Coleção
Memória das Lutas Populares no RN
Acervo Impresso
Juliano Homem de Siqueira
O Levante de 1935 - O Velho e o novo (sob
a aleluia da redenção nacional)
Juliano Siqueira
Temos
sido acusados, geralmente por pessoas que gostam de aderir ao falatório
dominante, por imbecilidade ou por interesses patrimoniais e políticos,
de ter "um discurso ultrapassado". Os primeiros são
uns pobres diabos: perderam o rumo e rodam a bolsinha miserável
para o todo-poderoso capital, sonhando com as migalhas do banquete.
Os outros estão na sua. Acumularam, sabe-se lá como,
e defendem ferozmente suas regalias.
Na verdade, há muita coisa ultrapassada nessa podre (e pobre)
imitação chinfrim do Reino da Dinamarca. Muitos Polônios;
nenhum príncipe Hamlet. A lista é mesmo vergonhosa
(ver Diário de Natal, 15/11/95). São dez milhões
de desempregados, ou seja, dezesseis por cento da população
economicamente ativa em potencial; trinta e dois milhões
abaixo da linha de miséria absoluta; sete milhões
de crianças submctidas a trabalho escravo;cinqüenta
e sete por cento de evasão escolar; centenas de áreas
de conflito pela posse e uso da terra; mortalidade infantil nas
nuvens, com o Rio Grande do Norte na frente, apresentando como índice
do genocídio doméstico oitenta mortos no primeiro
ano de vida para cada mil nascidos; violência urbana, na qual
o povo é vítima do fogo cruzado de quadrilhas oficiais
e marginais, numa guerra sem nome. Estão brincando com fogo...
E com o povo. Diplomatas do tráfico de influência e
ministros apadrinhando banqueiros e grandes negociatas. Assim se
afunda o planalto.
Somente um louco teria prazer em denunciar esses dados. Sujeitos
sem escrúpulos e ingênuos de todo o mundo, silêncio,
por favor. Respeitem a indignação, a revolta, a tristeza
de quem carrega uma grande dor no peito. Como homem e cidadão,
tenho, ao longo de minha vida, procurado o novo, um mundo solidário
e justo. Não me alegram as estatísticas da morte.
Prefiro vida, trabalho e pão. A coletividade em festa, não
na degradação. Queria ser otimista e escrever coisas
suaves, bonitas, delicadas. Mas quem sabe das coisas, se não
é um cretino, como pode fazê-Io? Quem não sabe
de nada, que se cale.
Não faço os meus discursos, apenas falo e escrevo.
Os autores, de fato, são as elites minoritárias, parasitas
e plutocráticas. No entanto, é certo que não
danço de acordo com a música. Resisto à uniformidade
massificadora do tom, do ritmo, do som dos cartéis da mídia.
E, umas vezes incompreendido, outras isolado, confesso que vou bem.
Mesmo não sendo, como tentou provocar uma escriba municipal,
o "coerente dos coerentes". E mais simples: bajulação?
Estou fora. Fácil de entender, não? Para muitos, nem
tanto.
Por isso o meu orgulho de filho de Natal. Sessenta anos são
passados e não saímos dos desafios postos pela Insurreição
Nacional-Libertadora de 1935. De lá até os nossos
dias, quantas transformações - econômicas, políticas,
éticas, tecnológicas... No Brasil e no mundo. Contudo,
não parece muito distante, no tempo e no espaço, um
movimento que tenha como consignas Pão, Terra e Liberdade.
Já sabemos que ninguém morreu dormindo, que donzelas
continuaram como tal, que a população gostou e, dez
anos depois, em 1945, fez majoritário, a depender do voto
natalense, o candidato presidencial comunista.
