Estrutura
Definitiva Face ao Mercado Comum: A Importância do Tribunal
Supranacional
As
experiências européia e andina demonstram a medida na qual a Corte ou
Tribunal supranacional e permanente foi fundamental para consolidar e
mesmo, no caso europeu, aprofundar o espaço econômico, alargando
seus horizontes e acenando-lhe com um “novo papel” — ou foi
tolhido de fazê-lo por razões diversas, no caso andino, embora
vocacionado para tanto. Justamente com base nessas realidades é que a
maior parte dos autores e estudiosos do tema insistem na necessidade de
que não decorra muito tempo para a constituição de uma Corte do
MERCOSUL, estabelecendo-se sua competência, estrutura, organização,
direito adequável e eficácia de suas decisões, como verdadeiro
caminho para garantir a aplicação uniforme do tratado originário e
do direito de integração.
Já
tivemos a oportunidade de verificar que a estrutura institucional do
MERCOSUL, por meio do Protocolo de Ouro Preto — verdadeira peça
dissonante em pleno cenário integracionista! —, ao reverenciar padrões
clássicos de soberania e cooperação internacional, preferiu manter o
caráter intergovernamental adotado desde o Protocolo de Brasília —
tergiversando assim sobre os instrumentos comunitários que se
esperariam para o momento. Para os “mercocratas”, porém, as
definições obedeceram ao perfil político-jurídico dos Estados-parceiros,
na lógica pragmática de se implementar o mercado comum por etapas,
mais para o tipo “esperar o momento adequado” ou “dançar
conforme a música”, que se traduz pela intenção de se construir um
sistema de prazos curtos e com ampla liberdade de forma na superação
das demandas.
O
sistema arbitral em vigor no MERCOSUL, evidentemente, é moroso,
ineficaz e ineficiente para levar adiante o processo de integração.
Como tivemos o ensejo de verificar, a instabilidade institucional
decorrente do híbrido sistema diplomático-arbitral não habilita o
modelo vigente a produzir fórmulas e soluções elementares para a
efetivação de um real espaço comum, denotando, assim, uma fragilidade
em suprir as demandas surgidas das novas relações intracomunitárias.
Mais concretamente, ao possibilitar a ascendência dos interesses
governamentais sobre matéria jurídica e não dispor de meios
coercitivos, alimentando assim antagonismos e descumprimentos, não está
à altura de funcionar como elemento garantidor de uma projetável ordem
comunitária.
PAULO
BORBA CASELLA, festejado especialista em Direito de Integração, tem
posição lapidar sobre o assunto: “O sistema estipulado pelo
Protocolo brasiliense para solução de controvérsias, pelo
amadorismo de seus mecanismos, além de complexo e dificilmente
operacionalizável, nunca poderia desempenhar o papel que se esperaria
de um tribunal. Para preencher o espaço de atuação será necessário
poder contar com órgão institucional, sob a configuração de um
tribunal... Neste campo judicial e da solução de controvérsias a
supranacionalidade da composição e da atuação do tribunal serão
vitais para que este possa desempenhar seu papel de modo eficiente e
atue como instrumento de consolidação de ordenamento comum entre os
países do MERCOSUL (...).
Realmente,
e mesmo sem adentrar no mérito da necessidade de um direito
supranacional, atendo-nos apenas ao que já se consumou tecnicamente
no interior do MERCOSUL, fica difícil imaginarmos, por exemplo, a
aplicação do Protocolo de Las Lenãs (1992) sem uma autoridade
superior que diga que igualdade é essa — almejada em seu Preâmbulo
— de acesso dos cidadãos à Justiça dos quatro países-membros, pois
do contrário cada país vai continuar valendo-se desse princípio de
acordo com a interpretação que melhor lhe interessar ou aprouver. O
simples fato de que cidadãos possam extrair direitos subjetivos para
seu patrimônio jurídico das normas do MERCOSUL pressupõe a
necessidade de se assegurar a igualdade de tratamento a todos os
destinatários, caso contrário não estaremos diante de um sistema jurídico
completo — que não precisa ser fechado, mas deve conter mecanismos de
garantia da eficácia das normas. Ou seja, faz-se mister que haja um
controle supranacional sobre competências e sobre a lei aplicável. E
mais, é preciso que haja uma interpretação uniforme dessas normas
dentro do espaço integrado. O que implica na existência de um órgão
ao qual os Estados-Partes transfiram poderes para interpretar e
administrar a legislação comum do bloco sub-regional.
