Coleção Memória das Lutas Populares no RN
Coleção Memória Histórica

Juliano Homem de Siqueira - Volume VIII

Uma breve história brasileira
Sérgio Cabral

Uma das histórias das mais brasileiras que conheço é a de meu amigo e vascaíno Juliano.

Na década de 70, ele pertencia a uma daquelas organizações guerrilheiras que atraíram uma boa parte da nossa juventude, desesperada com a ditadura militar que parecia eternizar-se no Brasil. A organização de Juliano foi dizimada pela repressão, sobrando cinco ou seis integrantes que acabaram presos e levados para o quartel da Polícia do Exército, na Rua Barão de Mesquita. Entre eles, o nosso Juliano.

A ordem era a seguinte: os presos teriam que ficar deitados, um perto do outro, mas ninguém poderia falar. Um sentinela, com um fuzil carregado, postava-se atrás deles com a seguinte determinação: se um falasse com o outro, bala neles.

E, assim, calados, permaneceram longos quatro dias, quando, finalmente, chegou um sentinela que conhecia um dos presos:

Ué, você está aqui?

- É rapaz, entrei nessa fria.

- Mas fica calado, porque tenho ordem de atirar, se você falar.

Foi o bastante para que o meu amigo Juliano dissesse alguma coisa, depois de quatro dias de silêncio. E a sua voz saiu exatamente para satisfazer a curiosidade que o atormentava, naqueles momentos em que a morte e o sofrimento eram presenças mais constantes:

- Você sabe quanto foi Vasco x Volta Redonda? – Perguntou ele ao sentinela.

- Um a zero, Vasco.

Juliano pensou, mediu todos os riscos de sua atitude, mas achou que valia a pena insistir:

- Gol de quem?

- Marco Antônio. E cala a boca, senão atiro! – Respondeu, já irritado, o sentinela.

Muito tempo depois, livre a prisão, ao me contar essa história, Juliano completou, com um sorriso um tanto ou quanto moleque:

- Confesso que fiquei envergonhado com os meus sentimentos. Mas a verdade é que, quando o sentinela me informou que o Vasco venceu por um a zero, fiquei feliz.

Ao narrar essa aventura de Juliano, nas comemorações do 89.o aniversário do glorioso C.R. Vasco da Gama, quero dizer o seguinte: o sentimento de vascainidade é tão forte que é maior do que a própria morte. O Vasco vence e a gente fica feliz. Sejam quais forem as circunstâncias.

Jornal dos Sports(RJ), 21.08.1987