Os fatos de 35 e a ANL (Aliança Nacional Libertadora) saem
das páginas policiais, da marginalidade da história
e, como gesta antifascista, ingressam, após longo e difícil
vestibular, na universidade, na academia, como objetos de estudo
e pesquisa. A "Intentona" transformada em matéria-prima
da ciência. Na política, feita a subtração
das circunstâncias, é lição acumulada,
tradição revolucionária e inspiração
à continuidade da luta pela sociedade livre dos explorados
- o socialismo.
Quando, sentindo vergonha pela nação, vemos através
de imagens vivas Diolinda, a dos Sem-Terra, sendo algemada, num
país de tantos crimes impunes, de criminosos premiados e
gangsters cheios de mordomias e poder, temos a certeza de que aquela
prisão é bem o símbolo de um povo em grilhões,
da pátria amada amordaçada. Em conseqüência,
somos todos aliancistas.
E, voltando no tempo, em novembro de 1935, coloco-me às ordens
do Governo Popular Revolucionário, sob "a aleluia da
redenção nacional", distribuindo a poesia panfletária
do jornal A liberdade pelas ruas de Natal.
II - William Waack na mira da história
A edição de 28/11/93 da Tribuna do Norte, em matéria
assinada por Carlos Peixoto e Nilo Santos, 'Camaradas rebatem duras
críticas do livro de W. Waack', na intenção
de abordar a Insurreição de 1935, envereda pelo caminho
da apologia mais simplória de uma extensa reportagem (que
virou livro), eivada de confusões e propositais distorções
dos fatos históricos, da autoria de William Waack (WW).
Louvável a inserção do depoimento do veterano
comunista mossoroense Francisco Guilherme. Lamentável a forma
como foi explorada a primeira, exclusiva, longa e rica entrevista
de Giocondo Dias, com autoridade de quem foi o comandante militar
das operações que resultaram na formação
do Governo Popular Revolucionário em 35.
Fica-se com a impressão, pelas contradições
entre as declarações tio Cabo Dias (em Os objetivos
dos comunistas)e certas afirmações feitas no curso
do texto, que este não foi sequer lido. Por que, então,
citá-Io? O início, a evolução e a derrota
do movimento, confrontando-se o dito na matéria com as palavras
do falecido dirigente comunista, não guardam qualquer ponto
de convergência. Isso não é simples, nem aceitável
de pronto. E muito estranho. Tão incompreensível quanto
o silêncio (ao contrário do que ocorre com o de WW)
que cerca o livro de João Falcão (Giocondo Dias: vida
de um revolucionário), lançado em outubro do corrente,
e, ainda assim, já na segunda edição, com detalhado
capítulo acerca dos acontecimentos de 35 em Natal.
Cabe assinalar que através de dezenas de livros, entrevistas,
estudos, pesquisas, artigos, o movimento revolucionário de
1935 vem sendo inventariado, nos últimos cinqüenta anos.
E os autores, de diversas tendências político-ideológicas
e nacionalidades várias, já abordaram de modo mais
honesto, sem esgotar, rigorosamente, as questões que, ao
inverso do afirmado ("não se sabia e as dúvidas
agora esclarecidas, a partir dos detalhes secretos que faltavam
sobre a revolução brasileira de 1935 (?), até
o momento guardados nos arquivos de Moscou"), já eram
de pleno conhecimento – exceção feita ao que
é creditado ao "realismo fantástico" de
WW.
"Muitas surpresas." E quantas... Vamos ao concreto.
1. O Partido Comunista do Brasil (PCB), esses o nome e sigla corretos,
em 35 - "brasileiro" é coisa do início dos
anos 60 -, após o XX Congresso do PCUS e seus reflexos no
Movimento Comunista Internacional, era uma Seção da
lU Internacional - Comunista (IC), dirigida pelo Comitê Executivo
Internacional (Comintern), até sua dissolução,
em 1943, e conseqüente substituição pelo Cominform
(Comitê de Informações).
A sede da IC, lógica e naturalmente, ficava em Moscou. A
URSS era, então, o único país socialista do
mundo. Na Internacional participavam os partidos comunistas que
existiam no planeta, e o seu Comitê Executivo era integrado
por dirigentes de diferentes nações (Dimítrov,
Mao, Ho, Tito, Thorez, Togliatti, Doiores Ibarruri, Prestes etc.).