Se
não se pode dizer o mesmo do círculo dos condutores políticos e
diplomáticos do processo mercosulista, o certo é que os debates
sobre essa questão da existência ou não de um órgão institucionalizado
no comando do sistema de solução de controvérsias circunscreve-se
hoje, no mundo acadêmico, a duas grandes correntes: os que gostariam de
contar com um tribunal judicial supranacional a curto ou médio prazo; e
os que o preferem mais adiante, a longo prazo — alguns afinados com a
visão oficial do “MERCOSUL do jeito e quando os governos quiserem”.
Mas ambas, excetuada a neutralidade de raros representantes,
previsivelmente acalentando a perspectiva de caminharmos para um
mercado comum nesse lado do planeta.
Assim
é que, apontando obstáculos de ordem constitucional para a adoção
imediata de uma Corte aos moldes europeus ou até andino, e mesmo por
considerarem o MERCOSUL ainda em fase transitória, alguns estudiosos
preferem conviver com experiências mais lights nesse momento, deixando
para o futuro (previsível para uns; incerto, para outros) qualquer avanço
nesse assunto. Nessa linha, dentre os nomes mais expressivos, tomemos
a seguir, resumidamente, o pensamento de LUIZ OLAVO BAPTISTA, JORGE
FONTOURA e PAULO ROBERTO DE ALMEIDA.
Temeroso
de que se repita aqui um “governo de juizes como deduz do caso
europeu, LUIZ OLAVO BAPTISTA tenta responder às críticas
direcionadas ao caráter ad hoc do Tribunal Arbitral do MERCOSUL
sugerindo sua transformação para permanente —“atribuindo-se-lhe um
regimento que regularia o processo, e daria estabilidade à função dos
árbitros (por exemplo, estabelecendo-lhes mandato fixo)”, aos moldes
da Corte Permanente Arbitral de Haia ou do BENELUX, bem como
aumentando-se-lhe “a competência para proferir decisões declaratórias”.
O detalhe é que o ilustre catedrático da USP concebe o MERCOSUL como
projeto de cunho cooperativo talhado pelas circunstâncias de percurso,
consequentemente aquém da destinação esculpida pelo diploma assunceno
e face ao que procura evitar uma comparação entre o sistema local e o
da UE, além de desconsiderar a existência — a partir de 1965 —
de um Tribunal de Justiça no BENELUX (coexistindo com o Tribunal
Arbitral Permanente).
JORGE
FONTOURA procura alertar para o atual patamar da integração “mercosuliana”,
em que a fórmula intergovernamental responderia pelo aparente sucesso
comercial da união aduaneira, e cautelosamente propõe “um novo livro
para uma velha escola” — qual seja, a instauração de um colégio
arbitral permanente, não supranacional, a possibilitar “a elaboração
de um corpus jurisprudencial pré-comunitário”, inclusive porque
reconhece que as instâncias arbitrais meramente ad hoc assim não
permitem.
E
o diplomata PAULO ROBERTO DE ALMEIDA, que representou o Brasil no
Grupo ad hoc IGMC (1991) preparatório do projeto de sistema de superação
de conflitos para a etapa de “transição” mercosulista,
entendendo que não é tão simples assim “alcançar um regime de solução
de controvérsias como aquele corporificado no órgão judicial das
Comunidades Européias”, considera que o quadro desenhado pelo
Protocolo de Brasília — fruto de tal Grupo de trabalho — acumulará
experiência necessária para “conformar-se no embrião do futuro
Tribunal de Justiça do MERCOSUL.
