Coleção Memória das Lutas Populares no RN
Coleção Memória Histórica

Juliano Homem de Siqueira - Volume VIII

Juliano Siqueira, Cinema e Clandestinidade
Francisco Sobreira

Um dia de 1969 viajei a Recife, impelido por um motivo muito especial, finalmente ver Paixão dos Fortes, um dos mais belos filmes de John Ford.

Entrei no cinema com o filme em andamento, e tive que aguardar a sessão seguinte para vê-lo desde o início. Nem bem as luzes foram acesas, aparece Juliano Siqueira na minha frente. Fiquei surpreso, tanto quanto emocionado, pela presença de Juliano, pois jamais me passaria pela cabeça encontrá-lo ali, ou em qualquer local de Recife.

Juliano era um dos milhares de brasileiros que, naquela época, eram caçados pelo regime militar. Durante o breve intervalo, ele conversou sem parar, sempre interessado em saber notícias dos antigos companheiros do Cineclube Tirol. E me confessou que fora ao cinema, não só pelo filme, mas na esperança de encontrara mim ou ao Gilberto Stabili.

Mas a alegria daquele reencontro perdia-se um pouco pela apreensão que nenhum de nós conseguia disfarçar, pela circunstância de um dos interlocutores ser procurado pelas forças de repressão.

Quem viveu aquele período negro de nossa história há de se lembrar de que o medo e a tensão estavam sempre presentes quando as pessoas, mesmo sem estarem com a cabeça a prêmio, se reuniam para conversar. Felizmente não aconteceu o pior, até o intervalo terminar. E, ao nos despedirmos, disse a Juliano tomar cuidado.

Se lembro esse fato, é porque por trás dele, penso revelar-se o lado humano de alguém incompreendido por aqueles que só o conhecem por sua atividade de militante de esquerda. E além do lado humano, a sua condição de grande apreciador de cinema.

Naquele dia em Recife, arriscando-se a ser preso, Juliano ia ver um filme que já conhecia e do qual gostava muito. Esse amor pelo cinema, iniciado pela magia de Chaplin, fez com que ele pudesse conciliá-lo com a atividade política, exercida desde os tempos de estudante do Atheneu. No Cineclube Tirol ele exerceu os cargos de vice-presidente e de presidente.

Depois de vários anos no Rio, ele retornou a Natal, onde além de se manter na militância política, trabalha como professor da UFRN, advogado e sociólogo.

(Texto incluso na orelha do livro Nas barricadas do fim do século, de Juliano Siqueira,Editora Anita Garibaldi, 1996)