É falso, portanto, dizer que o partido brasileiro "era
controlado por Moscou". Se não há intenção
de inverdade, ocorre, no mínimo, grave amadorismo, descuido,
relativamente ao objeto em foco, cuja importância, que não
merece, nos marcos deste esclarecimento, maiores sustentações,
pois desnecessárias, exige abordagem segura, tratamento fundado
no estudo - em suma, o conhecimento, sem o qual é impossível
penetrar científica e conscientemente a história.
Salvo, como diria Marx, com o fim predeterminado de violentá-la.
2. Não é verdade que a Aliança Nacional Libertadora
(ANL) "não foi criada pelos comunistas". Foi. Basta
a leitura das obras e memórias de destacados historiadores
e personalidades da cena política dos anos 30 e posteriores,
num arco que vai de Lacerda a Prestes, passando por Giocondo Dias,
Dinarco Reis, Juarez Távora, Cordeiro de Farias, João
Alberto, Agildo Barata, Gregório Bezerra, Stanley Hilton,
José Joffily, Robert Levine, Ronald Chilcote, Paulo Cavalcanti,].
W. Foster Dulles, Pedro Pomar, João Amazonas, Edgar Carone,
Nélson Werneck Sodré, Jacob Gorender, Hélio
Silva, Graciliano Ramos, entre outros. Rodolfo Ghioldi, máximo
dirigente comunista argentino e membro da direção
da IC, muito além, pelo visto, de "homem do Comintern
na Argentina", tem absoluta razão quando afirma que
a ANL "tinha sido fundada por iniciativa dos comunistas".
Sobre esse item, bastante elucidativa seria uma passada, rápida
que fosse, no famoso Informe de G. DimÍtrov, na abertura
do VII Congresso da IC. A bibliografia está espalhada, nas
bibliotecas e livrarias, aguardando consulta (ou compra).
3. É ausente de fundamentação ampla e sólida,
não passa de meia verdade, dizer que o partido comunista
"não tinha naquele, nem conseguiu reunir depois em nenhum
momento, penetração popular...", ou que apenas
nos quartéis os comunistas "tinham alguma penetração".
Não é preciso ir muito longe. Um dado é suficiente:9
desempenho dos comunistas nas eleições de 1945/47.
Alguns exemplos soltos: duzentos mil filiados; quinze constituintes
(terceira bancada); seiscentos mil votos (dez por cento do eleitorado)
para Yeddo Fiúza - desconhecido candidato do partido à
Presidência da República; Senador mais votado do Brasil
(Prestes),eleito pelo Distrito Federal; maior bancada na Câmara
Municipal carioca; deienas de parlamentares estaduais; eleição
de prefeitos. Destaque-se,como julgamento de 35, pelo voto popular,
a vitória de Yeddo Fiúza em Natal.
A linha ascendente da performance eleitoral e do crescimento dos
efeitos dos comunistas forçou o imperialismo a exigir dos
serviçais internos a cassação do registro do
Partido.
4. "O livro mostra um Luís Carlos Prestes oportunista,
caudilhista e incompetente em termos políticos e militares".
Divergências postas de lado, é uma leviandade adjetivar
desse modo uma das maiores figuras da fase republicana da história
do Brasil. Prestes com certeza tinha defeitos e cometeu erros; contudo,
sem dúvida, desde a Coluna, traçou uma vida de "lutas
e autocríticas". Morreu com dignidade e sem abdicar
de suas convicções. Suas condições materiais
de existência são prova bastante da falácia
fóbica do "ouro de Moscou". Não fosse a
ajuda, fruto da amizade fraternal e desinteressada, da amizade forjada
na mútua admiração, de Oscar Niemeyer, não
teria sequer onde morar. Esse é meu testemunho - o de quem
acompanhou essa relação de perto.