Para
alguns, como se percebe, o processo está preso apenas às questões de
timing e oportunidade, ao talante dos governos. Mas o tema, ao nosso
ver, não é tão simplista e nem se reduz a estratégias econômicas
mutáveis unilateralmente ou refreáveis por interesses do Executivo
deste ou daquele país-membro. Trata-se, para dizer o mínimo, de uma
iniciativa de grande magnitude — a mexer com o presente e o futuro
das populações dos Estados-Partes —, contratada para ser um mercado
comum em seu estágio derradeiro. Juridicamente, os termos continuam
vigentes e exigíveis — apenas o prazo foi alterado de comum acordo.
Ora, sabendo-se, pela análise das experiências européia e andina, o
quanto representa um sistema jurídico acabado, encimado por um
tribunal autônomo e permanente, garantidor da profundidade e da
qualidade da integração, não há que se pensar em tê-lo apenas
quando o modelo evoluir além da união aduaneira. Pelo contrário, há
que se implantá-lo agora — o que requer, naturalmente, certos
procedimentos legislativos e administrativos anteriores — seja para
contribuir na formatação da própria união aduaneira (hoje
incompleta) e/ou alicerçar o mercado comum compromissado, seja para
evitar que nascendo em meio a vícios e desvios de relacionamento
(comercial, digamos!) reste inócuo ou inoperante, mais como monumento
ao desperdício e inércia do modelo. Ou então mudemos o Tratado de
Assunção, mutilando as suas metas e abrandando a sua dimensão, o
que implicará em nos conformarmos todos com mais uma malograda aliança
de países pobres ou remediados da América, por não conseguir avançar
a posição de seus sócios no cenário internacional.
Nesse
ponto, o que deve ficar cristalino é que não há como negar a
influencia e a vontade dos governos no alcance dos objetivos
integracionistas. Concomitantemente, porém, exige-se o devido respeito
ao que foi convencionado e a adoção de medidas jurídicas apropriadas
que impeçam ou dificultem a quebra das regras do jogo e assegurem o
seu futuro, condicionando-se o elemento político ao jurídico —
iniciativa indispensável para a construção de um espaço comunitário
onde não basta, mas é indispensável, o funcionamento de um tribunal
permanente (para nós, também supranacional). Essa, aliás, a posição
comungada por grande parte dos doutrinadores e especialistas na área,
da qual ora trazemos alguns breves exemplos à colação.
Embora
concordando que os governos geralmente determinam o ritmo dos
processos integracionistas, LIGIA MAURA COSTA preconiza que é necessário
decidir uma questão institucional pendente para que o MERCOSUL possa
desenvolver-se da forma em que foi concebido — a criação de um
tribunal supranacional. E vai mais longe, indicando os aspectos
positivos de um tribunal enquanto intérprete e modelador do direito do
MERCOSUL, a saber: a) neutralidade do juiz, até como decorrência da
plena garantia de sua independência e imunidade; b) nomeação do juiz
por critério fixo e isento; c) representatividade e legitimidade do
juiz; d) cooperação entre o direito comunitário e direitos nacionais,
encaminhando a uniformidade e a harmonização do direito do bloco, seja
através de pareceres do tribunal nas consultas que lhe forem endereçadas,
seja pela aplicação das decisões comunitárias via juizes da ordem
interna; e) segurança jurídica (sob a forma de princípios gerais
e/ou expressões técnicas); 1) utilização de princípios gerais de
direito dos Estados-membros e um certo nível de uniformidade desses
princípios (ou no mínimo de uma maioria deles); g) execução obrigatória
das decisões do tribunal pelos Estados-membros.
Por
seu turno, ADRIANA DREYZIN DE KLOR adverte para os riscos jurídicos que
se engendram por não existir na estrutura institucional do MERCOSUL um
organismo jurisdicional de vocação supranacional, já que se carece de
um controle de legalidade — que deve ser independente dos Estados e
dos órgãos que possuam faculdades normativas. E, após referir-se à
ineficácia do sistema de arbitragem dentro do empreendimento
integracionista, a professora argentina demonstra que o dinamismo do
processo está sinalizando para uma nova fase, a da opção definitiva
por um sistema supranacional que implique a criação de órgãos
permanentes. Para concluir, inspirando-se em MIGUEL A. EKMEKDJIAN, que:
“En
la estructura definitiva del MERCOSUR, tiene que haber un Tribunal de
Justicia Permanente, del cual puedan ser parte los Estados vinculados y
los habitantes (personas físicas o jurídicas) de los cuatro países
miembros, con competencia para resolver las controversias entre los
Estados-Partes, las causas entre particulares, entre éstos y los países
miembros, para controlar la constitucionalidad de los actos emanados de
los órganos supranacionales y que sea intérprete final del derecho
del MERCOSUR.
