproveitando o agressor para deflagrar mais duas vezes. A primeira bala errou
o alvo, mas a Segunda me atingiu, fazendo-me cair sem sentir as pernas. Ao
ver-me no chão, o agressor retornando ao veículo, ainda disparou duas ou
três vezes. Logo em seguida, a rural deu saída em alta velocidade.
7 - Que no transcurso do depoimento, o Dr. Artur de Freitas afirmou que uma
testemunha me ouvira declarar que o responsável pelo atentado fora o CCC. E
que eu lhe responde acreditar que em lugar algum dissera isso, e se porventura
houvesse dito seria porque acredito ser o CCC, o DOPS, a Polícia Militar, a
mesma coisa, visto que na depredação do diretório da Escola de Engenharia
da UFP, pode se comprovar que o CCC não é composto por elementos isolados ou
"simples estudantes".
8 - E finalmente, que me foi perguntado pelo interrogador se eu portava alguma
arma, coisa que me causou estranheza e a qual obviamente respondi
negativamente.
Para finalizar, gostaria de lhe agradecer o muito que tem feito, no plano da
advocacia, neste já longo período de perseguições políticas que tenho
sofrido. As palavras são poucas para exprimir os meus mais sinceros
agradecimentos e a minha admiração pela coragem que você sempre demonstrou
nas ocasiões em que necessitei de seus serviços profissionais.
Sem mais, com meu muito obrigado
Cândido Pinto
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