Mesmo assim, pouco antes de sua morte, rejeitou pensões oficiais,
em solidariedade a trabalhadores grevistas, e mandou às favas
promoções e soldos militares que considerava não
reparadores efetivos das injustiças de que fora vítima.
Não sou prestista. Nunca fui. Sou marxista-leninista. Trabalhamos
juntos, no período 1979/82. A partir de 83, razões
de ordem política, sem que abandonássemos o campo
da revolução ("sempre à esquerda"),
levaram-nos a posições divergentes. Mas, precisamente
por isso, não posso silenciar frente à calúnia.
Respeitem a memória de Prestes.
5. Por fim, devo, seguindo o exemplo do Dr. Sobral Pinto - católico,
humanista e corajoso -, fazer a defesa de quem tão desleixadamente
é mencionado como o "alemão Arthur Ewert".
Saibam que esse"alemão" foi deputado do parlamento
incendiado pelo terror nazista e um dos poucos parlamentares comunistas
sobrev.iventes(6 num total de 112) à farsa do "Incêndio
do Reichstag" - desmascarada por Dimítrov, no Processo
de Leipzig; contribuiu na Revolução Chinesa, tinha
a cabeça posta a prêmio pela Gestapo; veio para o Brasil
como voluntário internacionalista, revolucionário
e comunista. Preso e torturado, juntamente com sua esposa Elise,
enlouqueceu. Nada falou aos inquisidores. Mas não suportou
a intensidade das violências sofridas, nem assistir à
companheira ser seviciada pelos torturadores de elite da polícia
especial do fascista Filinto Müller. Na defesa de Arthur Ewert,
ou Herry Berger, dr. Sobral Pinto invocou a Lei de Proteção
aos Animais.
Elise Ewert e Olga Benário morreram no forno de gás
de um campo de concentração nazista. Portanto, não
são "tópicos" de renhuma polêmica
séria o local e a data do assassinato de 0lga Benário.
Exceto na cabeça doentia e provocadora de WW. Harry Berger
morreu na ex-RDA, hoje anexada e esmagada pela ofensiva anticomunista
do capital monopolista germânico.
III. 1935 – A falsificação da história
pelo sr. Waack
WIadimir Ilitch Lênin, debruçando-se sobre os elementos
informadores da primeira tentativa revolucionária russa,
sob direção e perspectiva bolchevique, o "ensaio
geral d,e 1905", afirma que "a verdade ~ sempre revolucionária".É,
numa expressão simples, direta e concisa, a continuidade
coerente da abordagem histórica sistematizada por Marx e
Engels.
Na contramão da ciência, o livro Camaradas,de William
Waack (WW), com indisfarçáveis insumos da "historiografia"
de inspiração nazista, promove o culto das informações
secretas e inacessíveis, levanta aleivosias ("a mentira
repetida torna-se verdade"), parte de uma logística
de apoio e alinhamento com Inarcas de suspeição (é
o eleito do czar leltisine, da grande imprensa do sugestivo marrom,
o porta-voz do "estadão"), articula um grandioso
aparato da mídia, divulgação e adesões.
E o extrato da mistificação pela propaganda.
1935
é uma insurreição insultada. Maldita e amaldiçoada
pelas elites brasileiras. Contudo, por mais de meio século,
muito se trabalhou e produziu para que se promovesse o primado da
verdade. A bibliografia existente nos limites do nosso conhecimento
pessoal é uma prova eloqüente desse esforço.
A reportagem de WW tem endereço. Nestes tempos de apostasia,
conforme R. Corbusier, vale tudo, desde que o objetivo de denegrir
o comunismo e 'os comunistas venha à tona. O relato histórico
das características socioeconômicas e políticas
que contextualizem as ações individuais e coletivas
da luta antifascista, de uma época de feição
obscurantista e traços sombrios, cede ao delírio fóbico
do anticomunismo.