Já
o magistrado PAULO F. C. SALLES DE TOLEDO, para quem a prática
comentarista do continente europeu deve ser observada na realidade
mercosulista, defende a criação de uma Corte de Justiça no MERCOSUL
— diante da existência potencial de conflitos de interesses que devem
ser solvidos — esperando que sua instalação não demore demasiado,
“pois o simples arbitramento, insuficiente porque sem raízes fundadas
na experiência dos povos do MERCOSUL, e porque não possibilita a
uniformização e a segurança jurídicas que somente a prática
jurisprudencial pode propiciar, logo se revelará uma solução
meramente provisória.
Cabe,
ainda, agregar mais dois comentários extremamente significativos ao
debate. Um deles da professora MARISTELA BAS50 que, temerosa de ver o
MERCOSUL rebaixado a mera organização de cooperação econômica,
propaga que “somente através de órgãos com poderes próprios (supranacionais)
é possível realizar a integração pretendida no Tratado de Assunção.
Não é possível falarmos de um mercado comum sem órgãos
independentes. O outro é de SUZANA C. DE ZALDUENDO, enquanto estudiosa
do Pacto Andino, ressaltando que “a originalidade do direito da
integração, tal como se manifestou na Europa, reside na distribuição
de competências entre os Estados e a Comunidade e, dentro desta, na
distribuição de poderes entre as distintas instituições comunitárias
criadas”. Porém, acrescenta, a salvaguarda da organização é o
Tribunal de Justiça. E, seguramente, quanto mais avançada e perfeita,
sob o ponto de vista institucional, maiores chances de êxito terá a
integração.
Não
é de hoje, aliás, que incentivos e cobranças, em nível individual ou
coletivo, são publicados e/ou endereçados a quem de direito, na
tentativa de acelerar a supressão do entulho políticoburocrático,
particularmente brasileiro, impeditivo de se implementar a curto prazo
um órgão judicial supranacional.
Nesse
sentido, serve como referência o 1º Congresso Internacional de
Direito Comunitário realizado em setembro de 1996, na cidade de Ouro
Preto (não por acaso onde foi assinado o Protocolo de 1994),
priorizando o tema da solução de controvérsias no MERCOSUL, cuja
Carta conclusiva, dentre outros pontos, reivindicou a “adequação
das normas constitucionais dos Estados-membros, a fim de assegurar a
supremacia do Direito Comunitário” e “a criação e instalação
de uma Corte de Justiça supranacional, para aplicação, interpretação
e unificação jurisdicional do Direito Comunitário. Fazendo coro a
este certame, verificou-se em Foz do Iguaçu (PR), de 24 a 26 de abril
de 1997, o Congresso Internacional de Direito Comunitário e do
MERCOSUL, onde praticamente reiterou-se a necessidade de mudança nas
Constituições dos Estados-Partes — para incorporação do princípio
da primazia do ordenamento comunitário sobre o nacional —,
finalizando-se com a proposta da “criação de uma Corte Supranacional
de Justiça como órgão garantidor da segurança e dos valores,
direitos e liberdades fundamentais que norteiam a união dos povos que
integram o MERCOSUL.
Naturalmente,
e isso não pode ser olvidado, a criação do Tribunal de Justiça do
MERCOSUL demanda, a exemplo principalmente do caso europeu, a alteração
dos textos constitucionais dos quatro países originários e, por que não,
dos dois associados (Chile e Bolívia). Para tanto, é preciso que a
Corte suprema de cada um dos Estados-Partes decline ou transfira parte
de seu poder e competência a um órgão jurisdicional que prevaleça
sobre a estrutura dos respectivos poderes judiciários. Nesses termos, o
Tribunal mercosulista teria, ainda, como uma de suas atribuições, de
nivelar e de homogeneizar alguns aspectos políticos, econômicos e
sociais, imperiosos na configuração da prenunciada Comunidade que se
ergue no lado sul da latinoamericanidade.