"Os comunistas aparecem como grotescos, cínicos, intrigantes,
burros, desconfiados, trapalhões, apressados, ingênuos,
descuidados, irresponsáveis, uma adjetivação
excessiva, comparada com os fatos revelados, tão expressivos
em si mesmos." Esta é a consideração insuspeita
do social-democrata Daniel Aarão Reis.
Quais são os alvos de WW? Além do Movimento Comunista
Internacional, é claro, os personagens principais da insurreição:
Prestes, Olga Benário, Arthur Ewert (Harry Berger), Rodolfo
Ghioldi.
Da figura de Prestes, buscando sintetizar o caráter da Internacional
Comunista (IC) e dos seus dirigentes, diz que "se tornará
o dono do mais caro bilhete de entrada para a URSS" e, conseqüentemente,
para o Comintern. E de conhecimento público o nível
das divergências políticas e ideológicas entre
João Amazonas e Luís Carlos Prestes. No entanto, frente
às calúnias de WVI/,numa atitude de grandeza ética
e humana, de honestidade política e revolucionária,
o presidente do PCdoB declara: "quem pode acreditar nesta balela?
Nem Prestes era pessoa desse gênero, nem a Internacional adotava
semelhante procedimento".
Arthur Ewert, ou. Harry Berger, surge como um desprezível
dinamiteiro, "sempre a reclamar dinheiro". WW não
deve, nem um pouco, partilhar da indignação que, por
exemplo, moveu o católico Sobral Pinto, chocado com as torturas
que levaram seu cliente à loucura e, posteriormente, pelas
seqüelas, à morte prematura, a usar como base da defesa
jurídica de Berger a Lei de Proteção aos Animais.
Acrescente-se que esse internacionalista alemão foi também
forçado a presenciar as cenas de sevícia de sua companheira
Elise (deportada para a Alemanha nazista, aos cuidados da Gestapo,
juntamente com Olga Benário, onde foram companheiras de tragédia
do.campo de concentração e da morte na câmara
de gás). Fica uma dúvida, em forma de interrogação:
WW almeja a infâmia de carrasco póstumo de Berger?
"Olga era uma agente do serviço secreto militar soviético."
Essa denúncia, reducionista e simplória, seria indicador
justificativo do martírio da heroína? Então,
é isso? A fogueira, pois, com tudo o que se escreveu e com
todos os documentos levantados acerca dessa "mulher de coragem",
como nos diz Ruth Werner. Olga, que dedicou sua vida por inteiro
à causa da revolução socialista, vítima
dos algozes dos povos do Brasil e da Alemanha, pela distorção
de WW, resta como espiã e mercenária. Sob todos os
aspectos, inadmissível - uma cretinice sem medida.
"Prestes enviou João Amazonas a Moscou,em 1949, com
a denúncia de que Ghioldi não se comportara como revolucionário
ao ser preso no Brasil". De acordo com seu depoimento, a informação
é inteiramente falsa. Amazonas viajou pela primeira vez à
União Soviética em junho de 1953, três meses
depois da morte de Stálin. E nunca foi portador de denúncia
contra o comunista argentino. Se existe no arquivo secreto tal indicação,
quem teria interesse em incluir o nome de Amazonas nesse repositório
clandestino, matreiramente aberto a investigadores facciosos?
Aos preconceituosos e estreitos, se não bastam as afirmações
de Amazonas, recomendamos a leitura de Graciliano Ramos, em particular
das ,passagens de A1emóriasdo cárcere com referências
explícitas a Ghioldi. Ou será que Mestre Graça,
por ser comunista confesso, entrou em descrédito, também
caiu em desgraça?
WW é um fascinado pelo ouro, mesmo o de Moscou. Coisa compreensível,
sinal dos tempos. Muito mais grave, porém, que a doença
geral do consumismo. Afinal, nos dias que passam, como nos têm
chegado as elites dessa infeliz república das empreiteiras?