Aliás,
é extremamente pertinente e valioso que sejam erigidos os marcos de
atuação do tribunal ou sistema que vier a substituir o atual método
de solução de controvérsias do MERCOSUL, sem reacendermos aqui a
querela de seu aprazamento, mas sequiosos de sua efetivação, posto que
essa evolução representaria não só a efetiva vontade política dos
países parceiros em assegurar a plenitude do processo, como também
concorreria para modelar um direito próprio do bloco e o seu
cumprimento, sem descuidar de que ele outorgue acesso direto dos
particulares a tal instância — promovendo a proteção de seus
interesses com a maior abrangência possível. Sobre tal tema, o pensamento
da maioria dos estudiosos converge para um programa mínimo, que assim
sistematizamos: a) criação de um órgão jurisdicional (Tribunal ou
Corte de Justiça) de funcionamento permanente; b) obrigatoriedade
dessa instância judicial; c) atributo da supranacionalidade; d) caráter
de instância superior; e) sentenças obrigatórias, inapeláveis e
definitivas; de competência ampla, entre Estados-Partes, órgãos e
agentes do MERCOSUL; g) interpretação uniforme do direito comunitário,
permitindo sua aplicação harmônica; h) aplicabilidade direta das
sentenças na ordem interna dos Estados-membros; i) atuação
interligada e complementária do juiz nacional; j) executoriedade das
sentenças com a maior eficácia possível; k) reconhecimento de competência
consultiva; 1) ampla garantia de acesso das pessoas físicas e jurídicas
à via jurisdicional desse sistema. E alguns preferem acrescentar-lhe,
também, a competência arbitral.
O
empecilho existente, sabemos, pode ser deduzido da condição
inter-governamental predominante no regime de superação de conflitos
do processo mercosulista, a demonstrar a relutância dos seus países em
abrir mão de parcela de seus respectivos poderes soberanos. Ora, a
etapa definitiva, cada vez mais protelada, exigirá a adoção de
instituições comunitárias e supranacionais e, em decorrência, algum
tipo de restrição à soberania dos Estados — o que já vem mexendo
com certos setores do establishment dos países conveniados, ardentes defensores
do princípio provecto da soberania ampla, geral e irrestrita.
A
configuração institucional definitiva do MERCOSUL, para além do período
de convergência da tarifa externa comum (TEC), esclarece PAULO BORBA
CASELLA, “terá de optar, inelutavelmente, entre duas concepções
antagônicas e mutuamente excludentes: a dicotomia entre cooperação e
integração ou entre intergovernamentalismo e supranacionalidade. O
sucesso ou esvaziamento do modelo passa por esses conceitos. Ora, a
integração pressupõe o tribunal supranacional, cuja existência é
vital para assegurar a coerência do sistema jurídico comum (ou comunitário),
com a dimensão já especificada. E isso não poderá ser atingido pelo
atual mecanismo sub-regional de solução de controvérsias.
Para
que haja uma integração econômica real no MERCOSUL, dois aspectos
essenciais, dentre outros, deverão ser prescritos: se vai ou não ser
criado um órgão judicial supranacional (fixando-se-lhe competência
e âmbito de atuação); e 20) se a resposta for positiva, qual o
modelo econômico que será adotado e qual extensão deverá possuir a
regulamentação uniforme de setores básicos da economia, garantindo a
viabilização das chamadas liberdades fundamentais?
Concordando-se
que o parágrafo único do artigo 40 da Constituição Brasileira e o
artigo 10 do Tratado de Assunção nos remetem ao mercado comum, como
estágio legalmente previsto e a ser construído, e muito embora as inúmeras
análises que tais tópicos poderiam ensejar, identificamos em CASELLA
algumas propostas concretas nessa direção:
“a)
alterar a redação dos dispositivos relativos à soberania e independência
nacional, subordinando a matéria ao princípio geral fixado pelo parágrafo
único do artigo 40 (construção de uma comunidade de nações);
b)
alterar a divisão de competências legislativas e judiciárias,
inserindo o tribunal supranacional na composição do sistema judiciário
nacional, resguardando-se a sua esfera e competência na interpretação
e aplicação das normas comuns;
c)
resguardar a esfera de competência legislativa e administrativa dos
órgãos comunitários, alterando-se as competências privativas da
União.