A podridão exposta nas denúncias crescentes de corrupção
- mais um privilégio das classes dominantes – não
surgem ao acaso. Sua origem está localizada no próprio
processo de exploração capitalista, nos mecanismos
da acumulação do capital, na busca sem escrúpulos
do lucro máximo.
Todavia, não obstante a idéia fixa no vil metal, WW
é muito ruim de conta. Os "mercenários"
levavam uma vida modesta. Tome-se o caso de Prestes. Recebia uma
mesada de 290 dólares, enviados da URSS. Hoje, essa quantia
equivale a menos de três salários mínimos. E
o orçamento da "intentona"? Pouco mais de 20.000
dólares, o preço de um automóvel (não
importado).
Segundo o próprio WW, a documentação que utilizou
"não pode ser consultada", nem é sequer
possível conhecer a sua localização precisa.
Como comprovar, portanto, a credibilidade das informações
contidas em Camaradas?Podemos acreditar nas palavra do autor, se
no decorrer do texto encontramos afirmações ridículas
e sabidamente equivocadas, que depõem contra a seriedade
de WW? Para citar apenas alguns exemplos: afirma-se no livro que
Genny Gleiser - a jovem expulsa do Brasil e deportada para a Europa
por Getúlio Vargas, como tantos outros judeus - teria sido
a mulher de Fernando Lacerda, na verdade casado com Gina Lacerda;
diz-se que Genny Gleiser teria abandonado Lacerda, apaixonada por
E. Browder, o então secretário-geral do PC americano,
que, aliás, jamais esteve no Brasil.
Outra sandice incluída em Camaradas: Orlando Leite Ribeiro
teria acompanhado Prestes e Olga em sua viagem clandestina para
o Brasil. Se erros tão grosseiros foram cometidos, qual a
garantia de que as informações supostamente extraídas
de documentos que ninguém pode ver estejam corretas e não
tenham sido manipuladas? Pode ser sério um trabalho de "história
baseado em fontes invisíveis e secretas?". Assim escreveu
Anita Leocádia (Jornal do Brasil, 06/11/93), filha de Olga,
Prestes e, como costuma justamente dizer, "da solidariedade
internacional".
Na falta de prefácio, que poderia (e muito adeqüadamente)
ter sido encomendado ao benemérito Pedro Bial, o livro de
WW ganhou na louvação de Wilson Martins (WM) um correligionário
posfácio.
Crítico literário medíocre, ignorante em política,
na condição de hierofante da indigência cultural
das elites (essas mesmas das mazelas e roubos que assolam o país),
WM é todo elogios para o escrito de WW (jornal do Brasil,
27/11/93).
Pretensioso e arrogante, o que é uma prerrogativa dos pseudo-intelectuais,
chegando, recentemente, a pôr em dúvida a veracidade
da obra-prima da parcela político-memorial do labor literário
de Graciliano Ramos - Memórias do cárcere -na ótica
da censura da rentável indústria da falcatrua anticomunista,
WM investe furiosamente contra os revolucionários de 35.
Sugere a continuidade do cárcere de Prestes, das torturas
de Berger, do sacrifício de alga. Um nazista infeliz em perseguição
do inglório.
Fala, em tonalidades de cinismo crítico, das "condições
de caráter de Prestes", "das hagiografias piedosas
inspiradas entre nós por Olga Benário". Vai adiante,
com a histeria típica dos que tentaram e, por motivos inconfessáveis,
não conseguiram ser comunistas, referindo-se a alga como
"confidente das mais altas instâncias soviéticas,
que a encarregaram da segurança do camarada Prestes, seu
último marido". Qual a insinuação real
dessa menção? Sumariamente, WM é um completo
velhaco e um refinado canalha.
A citação, a seguir, de um trecho do que elegemos
como posfácio, em confirmação do juízo
acima: "Olga Benário, cuja memória se beneficia
pela circunstância irônica de ter sido eliminada pelos
inimigos e não pelos camaradas de partido (ao contrário
do que aconteceu com todos os seus companheiros de aventura no Rio
de Janeiro que cometeram o erro de regressar a Moscou.)".
Quanta frieza e mentira, em tão curto espaço! Senão,
vejamos: qual a conotação "irônica"
que pode ser apreendida nesse seqüencial drama trágico
– uma gestante, comunista e judia, deportada aos cuidados
da Gestapo, encerrada num campo de concentração, separada
à força de sua filha de meses, morta numa câmara
de gás? Quanto aos "companheiros", os fatos são
bem distintos do que é inescrupulosamente insinuado. Elise
Ewert, mulher de Berger, foi assassinada na Alemanha pelos fascistas.
Teve final idêntico ao de alga. Arthur Ewert (Harry Berger)
morreu louco, na década de 50, na ex-RDA, em conseqüência
do tratamento recebido pela polícia de Filinto Muller. Victor
Allen Barron, jovem militante comunista norteamericano, barbaramente
torturado, foi jogado do último andar do prédio dá
Polícia Especial, no centro do Rio, que divulgou sua morte
como suicídio.Rodolfo Ghioldi faleceu, octogenário,
em Buenos Aires.
Eis o jornalismo dessa gente. E com pretensões de reescrever
a história. Não fosse o esquecimento, no que se refere
ao Bial, a reportagem do "estadão" ficaria, desde
a abertura até o fechamento, realmente fantástica.
Pobre Lord Wilson. Tão decadente quanto o império
britânico. Um leão sem juba. Frente a tamanha e tão
grosseira falsificação, fica uma consolidada certeza:
o comunismo está vivo. Os liberticidas falharam. Sabem que
"o mor,to se levanta e anda". Ronda o mundo, como um espectro.
E futuro, e não passado. Talvez isso explique suas próprias
vitórias de trânsito. A aurora é inexorável,
proclamava Neruda. Os vencidos de hoje serão os vencedores
de amanhã, confirmava Brecht.
Livros dessa qualidade têm um duplo efeito. Enquanto os revolucionários
(dinossauros?) dormem tranqüilos, a sono solto, os reacionários,
no rápido fenecer da alegria fugaz da ignorância, saem
da euforia enganosa e mergulham na depressiva insônia dos
invertebrados.
"1935 não chega a ser mistério, nem fruto de
manipulação estrangeira, como sugere W. Waack. Surge
com formidável ascenso da luta revolucionária no mundo,
contrapondo-se ao nazifascismo, séria ameaça a todos
os povos. A Aliança Nacional Libertadora (ANL), que teve
apenas alguns meses de atuação legal, nasceu do sentimento
libertador e antifascista do povo brasileiro" (João
Amazonas).
Juliano
Siqueira, Novembro de 2005
Juliano Homem
de Siqueira, 56 anos, natural de Natal, filho do médico,
professor e escritor Esmeraldo Homem de Siqueira e de Íris
Meira Lima de Siqueira, fez as primeiras letras no Instituto Brasil.
Depois, o Ginásio e o Clássico no Atheneu. Em 1968,
ingressou na Faculdade de Direito, em Natal. Por força da
ditadura, entrou na vida política clandestina, como militante
comunista e na linha da luta armada. Foi preso político no
início da década de 70. em 1974, retorna a Natal,
onde em 1977, gradua-se em Direito e posteriormente em Sociologia
e Política. É mestre em Direito e Teoria do Estado
e professor do Curso de Direito da UFRN. Em 1966, ficou com o 1°
lugar em concurso estadual de poesia. Foi vereador. Em Natal, entre
1996 e 2000. Publicou o Livro de Ensaios “Nas Barricadas do
Fim do Século” e tem, inéditos, livros de poesia
e prosa. Hoje, dedica-se a pesquisar a obra dos poetas e escritores
esquecidos, como a Abner de Brito, João Lins Caldas e Esmeraldo
Siqueira, entre outros.
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