A
ausência de mecanismo definitivo de solução de controvérsias no âmbito
do MERCOSUL não pode perdurar. E se nos fixarmos nas ocorrências
espelhadas pelo andino fica ainda mais difícil esconder a nossa
preocupação com os enormes riscos que o adiamento da questão — na
agenda oficial — acarretará ao modelo mercosulista. Também não é
despiciendo relembrar que o mercado comum europeu se fez política e
juridicamente, com o Tribunal de Justiça desempenhando incontestável
papel ao longo do seu processo de consolidação, inclusive tomando-se
uma fonte geradora do direito e fomentando a transformação do modelo.
Essa
inquietação com a política transversa de “deixar o futuro para o
futuro”, quando o mais lógico é tê-lo fundado no presente, o que
equivale a contar com o Tribunal de Justiça Permanente ainda na fase da
união aduaneira, é ponto alto da obra de LUIZELLA GIARDINO B.
BRANCO, quando afirma:
“A
esfera jurídica é, sem dúvida, a única que pode garantir a
continuidade a longo prazo da integração porque não se esgota com a
instauração desta, mas ao contrário, acompanha o processo de
desenvolvimento. Assim, podemos afirmar que para haver uma futura
modificação da atual configuração política do MERCOSUL, em direção
ao pretendido Mercado Comum, mister se fará a instauração de um
Tribunal Supranacional, que conduzirá a conformação de um direito
comunitário. Sem esse procedimento, dificilmente poderemos alcançar
essa meta, já que o passaporte para a consolidação institucional
comunitária, a exemplo do modelo europeu, depende de uma sólida e fértil
estrutura jurídica.
Como
está perceptível ao cabo desse estudo, no que concerne ao sistema de
solução de controvérsias, o Protocolo de Ouro Preto avançou muito
pouco, perdendo a oportunidade de agregar aos órgãos previstos no seu
artigo 1º a figura de um tribunal jurisdicional. Todavia, o parágrafo
único do mesmo artigo permite a criação de tantos órgãos quantos
necessários para auxiliar o alcance dos objetivos mercosulistas, o
que deixa aberta a possibilidade da futura implementação de um
tribunal permanente de competência obrigatória, de preferência
supranacional, órgão imprescindível a todo processo de integração
que se pretenda profundo e eficaz, mas até agora postergado pelos
negociadores do MERCOSUL.
Há
que se registrar, enfim, que, consoante o artigo 34 do Protocolo de Brasília
e o artigo 44 do Protocolo de Outro Preto, esse mecanismo funciona em
caráter transitório — que torcemos para que não se transmude em
definitivo! —, com os Estados-membros comprometendo-se a revisá-lo
antes de culminar o processo de convergência da TEC, com vistas à
adoção do sistema permanente referido no item 3 do Anexo III do
Tratado de Assunção.
Nesses
dispositivos, aliás, depositamos nossas derradeiras esperanças.
Afinal, se a integração for de fato a opção do MERCOSUL, somente um
tribunal supranacional poderá estruturá-lo juridicamente. E a
realidade circunstancial intrabloco, após a crise entre o Brasil e a
Argentina que por pouco não implodiu o MERCOSUL em 1999, parece fazer
soprar ventos mais lúcidos sobre o quadro institucional do consórcio
assunceno, detectável pela recente entrevista do Embaixador Extraordinário
do Brasil para Assuntos do MERCOSUL, JOSÉ BOTAFOGO GONÇALVES, ao
anunciar que “para aperfeiçoar o atual sistema de controvérsias e
diminuir as crises entre os parceiros” será criado um tribunal
permanente para resolução dos conflitos comerciais.
Tomara
que para antes de 2006!
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